O que é previdência do servidor público
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O que é previdência do servidor público - Luciano Fazio
data.
CAPÍTULO I
A Previdência Social: alguns elementos conceituais
Doutrinariamente, define-se como previdência
todo sistema, plano ou prática que tenha como objetivo assegurar pagamentos monetários ao trabalhador (e à sua família) na ausência dos meios de subsistência advindos de seu próprio trabalho. Tais pagamentos são chamados de benefícios previdenciários.
Hoje, a previdência social é tida como um direito humano fundamental, sendo expressamente mencionada na Declaração Universal dos Direitos do Homem, elaborada por representantes de vários países, com diferentes visões jurídicas e culturais.
A Declaração foi adotada em 10 de dezembro de 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em Paris, como norma a fim de nortear as legislações e as práticas de todos os povos e nações. Em particular, ela afirma:
Art. 25 — Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.
Observe-se que os direitos da Declaração são incondicionais, ou seja, não dependem de cumprimento de exigências por parte do indivíduo ou de seus méritos específicos.
A Constituição Federal brasileira define a previdência social como um direito social:
Art. 6º — São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Os direitos sociais são direitos humanos especiais, mais ligados a assegurar a igualdade do que a liberdade. Visam à garantia de padrões mínimos de condições socioeconômicas, como explica o jurista Dalmo de Abreu Dallari, para quem é insuficiente "afirmar que todos são iguais perante a lei; é indispensável que sejam assegurados a todos, na prática, um mínimo de dignidade e igualdade de oportunidade" (2004, 46).
Os direitos sociais são uma obrigação do Estado. Nas palavras do professor de Direito da Universidade de São Paulo Fábio Konder Comparato, "os direitos sociais se realizam pela execução de políticas públicas, destinadas a garantir amparo e proteção social aos mais fracos e mais pobres; ou seja, aqueles que não dispõem de recursos para viver dignamente" (2010, 77).
Quanto ao alcance desses direitos, a afirmação de Dallari refere-se a algo para todos
. Já Comparato faz menção aos mais pobres e mais fracos
. A abrangência das políticas sociais é objeto de controvérsias. No entanto, nem todas devem ser necessariamente universais ou focar em segmentos específicos da população.
Com efeito, há os direitos sociais que se referem a serviços que a sociedade avalia como muito importantes e que, portanto, devem ser oferecidos a todos, independentemente da condição social e econômica de cada um. Esses são os direitos sociais universais. Pense-se, por exemplo, no acesso aos sistemas públicos de educação e saúde, que não depende de condicionantes, tais como a comprovação de pagamento de impostos ou de condições de pobreza.
Mesmo os direitos hoje tidos como universais, ontem não o eram. Esses direitos não são fruto apenas de definições de alguns iluminados, mas também da compreensão do conjunto da sociedade e, ao longo da história, apresentam evoluções e involuções.
No Brasil, até o início da década de 1990, o sistema de saúde pública era gerido pelo Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) e era acessível ao trabalhador que apresentasse sua Carteira de Trabalho e Previdência Social. O INAMPS foi extinto em 1993 e suas competências transferidas ao Sistema Único de Saúde (SUS), criado pela Constituição Federal de 1988, que deu efetividade à universalidade do acesso aos serviços de saúde.
Até hoje, contudo, há também direitos sociais que demandam politicas focadas em alguns segmentos populacionais, caracterizados por necessidades específicas e/ou por situações de forte carência socioeconômica. Pense-se, em particular, nas políticas de assistência social. Por exemplo, o Bolsa Família, um programa brasileiro de transferência direta de renda, direcionado a um público restrito que, em 2018, era constituído pelas famílias com renda por pessoa de até R$ 85 mensais (ou de até R$ 170 mensais, se com filhos menores) visando à superação da situação de vulnerabilidade e pobreza.
Tanto nos países centrais quanto nos periféricos, a Previdência Social não nasceu como direito para todos, mas foi implantada de forma gradual e de maneiras diferentes, iniciando com os benefícios de pensão por morte e aposentadoria por invalidez para grupos específicos de trabalhadores.
Em vários casos, a Previdência Social nasceu por iniciativa dos trabalhadores. Vale lembrar, por exemplo, os mineiros europeus que enfrentavam o alto risco de desabamento das galerias subterrâneas de escavação. Não raramente, eles se organizaram para fornecer meios de subsistência às famílias das vítimas de acidentes fatais e/ou incapacitantes para o trabalho. Foram as caixas de socorro mútuo. E, aos poucos, tais iniciativas conseguiram também o financiamento patronal e até estatal.
No serviço público, as experiências pioneiras foram os benefícios garantidos pelo Estado a alguns poucos servidores, em particular àqueles que colocavam sua vida ou integridade física a serviço do país. Dessa forma, a proteção assegurada em casos de invalidez ou morte antes dos familiares estimulava o desempenho corajoso dos militares. Gradualmente, tal proteção foi estendida aos demais funcionários do Estado.
Oficialmente, a previdência social brasileira nasceu em 1923, quando as empresas ferroviárias privadas foram obrigadas pela Lei Elói Chaves a criar Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) para seus trabalhadores. Sucessivamente, o mesmo tratamento passou a ser garantido aos empregados de empresas de outros setores econômicos. Após a Revolução de 1930, a Previdência passou a ser uma preocupação do Ministério do Trabalho, que criou os Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), de abrangência nacional, agrupando as CAPs por categoria profissional, com o objetivo de estender essa garantia trabalhista para um número significativo de trabalhadores. Em 1933, nasceu o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM), ao qual se seguiram, entre 1934 e 1936, o dos Comerciários (IAPC), o dos Bancários (IAPB) e o dos Industriários (IAPI), bem como os de outras categorias profissionais nos anos seguintes. Em 1938, foi criado o Instituto de Previdência e Assistência aos Servidores do Estado (IPASE). Os IAPs funcionaram até os anos 1960, quando os dos trabalhadores do setor privado foram unificados no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Em resumo, a Previdência Social nasceu voltada apenas aos trabalhadores urbanos assalariados de algumas empresas estratégicas e, em um processo gradual até os anos 1980, foi estendida para a quase totalidade dos trabalhadores urbanos.
Somente no início dos anos 1990, após a Constituição de 1988, o índio, o quilombola, o garimpeiro, o agricultor e o pescador em regime de trabalho familiar foram contemplados com os mesmos benefícios da Previdência Social do trabalhador urbano, com regras específicas de contribuição (incidente sobre a comercialização de sua produção). E, na primeira década deste século, a previdência alcançou efetivamente os trabalhadores autônomos e até as pessoas que se dedicam exclusivamente às atividades domésticas, graças à cobrança de contribuições com alíquotas menores.
A rigor, no Brasil, a previdência social não é um direito universal, pois isso significaria a concessão dos benefícios apenas em razão da necessidade do trabalhador, enquanto é também condicionada à prévia realização de contribuições, como disposto na Constituição Federal. Os avanços quanto ao número e às categorias de trabalhadores protegidos por essa política pública caracterizam, portanto, a ampliação da cobertura previdenciária e não exatamente a sua universalização.
1.1 Os atuais regimes do sistema brasileiro de previdência social
Apesar de ter sido objeto de um processo de unificação de estruturas e uniformização de regras, a previdência social brasileira está ainda organizada em subsistemas distintos. Atualmente, o sistema previdenciário nacional está organizado em três pilares:
1º pilar, o do Regime Geral de Previdência Social — RGPS, público e obrigatório, que atende os trabalhadores em geral. É regrado na Constituição Federal, Título VIII, Da Ordem Social
, Capítulo II, Da Seguridade Social
, e especificadamente no art. 201. Popularmente conhecido como Previdência do Instituto Nacional de Seguro Social — INSS
, o RGPS constitui um regime que atende aos trabalhadores de todo o país e é administrado pelo INSS. Em particular, ao Regime Geral são vinculados também os funcionários públicos dos entes federativos (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) que não ocupam cargos efetivos (os que não assumiram seus cargos por meio de concurso público) e os servidores de ente federativo que não tenha instituído, ou tenha extinguido, o seu Regime Próprio.
2º pilar, constituído pelos Regimes Próprios de Previdência Social — RPPS, que podem ser instituídos por iniciativa do ente federativo para dar benefícios previdenciários aos servidores públicos de cargo efetivo e administrados por sua Unidade Gestora¹. A criação do RPPS é facultativa, bem como a extinção do mesmo. Os RPPS são regrados na Constituição Federal, no Título III, Da Organização do Estado
, Capítulo VII, Da Administração Pública
, e, em particular, no art. 40. Como os RPPS são administrados distinguindo o grupo dos servidores civis e do dos militares, este manual trata apenas os RPPS dos servidores civis.
3º pilar, dado pelo Regime de Previdência Complementar — RPC, nomenclatura que se refere à previdência privada, possui natureza contratual e é organizada de forma autônoma em relação ao Regime Geral e aos Regimes Próprios. No Brasil, é facultativa e gerida por instituições privadas. Essa previdência pode ser paga pelo empregador, parcial ou integralmente, ou somente pelo indivíduo interessado em uma proteção adicional para si e sua família. Os RPC são regrados na Constituição Federal, no Título VIII, que trata da Ordem Social, Capítulo II, Da Seguridade Social
, e especificadamente no art. 202. Pode ser oferecida na modalidade de previdência privada fechada, por meio de planos de benefícios regidos por um regulamento, por iniciativa do empregador e voltada para seus trabalhadores, ou de uma associação, ou de sindicatos, ou entidade classista e dirigida a seus associados. Os planos são administrados por Fundos de Pensão, também chamados Entidades Fechadas de Previdência Complementar — EFPC, sem fins lucrativos. Há também os planos de previdência privada aberta das Entidades Abertas de Previdência Complementar — EAPC, ligadas ao setor financeiro, que podem ser adquiridos por todos os interessados.
CAPÍTULO II
A evolução da previdência social após a Constituição de 1988
Ao sair do período da ditadura militar, a sociedade brasileira expressou, na Carta Magna de 1988, um pacto para um Estado de bem-estar social, entendido como a ampla utilização de instituições, políticas e programas do Estado para incidir diretamente na qualidade de vida de sua população, assegurando a fruição dos direitos sociais, em uma perspectiva redistributiva. Nessa construção, a previdência social é uma das principais políticas.
Já na década de 1990, no entanto, em vários países e também no Brasil, havia uma série de questionamentos ao Estado de bem-estar social. Uma das principais referências dessas contestações