Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Diálogos em sociologia do trabalho: A precariedade laboral do Brasil
Diálogos em sociologia do trabalho: A precariedade laboral do Brasil
Diálogos em sociologia do trabalho: A precariedade laboral do Brasil
E-book319 páginas4 horas

Diálogos em sociologia do trabalho: A precariedade laboral do Brasil

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

O livro combina a reflexão teórica, por meio da qual procura contribuir para a definição do conceito de precariedade laboral, das suas dimensões e dos seus indicadores, para, a partir do conhecimento construído, propor caminhos para a melhoria da condição social dos(as) trabalhadores(as). A obra é composta de sete capítulos que irão abordar: o conceito, a finalidade e a função fundamentais do Direito do Trabalho; o conceito de precariedade laboral; a precariedade como fenômeno multidimensional; as dimensões e os indicadores da precariedade laboral; a precariedade enquanto fenômeno relacional; e aponta possíveis políticas e práticas que podem contribuir para a superação da precariedade laboral. É uma obra de destaque que vem contribuir para o debate público sobre o assunto.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de jun. de 2021
ISBN9786589602392
Diálogos em sociologia do trabalho: A precariedade laboral do Brasil
Autor

Cleber Lúcio de Almeida

Pós-doutor em Direito pela Universidad Nacional de Córdoba/ARG. Doutor em Direito pela UFMG. Mestre em Direito pela PUC-SP. Professor da graduação e do programa de pós-graduação da PUCMinas. Juiz do Trabalho.

Leia mais títulos de Cleber Lúcio De Almeida

Autores relacionados

Relacionado a Diálogos em sociologia do trabalho

Ebooks relacionados

Direito Trabalhista para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de Diálogos em sociologia do trabalho

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Diálogos em sociologia do trabalho - Cleber Lúcio de Almeida

    1

    DIREITO DO TRABALHO E NEOLIBERALISMO

    O Direito do Trabalho vem sendo seriamente afetado pela política neoliberal, observando-se que nele se apresenta de forma ainda mais destacada a tensão entre Direito e poder: o Direito do Trabalho procura limitar os poderes do capital, mas vem sendo conformado pelo e em favor do capital, em razão de o poder econômico ter-se apoderado do poder político, como se deu no Brasil, em especial a partir de 2016, como se verá mais adiante.

    A política neoliberal alcança os trabalhadores e trabalhadoras e a própria sociedade, razão pela qual, visando definir estes efeitos, fez-se opção por definir previamente o conceito e a finalidade e função fundamentais do Direito do Trabalho, assim como o que se entende por neoliberalismo.

    O Direito do Trabalho disciplina a relação jurídica que envolve o trabalho humano prestado em favor de outrem de forma pessoal, não eventual, onerosa e subordinada, no seu aspecto individual e coletivo, tendo como finalidade fundamental o respeito, a proteção e a promoção da dignidade humana daqueles que dependem da alienação da sua força de trabalho para atender às suas necessidades básicas e, como função fundamental, contribuir para a realização da justiça social, da cidadania, da democracia e da paz.

    A definição da finalidade e da função fundamentais do Direito do Trabalho não é arbitrária.

    A Constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT) reconhece, em seu Preâmbulo, a existência de condições de trabalho que implicam, para grande parte das pessoas, a injustiça, a miséria e as privações e considerou urgente melhorar essas condições, visando o estabelecimento de um regime de trabalho realmente humano, isto é, um regime de trabalho no qual fosse respeitada a dignidade humana dos(as) trabalhadores(as), valendo o registro de que, na Declaração do Centenário da OIT para o Futuro do Trabalho, foi reconhecido que as ações concertadas de governos, empregadores e trabalhadores, realizadas sob seus auspícios, resultaram em condições de trabalho mais humanas do que aquelas presentes em 1919, quando da sua criação.[4]

    A Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece, no seu Preâmbulo, a necessidade de respeito, proteção e promoção da dignidade humana por meio do reconhecimento normativo e gozo de direitos.

    Portanto, sob o prisma da Constituição da OIT e da Declaração Universal dos Direitos Humanos, a vida, conforme a dignidade humana, no contexto da relação entre capital e trabalho, é alcançada quando são reconhecidos normativamente e gozados concretamente determinados direitos.

    No Brasil, a Constituição da República de 1988 reconhece aos trabalhadores uma série de direitos e lhes atribui o status de direitos fundamentais, isto é, direitos cujo gozo constitui uma exigência da dignidade humana.

    Também na Constituição é estabelecido que a atividade econômica tem por fim garantir a todos uma existência digna e que a função social da propriedade é respeitada na medida em que são observadas as normas que compõem o Direito do Trabalho.

    Resta clara, portanto, a existência de um estreito vínculo entre Direito do Trabalho e dignidade humana. Direito do Trabalho é direito de dignidade humana.

    De outro lado, a Declaração Universal dos Direitos Humanos registra, no seu Preâmbulo, que o reconhecimento normativo e o gozo de direitos constituem fundamento da justiça, ao passo que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos também assinala, no seu Preâmbulo, que o regime de justiça social tem como fundamento o respeito aos direitos humanos. Acrescente-se que a Declaração do Centenário da OIT para o Futuro do Trabalho reconhece que a sua criação foi movida pelo imperativo da justiça social, ou seja, que a proteção social dos(as) trabalhadores(as) por ela perseguida constitui uma exigência e um caminho para a justiça social.[5]

    Já a Constituição da República dispõe que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano, tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social; prevê que a ordem social tem por base o primado do trabalho e, como objetivos, a justiça social; dispõe que cabe ao Estado combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos e inclui o cumprimento das normas que compõem o Direito do Trabalho entre as condições para que a propriedade cumpra a sua função social, o que permite afirmar que ela também relaciona o Direito do Trabalho à realização da justiça social.

    Em suma, o Direito do Trabalho, reconhecendo direitos aos(às) trabalhadores(as), contribui para a realização da justiça social. Direito do Trabalho é direito de justiça social.

    A cidadania, que a Constituição da República inclui entre os princípios fundamentais da República, significa participação na tomada de decisões coletivas e, para tanto, é indispensável o gozo dos direitos civis, políticos, econômicos, culturais e sociais, estando entre estes os direitos inerentes ao trabalho humano.

    Na medida em que cria condições para a participação dos(as) trabalhadores(as) na tomada de decisões coletivas, por meio, por exemplo, do reconhecimento do direito à sindicalização, à negociação coletiva e à greve, o Direito do Trabalho atua em favor da cidadania. Direito do Trabalho é direito de cidadania.

    Como direito de cidadania, o Direito do Trabalho constitui, por mera consequência, um direito de democracia. Neste sentido, a Carta Democrática Interamericana dispõe, no art. 10, que a promoção e o fortalecimento da democracia requerem o exercício pleno e eficaz dos direitos trabalhistas e a aplicação das normas trabalhistas básicas, tal como consagradas na Declaração da Organização Internacional do Trabalho relativa aos Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e nas convenções afins da OIT.

    Apresenta-se, destarte, a vinculação entre Direito do Trabalho e democracia, entendida esta como contínua multiplicação das possibilidades decisórias, com base no pressuposto da diferenciação que caracteriza a sociedade moderna,[6] ou seja, como ambiente que possibilita a plena participação de todos os atores sociais na construção das decisões políticas.

    Por fim, a Constituição da OIT chama a atenção para o fato de que a miséria e as privações dos(as) trabalhadores(as) colocam em perigo a paz mundial e, com isto, para a necessidade de proteger os(as) trabalhadores, visando assegurar a paz, o que vincula o Direito do Trabalho à paz, sendo esta vinculação reconhecida também na Declaração do Centenário da OIT para o Futuro do Trabalho.[7]-[8]

    Portanto, o Direito do Trabalho não legitima a si mesmo. Ele é legitimado pela sua construção democrática e em razão dos valores que consagra e da sua finalidade e função fundamentais, observando-se que a finalidade e a função fundamentais do Direito do Trabalho são interdependentes e complementares, posto que a luta pela dignidade humana é a razão e a consequência da luta pela democracia e pela justiça.[9]

    Definido o conceito e a finalidade e função fundamentais do Direito do Trabalho, passa-se à caracterização do neoliberalismo, na perspectiva de que ele impõe a flexibilização e esta, por sua vez, resulta na precariedade laboral.[10]

    O neoliberalismo constitui uma racionalidade:

    a) econômica, que ordena a relações sociais segundo o modelo de mercado, transformando os seres humanos em empresários de si mesmos e em únicos responsáveis pelo seu eventual fracasso, que passa a ser medido em termos de capacidade de consumo;

    b) política,[11] que impõe novas funções ao Estado, o que resulta na criação de um verdadeiro Estado de mercado, que é aquele que transfere a organização da sociedade para o mercado, situação na qual o Direito é criado pelo e para o mercado, e promove uma ofensiva contra aqueles que considera inimigos da liberdade econômica, entre os quais o Estado social, a democracia, os sindicatos e o Direito do Trabalho;[12]

    c) ideológica, na medida em que, por detrás de toda opção econômica e política, encontra-se uma certa visão do mundo e o seu sistema de crenças, ideias, valores e códigos, lembrando que as ideologias dominantes estruturam completamente o sentido da realidade do sujeito, fazendo com que o sujeito viva na fantasia do fim das ideologias;[13]

    d) cultural, visto que produz e impõe uma cultura (a cultura capitalista), ou, como assevera Nora Merlin, produz uma cultura, uma subjetividade colonizada, que é "organizada por um ideal de consumo transformado em imperativo e pelo domínio do que chamaremos mercadocracia";[14]-[15]

    e) normativa, que impõe determinado modo de ser à sociedade (sociedade neoliberal), ao Estado (Estado neoliberal), à humanidade (humanidade neoliberal), ao Direito (direito neoliberal do trabalho)[16] e ao ser humano (ser humano neoliberal, que é fruto de uma verdadeira mutação antropológica).[17]

    Neste sentido, é afirmado que o neoliberalismo é uma ordem normativa da razão que, ao longo de três décadas, se converteu em uma racionalidade orientadora ampla e profundamente disseminada, que transforma cada domínio humano e cada empresa – junto com os seres humanos mesmos – de acordo com uma imagem específica do econômico. Toda conduta é uma conduta econômica, todas as esferas da existência se marcam e medem a partir de termos e medidas econômicas.[18]

    A natureza normativa do neoliberalismo é também ressaltada por Pierre Dardot e Christian Laval, para os quais ele "não destrói apenas regras, instituições, direitos. Ele também produz certos tipos de relações sociais, certas maneiras de viver, certas subjetividades […]. O neoliberalismo define certa norma de vida […]. Esta norma […] ordena as relações sociais segundo o modelo de mercado […]. Esta norma de vida rege as políticas públicas, comanda as relações econômicas mundiais, transforma a sociedade, remodela a subjetividade".[19]

    O neoliberalismo constitui uma metanarrativa, que procura responder às principais perguntas sobre o homem, a liberdade, o sentido da vida humana, e que são a sociedade e suas instituições,[20] estando entre essas instituições o Direito, que, para os neoliberais, deve estar subordinado à lógica do mercado.

    O neoliberalismo é uma utopia – a utopia do mercado puro e perfeito,[21]-[22] que inverte a relação entre causa e efeito, na medida em que, embora a pobreza da classe trabalhadora seja um dos efeitos da ausência de sua proteção adequada e efetiva, o neoliberalismo sustenta e propaga que a proteção da classe trabalhadora por meio do Direito do Trabalho é que constitui a causa da sua pobreza.[23]

    Por fim, o neoliberalismo, na medida em que abandona os seres humanos à própria sorte e, portanto, à morte, constitui uma espécie de necropoder, entendendo-se como tal o poder de decidir sobre o ponto em que a vida passa a ser indigna de ser vivida[24] ou poder de matar, deixar viver ou expor à morte.[25]

    Vale anotar que Achiles Mbembe recorre a Foucault, para quem o biopoder, como poder sobre a vida, e os seus mecanismos estão inscritos na forma como funciona todos os Estados modernos, para concluir que o necropoder e os seus mecanismos podem ser vistos como elementos constitutivos do poder do Estado na modernidade.[26]

    Este ponto de vista decorre do sentido que Achiles Mbembe atribui ao biopoder, visto que, para ele, poder de deixar viver implica poder de matar e expor à morte. Portanto, este doutrinador se afasta da ideia de biopolítica como gestão sobre a vida, conferindo-lhe um sentido mais amplo, o que conduz à conclusão de que a biopolítica constitui uma manifestação da necropolítica, ponto de vista que é também adotado por Santiago López Petit, para quem "a intervenção sobre a vida pressupõe e requer poder de matar. Com o que, finalmente, se desvenda a verdade da biopolítica. A biopolítica é, ela mesma, necropolítica, isto é, uma política de e com a morte".[27]-[28]

    O necropoder pode levar à morte física ou social, apresentando-se esta quando a pessoa é tratada como se não existisse, exceto como mera ferramenta e instrumento de produção.[29]-[30]

    O neoliberalismo, neste sentido, é uma forma de necropoder. Daí, inclusive, Milton Friedman ter afirmado que os seres humanos fracos não têm o direito de viver.[31]-[32]

    A implementação do neoliberalismo decorre de uma transformação estrutural, que envolve uma série de fatores, entre os quais a crise do Estado social, o abandono do modelo fordista de produção, com o recurso ao trabalho temporário, à terceirização e à deslocalização da produção,[33] e o surgimento de novas pautas de acumulação e concorrência, e uma das suas políticas consiste na flexibilização, a qual deságua na precariedade laboral.


    [4] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Declaração do Centenário da OIT para o Futuro do Trabalho. Disponível em: . Acesso em: 22 abr. 2021.

    [5] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Declaração do Centenário da OIT para o Futuro do Trabalho. Disponível em: . Acesso em: 22 abr. 2021.

    [6] DE GIORGI, Raffaele. Democracia, Estado e direito na sociedade contemporânea. Cadernos da Escola do Legislativo, Belo Horizonte, 2(4): 16, jul./dez. 1995.

    [7] A busca por ganhos econômicos pode levar e várias vezes levou a inúmeras guerras. Daí a necessidade de adotar medidas voltadas a evitar a concorrência entre as nações fundada no custo do trabalho humano como vantagem competitiva.

    [8] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Declaração do Centenário da OIT para o Futuro do Trabalho. Disponível em: . Acesso em: 22 abr. 2021.

    [9] FLORES, Joaquín Herrera. A (re)invenção dos direitos humanos. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009, p. 19.

    [10] O significado de cada uma dessas características serão aprofundados ao longo do desenvolvimento dos argumentos do livro.

    [11] Tem-se por política, neste particular, o sistema de controle da sociedade e distribuição de recursos. (DE GIORGI, Raffaele. Democracia, Estado e direito na sociedade contemporânea. Cadernos da Escola do Legislativo, Belo Horizonte, 2(4): 12, jul./dez. 1995).

    [12] Zygmunt Bauman fala, a propósito, em Estado de bem-estar para os ricos (BAUMAN, Zygmunt. Vida a crédito. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010, p. 33).

    [13] RESTREPO, Ricardo Sanín. Teoria crítica constitucional: rescatando la democracia del liberalismo. Quito: Corte Constitucional para el Período de Transición, 2011, p. 43. (Crítica y Derechos, 3).

    [14] MERLIN, Nora. Colonización de la subjetividade: los medios masivos em la época del biomercado. Buenos Aires: Letra Viva, 2017, p. 22-23, 25.

    [15] A cultura de massas produz: indivíduos normatizados, articulados uns com outros segundo sistemas hierárquicos, sistemas de valores, sistemas de submissão; não se trata de sistemas de submissão visíveis e explícitos, como na etologia animal, ou como nas sociedades arcaicas e pré-capitalistas, mas sistemas de submissão muito mais dissimulados, o que resulta não só produção da subjetividade individuada – subjetividade dos indivíduos – mas na produção de subjetividade social que se pode encontrar em todos os níveis da produção e do consumo (GUATTARI, Féliz; ROLNIK, Suely. Micropolítica. Cartografia del deseo. Madri: Traficantes de Sueños, 2006, p. 28-29).

    [16] Joaquín Pérez Rey e Adoración Guamán aludem ao direito capitalista do trabalho, como sendo aquele que, sem questionar o capitalismo, confere tratamento democrático ao trabalho e lhe atribui voz coletiva e cria um espaço de trabalho com direitos (REY, Joaquín Pérez; GUAMÁN, Adoración. Derecho do trabajo del inimigo: aproximaciones histórico-comparadas al discurso laboral neofacista. In: GUAMÁN et. al. (Coord.). Neofacismo: la bestia neoliberal.Madri: Siglo XXI de España, 2019, p. 137), e ao direito neoliberal do trabalho ou direito do trabalho do inimigo, como Direito que reduz o valor do trabalho e da vida do sujeito-trabalhador, por meio da precarização das condições de trabalho, eliminação da estabilidade no emprego e contenção ou redução salarial, e que constitui o resultado de uma estratégia ofensiva e contrarrevolucionária do capital contra o trabalho (REY, Joaquín Pérez; GUAMÁN, Adoración. Derecho do trabajo del inimigo: aproximaciones histórico-comparadas al discurso laboral neofacista. In: GUAMÁN et. al. (Coord.). Neofacismo: la bestia neoliberal.Madri: Siglo XXI de España, 2019, p. 154-155). Daí o neoliberalismo atacar ferozmente o Estado social, o qual procura assegura a todos uma vida digna, por meio, principalmente, da garantia de acesso a serviços públicos (salários indiretos), como resposta à economia sem controle político (BAUMAN, Zygmunt. Trabajo, consumismo y nuevos pobres. Barcelona: Gedisa, 2008, p. 75). O neoliberalismo pretende liberar a economia deste controle, sendo relevante notar que o Estado social é fruto da pressão dos trabalhadores, mas, também, do reformismo social preventivo adotado pelo capital, ou seja, de uma forma de proteção do capitalismo contra a possibilidade de revolução social. Assim, o Estado social atendia a uma necessidade do próprio capitalismo, inclusive porque, ao assegurar uma educação de boa qualidade, um serviço de saúde apropriado, moradias dignas e uma alimentação saldável para os filhos das famílias pobres, o Estado social assegurava ao capitalista uma mão de obra qualificada" (BAUMAN, Zygmunt. Trabajo, consumismo y nuevos pobres. Barcelona: Gedisa, 2008, p. 82-83). Com o neoliberalismo, esta espécie de exército de mão de obra, que deixou de ser local e se transformou em global, é passou a ser composto por trabalhadores(as) que, em razão da necessidade de sobrevivência, estão dispostos a se sujeitar as condições indignas de trabalho.

    [17] ALMEIDA, Cleber Lúcio de; ALMEIDA, Wânia Guimarães Rabêllo de. Neoliberalismo, subjetividades e mutação antropológica e política. Belo Horizonte: Conhecimento, 2020, p. 34-42.

    [18] BROWN, Wendy. El pueblo sin atributos: la secreta revolución do neoliberalismo. Barcelona: Malpaso, 2016, p. 6-7.

    [19] DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016, p. 16.

    [20] Neste sentido, a antropologia neoliberal adota três tradições teóricas, quais sejam, o economicismo dos clássicos ingleses, levado às últimas consequências, o darwinismo social e concepções conservadoras, e é informada por vários princípios: "o homem é um indivíduo possesivo. A relação de propriedade de si mesmo, de suas capacidades e de seus bens será a sua conexão com os outros e o mundo […]. A atividade humana principal é a econômica e esta é realizada no mercado. Por isto, as funções humanas essenciais seriam as de possuir, trocar, acumular e consumir. Os humanos atuariam ou deveriam proceder guiados pelo egoísmo e a conduta adequada é o cálculo de maximização de benefícios e minimização de custos […]. O homem […] é independente dos outros e nada deve à sociedade. Só existem indivíduos e sociedade nada mais é do que nome do conjunto deles […]. Os homens são naturalmente desiguais […]. As desigualdades naturais explicam as desigualdades socioeconômicas […]. A livre concorrência gera desigualdades que são invitáveis e […] necessárias. (ESTÉVEZ, Jorge Vergara. La utopía neoliberal u sus críticos. Utopía y Praxis Latinoamericana. Revista Internacional de Filosofía Iberoamericana y Teoría Social, n. 31, ano 10, p. 37-62, out./dez. 2005. Disponível em: . Acesso em: 30 abr. 2021). Incluído. Sob este prisma, o bem comum constituiria uma consequência automática da busca egoísta pela satisfação de interesses pessoais (individualismo competitivo), o que deixa de lado qualquer preocupação com a solidariedade e a empatia.

    [21] BOURDIEU, Pierre. A essência do neoliberalismo. Disponível em: . Acesso em: 8 fev. 2021.

    [22] A afirmação de que o neoliberalismo constitui uma ideologia é reiterada por Jorge Vergara Estévez, para quem a teoria neoliberal é uma metanarrativa que cumpre as funções de uma ideologia e que contém uma utopia e atua como forma de pensamento econômico e social e lógica da ação social (ESTÉVEZ, Jorge Vergara. La utopía neoliberal u sus críticos. Utopía y Praxis Latinoamericana. Revista Internacional de Filosofía Iberoamericana y Teoría Social, n. 31, ano 10, p. 37-62, out./dez. 2005. Disponível em: . Acesso em: 30 abr. 2021). Trata-se, neste particular, da ideologia em sentido político – sistemas de crenças e ideias programáticas ao serviço de um grupo – e sociológico – discurso normativo que se traduz em práticas, valores e códigos tendentes a naturalizar e legitimar uma dada ordem ou relação de poder (ESTANQUE, Elísio. Classe média e lutas sociais: ensaio sobre sociedade e trabalho em Portugal e no Brasil. Campinas: Editora Unicamp, 2015, p. 46, nota 5).

    [23] A pobreza pode ser considerada tanto no sentido de incapacidade de a pessoa atender às necessidades básicas próprias e familiares em razão dos baixos rendimentos (pobreza sob enfoque das necessidades básicas), quanto no de falta de acesso aos direitos humanos e fundamentais (pobreza sob enfoque dos direitos humanos e fundamentais). A pobreza constitui violação generalizada a todos os direitos humanos, tanto civis e políticos como sociais, econômicos e culturais (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. El trabajo, la educacion e los recursos de las mujeres: a ruta hacia la igualdad em la garantia de los derechos económicos, sociales y culturales: OEA/Ser.L/V/II.143. Doc 59, 3 de novembro de 2011, parag. 17. Disponível em: . Acesso em: 10 fev. 2021). Estabelece-­se, assim, um ciclo vicioso: a falta de acesso aos direitos humanos conduz à pobreza e esta, por sua vez, impede o acesso àqueles direitos.

    [24] AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, p. 137.

    [25] MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. São Paulo: n-1 edições, 2019, p. 6.

    [26] MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. São Paulo: n-1 edições, 2019, p. 18-19.

    [27] PETIT, Santiago López. Prólogo. In: GEFAELL, Clara Valverde. De la necropolítica neoliberal a la empatia radical: violência discreta, cuerpos excluídos y repolitización. Barcelona: Icaria, 2015, p. 12.

    [28] A nosso juízo, biopolítica e necropolítica não se confundem, sendo esta apenas uma forma de manifestação daquela, ou seja, no exercício da biopolítica pode-se matar ou submeter à morte.

    [29] MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de exceção, política da morte. São Paulo: n-1 edições, 2019, p. 30.

    [30] José Mario Achoy Sánches aduz que o necropoder constitui uma força política legitimada pelo Direito, sendo este utilizado por aquele como instrumento visando a incluir nos contratos sociais "uma série de primeiros princípios que servem para justificar a posteriori a definição utilitária entre os vivos e os mortos, ou seja, para definir aqueles que devem viver ou morrer segundo as necessidades e interesses do centro do poder". (SÁNCHES, José Mario Achoy. Necropoder: el derechos y la política entre os vivos y los muertos. Ars Iuris Salmanticensis, v. 6, p. 33-35, dez. 2018. Disponível em: . Acesso em: 2 maio 2021). Este doutrinador acrescenta que o necropoder pode ser exercido por meio de vários processos, entre os quais a sexualidade, a nutrição e a saúde, e que, para que possa ser exercido o necropoder, é inserida na "alma da massa, por meio de uma agenda programática do ‘bem comum’, a ideia segundo a

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1