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No Limite
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E-book151 páginas1 hora

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Sobre este e-book

Uma história de renovação, após um luto profundo, que começa com a higiene do espaço habitado, limpando o interior da protagonista e, simultaneamente, dando-lhe espaço ao perdão, à fé e ao amor. 
IdiomaPortuguês
Data de lançamento19 de abr. de 2021
ISBN9791220294720
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    No Limite - Ana Cirne

    vida.

    Agradecimentos

    A todos os que me incentivam a escrever.

    Aos que me inspiram na escrita.

    E a todos os que renascem das cinzas…

    Que a fé nunca se perca de nós.

    "Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma.

    O sonho é o que temos de realmente nosso,

    de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso."

    Fernando Pessoa

    ROMANCE

    De origem provençal, o termo romance designava, inicialmente, uma composição poética popular, histórica ou lírica, transmitida oralmente, de autor anónimo, semelhante à balada medieval.

    Mas, como forma literária moderna, define-se como obra literária, uma narrativa em prosa, normalmente longa, com factos reais ou imaginários, relacionados com as personagens, que vivem diferentes conflitos ou situações dramáticas, numa sequência de tempo relativamente ampla.

    Este romance é uma história de amor, tecida de diversas histórias, de diferentes amores, carismática de um amor universal, solidário e humano, que se pinta de várias tonalidades, num enredo simultaneamente construído e construtor, uno e fragmentado.

    É uma terapia, recheada de perdão e de várias grandes revelações.

    Esta história apresenta-se como uma prece, a que resta da vida, de muitas fases e várias vidas transformadoras, em busca da paz merecida.

    É um memorial, em que se revelam as peças do puzzle que compõem o que se é, eternizando a sua lembrança, uma a uma, como um presente que se desembrulha, ora dolorosa ora entusiasticamente.

    E, nessa totalidade fundamental, o amor que se tem e que se vive, duas faces da mesma moeda, dois pilares de uma só construção, entre o que se dá e o que se recebe, no passado e no presente. Que o futuro ninguém conhece.

    É uma narrativa aberta, ou seja, que pode ter continuação, mas com um final feliz, sem uma sequência cronológica exata, porque o pensamento filtra só e especialmente o que nos é caro.

    A ação, salpicada aqui e além de breves descrições, revela-se sempre de acordo com os valores da dignidade da vida e da morte.

    Qualquer leitor inteligente pode reinventá-la e reconstruí-la, porque há ressonâncias que ecoam em cada família e em cada história de vida.

    E, apesar de distintos, no fundo, todos somos iguais. Capazes de criar, segundo o mundo que temos e aquele com que sonhamos.

    CAPÍTULO I

    PAI SOBREVIVENTE E COMPANHEIRO

    Esta é a história mais corajosa que alguma vez escrevera. A de Luana, que se levantou para limpar a casa, a alma e a vida.

    Luana limpava as janelas de casa, após dois anos de acumulação de pó, chuva e dedadas. Dois anos de luto de dois pais. Quem não soubesse, diria que não tinham morado ali, ia já para duas décadas.

    – Como o tempo corre. Voa!

    Contrariamente ao que se pensa, o tempo não cura. Pinta é sobre as cicatrizes estaladas da pintura, outra cor, acamando mágoas, limando arestas, arrumando tudo em gavetas e caixotinhos, porque a vida é uma bênção e tem de continuar.

    Estava na hora de reagir à depressão, decidira. E deixar que o sol entrasse pelas vidraças da casa. Como gostava do sol…

    O amarelo tinha o poder de estimular-lhe o otimismo. Era uma cor feliz e acolhedora. Permitia-lhe a atenção para determinados detalhes e sinalizava alguma cautela. Ajudava-a a concentrar a atenção, a estimular o intelecto e sugeria-lhe animação. Sentia-a muito positiva, de fundamental transparência.

    Passava o pano molhado, em busca dessa luz, gozando o renascimento da perspicuidade, nas potencialidades do reflexo. Passava outro pano, para ausentar as partículas mais teimosas.

    Os braços doíam-lhe pela falta de hábito. Falta de exercício…

    A água acastanhada escura que escorria pelos vidros lembrava lágrimas enlutadas, daquelas quentes e pesadas, a que nenhuma maquilhagem é impermeável.

    Passava depois, delicadamente, o pano nas molduras do vidro duplo e polvilhava o detergente. Passava outro pano ainda, mais fino, e a transcendência da limpeza recordava-lhe a infância.

    Tinha saudades de falar com o papá, um exímio ouvinte.

    O papá tinha-se voluntariado para a carreira militar, quando ficara órfão de pai, aos dezoito anos. Fora militar, na guerra colonial, durante catorze. A ignorância popular costumava perguntar por ele.

    – No ultramar ganha o dobro, quase, não é?

    Via a mamã lacrimejar.

    – Preferia comer pão, a comprar bife, para ele estar ao pé de nós.

    Ele visitava a casa, de dois em dois anos, durante dois ou três meses.

    De nada lhe servira, a ela, ser a menina do papá sempre ausente.

    Tinha a sua fotografia na mesinha de cabeceira, muito bonito, fardado, com um meio sorriso e um olhar cintilante.

    A mamã ensinara-a a escrever ao papá. – Querido papá (…) Da tua filha, que nunca te esquece (…).

    Mas, ainda assim, quando estava presente, sempre calado, austero e perscrutante, era camuflado como a farda que vestia no mato.

    Era-lhe difícil imaginar o retrato que a mamã pintava dele. Um rapaz dedicado, muito enamorado, extremamente meigo.

    Tinham-se conhecido num baile. Dançaram e ele seguira-lhe os passos desenvoltos e ritmados, a medo, mas persistente. Tinha continuado assim vida fora.

    A mamã soubera depois que ele dava instrução militar e era do Norte. Estava ali em serviço, instrutor de recém-militares e partiria logo depois, não sem deixar contacto, nem mais terem deixado de trocar cartas de um amor exacerbado, ao mais profundo limite da paixão platónica.

    A mamã reconhecia-o como o homem da sua vida, o único que conhecera. E gabava-se disso.

    Todavia, impedida pelo avô materno de se dirigir ao quartel para receber a mensalidade dele, para construírem um lar assim que regressasse, optaram pelo casamento por procuração.

    Daí que, em pequenita, Luana se confundisse ao ver o álbum de matrimónio dos pais. O papá, à mesa com muitos amigos, repleta de garrafas e pratos desarrumados, todos de camisa e calções. A mamã, vestida de branco, linda, ao lado do pai dela, substituto do marido, na cerimónia religiosa.

    Seriam marido e mulher de facto, volvidos seis meses.

    Na lua de mel, em Sintra, num luxuoso hotel, ele dissera-lhe: – Não tenhas medo. Não te faço mal. E ela, apesar de tanto amor, chorara.

    A impreparação deixa marcas indeléveis em qualquer primeira experiência. Só o verdadeiro aconchego e compreensão a vai dissipando.

    Quando o papá chegava a casa, fechava-se a porta do quarto, sempre aberta, porque a mamã, durante a noite, habitualmente, inspecionava a respiração de cada filho, ansiosa que pudesse parar.

    O papá tinha crises de paludismo, febres altas, delírios. E ninguém podia entrar no quarto. Tinha o estômago frágil, devido às rações de combate, explicava a mamã. Por isso, não suportava ananás, pepino, marisco ou bebidas alcoólicas.

    Vomitava com facilidade, em urros que estonteavam a paz da casa e chamavam o alvoroço, que ecoava do primeiro andar, onde eram os quartos e se espraiava para o rés do chão, onde ficava a sala, a cozinha, a casa de jantar e o quintal.

    Enfim, inundava de terror o espaço mais dinâmico da habitação e tudo silenciava, medindo a frequência e a intensidade da sua aflição. Nas escadas de mármore, ressoava o eco da tragédia. E lembrava-se que, invariavelmente, o medo se apoderava dela.

    O papá exigia todos sentados, de mãos lavadas, à hora marcada, antes de ele próprio ocupar a cabeceira da mesa para o almoço e o jantar. Lia o jornal e fumava nervosos cigarros, após as refeições.

    Mas ouvia como ninguém. Tinha o talento de escutar uma grosseria sem reagir ou sorrir a um insulto, com sábia experiência, de quem está por cima três palmos.

    O papá não tinha muito tempo nem muita paciência para os filhos. Agora, Luana até achava que a distância das suas vidas e a educação masculina, da época salazarista, justificavam essa conduta, naquela altura sentida como imperdoável.

    Às vezes, via-o rir abertamente de profundo gozo, quando a enganava, dando-lhe duas moedas do mesmo valor que as quatro dadas ao irmão, mais velho, já experiente na brincadeira.

    Luana, inocente, pensava que era menor o seu quinhão e chorava de desgosto. Reclamava, não pelo dinheiro, mas pela preferência dada ao mano, a que todos a tinham habituado, para seu grande sofrimento. E, mesmo depois de descobrir o engano, cismava nessa predileção, sentindo-se violentamente preterida.

    O papá tinha-a pegado ao colo para tirar fotografias e pouco mais. Ser pai era um estatuto de muito orgulho mas sem tarefas, que isso era da incumbência da mamã, sempre presente e já habituada.

    Mas, trazia-lhe lindas bonecas, quando regressava de qualquer expedição, e um beijinho duradouro à chegada. Eram tão bonitas que a mamã a impedia de brincar com elas e serviam-lhe apenas de inspiração para a sua imaginação endiabrada.

    Olhava-as sobre a prateleira, a delicadeza dos pormenores, as cores, a expressão e imaginava histórias, diálogos, sustos, alegrias. Muitas delas, engolia-as, sem nunca as contar.

    Depois, o beijinho do papá tornava-se rotineiro, no entra e sai de casa, em ziguezague com silêncios prolongados, que importunavam a grande energia, inquietude e curiosidade de Luana, ainda pequenita.

    Só quando ele partia, ela recebia de novo aquele beijinho, apertado e prolongado, idêntico ao da chegada, mediado por um bigode fino, que emoldurava os lábios dele e, às vezes, picava a face dela. Nunca o veria sem ele, como se fosse realmente parte íntegra das suas feições.

    Uma manhã, quando ela chegou à escola

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