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A Mídia Sob o Império da Lei:: Políticas de Regulação dos Meios de Comunicação no Brasil e na Argentina no Século XXI
A Mídia Sob o Império da Lei:: Políticas de Regulação dos Meios de Comunicação no Brasil e na Argentina no Século XXI
A Mídia Sob o Império da Lei:: Políticas de Regulação dos Meios de Comunicação no Brasil e na Argentina no Século XXI
E-book329 páginas4 horas

A Mídia Sob o Império da Lei:: Políticas de Regulação dos Meios de Comunicação no Brasil e na Argentina no Século XXI

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O livro A mídia sob o império da lei: as políticas de regulação dos meios de comunicação no Brasil e na Argentina no século XXI traz um conjunto de reflexões sobre uma temática extremamente relevante, que são as políticas de regulação da mídia aplicadas nas décadas recentes, em especial nos dois países sul-americanos escolhidos para a análise. O eixo causal estabelecido é buscar a interferência dos processos de regulação da mídia no funcionamento dos processos democráticos nos dois países. Os atuais modelos verificados no Brasil e na Argentina tendem a trazer prejuízos democráticos em ambas as nações.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento22 de jul. de 2020
ISBN9786555232684
A Mídia Sob o Império da Lei:: Políticas de Regulação dos Meios de Comunicação no Brasil e na Argentina no Século XXI

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    A Mídia Sob o Império da Lei: - Rodolfo Marques

    Argentina.

    Sumário

    INTRODUÇÃO 21

    Capítulo 1

    ALGUNS APONTAMENTOS TEÓRICOS A RESPEITO DA REGULAÇÃO DA MÍDIA 35

    Capítulo 2

    PRINCIPAIS MODELOS DE REGULAÇÃO DA MÍDIA PELO MUNDO 53

    Capítulo 3

    POLÍTICAS DE REGULAÇÃO DA MÍDIA NO BRASIL 71

    Capítulo 4

    POLÍTICAS DE REGULAÇÃO DA MÍDIA NA ARGENTINA 121

    Capítulo 5

    ESTUDO COMPARADO DA REGULAÇÃO DA MÍDIA NO BRASIL E NA ARGENTINA (2003-2015) 151

    CONCLUSÕES 167

    EPÍLOGO 171

    REFERÊNCIAS 173

    APÊNDICES 197

    ÍNDICE REMISSIVO 239

    INTRODUÇÃO

    No Brasil, a agenda política pela regulação encontra-se na discussão pela construção efetiva do marco regulatório da mídia, demandada mais por alguns grupos da sociedade civil, como o coletivo Intervozes, e por determinadas agremiações partidárias, como o Partido dos Trabalhadores (PT), que comandou o país entre os anos de 2003 e 2016. E há um modelo definido a partir da Constituição de 1988, com a criação dos Conselhos de Comunicação Social, mas ainda ausente de regulamentação clara – ou de cumprimento de certas regras, em vários pontos. A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), por exemplo, foi criada na gestão do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que governou o país em dois períodos consecutivos: 1995-1998 e 1999-2002 (GOMES; MAIA, 2008; LIMA, 2001; 2007; 2011; 2013; 2014; MIGUEL, 2001; 2004a).

    Na Argentina, essa agenda política tem, como destaque histórico, a Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, de 2009, desenvolvida no primeiro governo da presidente Cristina Kirchner (2007-2011 e 2011-2015) e revogada na gestão do presidente Mauricio Macri, iniciada no final de 2015, em seus primeiros atos de governo (MARQUES; CONCEIÇÃO, 2017). Ressalte-se, também, que tanto no Brasil como na Argentina emissoras de rádios e TV são concessões públicas, em que o governo autoriza, por um determinado período, o espaço para a produção e veiculação de conteúdos, além de exploração comercial às empresas. Na Argentina, o processo de criação de novos marcos regulatórios esteve em um estágio bem avançado, entre 2009 e 2015, com as intervenções do governo da presidente Cristina Kirchner junto aos principais grupos de comunicação, em especial em relação ao Clarín. Já no Brasil, houve e há tentativas para a execução de tal processo, como a proposta de criação do Conselho Federal de Jornalismo no país – e a própria regulamentação de alguns termos da Constituição Federal.

    A questão da democratização da comunicação está em evidência no Brasil e na Argentina, em maior ou menor escala, desde o início dos anos 1980, quando do fim da ditadura militar e do processo de transição democrática em ambos os países e em outros países sul-americanos (CHOMSKY, 2013; BECERRA, 2015; GOMES; MAIA, 2008; LIMA, 2001; 2007; 2011; 2013; 2014; MATOS, 2013; MENÉNDEZ, 2009; MIGUEL, 2001; 2004a).

    As ditaduras militares e civis estiveram presentes em alguns países da América Latina, em especial nos anos 1960 e 1970, e interferem, até os dias atuais, nos processos democráticos desses países. Os processos de redemocratização ocorreram após esse período de autoritarismo e são incluídos no contexto da terceira onda democrática (HUNTINGTON, 1994), após processos ocorridos na Europa (Portugal, Grécia, Espanha) e que se estenderam à América Latina (Equador/1978 e 1979, Bolívia/1982, Argentina/1983, Uruguai/1984 e Brasil/1985).

    Na América Latina, as duas primeiras transições democráticas ocorreram em 1978, no Equador e na República Dominicana. O processo ocorreu também na Argentina e no Brasil, após suas experiências ditatoriais, que, no caso do Brasil, duraram 21 anos (1964-1985), e na Argentina, com mais força, por sete anos (1976-1983). Os meios de comunicação tiveram grande importância nesse processo de transição democrática e sua forma de funcionamento hoje está diretamente ligada ao modelo democrático de ambos os países (PEREIRA, 2010).

    A partir dos anos 1990 e, principalmente, dos anos 2000, ocorreu o crescimento das mídias alternativas e as pessoas começaram a dispor de um maior acesso à informação, em especial com o avanço da internet. No Brasil, por exemplo, o IBGE, por meio de sua Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), de 2009, apontou que 67,9 milhões de pessoas acessaram de forma regular a internet em 2009, mais que o dobro do que foi registrado em 2005 (aumento de 112,9%) (MEDEIROS et al., 2011).

    Um ponto que também se encontra relativamente desregulamentado, tanto no Brasil quanto na Argentina, embora haja marcos civis de funcionamento, é a internet – que não é foco no presente trabalho. Classificada como mídia mista, por ter características de mídias impressas (recorrência, impressão de conteúdos) e eletrônicas (áudio e vídeo em movimento, transmissões ao vivo), ela reflete os grandes avanços na área das telecomunicações e no processo de transmissão digital e rápido dos dados, com muitos produtos audiovisuais.

    No Brasil, foi aprovada, em 2014, a Lei 8.771/2016, que trata do Marco Civil da Internet, com foco nos direitos e deveres do usuário na rede mundial de computadores e com três vértices fundamentais: neutralidade da rede, privacidade dos usuários e liberdade da expressão (CANABARRO; PATRÍCIO; SOUZA, 2016). As discussões sobre o marco duraram cinco anos (2009 a 2014) e permanecem até os dias atuais, com mobilização da sociedade civil organizada. Na Argentina, a legislação sobre a internet, de 2010, aborda, basicamente, as mesmas questões que, posteriormente, foram adotadas no Brasil. Em ambos os casos – Brasil e Argentina –, a realidade da internet ainda depende dos seus limites e características peculiares dos usuários da rede.

    Também ainda há vácuos de regulação em relação à produção e à distribuição de conteúdos a partir de telefones celulares e smartphones. Esses aparelhos funcionam muito mais do que canais de comunicação, como produtores e difusores de conteúdos das mais diferentes naturezas. A internet é, em sua essência, um meio de comunicação em permanente mudança, com adaptações tecnológicas no contexto das necessidades de produtores e consumidores de conteúdo impresso e audiovisual.

    Nos processos de redemocratização, em alguns países latino-americanos, nos anos 1980 e 1990, países como Argentina, Brasil, Equador e Uruguai debateram e debatem e, em alguns casos, realizam alterações importantes nas suas leis relacionadas aos meios de comunicação. Instituições não governamentais, como a Observatorios en Red (Rede de Observatórios de Mídia) e a seção latino-americana do Global Forum for Media Development (Fórum Global para o Desenvolvimento da Mídia), também são iniciativas recentes de discutir tal agenda (MARQUES, 2015).

    Nos governos do ex-presidente Lula, em dois mandatos consecutivos (2003-2006 e 2007-2010), no Brasil, o partido dele – o PT – buscou tentar pautar o debate da regulação da mídia nos programas de governo. Todavia não houve maiores mudanças nesse contexto. No 4.º Congresso Nacional do PT, realizado em setembro de 2011, foi defendida a instituição de um novo marco regulatório para as comunicações no País, reacendendo o conflito entre governo e mídia. Aliás, em sua posse como presidente eleita, Dilma Rousseff, em 2011, declarou, de maneira incisiva, que preferiria o barulho da mídia livre ao silêncio das ditaduras.

    Em março de 2015, por exemplo, no Congresso Nacional, o então presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática, deputado federal Fábio Sousa, do Partido da Social Democracia Brasileira/PSDB, de Goiás, posicionou-se a respeito da regulação da mídia no Brasil. Para ele, não havia razão para que o Congresso Nacional estruturasse quaisquer projetos na área da regulamentação dos veículos de Comunicação. Segundo o parlamentar, "Regulação da mídia [...] é o uso do controle remoto, é pai desligando a televisão em programas não apropriados para seus filhos, é você decidindo ao que vai assistir"².

    Considerando a importância do conteúdo veiculado pelos meios de comunicação, entrou na agenda da Ciência Política a discussão de reformas nos modelos de regulação da mídia em vários países. Para fazer uma discussão de alguns dos principais formatos, foram escolhidos Itália, Espanha, Portugal, Venezuela, França, Estados Unidos e Reino Unido, por terem características de modelos que poderiam ser incorporadas pelo Brasil e pela Argentina, e por terem a discussão da temática, com maior ou menor ênfase, em estágio mais avançado e já com medidas concretas de implantação de reformas na regulação da mídia (HALLIN; MANCINI, 2004).

    O Reino Unido e os Estados Unidos já possuem um histórico de regulação e normas mais bem definidas de como os veículos de comunicação devem funcionar, em especial os meios eletrônicos (rádio, televisão, cinema e internet) (NASSIF, 2015). O Reino Unido, aliás, tem seu modelo mais voltado para o fortalecimento da emissora pública e para o respeito ético a seus cidadãos, como se verificará no terceiro capítulo do presente estudo. E os Estados Unidos sempre focaram no respeito às liberdades e em agências reguladoras de forma e conteúdo.

    Na América Latina, tal questão ganhou espaço exatamente porque, em alguns países, como na Venezuela, no Equador, na Argentina e no Brasil, o poderio econômico dos principais grupos de comunicação ficou mais evidente e os conflitos entre governos e os meios de comunicação – os media³ – também tiveram um nível de intensificação. Para além disso, o funcionamento da emissora pública de televisão e a presença de um questionamento cada vez mais crescente da sociedade sobre diversos temas passaram a ter espaço nas discussões públicas e políticas de cada Estado, em maior ou menor escala.

    O debate aqui proposto inclui propostas para o espaço concedido aos meios públicos e estatais para promover conteúdos e educação de interesse público, cobrindo espaço da mídia privada, que é mais voltada para o entretenimento e para aspectos comerciais (CHOMSKY, 2013; BECERRA, 2015; GOMES; MAIA, 2008; LIMA, 2001; 2007; 2011; 2013; 2014; MATOS, 2013; MENÉNDEZ, 2009; MIGUEL, 2001; 2004b).

    Além dos aspectos de conteúdo e infraestrutura, a avaliação de características históricas de cada país é fundamental para que seja traçado o perfil de um determinado sistema midiático. Um sistema concentrado de mídias privadas e o passado autoritário trazem realidades muito semelhantes para a América Latina – apesar das perceptíveis peculiaridades locais. Nessa esfera de debates, as temáticas referentes às políticas de Comunicação no Brasil e na Argentina, assim como nos demais países latino-americanos, contam com um desenvolvimento específico.

    É necessário considerar que as formas de regulação pública dos meios de comunicação estão presentes em todos os países democráticos. O que parece estar em jogo é assegurar o direito de expressão, que inclui, em primeiro lugar, a liberdade de cada indivíduo e de cada grupo de se expressar livremente em espaço público e com acesso universal à informação. Por essa razão, nos países democráticos, não existe nenhuma legislação particular de regulação específica para jornais e revistas – afora temas relacionados à difamação, ao uso de linguagem obscena ou de incitação ao ódio –, pois se supõe que qualquer pessoa ou grupo pode produzir sua própria publicação.

    Essa possibilidade deixou de existir com o rádio e, posteriormente, com a televisão, visto que há uma limitação tecnológica e de concessões, determinando dois aspectos fundamentais: o acesso a um canal de transmissão é sempre uma concessão pública – instituição governamental –, e por existirem poucos canais disponíveis, existe a necessidade de uma limitação de concentração, com maior diversidade de vozes e opiniões (SORJ, 2012).

    A discussão ocorre em um momento de incertezas quanto ao funcionamento dos meios de comunicação em vários países, em especial em relação aos casos analisados. Há incertezas sobre os limites de conteúdo, sobre o poderio econômico das empresas de comunicação, sobre o grau de influência no comportamento das pessoas e na influência na popularidade e funcionamento dos próprios governos. Dessa forma, entram em debate os modelos de governança da regulação existentes em algumas regiões do mundo para verificar quais são os caminhos mais indicados para a regulação na Argentina e, em especial, no Brasil (CHOMSKY, 2013; BECERRA, 2015; GOMES; MAIA, 2008; LIMA, 2001; 2007; 2011; 2013; 2014; MATOS, 2013; MENÉNDEZ, 2009; MIGUEL, 2001; 2004b).

    A abordagem teórica e de elementos empíricos leva à tese apresentada e defendida neste livro: as tentativas de reforma na regulação no Brasil e na Argentina não avançaram essencialmente por fatores políticos – tornando a democracia (DAHL, 2005; SCHUMPETER, 1961; HAYEK, 1972; POPPER; CONDRY, 1994; O’DONELL, 1999; 2011) um sistema com claras limitações em ambos os países. Assim, os atuais modelos verificados tanto no Brasil quanto na Argentina tendem a trazer prejuízos aos processos democráticos em ambos os países.

    A discussão a respeito das relações entre mídia e democracia, em especial sobre a regulação da mídia, já acontece há pelo menos quatro décadas em várias regiões do mundo. As contribuições e obstáculos dos meios de comunicação para o funcionamento dos modelos democráticos e as regras para o funcionamento da mídia são pautas de alguns autores, no Brasil e Argentina, em especial nas décadas mais recentes (CHOMSKY, 2013; BECERRA, 2015; GOMES; MAIA, 2008; LIMA, 2001; 2007; 2011; 2013; 2014; MATOS, 2013; MENÉNDEZ, 2009; MIGUEL, 2001; 2004a).

    Discute-se, no cenário democrático, a respeito da importância dos veículos de comunicação para garantir as liberdades e para o aperfeiçoamento das instituições – e, ao mesmo tempo, ressalta-se se tais responsabilidades estão realmente sendo exercidas. Como Brasil e Argentina regulamentam o acesso a veículos de comunicação eletrônicos, que são concessões públicas, e há controle de meios impressos? Esse tema é controlado pelos governos? Existe controle de conteúdo? Como a sociedade avalia a questão da regulação da propriedade dos meios de comunicação social? O controle dos meios afeta na percepção da população em relação à qualidade da democracia?

    Os modelos de regulação pública e/ou estatal dos meios de comunicação aparecem, em maior ou menor escala, na maioria das nações democráticas no mundo. É o padrão mais usual no contexto dos modelos de governança. Em geral, o grande desafio é garantir a liberdade de expressão, com a manifestação de pessoas e de instituições nos espaços públicos, além do acesso livre à informação, ferramenta fundamental para a construção da cidadania. Por exemplo, os jornais impressos, nos países democráticos, são de responsabilidade de seus proprietários e de seus profissionais da área; mas, no caso de radiodifusão e televisão, em geral, há a necessidade de regras, pois tais veículos são concessões públicas na maioria dos casos (SORJ, 2012).

    Nesta pesquisa, trabalha-se com a ideia de democracia conceitual nas perspectivas liberal, de Hayek (1972) e Popper (1994); pluralista, com Schumpeter (1961) e Weber (1968; 1987); além da ideia da poliarquia, de Dahl (2005). Acrescentam-se também as visões de O’Donnell (1999; 2011), Munck (1996; 2013) e Gugliano (2004). Em todas essas perspectivas, há como premissas a garantia de liberdade de expressão, pluralidade das informações e interesse público. A ideia de democracia também está intimamente ligada às perspectivas de organização política e ao modelo de funcionamento político das diferentes nações.

    O debate sobre as funções e o significado da mídia no mundo contemporâneo, considerando as relações entre mídia e democracia e o peso político efetivo dos meios de comunicação, com efeitos na vida social, traz várias reflexões para o próprio funcionamento das sociedades e das instituições democráticas. Nogueira (2006) lança alguns questionamentos: a mídia traz benefícios ou prejuízos à democracia? A mídia, em si, atua como um quarto poder, interferindo na agenda governamental? Ou é um ator relevante dotado de poderes, como tantos outros existentes no contexto político? E qual a real influência política da mídia? Informa, deforma e/ou forma a opinião pública?

    Alguns desses questionamentos, presentes neste estudo, reforçam a importância de se discutir a agenda temática e de se buscar caminhos para um melhor funcionamento dos meios de comunicação no Brasil. Para Nogueira (2006), a produção midiática estabelece relações consistentes com a democracia, e há a necessidade de existirem políticas públicas claras para as mídias.

    A temática da regulação da mídia entra no debate a respeito do regime democrático, ao se entender as variáveis discutidas sobre os meios, como liberdades, comunicação e informação, além do funcionamento das próprias sociedades (NOGUEIRA, 2006).

    Por que tal temática gera dúvidas e incertezas? Exatamente porque os meios de comunicação produzem e reproduzem conteúdos que têm grau de interferência política nas sociedades, a partir da premissa de que cidadania se constrói, essencialmente, com informação. Assim, o principal problema aqui apresentado é a busca de entender as relações dos processos políticos com os meios de comunicação, em especial, no Brasil e na Argentina.

    Nesse contexto, questiona-se muito a interferência da mídia dentro do cenário político, estimulando posições diferenciadas dos agentes políticos e uma mobilização da própria sociedade. Ressalta-se, no contexto da democracia, a mídia como principal fonte de informação para que os cidadãos se coloquem em sociedade, além de representarem papéis importantes nos intercâmbios dentro do campo político (MIGUEL, 2001; 2004a; 2004b).

    Em uma discussão mais conceitual, a mídia identifica-se como o conjunto de meios de comunicação social, empresas e conteúdos editoriais de um país, divulgando informações por meio de suas equipes de jornalistas e de seu núcleo editorial de conteúdo, além disso, ela é formada por várias empresas, em sua grande maioria, particulares, como concessões governamentais e na relação entre iniciativa privada e governo. Os meios de comunicação são, na essência, os canais existentes para informar, entreter e divulgar conteúdos em geral. Os meios impressos, historicamente, como jornais e revistas, sempre tiveram uma característica essencialmente estática – o conteúdo fica registrado para as gerações posteriores. Em geral, meios impressos são adequados para argumentar quando for necessário, por seu caráter predominantemente discursivo. E quanto mais específico for o meio, proporcionalmente maior será a quantidade de informação para persuadir o leitor. No Brasil, embora em processo de clara decadência, existem em todo o país cerca de 1600 jornais, segundo a Associação Nacional de Jornais – ANJ (entre os anos de 2015 e 2017), sendo que destes aproximadamente 450 são editados diariamente. A maior penetração ocorre nas classes A e B, identificadas teoricamente como formadoras de opinião (VERONEZZI, 2005).

    A despeito desse contexto, há uma relação inversamente proporcional entre Brasil e Argentina. Enquanto que no país platino existe grande índice de leitura e releitura de jornais – com cerca de 10 leitores diferentes para cada exemplar –, no Brasil, o jornal impresso tem um índice de releitura de quatro a seis pessoas.

    A mídia pode ter o caráter presencial, de representação, em canais impressos, e pode ser eletrônica, com audiência simultânea e dispersa, no rádio, na televisão e no cinema. Falar de conteúdos midiáticos traz à tona o uso social da língua e de diversos outros sistemas simbólicos (BARZOTTO; GHILHARDI; LAGE: 2002). As mídias eletrônicas são os veículos de comunicação que não permitem a recorrência, característica dos meios de comunicação em que o espectador ou ouvinte não pode voltar à mensagem – de qualquer natureza. Como principais exemplos desse tipo de mídia estão o rádio e a televisão, e, como misturam impressões sensoriais, como a audição e a visão, estabelecem uma relação mais dinâmica e instantânea com a sociedade.

    A despeito desse conceito, hoje em dia, com os dispositivos tecnológicos de gravação de conteúdos e também da recuperação de dados via internet, essa característica da não recorrência perde um pouco de atualidade. Os meios eletrônicos, em geral, geram uma repercussão maior na vida das pessoas, exatamente por mesclar imagens e sons, permitindo uma maior interatividade com o público (VERONEZZI, 2005).

    Mesmo não sendo o foco da presente abordagem, que trata mais da televisão e do rádio e, com menor ênfase, da mídia impressa – jornais e revistas –, é necessário destacar a presença e a relevância da internet. A internet criou novos padrões de interação social e apresenta características tanto da mídia impressa – impressão de conteúdos, retorno às informações quantas vezes forem necessárias – quanto da mídia eletrônica – interatividade, acesso em tempo real a vídeos, áudios etc. No Brasil e na Argentina, existem marcos civis para tratar da regulamentação da internet, e que eventualmente entram, de forma renovada, em pauta.

    A internet é um meio em que se produz e no qual se veiculam conteúdos, a partir de blogs, outras redes sociais e outros mecanismos. É o que Pierre Lévy (1999) define como cibercultura, como a expressão do surgimento de um novo meio universal, diferente das formas anteriores, e que é construída sobre um sentido global. Trata-se de um novo dilúvio, com os avanços tecnológicos das telecomunicações e, claramente, da internet (LEVY, 1999, p. 15).

    Há, dentro dessa questão, outras três questões fundamentais colocadas em debate neste livro: regulação, democratização ou censura à mídia/aos meios de comunicação – qual a definição mais adequada? É necessário entender o complexo de mídia como um todo, ou é possível analisar os veículos de comunicação de forma isolada? E há modelos de governança mais (ou menos) adequados para gerenciar a regulação da mídia nos países analisados?

    Os objetivos deste livro, fruto da presente pesquisa, são os seguintes:

    •  Analisar as tentativas de mudanças nos modelos de regulação da mídia no Brasil e na Argentina, em perspectiva comparada, buscando as motivações do insucesso das reformas propostas entre 2003 e 2015;

    •  Apresentar as diferenças e semelhanças nas alterações dos modelos de regulação de mídia entre Brasil e Argentina, focando no período 2003-2015;

    •  Trazer a discussão dos dias atuais, com as mudanças políticas ocorridas nos dois países, no período de 2015 a 2019;

    •  Verificar os impactos das propostas de alterações nos modelos de regulação da mídia sobre os processos democráticos nos países analisados;

    •  Avaliar, do ponto de vista normativo, os argumentos a respeito da regulação da mídia no Brasil e na Argentina – tanto dos que apoiam as alterações nos modelos quanto dos que a questionam;

    •  Identificar os marcos regulatórios comparativamente nos dois países e verificar lacunas na participação da sociedade civil – e assim fortalecer as instituições, com uma cultura política mais participativa; e

    •  Analisar as motivações dos atores políticos relevantes e a estrutura das propostas de reforma na regulação da mídia nos dois países.

    A hipótese de pesquisa aqui apresentada é a seguinte: a ausência de alterações nos modelos de regulação no Brasil e na Argentina, no período entre

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