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Responsabilidade Civil na Cirurgia "Estética": da Natureza Jurídica da Obrigação do Cirurgião "Estético"
Responsabilidade Civil na Cirurgia "Estética": da Natureza Jurídica da Obrigação do Cirurgião "Estético"
Responsabilidade Civil na Cirurgia "Estética": da Natureza Jurídica da Obrigação do Cirurgião "Estético"
E-book226 páginas1 hora

Responsabilidade Civil na Cirurgia "Estética": da Natureza Jurídica da Obrigação do Cirurgião "Estético"

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Sobre este e-book

Esta obra trata da natureza jurídica da responsabilidade civil do cirurgião estético. O livro percorre a linha divisória entre obrigação de meio e obrigação de resultado, situando tal distinção no contexto jurídico nacional e estrangeiro (notadamente francês), assim como posicionando, concomitantemente, a obrigação do cirurgião estético na dogmática jurídica da responsabilidade civil e na legislação pátria vigente. A obra traça linhas evolutivas e comparativas, passa por análise interpretativa e adentra em temas específicos de destacada importância, como o estudo do real e científico significado do termo "estética", bem como a apuração do caráter terapêutico da cirurgia estética. Identificar a natureza jurídica da obrigação do Cirurgião Estético no Direito Brasileiro é trazer à tona Justiça e paz social. A conclusão apresenta interpretação do ordenamento jurídico brasileiro, em conjunto com a tendência evolutiva espelhada no Direito Francês, e suplementada pelo subsídio técnico-ético-científico médico.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento20 de abr. de 2021
ISBN9786559561698
Responsabilidade Civil na Cirurgia "Estética": da Natureza Jurídica da Obrigação do Cirurgião "Estético"

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    Responsabilidade Civil na Cirurgia "Estética" - Rogério Junqueira Homem de Campos

    248.

    CAPÍTULO I

    CONSIDERAÇÕES EVOLUTIVAS DA MEDICINA ESTÉTICA E DO DIREITO DELA DECORRENTE

    1.1 CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

    É possível perceber, através dos tempos, a evolução das conotações jurídicas emprestadas ao exercício da medicina, notadamente no que tange à responsabilidade civil decorrente dos procedimentos relacionados à cirurgia plástica, que evoluíram com crescente ênfase em seu viés estético.

    As doenças e as dores nasceram juntamente com o homem. Por isso, desde seu primeiro momento de racionalidade, tratou ele de procurar meios para combater ambos os males ⁵.

    As primeiras atividades não eram direcionadas ao estudo das patologias, mas sim à sua cura, predominando, durante milênios, o empirismo, baseado em observações. O médico, assim, não era considerado um especialista, mas um mago ou sacerdote, dotado de poderes curativos sobrenaturais⁶. Se, no entanto, a cura não acontecia, não é difícil imaginar que a culpa recaísse sobre o feiticeiro, com imposição de sanções ao mesmo⁷. E quanto mais a medicina se transformava em ciência, tanto maior foi se tornando o rigor científico na avaliação dos erros profissionais, não apenas vinculando-os, como na fase antecedente, ao singelo fato objetivo do insucesso, como também atribuindo-o à própria impotência da ciência diante da natural complexidade humana.

    No mesmo diapasão, não havia, de início, o direito como ciência ⁸ estruturada em sistemas normativos complexos, mas apenas em regras de convivência que, a princípio, não distinguiam a responsabilidade civil da penal, sendo vista a responsabilidade como forma de reação imediata e instintiva às agressões de outro homem. Quando tal reação passou a ser refletida, surgiu então a primeira fase na evolução da responsabilidade civil, na qual vigorava a vingança privada, com o homem fazendo justiça com suas próprias mãos.

    Logo, dentro das diferentes nuanças acordes com a época e com a evolução da medicina, os médicos tiveram de suportar as consequências de suas falhas e de seus erros ou do que era tido como tal. Assim, a responsabilidade civil do facultativo surgiu, historicamente, com as mais primitivas legislações.

    A cirurgia plástica em si é recente enquanto especialidade; contudo, tem ela suas raízes assentadas há milênios atrás, pelas mãos de artesãos indianos.⁹ Desde então, a cirurgia plástica percorreu seu caminho evolutivo, sempre privilegiando a estética.¹⁰

    Os procedimentos iniciais eram arcaicos e foram, aos poucos, sendo aperfeiçoados, empenhando-se para tanto os egípcios, os gregos, os romanos, os chineses, dentre outros. Hildegard Taggesell GIOSTRI¹¹ cita comentário do jurista argentino Bueres no sentido de que Gaspar TAGLIACOZZI, natural de Bolonha, no século XVI, foi o primeiro a utilizar-se de enxertos do braço para reconstituir narizes e orelhas, prática que ainda é utilizada nos dias atuais.

    A história da cirurgia plástica e de seus reflexos jurídicos, desta sorte, remete a longas datas, sendo esta uma das especialidades mais antigas da medicina, malgrado ser recente o reconhecimento da qualificadora de especialidade.

    Com fincas a obter leitura mais fidedigna dos caminhos evolutivos da cirurgia plástica (estética e reparadora), convém seja adotada, à luz da partição criada pelo conceituado cirurgião plástico Juarez Moraes AVELAR¹², divisão dos tempos em quatro períodos. Cumpre esclarecer que as datas são aproximadas e levam em conta também o local do desenvolvimento histórico, havendo, por isso, alguns poucos e pequenos desencontros de números, já previamente esclarecidos e superados por esta explicação.

    1.2 PERÍODO ORIENTAL – DE 4.000 A.C. A 1700 A.C.

    No Período Oriental, a prática de cirurgias reparadoras já era realizada entre os hindus.¹³ Os médicos eram tidos como artífices, que reconstituíam narizes e orelhas perdidos por ordens dos reis.¹⁴

    O que há de mais importante na documentação histórica sobre o período em exame data de 2.000 a.C.. Trata-se da descrição feita por SUSRUTA, considerado o pai da cirurgia hindu, na qual são abordados inúmeros procedimentos pertinentes à reconstrução de nariz. Tais práticas cirúrgicas foram tão bem explicitadas e sedimentadas que, ainda hoje, emprega-se a técnica denominada retalho indiano, oriunda daquela época, para a reconstrução do nariz.¹⁵

    No que tange à responsabilidade civil, dentre as codificações conhecidas, destaca-se a coleção de leis do rei Ur-Namu (2111-2084 a.C.), que no seu art. 625 referia-se à responsabilidade médica¹⁶, imputando a todos os médicos e cirurgiões que exercessem mal a sua arte uma multa de primeiro grau para casos relativos a animais, e uma multa de segundo grau para casos relativos ao homem.

    Merecem destaque também os antigos registros, "transcritos no ‘Papiro de Ebers’, datado somente de 1.550 a.C"¹⁷, que podem evidenciar a adoção de procedimentos ligados especificamente à cirurgia plástica naquela fase.

    1.3 PERÍODO EGÍPCIO - DE 1700 A.C. A 500 A.C.

    Os Egípcios também praticavam correções estéticas do corpo devido a deformidades.¹⁸ No Egito antigo, os médicos ostentavam elevada posição, mas tinham suas funções confundidas com as de sacerdote. Existia um livro, chamado Livro Sagrado, contendo todas as regras de obediência obrigatória para os médicos, que deviam nortear suas atuações por tais regras. Desde que respeitassem as regras, mesmo que o paciente viesse a morrer, não eram punidos. Em contrapartida, se não cumprissem as regras, eram punidos com a morte, qualquer que fosse o desfecho do tratamento¹⁹ e ²⁰.

    O Código de Hamurabi - por volta de 1700 a. C. – foi dos primeiros documentos históricos a tratar do problema do erro médico. Dedicou nove artigos à atividade médica e às obrigações dela decorrentes, já prevendo penas para médicos ou cirurgiões que cometessem lesões corporais ou matassem um homem livre ou um escravo. Se a cirurgia sobre um homem livre resultasse na sua morte ou em sua cegueira, aplicava-se ao médico a pena de Talião, ou seja, cortava-se a mão do médico, órgão culpado pelo fato, impedindo novas intervenções danosas. Inexistia, contudo um conceito de culpa num sentido jurídico moderno, apesar de vigorar responsabilidade objetiva coincidente com a noção atual. Por óbvio, somente operações de extrema simplicidade eram praticadas, tanto pelo desconhecimento anatômico, quanto pelo risco assumido pelo médico, que obviamente desestimulava tentativas, ainda que tidas como seguras.

    Já na Grécia, a riqueza histórica da Cirurgia Plástica recebeu pinceladas de apoio e de progresso do próprio Hipócrates (século V a.C.), o pai da Medicina, o qual tinha preocupações de ordem plástica, receitando unguentos e pomadas, com finalidade eminentemente estética.²¹

    Também a Grécia, no Século V a.C., teve o denominado Corpus Hippocraticum, que foi o primeiro verdadeiro estudo no campo da medicina, com elementos de ciência.²²

    Com o passar do tempo, ainda na Grécia, foi-se lentamente firmando o princípio de que a culpa do médico não se presume somente pelo fato de não ter ele obtido êxito no tratamento, mas deve ser analisada e individualizada com base na conduta seguida pelo profissional. Assim, já para os platônicos e aristotélicos, a responsabilidade do médico deveria ser avaliada por um perito na matéria e por um colegiado de médicos.²³

    1.4 PERÍODO OCIDENTAL - DE 500 A.C. A 1.900 D.C.

    Já o Período Ocidental foi marcado pela maior profundidade e evolução técnica-científica. Foi nessa época, então, que a cirurgia plástica deixou os relatos esporádicos de procedimentos empíricos e instintivos para iniciar em definitivo as sedimentadas descrições técnicas.²⁴

    Esse período da cirurgia plástica foi marcado pelos trabalhos de Aulus Cornelius CELSUS, que viveu no século I, sendo considerado o primeiro a deixar referências mais ou menos precisas sobre essa época. Sua publicação De Re Medicina apresenta informações e conhecimentos transmitidos pelos hindus, árabes e egípcios à civilização grega e logo depois à latina; descreve, ainda, métodos para correção de mutilações de orelhas, pálpebras, narizes e mamas. Por isso é considerado por alguns como o Pai da Cirurgia Plástica.²⁵

    A situação dos médicos na Roma antiga é marcada por fases distintas. Nos tempos mais primitivos, os médicos, escravos ou libertos, tinham caráter servil, já que todas as grandes famílias possuíam médico em seu numeroso quadro de servidores²⁶. A profissão de médico alcançou algum prestígio com o advento da Lei das XII Tábuas, por volta de 452 a.C., cuja Tábua VII introduziu alguns princípios gerais de responsabilidade, sob a denominação de Dos Delitos, passando a relação médico-paciente a ter uma forma de arrendamento de serviços em contrato consensual²⁷. Os primeiros rudimentos da responsabilidade médica, contudo, vieram com a Lei Aquília, que previa a pena de morte ou deportação do médico culpado de um erro profissional.²⁸

    A partir de então, a responsabilidade civil recebeu do Direito Romano os princípios genéricos que mais tarde seriam cristalizados nas legislações modernas.²⁹ Antes, tinha lugar a vingança privada, que foi sucedida pela primeira intervenção do poder público, através da pena de Talião, encontrada na Lei das XII Tábuas. Passando-se pela composição voluntária e pela composição tarifada, sobreveio a Lei Aquília - ano 468 -, quando teve início a generalização da responsabilidade civil.³⁰

    Conceito de culpa e algumas espécies de delitos próprios de médicos (como o abandono do doente, a recusa à prestação de assistência, os erros derivados da imperícia e das experiências perigosas) foram fixados pela lex Aquilia de damno, plebiscito posterior à lei Hortência, do século III a.C. .... E, como consequência, estabeleceu-se a obrigação de reparar o dano, limitando-a ao prejuízo econômico, sem considerar o que hoje se define por dano moral.³¹

    Naquela época brotaram as raízes do que se chama hoje de responsabilidade civil aquiliana ou extracontratual. Também foi a partir daquela época que o Estado chamou para si a função de punir e velar pela composição, surgindo a ação de indenização, e a responsabilidade civil começou a se distinguir da responsabilidade penal.

    Contudo, no último estágio do Direito Romano, a evolução e a complexidade das relações interpessoais fizeram com que a responsabilidade civil abrangesse a maior parte dos prejuízos materiais, chegando também a se abranger, ainda que de forma embrionária, os danos morais.

    Entre os juristas, todavia, paira controvérsia sobre a questão da ideia de a culpa ter origem na lei Aquília ou não, fato que não merece maiores considerações, por respeito ao objeto do livro.

    No período medieval, o direito passou a ser a própria expressão da vontade do soberano, fazendo com que a ciência jurídica pouco evoluísse nesta época.

    As punições por erro médico, de início severas, até mesmo face aos numerosos insucessos, com o passar dos séculos, principiaram a melhorar, seja pelo surgimento das universidades - séc. XIII -, ou pelo surgimento, por volta do ano de 1300, de bem organizadas corporações de médicos, que começaram a obter várias formas de proteção legal.

    Da Idade Média, o que se tem notícia de mais antigo é uma sentença do júri dos burgueses de Jerusalém, do séc. XIII, que determinava a dívida indenizatória de um médico pela morte de um doente.³² Na mesma época, os médicos tiveram participação direta na elaboração de legislações, que passaram a contar em sua redação com detalhes anatômicos³³: é o exemplo da Lei Sálica, da Lei Germânica e das Capitulares de Carlos Magno. Marco importante dessa época é o fato de ter sido o exercício da medicina restringido somente aos diplomados em universidades, o que ocorreu com edito do rei de França Jean I, em 1335.³⁴

    Já o direito canônico trouxe grande contribuição à evolução da responsabilidade civil do médico, por conta da grande modificação que provocou no direito civil e no criminal. Contra os acusados exigiam-se provas diretas e o exame minucioso dos fatos, sob a ótica de investigações médico-legais³⁵.

    Destaca-se na época o aparecimento do Código Criminal Carolino, de Eduardo V, promulgado pela Assembleia de Ratisbona, em 1532. Espécie de constituição do império germânico, tal código tornou necessário que a decisão judicial sobre ferimentos, abortos, assassinatos e infanticídios fosse precedida de parecer de cirurgiões e parteiras, inaugurando período de mais justiça e de exercício prático da medicina legal.³⁶

    No mesmo período, apesar de no ano de 1597, o médico italiano Gaspare TAGLIACOZZI, considerado o Segundo Pai da Cirurgia Plástica, publicou o importante livro De Curtorum Chirurgia per Institutionem, escrito em latim e em versos, havida como a melhor obra até o início do século XX. A ele atribui-se inclusive a realização de operações reconstrutoras de deformidades faciais e outras conceituadas como cirurgia estética. Foi tal médico responsável ainda pela introdução de novos procedimentos cirúrgicos como, por exemplo, o chamado método italiano. Mas seu meritório trabalho custou-lhe a vida, pois, tendo vivido durante o período da inquisição, foi perseguido pela Igreja, que considerava as cirurgias estéticas como ofensivas às leis Divinas. Foi ele morto pela Inquisição italiana e tantos livros seus quantos puderam foram recolhidos e queimados.³⁷

    Todavia, tamanho era o grau de empirismo dos médicos que até 1628 acreditava-se que o sangue entrava e saía das veias como a maré. Neste século, começaram a ganhar força manifestações no sentido de proteger os médicos que, não obstante, em regra, não eram merecedores de grandes considerações.³⁸

    É, também, alvo de destaque o cirurgião francês denominado Le Mounier que, em 1764, tratou, pela primeira vez, uma divisão palatina. Nesta mesma época, outros cirurgiões começaram a empregar com êxito os conhecimentos da cirurgia plástica na correção de defeitos faciais. Porém, havia ainda grande pressão da Igreja, pelo que a Faculdade de Medicina de Paris impediu a continuação das cirurgias.³⁹

    Após a Revolução Francesa, surgiu a necessidade de disciplinar o vazio legislativo deixado pela queda da monarquia, o que fez com que os juristas voltassem seus olhos para a releitura dos textos romanos anotados pelos glosadores, que tinham visto, nas Institutas de Gaio, a adoção da ideia de culpa esculpida na Lei Aquília. A inspiração trazida pelos referidos juristas deu origem, no campo da responsabilidade civil, ao Código de Napoleão, que estabeleceu o primado da culpa como fonte do dever de indenizar.⁴⁰

    Assim, o Código de Napoleão estabelecia os princípios embasadores da teoria subjetiva da responsabilidade, segundo a qual três requisitos fundamentais eram exigidos para que se atribuísse ao ofensor o dever de indenizar: a) o dano; b) a culpa; c) o nexo de causalidade entre os dois primeiros.

    Como corolário de toda a evolução experimentada nos últimos tempos, para a cirurgia plástica o século XIX foi o mais rico de todo o Período Ocidental. Muitas publicações deixaram bases científicas de muito peso, como se estivessem preparando o cenário para receber o grande progresso do século XX.⁴¹, ⁴²

    Ainda na França da primeira metade do século XIX, em meio a discussões e pressões, chegou-se a ter a responsabilidade médica como sendo de cunho exclusivamente moral.⁴³ Tal pensamento passou a nortear a doutrina e a jurisprudência francesas e introduziu elementos de apuração da responsabilidade médica, apesar de ética, a ensejar progresso mais lógico e racional na responsabilização.⁴⁴

    Não menos importante foi o parecer do procurador-geral DUPIN (1832), que igualou as obrigações médicas às de qualquer outro cidadão⁴⁵ e ⁴⁶.

    "Em 1850, o Tribunal de Colmar e, em 1861, o de Metz, empregaram pela primeira vez as expressões imprudência e negligência"⁴⁷, dando início à responsabilidade civil médica como é hoje, ou seja, assente na culpa e isolada das responsabilidades ética e penal pelo mesmo fato. Diante disso, é inegável que a França largou na frente no estudo da matéria.

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