Relações com o Aprender no Ensino de Biologia por Investigação
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Relações com o Aprender no Ensino de Biologia por Investigação - Guilherme Trópia
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2019 dos autores
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO ENSINO DE CIÊNCIAS
PREFÁCIO
Vivemos numa sociedade dependente da ciência e da tecnologia, mas que não sabe quase nada disso
. Essa frase foi dita pelo físico e astrônomo Carl Sagan em meados dos anos de 1980 para alertar o povo norte-americano sobre os riscos do baixo interesse das pessoas comuns em compreender o papel da ciência perante o crescente avanço do conhecimento na sociedade contemporânea. Naquela época a situação da educação em ciências no Brasil era muito diferente. Havia um deslumbre coletivo com o mundo novo de possibilidades que as tecnologias da informação e da comunicação, impulsionadas pelos primórdios da popularização da internet, oferecia. Posteriormente, em meados da década de 1990, Sagan alertava para um mundo que se aflorava assombrado por demônios¹, já extintos em outros séculos, que retornavam ferozmente com a proximidade da virada do milênio. Sua preocupação era de que as pseudociências e as superstições pudessem parecer mais sedutoras e atraentes a cada ano, como o canto de sereia da irracionalidade batendo novamente às nossas portas. E por mais estapafúrdio que isso possa parecer, ele estava certo.
Hoje estamos findando a segunda década do século XXI e parece que continuamos não sabendo quase nada sobre ciência e as tecnologias dela advindas. Movimentos anticientíficos eclodem pelo mundo retornando teorias abandonadas desde a Idade Média, como o terraplanismo, contestando as vacinas que preservaram milhões de vida, e questionando os efeitos das ações do homem sobre a natureza na degradação do planeta. Estaríamos no limiar de uma nova idade das trevas? Por que as aulas de ciências não conseguem promover a alfabetização científica de crianças e jovens? Qual tem sido o papel das disciplinas científicas escolares na formação para cidadania?
Professores de ciências – e de outras disciplinas também – são quase sempre interpelados pelos alunos sobre o sentido de se aprender isso ou aquilo. Porém, somos evasivos nas respostas que damos aos questionamentos de nossos alunos porque não fazem parte dos programas curriculares, seguidos fielmente em observância ao controle do Estado. A escola do século XXI ainda se mantém numa redoma, isolada do mundo exterior. As teorias continuam servindo apenas para tornar as cabeças dos estudantes mais cheias de conhecimento vazio, sem significado, pronto para ser vomitado nas provas e exames de seleção. Muito sabemos sobre ensinar e aprender ciências, mas quase nada é colocado em prática em sala de aula.
Sabe-se, por exemplo, que a ciência se faz por meio da investigação, da experimentação, da criticidade em relação aos resultados obtidos, da criatividade e da capacidade de comunicar e compartilhar resultados e significados. É a partir desse entendimento que surge no início do século XX um movimento em favor de um ensino de ciências orientado pela investigação. O precursor dessa ideia foi o filósofo e pedagogo estadunidense John Dewey, no livro Logic – The Theory of Inquiry. De acordo com Dewey a educação em ciências deveria ser orientada como uma ação ativa em que os alunos pudessem participar, de acordo com o seu desenvolvimento intelectual, dos passos do método científico para produzir conhecimento de forma reflexiva, semelhante a ação de um cientista. De lá para cá muito se avançou nesses estudos. No contexto brasileiro as atividades investigativas e o ensino por investigação ganharam ampla repercussão com a publicação da primeira edição dos Parâmetros Curriculares Nacionais, em 1997. Hoje essa perspectiva permanece presente na Base Nacional Comum Curricular da área de ciências da natureza que sinaliza que o processo investigativo deve ser entendido como elemento central na formação dos estudantes.
Este livro insere-se nesse contexto ao apresentar resultados de um estudo que objetivou investigar as relações de alunos do ensino médio com o aprendizado de conteúdos de biologia por meio de atividades investigativas. A base teórica que orientou a investigação foi inspirada nos estudos da relação com o saber de Bernard Charlot que indicam que a ação de aprender pode assumir diferentes significados para os alunos. Na análise dessas relações o autor identifica e discute os sentidos que os alunos atribuem ao aprender no processo educativo, algo que passa desapercebido pela maioria dos professores que, em geral, foca suas ações e esforços no ato de ensinar.
O estudo aqui apresentado se configurou a partir de observações de aulas de biologia do ensino médio que eram conduzidas por meio de atividades investigativas. Para melhor compreender as relações com o saber que essas atividades proporcionavam também foram utilizadas entrevistas semiestruturadas com os alunos e a professora. A partir do conjunto de dados obtidos por meio desses instrumentos, o autor conduz uma análise que privilegia três formas da relação epistêmica com o aprender descritas nos estudos de Charlot: (a) a objetivação-denominação
, em que aprender constitui na apropriação e enunciação de conteúdos intelectuais; (b) a imbricação do eu
, na qual o aprender é o domínio de uma atividade que o aluno aprendiz desempenha; (c) e a distanciação-regulação
, em que o aprender se remete ao domínio de relações afetivas, tais como: emoções, sentimentos e percepções, que o aluno estabelece a fim de construir uma imagem reflexiva de si mesmo paralelamente a uma leitura do contexto em que está inserido. Além dessas três formas de relação com o saber os resultados obtidos levaram o autor a considerar outras duas relações: a relação com o não aprender
, em que os alunos consideram o não aprendizado nas aulas de biologia por atividades investigativas, e o imaginário sobre o aprender no ensino por investigação
, que explora outros assuntos que os alunos gostariam de aprender nas aulas de biologia.
É importante notar que a análise feita leva em consideração algumas questões que influenciam na constituição das relações epistêmicas dos alunos com o ato de aprender. Destaca-se aqui as interpretações singulares que os alunos possuem sobre o aprender e o contexto educacional em que eles estavam imersos, como a proposta pedagógica da escola, a perspectiva do ensino de biologia por atividade investigativas e a realidade socioeconômica.
Os resultados do estudo sinalizam que os alunos estabelecem diferentes relações epistêmicas com a aprendizagem de biologia por meio de atividades investigativas. Nesse contexto, os sentidos atribuídos ao aprender se estabeleceram na enunciação dos conteúdos biológicos, no domínio de atividades investigativas das ciências biológicas e na relação reflexiva que os alunos constituem sobre si mesmos e sobre a sociedade.
A conclusão mostra que as relações com o aprender estabelecidas pelos alunos foram múltiplas e privilegiaram concepções das atividades investigativas desenvolvidas nas aulas de biologia, como a execução de atividades experimentais de forma empírica e objetiva, porém, afastadas das relações e implicações com a sociedade. Com isso, o estudo considera que os sentidos atribuídos ao aprender ainda necessitam superar a concepção neutra da ciência (do conhecimento com existência em si próprio), promovendo mais reflexões sobre as interlocuções entre ciência e sociedade, fundamentais para a constituição das relações que os alunos estabelecem com o ato de aprender ciências na educação básica.
Retomando as questões elencadas no início do prefácio, a leitura deste livro ajuda a refletir sobre uma importante lacuna que existe nos estudos que tratam do ensino de ciências por investigação e que, talvez, esteja passando desapercebida pelos professores: a relação com o saber (ou o não saber) que os alunos estabelecem quanto ao ato de aprender ciências. Se entendemos que é necessário atribuir sentido à ciência que se ensina nas escolas é preciso estarmos atentos aos significados que os alunos atribuem àquilo que é ensinado. Boa leitura!
Professor Paulo Henrique Dias Menezes
Departamento de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora
LISTA DE ABREVIATURAS
Sumário
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
RELAÇÕES COM O APRENDER E O ENSINO DE BIOLOGIA
1.1 PROBLEMATIZANDO O ENSINO DE BIOLOGIA
1.2 ESTUDOS DA RELAÇÃO COM O SABER DE BERNARD CHARLOT: ORIGEM E CONCEPÇÃO DE SUJEITO
1.3 RELAÇÃO COM O APRENDER: O SABER, O APRENDER E BASES TEÓRICAS
1.4 TRÊS RELAÇÕES COM O APRENDER: SOCIAL, DE IDENTIDADE E EPISTÊMICA
1.5 TRÊS FORMAS DE RELAÇÃO EPISTÊMICA COM O APRENDER
CAPÍTULO 2
ENSINO DE BIOLOGIA POR INVESTIGAÇÃO
2.1 O ENSINO POR INVESTIGAÇÃO EM JOHN DEWEY
2.2 O ENSINO POR ATIVIDADES INVESTIGATIVAS NAS REFORMAS CURRICULARES DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA NAS DÉCADAS
DE 1950 E 1960
2.3 PERSPECTIVAS ATUAIS DO ENSINO DE CIÊNCIAS POR INVESTIGAÇÃO
2.4 ENSINO DE CIÊNCIAS E BIOLOGIA POR INVESTIGAÇÃO
NO BRASIL
CAPÍTULO 3
ITINERÁRIOS DE ESTUDO
3.1 ABORDAGEM
3.2 CONTEXTO DE ESTUDO: OS ALUNOS, A PROFESSORA E
A ESCOLA
3.3 PRODUÇÃO DOS DADOS
CAPÍTULO 4
RELAÇÕES DOS ALUNOS COM O APRENDER NO ENSINO DE BIOLOGIA POR INVESTIGAÇÃO
4.1 OBJETIVAÇÃO-DENOMINAÇÃO
4.1.1 Aprender a denominar um conteúdo intelectual
4.1.2 Aprender a tomar posse de um conteúdo intelectual
4.2 IMBRICAÇÃO DO EU
4.2.1 Aprender a dominar atividades de investigação
4.2.2 Aprender enunciados que constituem a atividade
de investigação
4.3 DISTANCIAÇÃO-REGULAÇÃO
4.3.1 Imagem reflexiva de si quanto às relações entre ciência e sociedade
4.3.2 Imagem reflexiva de si quanto ao aprender para o trabalho
4.4 RELAÇÃO COM O NÃO APRENDER
4.5 IMAGINÁRIO SOBRE O APRENDER NO ENSINO POR
INVESTIGAÇÃO
CAPÍTULO 5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ÍNDICE REMISSIVO