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A Perda do Emprego no Brasil: Notas para uma teoria crítica e para uma prática transformadora
A Perda do Emprego no Brasil: Notas para uma teoria crítica e para uma prática transformadora
A Perda do Emprego no Brasil: Notas para uma teoria crítica e para uma prática transformadora
E-book263 páginas3 horas

A Perda do Emprego no Brasil: Notas para uma teoria crítica e para uma prática transformadora

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Sobre este e-book

Este livro trata de uma questão central para o mundo capitalista: a perda do emprego. Uma realidade que hoje atinge mais de 14 milhões de pessoas no Brasil, se pensarmos apenas naquelas que estavam, antes da despedida, vinculadas a uma relação de emprego formal.
Todos os artigos reunidos nesta obra abordam, cada um deles por um viés específico, o tema da perda do emprego com toda a sua gravidade, revelando tratar-se de algo que não afeta apenas a vida de quem é despedido, pois interfere também na vida de seus familiares e da comunidade em que está inserido. O direito ao trabalho é vital em uma sociedade capitalista, já que é através dele que se adquire os bens indispensáveis à sobrevivência física. Perder o trabalho é perder o local em que passamos a maior parte do dia, o convívio com os colegas, a possibilidade de continuar realizando algo que deixará "nossas marcas no mundo". Mas é também ser condenado à privação, a contrair dívidas e, no limite, à morte.
O livro é um convite à reflexão e à construção de uma racionalidade social em que a proteção contra a perda do emprego seja compreendida desde a perspectiva social.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento21 de jun. de 2021
ISBN9786557590287
A Perda do Emprego no Brasil: Notas para uma teoria crítica e para uma prática transformadora

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    A Perda do Emprego no Brasil - Valdete Souto Severo

    DO QUE TRATA ESTE LIVRO

    No novo tempo

    Apesar dos perigos

    Da força mais bruta

    Da noite que assusta

    Estamos na luta

    Pra sobreviver

    Pra que nossa esperança

    Seja mais que a vingança

    Seja sempre um caminho

    Que se deixa de herança

    No novo tempo

    Apesar dos castigos

    De toda fadiga

    De toda injustiça

    Estamos na briga

    Pra nos socorrer

    No novo tempo

    Apesar dos perigos

    De todos pecados

    De todos enganos

    Estamos marcados

    Pra sobreviver

    (Ivan Lins, Novo tempo)

    Ainda que a situação no Brasil e no mundo pareça cada vez mais caótica e que o tema aqui proposto – discutir de modo crítico a perda do emprego e como evitá-la – esteja aparentemente distante das possibilidades de quem lida diariamente com o Direito do Trabalho, trata-se de uma discussão necessária. E a perspectiva que adoto é a de esperança de um novo tempo, apesar dos perigos.

    A questão da despedida, ou dispensa do emprego, é central nas discussões jurídicas sobre as relações de trabalho no Brasil. Já escrevi um livro sobre o tema. Se o reescrevesse, muitas coisas seriam colocadas de modo diverso. Desde 2011, quando publiquei o resultado das pesquisas na dissertação de mestrado realizado junto à Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), muita coisa mudou, inclusive a minha forma de enxergar o tema da despedida.

    Quanto mais o tempo passa, mais me convenço de que nada há de mais grave, escandaloso e perverso em uma sociedade capitalista do que a perda do emprego. Sob essa perspectiva, as regras sobre despedida afiguram-se quase distópicas. Tratar da extinção de um vínculo de emprego como fato comum, como denúncia de um contrato, é negar todas as consequências pessoais e sociais da perda do trabalho.

    Tais consequências passam pela questão macroeconômica, pois não há sociedade de trocas que possa se desenvolver ou se manter sob uma lógica na qual mais de 14 milhões de pessoas estão sem trabalho. Este é o caso do Brasil de 2021, em que os vínculos são precários, e, portanto, a perda do emprego é uma realidade sempre presente, a impedir o consumo a médio ou longo prazo, a possibilidade de aposentação e mesmo a organização da vida financeira.

    Sob a perspectiva social, a possibilidade de despedir com praticamente nenhuma consequência, até mesmo sem qualquer motivação, assim como a lógica cruel e desigual da regulação do que se convencionou chamar justa causa, implica criar laços sociais frágeis, nos quais as pessoas que vivem do trabalho estão eternamente convivendo com a sensação do desamparo, do medo, da descartabilidade. Isso contribui para a formação de subjetividades assujeitadas, pois quem depende do trabalho para comer, vestir e morar (ou seja, a grande maioria da população) sabe que sua sobrevivência física está cotidianamente em jogo, a depender da vontade de seu empregador.

    Esses efeitos impiedosos atingem a noção acerca de quem somos, da importância do que fazemos e do nosso lugar nesse mundo. As consequências sociais nocivas se traduzem em adoecimento e, portanto, recurso ao sistema de previdência social; irritabilidade e, por consequência, aumento da violência especialmente em âmbito doméstico; e precarização dos vínculos pessoais a partir da mesma noção fundante de descartabilidade.

    Logo, quando enfrentamos o tema da perda do emprego nas relações de trabalho, estamos falando de um ato regulado juridicamente a partir de escolhas políticas, cuja relevância social é gigantesca. Um ato que, longe de ser apenas a denúncia de um contrato, materializa-se como a (in)viabilização da continuidade da vida para quem depende do trabalho assalariado para sobreviver.

    A afirmação, que pode parecer drástica, é absolutamente verdadeira. E todas as pessoas que já experimentaram a vivência da despedida ou estiveram próximas de alguém que tenha passado por isso, o sabem. Se nos assusta, é exatamente porque a fórmula jurídica encontrada para regular a troca entre capital e trabalho disfarça a crueza do fato concreto e, portanto, do que realmente representa estar sem trabalho em uma sociedade de trocas mediadas por salário. Um disfarce necessário para que possamos sobreviver, inclusive psiquicamente, ao medo e ao desamparo provocados pela perda do emprego.

    Conviver com a ideia de que a despedida é apenas uma denúncia de contrato ajuda a não enlouquecer diante da realidade de que precisamos trocar a maior parte do nosso tempo e da nossa força vital pelo dinheiro que é necessário para suprir as necessidades mais elementares, como a alimentação, e que esse privilégio de trabalhar por conta alheia pode ser suprimido de uma hora para a outra, jogando-nos na condição de não sujeitos dentro dessa dinâmica de convívio social.

    Em 2021, diante da pandemia da Covid-19, enfrentada desde 2020 com o recrudescimento de uma política flagrantemente hostil aos direitos sociais, em um país que já amarga o desmanche de suas parcas conquistas no caminho de uma vida que valha a pena ser vivida dentro da realidade do capital, torna-se indispensável a franca discussão acerca desse tema.

    Os capítulos deste livro constituem propostas de reflexão, para além da racionalidade jurídica que nos aprisiona, e desde uma perspectiva de que viver em sociedade – ainda que numa sociedade relativa a esse molde – precisa fazer sentido.

    Ao mesmo tempo, dialogam com a realidade da regulação jurídica da relação social de trabalho, propondo posicionamentos concretos para o enfrentamento do tema no cotidiano de quem lida, seja como advogada(o), juiz(íza), procurador(a), seja como estudante, empregador(a) ou trabalhador(a), com o mundo do trabalho assalariado.

    O QUE SIGNIFICA PERDER O EMPREGO

    Um homem se humilha

    Se castram seus sonhos

    Seu sonho é sua vida

    E vida é trabalho

    E sem o seu trabalho

    Um homem não tem honra

    E sem a sua honra

    Se morre, se mata

    (Gonzaguinha, Um homem também chora)

    Quando escreve sobre a alienação do trabalho na sociedade capitalista, Marx põe luz ao fato de que há, nesse modo de organização social, uma escolha política capaz de alterar a forma de acesso aos bens indispensáveis à sobrevivência.

    Todo processo que ele denomina de acumulação primitiva, que aliás atingirá de modo ainda mais drástico as mulheres, resulta no completo despojamento, da maioria das pessoas, de seus vínculos com a terra e com a produção desses mesmos bens (em especial os alimentos, os remédios e a própria morada).

    Essas condições vitais de existência, a partir de então, só serão obtidas mediante a compra e, para a maioria das pessoas que não detém patrimônio, tal compra terá de ser mediada pelo salário.

    O estranhamento, portanto, se dá exatamente por essa subversão da noção de trabalhar, que deixa de ser apenas, e principalmente, um meio de realização humana, para se tornar condição de possibilidade da existência e, portanto, uma necessidade.

    A maioria das pessoas passa a existir como um servo do seu objeto (do seu trabalho), de tal modo que para que possa existir, em primeiro lugar como trabalhador e, em segundo, como sujeito físico, a pessoa precisa necessariamente vender sua força vital.¹

    É claro que estou simplificando, e muito, a noção de estranhamento em Marx e os desdobramentos que dela se podem extrair.² E o faço porque aqui o conceito é relembrado apenas para sublinhar que a transformação do trabalho humano por conta alheia em condição para sobreviver – e a centralidade que essa troca (entre capital e trabalho) passa a ocupar nas relações sociais – é o que torna a perda do emprego algo tão grave.

    As mulheres, alijadas inclusive da possibilidade da troca em um primeiro momento, mas ao mesmo tempo sujeitas à realização do trabalho invisível de cuidado (reprodução social), sofrem essa alienação de modo ainda mais profundo, pois sequer servas de seu objeto elas podem ser. Nesse sentido, Silvia Federici salienta que:

    O capitalismo criou formas de escravidão mais brutais e mais traiçoeiras, na medida em que implantou no corpo do proletariado divisões profundas que servem para intensificar e para ocultar a exploração. É em grande medida por causa dessas imposições – especialmente a divisão entre homens e mulheres – que a acumulação capitalista continua devastando a vida em todos os cantos do planeta (2017, p. 119).

    Há, portanto, uma centralidade na exploração dos corpos femininos, em todo o processo de transformação da sociedade feudal em uma sociedade capitalista de produção. Federici também refere que:

    A diferença de poder entre mulheres e homens e o ocultamento do trabalho não remunerado das mulheres por trás do disfarce da inferioridade natural permitiram ao capitalismo ampliar imensamente a parte não remunerada do dia de trabalho e usar o salário (masculino) para acumular trabalho feminino. Em muitos casos, serviram também para desviar o antagonismo de classe para um antagonismo entre homens e mulheres. Dessa forma, a acumulação primitiva foi, sobretudo, uma acumulação de diferenças, desigualdades, hierarquias e divisões que separaram os trabalhadores entre si e, inclusive, alienaram a eles mesmos (2017, p. 233-234).

    Significa dizer que reforçar a lógica patriarcal, inclusive em prejuízo de espaços já ocupados à época pelas mulheres, com a perseguição sistemática³ daquelas que não se adaptaram e o confinamento das demais em âmbito doméstico,⁴ foi determinante para a possibilidade de alterar radicalmente as bases do convívio social, tornando o trabalho algo obrigatório.

    A inserção das mulheres no mercado de trabalho nada mais é do que, na feliz expressão de Ricardo Antunes, a conquista do privilégio da servidão.⁵ Algo, aliás, que nunca deixou de ser realidade para as mulheres mais pobres e para aquelas marcadas pela ideologia de raça, criada para justificar a dominação colonial e servir à consolidação da sociedade capitalista.⁶

    Quanto à ideologia de raça, Jurema Werneck⁷ afirma que as mulheres negras não existem. Como sujeitos identitários e políticos são resultado de uma articulação de heterogeneidades, resultante de demandas históricas, políticas, culturais, de enfrentamento das condições adversas estabelecidas pela dominação ocidental eurocêntrica ao longo dos séculos de escravidão, expropriação colonial e da modernidade racializada e racista em que vivemos.

    Essa pretensa conquista não apaga as marcas das diferenças de gênero. Ao contrário, potencializa a alienação em relação às mulheres, já que, mesmo inseridas no mercado, precisam continuar exercendo o trabalho não remunerado de reprodução social e lidando com condições diferenciadas de inserção (salários mais baixos, maiores obstáculos aos cargos de comando, etc.).

    Tornar o trabalho uma necessidade (trabalho obrigatório, portanto), significa dar à relação de troca entre capital e trabalho condição de centralidade, e, às mulheres, a condição de duplamente assujeitadas. Elas também dependerão dessa troca (e, por isso, como regra, dependerão dos homens que poderão vender-se no mercado) para sobreviver (Mendoza, 2014, p. 95).

    As mulheres pobres e sozinhas, que precisarão se inserir como objetos de troca, o farão em condição de maior precariedade. Todo movimento feito no período de consolidação desse modelo de organização social – para retirar das mulheres seus saberes e seus lugares no ambiente público – irão sublinhar tal sujeição e, portanto, o caráter estrutural que o patriarcalismo passará a ter para o metabolismo do capital.

    A importância do Direito do Trabalho torna-se nítida, pois é essa a fórmula jurídica com a qual o Estado irá disciplinar a relação de trocas. Uma fórmula que não foi pensada com o sistema. Ao contrário, a consolidação desse modelo social em que a troca de trabalho por capital torna-se uma necessidade e uma condição para a sobrevivência, mas também para a circulação de riquezas, se deu sob a lógica do direito civil. Sob a lógica da falsa autonomia e igualdade entre os sujeitos de direito.

    Apenas ao longo do tempo, com a evidência das contradições do sistema e de suas impossibilidades,⁹ entre elas a impossibilidade de seguir se reproduzindo sem a classe trabalhadora, em razão da luta das trabalhadoras e trabalhadores, é que o Estado cedeu e o Direito se transformou para albergar regulações jurídicas pautadas, pelo que Aldacy Rachid Coutinho recentemente denominou, mito da proteção.¹⁰

    O Direito do Trabalho, fruto da luta de classes, da organização coletiva e de sua resistência e atuação para pressionar o capital (e o Estado) produzindo diferenças em seu metabolismo, é a resposta estatal para os problemas (insolúveis) do sistema. Uma resposta dada desde a perspectiva e os interesses do capital, de quem o Estado é – sem dúvida alguma e cada vez mais – agente.¹¹ Daí seus limites. O fato de que se trata de um conjunto de regras de conduta social penosamente arrancada do capital (Marx, 2013, p. 558) mostra, por outro lado, seu potencial.

    Tratar da relação social de trabalho como vínculo de emprego é uma tentativa de conformar a troca entre capital e trabalho – que se materializa como uma espécie perversa de compra e venda em que a vida humana é reduzida à condição de mercadoria – sob limites que não apenas permitam a reprodução da força de trabalho enquanto tal, mas também criem condições (de tempo, de manutenção física e psíquica, de convívio social) para que a própria relação seja problematizada e concebida sob novo prisma.

    A necessidade de registrar os parâmetros da troca e de fixá-los a partir de condições mínimas de limite à jornada, ao valor do salário, ou da imposição de condições saudáveis para a execução dos serviços é uma forma de manter o metabolismo do sistema, mas é também um modo de tensioná-lo.

    Isso que hoje compreendemos como direitos trabalhistas são formulações discursivas de limites fundamentais para a perversidade e mesmo para a insustentabilidade de um convívio social baseado na transformação das pessoas em propriedades de si mesmas. Sobre o tema, Federici diz:

    É a propriedade privada que irá definir o sujeito dessa sociedade de trocas, jogando um contingente cada vez maior de pessoas na condição de não sujeitos, ao determinar, pela instituição do trabalho obrigatório como condição para sobreviver, quem pode viver e quem deve morrer. As mulheres, mesmo aquelas capazes de ir ao mercado e se oferecer à despela, na expressão que Marx utiliza para satirizar a falsa igualdade da troca entre capital e trabalho, deverão permanecer à sombra de seus homens, não para serem mantidas e cuidadas, mas para garantir a sobrevivência física daqueles que estão impossibilitados para a troca e a renovação das forças daqueles que se venderão como mercadoria. É, pois, também na conversão da força de trabalho em propriedade privada que reside a determinação social das posições que passarão a ser ocupadas por homens e mulheres (2017, p. 145-146).

    Marx (2004, p. 102-103) já falava que na compreensão das pessoas como propriedades de si mesmas, encontra-se o elemento estruturante da própria noção de indivíduo. O trabalho – que é por excelência nossa forma de ser no mundo – passa a constituir a essência subjetiva da propriedade privada enquanto exclusão da propriedade, enquanto o capital se constitui como o trabalho objetivo enquanto exclusão do trabalho, e ambos são a propriedade privada enquanto sua relação desenvolvida da contradição.

    O discurso que o Direito do Trabalho inaugura não é, portanto, aquele que fundamenta a sociedade do capital, mas está inscrito na mesma racionalidade, já que admite e mantém a lógica da troca. Os parâmetros que então são impostos e que em alguma medida promovem um processo de integração ao capital,¹² também produzem, dialeticamente, a potência para a mudança.¹³

    Eis porque o Direito o Trabalho é desde sempre alvo de retaliações e esvaziamento do sentido de suas normas, inclusive por parte das pessoas que nele atuam. É nesse contexto que a questão da perda do emprego deve ser examinada.

    A regulação jurídica acerca da perda do trabalho é, ao mesmo tempo, a tentativa de impedir (ou minimizar) a realidade da perda da possibilidade de existir que ela acarreta e a normalização da perversidade que essa possibilidade encerra. Perder o trabalho remunerado em uma sociedade de trocas é perder a possibilidade de ser sujeito.

    Como refere Marx:

    Tão logo aconteça ao capital – ocorrência necessária ou arbitrária – não mais existir para o trabalhador, o trabalhador mesmo não é mais para si; ele não tem nenhum trabalho e, por causa disso, nenhum salário. E, aí, ele tem existência não enquanto homem, mas enquanto trabalhador, podendo deixar-se enterrar, morrer de fome, etc.

    O trabalhador só é, enquanto trabalhador, assim que é para si como capital, e só é, como capital, assim que um capital é para ele. […]

    A economia nacional não conhece, por conseguinte, o trabalhador desocupado, o homem que trabalha, na medida em que ele se encontra fora da relação de trabalho. […] A produção produz o homem não somente como uma mercadoria, a mercadoria humana, o homem na determinação da m ercadoria; ela o produz […] precisamente como um ser desumanizado (Marx, 2004, p. 91-92).

    Ora, é exatamente quando há perda do trabalho por conta alheia que o capital deixa de existir para a(o) trabalhador(a). Sem salário, por sua vez, a pessoa estará também sem condições materiais de existência, por isso poderá deixar-se enterrar, morrer de fome. Morrer ou matar, como canta Gonzaguinha, na música que serve de epígrafe para esse texto.

    O fato de que a gravidade disso tenha se perdido, quanto mais aprofundamos a consolidação e as características desse sistema de trocas, é o que Marx já visualizava com incrível clareza: se precisamos nos vender como mercadorias e nos compreender como mercadorias, passaremos a nos comportar como tal. E o faremos não apenas em relação a nós mesmos, mas também em nossa relação com todos os demais indivíduos.

    Há uma vasta doutrina que examina o sofrimento relacionado ao trabalho e mesmo o modo como nossa subjetividade acaba sendo alterada pela circunstância de passarmos a agir necessariamente como proprietários de nós mesmos. É nesse sentido, por exemplo, que Safatle irá afirmar que o gozo no capitalismo é

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