A Consulta Prévia, Livre e Informada: Instrumento de democracia e inclusão de comunidades indígenas
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A Consulta Prévia, Livre e Informada - Nathália Mariel F. de S. Pereira
PREFÁCIO
Uma democracia ainda jovem, uma sociedade polarizada, discursos intolerantes de lado a lado, o desapego aos fatos e a aceitação crescente de versões fantasiosas nos permitem acreditar em espaços de escuta e de fala coerentes?
E se os grupos que demandam ser escutados forem exatamente as minorias étnicas e culturais, marginalizados, ainda que deles tenha a Constituição Federal cuidado diretamente, criando um conjunto de normas protetivas? Haverá espaço real para que a escuta se dê e o Estado e a sociedade compreenda o olhar diverso cultural e socialmente estabelecido?
As perguntas não são retóricas e refletem o contexto em que a discussão sobre a Consulta Prévia, Livre e Informada transita, as dificuldades que enfrenta para se consolidar como um instituto efetivamente aplicado e, especialmente, para ser reconhecida como um dos instrumentos de consolidação da democracia.
A despeito da importância dos compromissos internacionais de direitos humanos assumidos pelo Brasil e das condenações já imputadas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, ainda insistimos em usar tais parâmetros como mero reforço argumentativo ou como menção retórica.
Discutir e conhecer o instituto da Consulta Prévia, Livre e Informada, problematizar a sua aplicação e o seu papel é essencial em qualquer sociedade que pretenda ser fraterna, pluralista e sem preconceitos.
O trabalho que se descortina em seguida alia o rigor acadêmico que se espera da obtenção do título de Mestre em Direito com a vivência profissional de uma integrante do Ministério Público Federal e ajuda a conceber que a escuta mútua nos aperfeiçoa como pessoas e como sociedade, na busca por uma democracia que não seja meramente formal ou insinuada, mas algo estrutural e entranhado em nossos atos e pensamentos.
Desafio o leitor a se embrenhar pelo tema e concluir que a democracia demanda respeito ao diverso.
Ubiratan Cazetta
Mestre em direitos humanos pela Universidade Federal do Pará
Procurador Regional da República
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1 – O DESENHO CONSTITUCIONAL DA DEMOCRACIA BRASILEIRA
1.1 Democracia, sistema tradicional e tomada de ações políticas
1.2 Necessária participação das minorias no debate público como princípio constitucional eleitoral estruturante
1.3 Conceito: o agir comunicativo e a razão discursiva
1.4 Democracia deliberativa e minorias
CAPÍTULO 2 – A CULTURA E A DEMOCRACIA: PLURALISMO JURÍDICO
2.1 Apolítica de aculturação de indígenas e o novo paradigma do Estado Pluralista
2.2 Ordens jurídicas distintas e o Multiculturalismo
CAPÍTULO 3 – A CONSULTA PRÉVIA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DA DEMOCRACIA
3.1 Conceito e previsão legal: Convenção 169 da OIT
3.2 Elementos para uma consulta prévia efetiva e emancipatória: sujeitos, hipóteses e forma
3.3 Vácuo de implementação nacional e a experiência dos Países latino-americanos
CAPÍTULO 4 – ANÁLISE DE CASOS E OS PROTOCOLOS DE CONSULTA
4.1 Função Ministerial e atuação social
4.2 Casos nacionais envolvendo matéria de consulta prévia e desdobramentos
4.3 A construção dos Protocolos de Consulta
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ANEXO A – PROTOCOLO DE CONSULTA MUNDURUKUS
Landmarks
Capa
Folha de Rosto
Página de Créditos
Sumário
Bibliografia
INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa debater a consulta prévia, como instrumento necessário para concretização dos ideais democráticos do Estado brasileiro e como forma de reconhecimento de direitos fundamentais de minorias, especificamente indígenas, essenciais em um estado pautado pelo pluralismo jurídico.
O ponto focal da discussão pode ser resumido na seguinte questão: em relação a grupos de minorias étnicas que não possuem voz em um sistema político de maiorias, como conferir legitimidade às decisões políticas tomadas, uma vez que não houve consenso ou debate? Pela teoria de Habermas, tais decisões não seriam legítimas, tendo em vista que não houve diálogo ou inserção de tais minorias dentro da sociedade política majoritária. Por outro lado, como garantir, caso haja vontade do Estado em ouvir tais povos, que a linguagem seja uma forma de argumentação efetiva e não meramente uma interação social?
As comunidades tradicionais são grupos reconhecidos por suas diferenças, por seus traços culturais únicos, tal afirmação corresponde diretamente à afirmação de que há a necessidade de um tratamento diferenciado também, como forma de respeitar uma real igualdade pautada no reconhecimento e respeito das diferenças, o que não poderia ser diferente em matéria de política e discurso.
O sistema democrático abrange tradicionalmente a vontade da maioria e valida de tal forma e método a tomada de decisões políticas, que abrangem tanto decisões administrativas quanto aprovações legislativas. Todavia, existem grupos, a exemplo dos indígenas e demais comunidades tradicionais, que ficam de fora das chamadas maiorias nacionais, e por serem grupos pequenos acabam sendo abrangidos pela representatividade do grupo em vantagem numérica, ficando sem voz e sem efetivo exercício de seus direitos políticos.
Segundo Habermas, só há democracia e efetiva liberdade comunicativa quando todos os cidadãos têm possibilidade de participarem das tomadas de decisões. Com base nessa premissa, em uma sociedade onde existem grupos sistematicamente excluídos de tal participação, é possível concluir que eventuais ações políticas não serão válidas para tais grupos.
Nesse contexto Habermas chama atenção para o fato de que a compreensão da democracia implica mudanças no modo de entender a política, uma vez que, para que uma decisão administrativa seja de fato legítima, ela deve estar embasada no consenso livre e explícito de todos os cidadãos de uma nação (HABERMAS, 2005, p. 22).
Cabe ressaltar que não se trata tão somente de participação política meramente formal, porém, de uma participação efetiva, em que sobressaem os elementos necessários para desenvolvimento concreto da comunicação entre os sujeitos, que pressupõem uma linguagem apta a promovê-la, pressupostos estes que podem ser apontados como indispensáveis em uma análise antropológica da participação política envolvendo comunidades tradicionais.
Além da teoria utilizada temos o princípio do discurso e seus subprincípios, por alguns não considerado como teoria própria e sim como auxiliar da ação comunicativa (SIEBENEICHLER, 2010). Tal princípio busca justamente validar normas em um contexto democrático efetivo, o que será trabalhado no presente trabalho de forma a explicar o porquê do vácuo de representatividade existente em nosso sistema, considerando que vivemos em uma sociedade globalizada, não apenas economicamente, mas também culturalmente, abarcando ordens jurídicas