Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Entre a casa e a rua: cultura, espaço e consumo em shopping centers
Entre a casa e a rua: cultura, espaço e consumo em shopping centers
Entre a casa e a rua: cultura, espaço e consumo em shopping centers
E-book93 páginas1 hora

Entre a casa e a rua: cultura, espaço e consumo em shopping centers

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Desde sua chegada ao Brasil, na década de 1960, os shopping centers engendram um novo tipo de sociabilidade nas localidades em que são implementados. Com eles, a emergência de um modelo de consumo transformador do espaço que, não raramente, ocasiona a substituição dos locais públicos da cidade – os antigos passeios e praças - por estruturas de concreto privatizadas. Nossa exploração aponta que o conceito de shopping center "à brasileira" representa uma projeção da Casa na Rua – aqui utilizando as categorias antropológicas estabelecidas por Roberto DaMatta – ao ritualizar o espaço público com os significados do ambiente caseiro de afeto, proteção e pessoalidade.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento30 de out. de 2020
ISBN9786558771425
Entre a casa e a rua: cultura, espaço e consumo em shopping centers

Relacionado a Entre a casa e a rua

Ebooks relacionados

Ciências Sociais para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Entre a casa e a rua

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Entre a casa e a rua - Luiz André Soares

    simbólicos.

    PRODUÇÃO E CONSUMO: UMA PROBLEMÁTICA OCIDENTAL

    Uma vez que determinados espaços são destinados à atividade de consumo nas sociedades modernas, especialmente os shopping centers, torna-se essencial o entendimento daquele fenômeno enquanto prática que se comunica simbolicamente com o mundo no qual vivem os consumidores e que sobretudo faz com que esses de alguma forma se relacionem. Assim sendo, por trás das simples compras materiais e dos passeios descompromissados nos shoppings, existe a contínua construção do mundo do consumo, ou seja, um universo de comunicação e classificação, motivado ou não por razões subjetivas, que não pode ser meramente entendido como algo que represente uma espécie de desdobramento do mundo da produção. É a minha intenção retratar aqui o consumo, tal como podemos entendê-lo com a ajuda particular das lentes das ciências sociais, especialmente a sociologia e a antropologia.

    É possível constatar que grande parte das narrativas sobre a sociedade capitalista ocidental possui um elemento em comum: todas posicionam a produção como sendo a razão maior de nossa existência, ocupando a posição central em um sistema onde o trabalho é o elemento que enobrece e dignifica o homem. Dessa forma, existe um vasto campo de produção do conhecimento acerca do tema: uma historiografia da produção, uma ciência política da produção, uma teoria econômica da produção. Através de um intenso processo de valorização cultural da produção, justificada sempre com premissas racionalmente inquestionáveis, deixamos de lado um outro aspecto de igual importância: o consumo, que assumiu durante o desenvolvimento do capitalismo um verdadeiro caráter pejorativo. Em outras palavras, consumir sempre foi visto como algo negativo, diminutivo e em contraposição ao potencial produtivo que, até então, acreditava-se inerente ao próprio homem.

    O contato de uma sociedade com essas características com outros tipos de sociedade pode ser sintetizado historicamente como um contato de anulação das diferenças, sempre de um ponto de vista destrutivo. Rocha (1995a, p.123), analisando tal contato, acredita que existem certos pontos dos quais a sociedade capitalista não abre mão quando cruza sua visão de mundo com outras concepções; (...) em outras palavras, é impossível negociar quando está em jogo uma concepção que discorde de que a natureza (...) deva cumprir um destino de se transformar em riqueza. Outros três elementos acompanhariam e celebrariam uma versão completa da chamada sociedade moderna-industrial-capitalista: a existência do Estado como um poder separado da sociedade civil, a preponderância do indivíduo como valor central, em contraposição à coletividade, e uma concepção de tempo histórico linear.

    É necessário ressaltar aqui o processo histórico-cultural de construção da sociedade capitalista: seu mito de origem é a Revolução Industrial. É a partir dela que passou a fazer sentido trabalhar e acumular e, consequentemente, naturalizar essas duas atitudes como sendo as diretrizes básicas da vida humana. São, entretanto, atitudes esperadas dentro de um contexto cultural específico. Não são retratadas da mesma forma central e nem mesmo implicam invariavelmente em uma mesma racionalidade em todas as sociedades humanas. Como descreve Sahlins (1979, p.188), (...) a produção (...) é algo maior e diferente de uma prática lógica de eficiência material. É uma intenção cultural. Assim, a questão antropológica não está em ser ou não produtivista, mas em assegurar que necessariamente não existem meios mais corretos ou justos de se encarar a vida, apenas meios diferentes; a existência da vida é sobretudo a existência contínua de uma produção simbólica e, nesse sentido, a especificidade ocidental estaria na institucionalização do processo simbólico, disfarçado na forma da produção.

    A força do simbólico seria de tal tamanho que levou Sahlins (1988) a relativizar os efeitos do capitalismo em outras sociedades. Pois, se é bem verdade que historicamente é possível verificarmos a alta correlação entre colonização e etnocídio, também é possível pensar que tais sociedades ritualizaram o capitalismo de uma forma bastante singular, ou seja, realizaram uma verdadeira leitura significacional das leis de dominação capitalista, interpretando-as de acordo com uma rede própria de significação. Para Sahlins (1988, p.53), (...) os efeitos específicos das forças materiais globais dependem dos diversos modos como são mediados em esquemas culturais locais. Assim, explica-se a forma pela qual, no século XVIII, as mercadorias inglesas que aportavam nas Ilhas Sandwich eram recodificadas como benefícios divinos, criando não a esperada adjacência havaiana ao capitalismo, mas sim o fortalecimento da simbologia ligada às representações pertinentes ao sistema local de trocas cerimoniais.

    Essa ilustração evidencia, antes de mais nada, as causas pelas quais somos inevitavelmente etnocêntricos: tendemos a ver a diferença sempre como algo estranho e inesperado; não satisfeitos, ainda a interpretamos somente dentro daquilo que nos é simbolicamente possível cogitar. Somente para nós, ocidentais e produtivistas, faz sentido pensar que os índios que trocavam suas valiosas madeiras por espelhinhos estavam perdendo; avaliando pelos valores de uso e troca, noções moldadas pela economia ocidental, é claro que as madeiras ocupam uma posição de destaque dentro da razão pela qual racionalmente nós a utilizamos: tingir tecidos, gerar energia, enfim, vestir a roupagem ocidental de natureza e dar continuidade à produção. Os índios, por sua vez, encaram aquela troca por outro ângulo, pois atribuem diferentes significados aos objetos em questão e têm outros modos de avaliar a troca, o que não significa que sejam mais ou menos corretos, mais ou menos vencedores, se é que pensam supostamente em correção e ganho econômico nas

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1