Cai de boca no meu b#c3t@o: O funk como potência do empoderamento feminino
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Avaliações de Cai de boca no meu b#c3t@o
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- Nota: 5 de 5 estrelas5/5Escancara as irregularidades tão escondidas do patriarcalismo, de ideologias e de nossa sociedade brasileira, este livro é um espelho da sociedade, da atual conjuntura no cenário musical e cultural
Pré-visualização do livro
Cai de boca no meu b#c3t@o - Tamiris Coutinho
© Tamiris Coutinho, 2021
Editora Tainã Bispo
Capa vanessa lima
Projeto gráfico de miolo luciana facchini
Diagramação vanessa lima
Edição de texto luciana figueiredo
Revisão Fernanda Guerriero Antunes
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Jéssica de Oliveira Molinari – CRB-8/9852
Coutinho, Tamiris
Cai de boca no meu b*c3t@o [livro eletrônico]: o funk como potência do empoderamento feminino / Tamiris Coutinho. – São Paulo: Claraboia, 2021.
130 p.
Bibliografia
ISBN: 978-65-994000-8-7
1. Funk (música) 2. Empoderamento feminino 3. Feminismo I. Título
21-2148 CDD 782.421630981
Índices para catálogo sistemático:
1. Funk (música) – Feminismo
dedicatória
Ao meu pai, Ricardo, e a todos que,
assim como ele, perderam suas vidas
por causa da Covid-19, que assolou tantos sonhos e planos.
A todos que tiveram que lidar
com a perda de um ente querido.
A todos que estão seguindo firme,
mesmo nesse momento tão delicado.
permita-se envolver pelo funk
Pipita. Xota. Perereca. Xereca. Perseguida. Xana. Periquita. Buçanha.
Buceta.
BU-CE-TÃO.
Qual será o número de palavras existentes na língua portuguesa utilizadas para designar o órgão genital feminino? Tantas opções nos levam a refletir tamanho o tabu em torno da Vagina (sim, com V maiúsculo) e da sexualidade feminina em nossa sociedade. E, por falar em tabu e em sexualidade, podemos falar de funk? Bem, certamente sim, tendo em vista que, quando o assunto é funk, um dos maiores argumentos contra o movimento é a ainda presente objetificação das mulheres nas letras das músicas.
De fato, há uma gama enorme de músicas funk que tratam a figura feminina com subalternidade em diversos sentidos. Mas é preciso reconhecer também dois pontos cruciais. Se vivemos numa sociedade essencialmente machista e misógina, é esperado que isto seja refletido em toda a nossa cultura, inclusive em letras de músicas. Existem músicas funk que destilam misoginia e objetificação feminina. Contudo, é certo também que esse tipo de discurso é encontrado em – arrisco-me a dizer – absolutamente todos os gêneros musicais. Afinal, estamos todas inseridas numa estrutura patriarcal e falocêntrica.
Para além disso, eu não poderia deixar de mencionar que o funk possui uma quantidade expressiva de canções protagonizadas por (e que vangloriam, reconhecem e, sim, empoderam) mulheres. Quando, no entanto, apresentamos essas músicas aos críticos, o discurso muda, e entra em cena a narrativa preconceituosa disfarçada de opinião, e o funk passa a ser considerado vulgar. Passa a ser coisa de piranha e de puta.
Afinal, o que é ser puta? Se ser puta significa não aceitar um relacionamento abusivo que me violenta de qualquer maneira; ou se significa não aceitar atividades domésticas e o cuidado com os filhos como uma obrigação única e exclusivamente minha somente pelo fato de eu ser mulher; ou, ainda, se significa me assumir como um ser sexual e que pode buscar seu próprio prazer, então faço coro com Valesca e a Gaiola das Popozudas: valeu, muito obrigada, mas agora virei puta
. E com muito orgulho!
Bem, voltemos ao bucetão... Eu nunca poderia imaginar que um bucetão pudesse causar tanto alvoroço. Ao divulgar seu TCC, Tamiris Coutinho foi rechaçada nas redes sociais pelo título do seu trabalho – que, com certeza, a maioria esmagadora do exército de haters que se levantou contra ela não leu. Diga-se de passagem, Tamiris concluiu o curso de Relações Públicas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro recebendo nota máxima pelo seu trabalho final.
Muitas pessoas que a criticaram o fizeram alegando que bucetão
era uma palavra ofensiva demais e, por ser considerada de baixo calão, não deveria estampar o título de um trabalho acadêmico. Isso me leva a questionar: quem define o que é ou não adequado? Curiosamente, o livro mais vendido no Brasil por dois anos consecutivos (2018 e 2019) foi o best-seller A sutil arte de ligar o foda-se (Intrínseca). Nesse caso, o palavrão
utilizado não parece ter, sequer minimamente, influenciado de forma negativa esta obra.
E assim eu espero que seja com o livro que aqui apresento. Cai de boca no meu b*c3t@o: o funk como potência do empoderamento feminino não tem a intenção de lacrar
e/ou causar
– tal como algumas pessoas têm dito por aí. Esta obra está fincada em bases científicas e metodológicas sólidas que identificam as gerações do funk feminino e analisam, através das dimensões, objetivos e esferas do empoderamento, em consonância com o trecho de algumas canções, como o funk pode ser potente para disseminar o empoderamento da mulher. A análise demonstra como as músicas evidenciam temas pertinentes para que as mulheres se identifiquem e se reconheçam, para que se empoderem cada vez mais. E não só individualmente, mas, muito mais importante, se fortaleçam e se empoderem como grupo.
Faço, então, um apelo: permita-se envolver pelo funk. Funk-se! Mais do que ler este livro, ouça-o. Debruce-se numa leitura combinada a uma escuta atenta das canções aqui mencionadas (todas elas são facilmente encontradas em plataformas de streaming, como a playlist Funk Feminino – Só as empoderadas
, da própria Tamiris, no Spotify). Abra seus ouvidos, mente e coração às vozes de quatro gerações de mulheres MCs. Permita-se mergulhar de cabeça, corpo e alma no universo feminino do funk. Até porque, como bem cantam Ludmilla e Anitta, Ôôôô, o funk chegou! Ôôôô, favela chegou!
.¹
Profa. Ma. Juliana Bragança
Historiadora e pesquisadora do funk e idealizadora do Coletivo Funk no Poder
APRESENTAÇÃO
Muito mais que um TCC
Deixem que eu conte por que este prefácio tem a feição de uma novela de perplexidades. Tem a ver com a noite em que uma aluna, inadvertidamente, me cortou em pedacinhos usando a Navalha de Ockham, princípio que define que as melhores interpretações da realidade tendem a ser as mais simples.
Ao fim da aula, a moça simpática, de escrita fácil e boas notas arriscou: Profe, no meu TCC quero falar do empoderamento das mulheres no funk
. Parei. Como é? No funk?
Eu não sabia se tinha ouvido direito. Sou meio surda.
Ela fez uma defesa de uns dois minutos. Soou-me excessivamente otimista. Respondi, condescendente, que a ideia que eu fazia refletia uma crítica que eu ouvia muito: amplificar reivindicações sexuais não descartava a objetificação da mulher, mesmo vindo delas. Então, a moça projetou o argumento tão singelo quanto cientificamente poderoso: a maioria das pessoas nem sabia que a imagem e a mensagem das mulheres do funk eram muito, muito mais que isso
.
Meu Deus, e se fossem? A navalha partiu o cérebro em dois: ou a moça estava redondamente enganada, ou eu estava.
Vejamos... Duas mulheres, mas de duas gerações diferentes – era só anacronismo meu? Podia ser pior? Vieram--me as imagens de minha educação como mulher branca, filha de professora de piano, nascida em uma família de classe média: funk podia ser mais que música de má qualidade em que as mulheres tinham o único e permanente papel de disponibilidade para serem disputadas sexualmente (necessariamente por homens) ou para disputarem sexualmente (necessariamente com mulheres) o prêmio de serem bancadas por eles?
Era possível que, em vez de ouvir o que a jovem estudante tinha na cabeça, eu estivesse deduzindo a priori que seu argumento não tinha validade apenas por revisitar minhas memórias? Como, então, eu seria capaz de conhecer realidade diferente? Vou resumir: quem estava especulando era eu, emboscada na curteza da minha experiência, avessa ao repertório. Sequer tinha me feito, ou à moça, a pergunta fundamental da ciência: E se?
. Uma das maiores alegrias da mal remunerada carreira de professor é aprender e se surpreender com o que os alunos ensinam. E se a realidade não fosse o que eu achava?
Ora, a posição da aluna renderia uma hipótese revolucionária. Ali mesmo fui fisgada. Balbuciei algo como é bem possível que não conheçam este lado
e tratei de sublinhar o desafio de recortar muito bem o objeto. Depois de sugerir nomes que eu achei que poderiam servi-la com mais isenção que eu, segui para casa, bipartida: acalentada por afinal propor algo com método, mas vergada sob o peso de minha (in)capacidade de relativizar.
Lição aprendida, missão cumprida, resignei-me. Engano meu, de novo. A história ainda não tinha acabado.
Meses depois, a moça reapareceu, já na forma