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Histórias Geográficas: Paisagens do Kapót
Histórias Geográficas: Paisagens do Kapót
Histórias Geográficas: Paisagens do Kapót
E-book379 páginas4 horas

Histórias Geográficas: Paisagens do Kapót

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Sobre este e-book

Esta obra, tem como proposta perceber os espaços, referentes a uma região do Brasil Central, onde se procura resgatar os aspectos naturais, valores e culturas, fixar conceitos inerentes ao seu entendimento e dar visualização aos grupos sociais e acadêmicos que têm por lugar as paisagens do Cerrado. Aqui são apresentadas tentativas de assegurar a compreensão da estrutura ordenada/desordenada de uma região, já centenária em termos de ocupação antrópica, numa sociedade humana que pouco valoriza esses laços de pertencimento, bem como repassar as gerações futuras um pouco da historicidade e 'causos' dos povos e do lugar, cujas paisagens foram e são palco de diferentes vivências.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento21 de jun. de 2021
ISBN9786558400264
Histórias Geográficas: Paisagens do Kapót

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    Histórias Geográficas - Idelvone Mendes Ferreira

    APRESENTAÇÃO

    Estas são narrativas pautadas em relatos orais e documentos vários que foram repassados e/ou vividos, referentes a uma região do Brasil Central, pretérita e/ou atual, que vem sendo vivenciada, percebida e relatada, consolidado a posse e ocupação das terras do lugar – no Kapót – o Cerrado, na língua Kaiapó. Essas narrativas procuram relatar contextos sob diferentes óticas desses pesquisadores que vêm desbravando a Ciência Geográfica e áreas afins na atualidade, fruto de abstrações acadêmicas, técnicas e/ou pessoais.

    Deve-se destacar que a estrutura proposta para o entendimento da ordem hierárquica e temporal segue uma lógica paisagística, onde os autores retratam suas realidades percebidas nesses rincões do Brasil Central.

    A proposta desta obra é uma percepção desses espaços onde se procura resgatar os aspectos naturais, valores e culturas, fixar conceitos inerentes ao seu entendimento e dar visualização aos grupos sociais e acadêmicos que têm por lugar as paisagens do Cerrado. Esta região foi por muito tempo chamada de Sertão.

    Há de se ressaltar que esta é uma obra financiada com recursos da Chamada Pública n. 11/2014 – Programa de Bolsas Concedidas no Âmbito do Acordo Capes/Fapeg, concedidos ao Programa de Pós-Graduação em Geografia, Universidade Federal de Goiás/Regional Catalão, organizada pelos pesquisadores e colaboradores do Núcleo de Estudos e Pesquisas Socioambientais (NEPSA-UFCAT/CNPq), como resultados de suas pesquisas e percepções, sendo apresentada como contribuição à Ciência Geográfica.

    Ainda, as padronizações textuais e normalização técnica que foram feitas têm o objetivo de deixar o conteúdo da obra no padrão de edição da Editora. É importante ressaltar que nem sempre se usou as normas da ABNT para trabalhos acadêmicos. Isso é comum na publicação de livros, já que estamos publicando não um trabalho acadêmico, mas um livro com conteúdo acadêmico. Embora procurou-se respeitar as especificidades da linguagem científica, priorizou-se os elementos próprios da edição que fique agradável ao leitor, não desmerecendo a importância e qualidade das normalizações técnicas.

    Por fim, são tentativas de assegurar a compreensão da estrutura ordenada/desordenada de uma região, já centenária em termos de ocupação antrópica, onde muitos já partiram, numa sociedade humana que pouco valoriza esses laços de pertencimento, bem como para repassar as gerações futuras um pouco da historicidade e ‘causos’ dos povos cerratensis e do lugar, cujas paisagens foram e são palco de diferentes vivências. Que as histórias e estórias continuem fluindo. Façamos a Ciência Geográfica!

    Catalão/GO, julho de 2020.

    Os Organizadores

    1. OCUPAÇÃO E POVOAMENTO DE GOIÁS NO CONTEXTO DOS SÉCULOS XVIII AO XXI

    Estevane de Paula Pontes Mendes

    Idelvone Mendes Ferreira

    Introdução

    O Brasil, devido à sua magnitude espacial, comporta um mostruário bastante complexo e completo das principais paisagens e ecologias do mundo tropical, configurando uma potencialidade paisagística regional brasileira, estruturada por domínios zonais e azonais que representam paisagens diversas e seus subsistemas, com suas particularidades e especificidades, que foram ocupadas em diferentes momentos socio-históricos a partir do século XVI.

    A grande região ocupada pelo Cerrado no passado, cerca de dois milhões de quilômetros quadrados do território brasileiro, tem-se consolidado, início do século XXI, como uma fronteira de desenvolvimento capaz de sustentar um crescente aumento da produção agropastoril, fato que vem refletindo, de forma marcante, nas paisagens e população humana da região.

    O processo de ocupação do território do Brasil inicia-se pelo desbravamento proporcionado pelas Entradas e Bandeiras, na sua maioria financiadas pela Coroa Portuguesa, que percorreram os Sertões ainda bravios que configuravam paisagens naturais, visando à obtenção de riquezas advindas de recursos naturais, como o ouro e pedras preciosas, além da captura de indivíduos das diferentes nações indígenas para mão de obra escrava, perpassando por dificuldades várias em decorrência da rudez da terra.

    Nesse contexto, a região Centro-Oeste é uma paisagem onde o peso dessas características naturais propiciou o desenvolvimento da agricultura patronal, sendo preponderante sobre o número de estabelecimentos do tipo familiar. A singularidade dessa realidade socioespacial é resultado das características do seu processo de povoamento humano e colonização. Em Goiás, a primeira fase iniciou-se com sua incorporação ao chamado Sistema Colonial (1726-1770), tendo como atividade principal as atividades de mineração. No início do século XIX, as migrações das populações humanas decadentes de Minas Gerais e do Nordeste Brasileiro incrementaram o sistema agrícola e comercial da região. A economia agrícola surge como um regime de transição entre a economia mineradora e a economia de exportação pecuária.

    A estratégia usada para analisar o modelo de desenvolvimento que orientou a ocupação e a organização da economia Goiana, do século XVIII ao XXI, assenta-se no estudo dos seguintes fatores: (a) o deslocamento populacional humano de Minas Gerais e do Nordeste do Brasil (início do século XIX), a decadência ciclo da mineração (1726-1770) e dispersão dos colonos pelo espaço rural; (b) a implantação de uma infraestrutura de transporte (rede ferroviária/articulação inter-regional e construção das rodovias/integração regional/nacional), as mudanças político-institucionais (após 1930), a construção de duas capitais (Goiânia – a partir de 1934, e Brasília – a partir de 1956), a urbanização, a industrialização e a produção agrícola comercial; (c) a integração da região de Goiás aos tráfegos ferroviário (após os anos 1920) e rodoviário (entre 1968 e 1980); (d) os programas e projetos de intervenção de ação direta sobre a região (Polocentro e Prodecer) e; (e) a expansão agrícola mais recente no Cerrado (a partir da década de 1970), com o advento da inserção dos diferentes insumos e técnicas agrícolas, as relações sociais de trabalho, o padrão tecnológico, a distribuição espacial da produção com a nova dinâmica modal de transportes, as relações intersetoriais, a inserção estatal e o novo padrão socioambiental imposto pelo mercado mundial.

    O estudo procura mostrar que o desenvolvimento do meio rural pela modernização da agricultura no Estado Goiano, assim como no Brasil, acentuou a concentração da propriedade fundiária e da renda. O resultado desse processo foi ainda mais agravante para os pequenos produtores estruturados no trabalho familiar. Assim, para a execução da pesquisa, além da revisão da literatura regional, contou-se também com as fontes de dados secundários sobre o Estado de Goiás (WWW, 2005).

    As formas de intervenção com resultado mais significativo no Cerrado foram à formação de pastagens plantadas e as lavouras comerciais, a partir do domínio das técnicas de inserção de insumos aos solos e desenvolvimento de espécies de cultivares adaptadas aos solos do Cerrado. O Brasil, na década de 1970, passa a ser o segundo produtor mundial de soja. Atualmente, a ênfase da economia Goiana é a produção de grãos, principalmente, soja e milho e, a produção de leite e carnes de gado bovino. O Estado de Goiás ocupa lugar de destaque nessas atividades no contexto nacional. O Brasil dispõe de 15 milhões de hectares de Cerrado agricultável, dos quais 5 milhões estão em Goiás (WWF, 1995).

    Geralmente essas regiões, em função da distância da área litorânea, não interessavam aos senhores detentores da economia de então, ficando à margem do domínio do Governo Imperial. Assim, a interiorização do povoamento assentou-se na posse da terra conforme a necessidade de seus empreendedores. A atividade econômica predominante nessas regiões, pós-período da mineração, era a pecuária extensiva que também contribuiu para a formação de grandes propriedades rurais durante a vigência do regime sesmarial. Essa tendência foi revigorada com a política de terras em Goiás (1893) que beneficiou os grandes proprietários que, em sua maioria, haviam obtido suas terras ilegalmente e/ou por favores políticos, contribuindo para a legitimação de um modelo concentracionista da propriedade fundiária, assentado na pecuária extensiva.

    A partir da política de Estado de interiorização do desenvolvimento, com a implantação de uma infraestrutura de transporte nas primeiras décadas do século XX (como a ferrovia, que chega a Goiás em 1913), das mudanças político-institucionais após 1930 e das construções de Goiânia e Brasília, ocorreu à expansão da fronteira agrícola de Goiás. Sua integração ao circuito do mercado Brasileiro apoiou-se no sistema ferroviário, que possibilitou a tecnificação através do calcário para a alteração dos solos – a ferrovia possibilitou o transporte e consequente instalação dos grandes moinhos de rochas carbonáticas na região, próximos às áreas de consumo. Esses eventos estimularam o crescimento e a especialização da agropecuária em Goiás e o incremento da urbanização. Já a integração regional foi favorecida pela construção das rodovias que permitiram a circulação interna da produção, mais recentemente com projetos de reestruturação do modal ferroviário, com a construção na Ferronorte e da Norte-Sul, interligando o Norte ao Centro-Sudeste do País.

    Como resultado da política de modernização agropecuária, viabilizada pela política de integração do território nacional, a agricultura Goiana passou por transformações significativas, tendo como principal objetivo estreitar as relações entre o setor agrícola e o setor urbano-industrial. Entretanto, tal objetivo começou a ser alcançado no final da década de 1970 e início da década de 1980. Vários setores foram sendo absorvidos por esse processo, tais como as relações sociais de trabalho, o padrão tecnológico, a distribuição espacial da produção, as relações intersetoriais, com a formação do complexo agroindustrial e a inserção estatal, bem como a inserção dos produtos agrícolas brasileiros no contexto do comercio mundial.

    Interiorização do povoamento em Goiás (Brasil): da mineração à produção agrícola comercial

    Dentre as várias suposições sócio-históricas, acredita-se que a ocupação/colonização de Goiás não teve, como móvel preponderante, apenas a exploração de ouro e outros recursos naturais. Os seus exploradores iniciais, no período de 1726 a 1770, lançaram mão de várias competências, como as atividades agrícolas de subsistência, os criatórios e arregimentação e organização de mão de obra indígena em sua região de origem. O processo de interiorização do povoamento é marcado pelo desinteresse do Governo Imperial pelas áreas interioranas, pela dificuldade de realização das demarcações legais das sesmarias, pelas longas distancias do litoral, pela dispersão e isolamento da população humana Goiana, pela precariedade dos meios de transporte e comunicação existentes e pela expansão da pecuária extensiva em pastagens naturais, enquanto principal atividade econômica. Todas essas particularidades justificam o rápido processo de ocupação fundiária de Goiás e, principalmente, a grande concentração fundiária e de capitais (recursos) que marcaram a sua história.

    A decadência econômica em Minas Gerais e no Nordeste Brasileiro, regiões associadas a uma forte expansão demográfica e de ocupação mais antiga, fomentou contínuos deslocamentos populacionais humanos para o Centro-Oeste, contribuindo para a ampliação do sistema econômico agrícola, pecuarista e comercial, desde o começo do século XIX. Os primeiros núcleos populacionais de Goiás foram constituídos por duas frentes colonizadoras, sendo uma pelo sul, através dos bandeirantes paulistas que atravessaram o Rio Paranaíba e outra pelo norte, formada pelos migrantes da Bahia, Pará e Maranhão, que se deslocaram pelo vale do Rio Tocantins, ocupando a região do Médio-Norte Goiano.

    Em Goiás, as povoações que surgiram nesse período foram as de São Vicente do Araguaia (Araguatins), Pedro Afonso e Piabanha (Tocantínia) no norte, atual Estado do Tocantins e, nas áreas meridionais, Abadiânia, Bela Vista de Goiás, Capela dos Correias (Orizona), Couros (Formosa), Santa Rita do Pontal (Pontalina), Corumbaíba, Pouso Alto (Piracanjuba), Porto de Santa Rita (Itumbiara), Abadia do Paranaíba (Quirinópolis) e São Sebastião da Pimenta (Itarumã). Em consequência da questão demográfica (espólio hereditário), das migrações e, sobretudo, do desenvolvimento da economia agropecuária houve o aumento do número de fazendas.

    Esses desbravadores de Goiás, em sua maioria, eram oriundos da Vila Parnaíba e de Pitangui/MG, que foram estruturadas no século XVIII. Os colonos migraram para as terras mais férteis do território Goiano tomando-as dos indígenas. Num segundo momento, solicitavam o reconhecimento das autoridades régias sobre suas posses sesmariais. As Cartas de Sesmarias eram concedidas pelos Capitães Generais e Governadores das Capitanias, posteriormente reconhecidas pelo Rei e o seu Conselho Ultramar, desde que cumprida todas as exigências de regularização, constituindo-se em documentos jurídicos legítimos que auferiam o direito de posse. Essa Instituição foi criada em Portugal em 1375, pelo Rei Dom Fernando (Silva, 1995). A obtenção dos títulos (Cartas de Sesmarias) assegurava o sustento para as numerosas famílias e para o cativeiro indígena.

    A Legislação das Sesmarias, a exemplo das demais regiões brasileiras, permitiu a ocupação do Centro-Oeste. Silva (1995) afirma que esses colonizadores, dos territórios centrais do Brasil, eram em sua maioria radicada em São Vicente/SP, homens de origem européia, principalmente portuguesa. Eram conhecidos e temidos pela sua experiência em expedições pelas várias regiões brasileiras (agentes da penetração), fazendo-se notar pela específica atuação na preia dos índios brasileiros, conjugada com a tomada de suas terras e, geralmente, com a consequente aniquilação deles.

    O início da ocupação das terras e do povoamento de Goiás ocorreu nas primeiras décadas do século XVIII, com a introdução da exploração do ouro e diamantes como atividade principal. Os colonos levavam de um a cinco anos para estabelecerem seus marcos de posse, consolidados pelas construções de moradias rudimentares, roças de mantimentos, geralmente na forma de desmatamentos de coivara, e outras estruturas necessárias à sua fixação. Já em 1780, essa atividade encontrava-se em decadência e a população humana local, que não retornou para o litoral leste, dedicou-se a uma agricultura de subsistência e à formação das grandes fazendas para prática da pecuária extensiva. Economicamente a pecuária era a atividade mais viável para a região, por exigir, apenas, pastagens naturais, pouca mão de obra, instalações rústicas, por se autotransportar para os centros consumidores, e reduzido investimento de capital.

    A decadência do ciclo da mineração desencadeou fluxos e refluxos de correntes migratórias e de capital em escravos. Dá-se início ao povoamento do campo e o despovoamento das vilas, o que sugere uma herança do sistema mercantil colonial, na qual a decadência do sistema mercantil possibilitou o surgimento de uma nova economia agropecuária. Uma produção diversificada de produtos agrícolas exportáveis, que fortaleceu as atividades comerciais. Para Bertran (1988), os interesses mercantis uniam-se à produção agropecuária, criando um sistema econômico verticalizado e concentrado nas mãos de um pequeno número de comerciantes e capitalistas. Essa situação desencadeou violentos conflitos entre comerciantes portugueses ‘adotivos’ e brasileiros ‘nativistas’, caracterizando o fim do Primeiro Império.

    Os colonizadores tinham consciência de que o ouro representava um bem finito e a terra era um bem permanente. Prova disso, assenta-se no número de requerimentos e concessões de sesmarias expedidas nesse período, negando a visão tradicional de que, nessa fase inicial de ocupação e povoamento, a terra não teria valor. Para os colonizadores tinha valor, ainda que não refletisse o peso que tem hoje. Assim, Silva (1995) faz o seguinte questionamento:

    [...] então como explicar a posse de mais de uma gleba de terra por um mesmo sesmeiro, sendo que este obteve não apenas meia légua de terra por gleba como determinava um alvará disciplinador da concessão de terras em áreas minerais de 1732, e sim glebas com dimensões que oscilavam de duas a três léguas em localidades diferentes? (Silva, 1995, p. 198)

    No decorrer do século XVIII, os colonos deixaram implícita sua preocupação com a propriedade em função da economia aurífera. No período posterior não ocorreram os mesmos cuidados legais quanto à propriedade fundiária nas antigas regiões de mineração. Assim, o acelerado processo de decadência da mineração fomentou uma rápida apropriação primária do espaço rural no Centro-Oeste. As atividades econômicas praticadas em Goiás, no século XIX, eram pouco expressivas, não havia um controle rigoroso da Coroa Portuguesa sobre a legitimação das posses. A maioria das sesmarias requeridas no século XVIII não cumpria as normas processuais vigentes exigidas pela Coroa. Havia estabelecimentos adquiridos através de concessões provisórias dos Governos locais. Geralmente isso ocorria porque as demarcações legais das Sesmarias impediam os fazendeiros de ultrapassar os limites legais de suas propriedades (Bertran, 1988).

    Constata-se que nas regiões não ocupadas com as lavouras subsistência e de exportação, havia a possibilidade do apossamento puro e simples, dispensando qualquer formalidade. As dificuldades com a burocracia da Coroa/Império instigaram a ocupação de grandes áreas. Posteriormente, a legalização dessas propriedades foi feita

    [...] através de ‘brechas’ na legislação, uma vez que os cartórios locais aceitavam, por exemplo, os contratos de compra e venda dessas terras, que se tornavam, desta forma, legalizadas. (Alencar, 1993, p. 25, grifo do autor)

    Em meados do século XIX verificou-se a existência de muitas concessões de terras feitas em Goiás. A maioria dos moradores/fazendeiros tinha estabelecido uma ocupação antiga e possuía, apenas, concessões feitas pelos antigos Governadores-Gerais, Capitães-Donatários, Provedores, dentre outros funcionários do Império. Esses fazendeiros se apropriaram de áreas que não podiam cultivar, o que resultou em uma vizinhança separada por três a cinco ou mais léguas de distância, tornando comum a presença de taperas e propriedades totalmente abandonadas, contrapondo-se ao princípio básico da ocupação – o aproveitamento dos solos quimicamente mais férteis.

    As dificuldades de exercer um controle efetivo sobre a apropriação/demarcação das propriedades propiciaram vários abusos e distorções, como o tamanho excessivo dessas propriedades, impedindo que o requerente explorasse toda sua posse; a concentração de várias propriedades nas mãos de uma única pessoa, que requeria em seu nome, no de sua esposa e no de seus filhos, em datas e lugares diferentes, e a compra e venda das terras doadas, herdadas ou apossadas, tornando-se um negócio lucrativo.

    A transição da economia mineradora para a agropecuária representa a inserção de Goiás ao sistema capitalista em desenvolvimento. Tais mudanças refletiram, também, na natureza do trabalho escravo empregado na mineração. A atividade motora dos espaços sub-regionais passa a ser, num primeiro momento, a agricultura e, posteriormente, a pecuária. A pecuária, considerada o setor produtivo de exportação, possibilitou as trocas intra-regionais em face de ser uma mercadoria auto-transportável, que abastecia marginalmente os ‘Sertões’ da Bahia, de Minas Gerais e de São Paulo. Essa atividade não se desenvolveu na intermediação urbana, devido à extensão do espaço rural, o que também proporcionou o desenvolvimento do escambo mercantil entre as fazendas da região, que passaram a ter seus engenhos para a produção de rapaduras, açúcar e cachaça (aguardente). Uma vez que, a relação entre preço e custo de transporte dificultava a expansão mercantilista para outras regiões.

    As atividades agrícolas foram responsáveis pelas trocas intra-regionais e pela economia de subsistência, na qual prevalecia o mercantilismo em todas as relações. O dinamismo do setor agrícola impulsionou a transformação socioespacial entre a mineração e a pecuária. A produção agrícola promoveu a substituição das antigas importações de café, algodão, açúcar, arroz, aguardente e trigo. Desenvolveu-se, também, o setor artesanal para a transformação desses produtos, como a fiação, a tecelagem, as selarias, as oficinas de ferreiro e os engenhos de cana-de-açúcar. Essas ocupações eram domésticas e secundárias e faziam uso de baixos recursos técnicos.

    Nesse contexto, Pessoa (1999) coloca que o desenvolvimento da atividade pecuária desencadeou uma intensa concentração de terras. Nesse contexto de ocupação da Província Goiana, não existia um mercado consumidor de produtos alimentícios, a sociedade se caracterizava por uma economia rural. Somente a grande fazenda tinha condições de comercializar os seus excedentes (o gado bovino era o principal produto). Essas propriedades eram compostas de um pequeno exército de sitiantes, vaqueiros, camaradas e jagunços vinculados ao proprietário da fazenda por uma relação de dependência. O proprietário era a expressão de um coronel que centralizava e privatizava todos os poderes locais.

    A política coronelística envolvia os diversos níveis de poder (Federal, Estadual e Municipal). O Coronel colocava-se enquanto mediador entre as instituições políticas e a população interiorana. Pessoa (1999) ressalta que, nesse período, o atraso era a forma privilegiada de controle. De um modo geral, supõe-se que as características essenciais do coronelismo em Goiás se estruturavam no predomínio da vida rural sobre a urbana, na grande propriedade autossuficiente, na produção de subsistência, na falta de meios de comunicação e na dispersão e isolamento da população humana Goiana.

    Os políticos Goianos eram acusados de impedir o progresso em Goiás. Para Campos (1987) o lema naquele contexto era ‘quanto pior, melhor’. O baixo desenvolvimento econômico e cultural era a garantia de posse para os ‘Coronéis Goianos’. E, assim, o atraso aconteceu não somente pela falta de recursos para financiar o desenvolvimento,

    [...] mas principalmente, pela consciente barreira ao progresso que os principais chefes políticos estaduais formaram é que Goiás se manteve pobre, isolado e atrasado durante todo o período, situação essa que era garantia da manutenção do mando e do domínio imposto ao Estado e sustentado graças ao controle de toda a engrenagem política. (Campos, 1987, p. 65)

    Em Goiás, nesse contexto, a sociedade humana estruturada não apresentou uma rígida estratificação social, comparada às áreas litorâneas. A organização da produção assentava-se na relação entre o fazendeiro e os lavradores, a renda era destinada aos primeiros. A pecuária extensiva assegurou a substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre. Os agregados recebiam uma parte das crias do gado que cuidavam, como forma de pagamento (geralmente, era um bezerro a cada quatro, cinco, seis ou mais que nasciam). Segundo Brandão (1981), os vaqueiros vendiam o gado que recebiam para o próprio fazendeiro como meio de cobrir as compras feitas nos barracões das fazendas, num círculo vicioso de dependência.

    O revigoramento da ocupação e povoamento de Goiás deu-se com a expansão do transporte ferroviário pelo Triângulo Mineiro. Em 1894, os trilhos da Companhia Paulista chegaram às margens do Rio Grande, na fronteira entre os Estados de Minas Gerais e São Paulo. A companhia construiu portos e estradas de terra, o que facilitou o intercâmbio entre Goiás e Minas Gerais com São Paulo, chegando a Cumari, então Distrito de Catalão/GO, no ano de 1913.

    Até 1910, a agricultura Goiana voltava-se às necessidades do autoconsumo local. O gado bovino representava uma das principais fontes de renda. O Sul de Goiás contribuía com a exportação do fumo, principalmente pelas cidades de Bela Vista e Piracanjuba (Pouso Alto). À medida que ocorria melhoria dos meios de transporte dava-se a diversificação e o aumento da produção. O transporte de mercadorias em todo o Sul de Goiás fazia-se em carros-de-bois e tropas de muares. Até a década de 1920, a ferrovia estendia-se por um pequeno trecho (176 km em território Goiano - até a cidade de Ipameri), da margem direita do Rio Paranaíba à margem esquerda do Rio Corumbá. Em 1921, deu-se a retomada dos trabalhos de construção da Estrada de Ferro Goiás. Segundo Bertran (1988), apenas os municípios de Catalão, Ipameri e Corumbaíba eram cortados pelos trilhos da Goiás Railway. Essa pequena área exportava arroz, açúcar, boi gordo, fumo, charque, couro, suínos, toucinho e borracha.

    Campos (1987) alega que Goiás, em 1920, era um Estado agrário por excelência, não somente pelas atividades pecuárias, sua principal atividade econômica, mas também pela

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