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O mundo dado: Cinco breves lições de filosofia digital
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O mundo dado: Cinco breves lições de filosofia digital
E-book254 páginas4 horas

O mundo dado: Cinco breves lições de filosofia digital

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Sobre este e-book

Existem três dimensões-chave com as quais nos confrontamos no que diz respeito ao nosso futuro digital e artificial: a programabilidade, a invisibilidade, a soberania. Sensores, dados, algoritmos, inteligência artificial e plataformas compartilham, embora em diferentes graus e escalas, todas as três dimensões. Ao programar soberana e invisivelmente nossa nova realidade, essas tecnologias estão redefinindo conceitos e perspectivas filosóficas em profundidade (da antropologia à ontologia, da ética à epistemologia) e com isso a nossa compreensão do mundo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento19 de jul. de 2021
ISBN9786555623017
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    Pré-visualização do livro

    O mundo dado - Cosimo Accoto

    Prefácio

    1de Alex Pentland*

    Quase uma magia

    O livro de Cosimo descreve como nossa cultura e os conceitos que usamos para entendê-la mudarão devido a um mundo povoado por códigos, sensores, dados, objetos e plataformas suportadas pela inteligência computacional. Uma das transformações especulativas mais profundas será a mudança da questão quais são os fatos? à pergunta quais são as consequências?. Em vez de questionar o passado por meio de seus documentos de arquivo, avançaremos em direção a uma orientação ao futuro em que as nossas pesquisas computacionais produzirão milhões de cenários potenciais para ações e perspectivas possíveis, assim como as nossas previsões meteorológicas já fazem, para estimativas de tráfego de automóveis, para projeções de planejamento financeiro. Para apoiar essa gama de novos poderes oraculares, o mundo está progressivamente sendo enriquecido de sensores que produzem dados para uma projeção cada vez mais precisa do futuro.

    Com um mundo que vem sensorizado e com objetos que se tornam inteligentes, adquiriremos poderes quase mágicos. Bastará dizer que aconteça e a mudança, por mais complexa que seja, vai acontecer… e muitas vezes, mesmo antes dos nossos desejos. Em um instante, um mar de nós críticos e complexidades se dissolverão, sem que percebamos e quase sem nos darmos conta disso, de forma imperceptível, automática e antecipada.

    Essa visão do futuro pode parecer ligada a um otimismo excessivo, mas acredito que também se aplica a muitos cenários distópicos. Mais e ainda mais importante: nossa cultura já está sendo hoje mudada pela difusão de softwares invisíveis, sensores, dados e inteligência computacional. Não nos preocupamos mais em nos perder ou encontrar o caminho certo, com os bilhões de dados que, graças ao nosso celular, temos no bolso. Deixamos de ir a uma agência de viagens para obter preciosos bilhetes em papel, quando a nossa reserva já está disponível assim que precisamos. E assim por diante, por muito mais. No entanto, nossa cultura muda tão lentamente que apenas pessoas como Cosimo são capazes de explorar e antecipar filosoficamente de forma tão clara a imagem do mundo que virá.

    Pensar a nós mesmos: de generalizações a previsões

    À medida que avançamos para dentro de um mundo feito de dados, muitas das maneiras como pensamos sobre o mundo, a sociedade e o comportamento humano mudam profundamente. Filósofos como Adam Smith e Karl Marx, para citar dois exemplos, nunca tiveram senão metade das respostas que buscavam. Por quê? Porque eles estavam falando sobre mercados e classes, mas esses são dados agregados. São médias.²

    E, embora possa ser útil pensar em termos de médias, os fenômenos sociais são a expressão de milhões de microinterações entre indivíduos. E há padrões nessas interações individuais que não são simplesmente médias, mas são responsáveis pelo Flash Crash³ e pelas Primaveras Árabes. Precisamos penetrar nesses padrões, nesses micropadrões, porque eles nos devolvem um conhecimento da sociedade que não é mais apenas a média estatística. Estamos entrando na era da física social, em que são os detalhes de todas as partículas individuais – como você e eu – que realmente produzem os êxitos de uma ação.

    Pensar em termos de mercados e classes nos dá a metade da compreensão. Essa nova capacidade de olhar para os detalhes – que só é possível por meio de dados onipresentes – nos dará a outra metade da história. Seremos capazes de projetar organizações e empresas melhores que serão mais responsáveis, estáveis e eficientes na medida em que realmente entendermos a física humana de uma forma mais granular. Esta nova ciência social computacional oferece possibilidades infinitas.

    É a primeira vez na história humana que somos capazes de ver o suficiente de nós mesmos para ter a esperança de realmente construir sistemas sociais que funcionam qualitativamente melhor do que os sistemas que sempre tivemos. Sensores corporais, sociais e ambientais nos oferecem a possibilidade de passar da compreensão da realidade à construção de novas realidades. Nossos laboratórios vivos são um exemplo perfeito dessa passagem. É uma mudança significativa. É comparável à fase de transição que ocorreu com a introdução da escrita ou com a disseminação da educação ou quando, com a internet, as pessoas começaram a estreitar novos laços. E, como aconteceu com a física social, os dados – como escreve Cosimo – também nos ajudarão a reimaginar outros conceitos filosóficos, como tempo, espaço, agência, sujeito, lei, experiên­cia, entre outros.

    O fato de que hoje podemos realmente olhar para a dinâmica das interações sociais e como elas funcionam sem ter de limitar nosso raciocínio a médias, como os índices de mercado, é simplesmente espantoso para mim. A capacidade de captar os detalhes das mudanças do mercado ou do início das revoluções políticas, de prever e até controlá-los é, sem dúvida, uma espécie de novo fogo de Prometeu. Um mundo baseado em dados pode ser bom ou ruim, mas, de qualquer forma, tempos extremamente interessantes estão por vir. Estamos prestes a reinventar o que significa ser uma sociedade humana.

    Visão oracular num mundo de sensores

    A parte mais poderosa da inteligência humana é nosso cérebro social, nossa capacidade de lembrar pessoas, interações e relacionamentos. A maior parte do cérebro humano parece estar ligada à necessidade de manter o controle de todas essas informações sociais. No entanto, nossa sociedade ainda não construiu, até o momento, muitas ferramentas para sustentar esse cérebro social. O Facebook, o LinkedIn e outras plataformas são, em sua maioria, máquinas de fofoca ou catálogos de currículos, mais interessados no benefício de seus proprietários do que nos usuários.

    Mas imaginemos por um momento que podemos potencializar nosso cérebro social, oferecendo às pessoas ferramentas baseadas em dados e informações antecipatórias que lhes permitem saber realmente o que está acontecendo nas organizações, cidades ou governos. Para alcançar esse empoderamento, precisamos de instrumentos que ajudem o nosso cérebro social por meio do senso social e do refinamento dos relacionamentos, da mesma forma que os computadores atuais estendem a nossa memória e a nossa capacidade de cálculo. Ao ensinar mais aos computadores sobre as melhores modalidades de interação dos humanos, eles poderão ser capazes de desempenhar o papel de assistentes e conectores sociais. Algoritmos, inteligência artificial e novas plataformas (apropriadamente projetadas e compartilhadas de forma aberta) serão capazes de fazer evoluir nossa humanidade. Um senso social de dados desenvolverá melhor nossa sociedade.

    A capacidade de encontrar novas ideias e criar novas conexões é a base para a construção de organizações humanas mais ágeis e criativas. Para entender como isso funciona, tente pensar na organização como um cérebro no qual as pessoas são neurônios individuais. Organizações estáticas – representadas por organogramas onipresentes – têm conexões fixas e, como resultado, uma capacidade limitada de aprender. Normalmente, essas organizações são divididas em silos, com pouca comunicação entre elas e pouca inovação de ideias. Colocadas dessa forma, elas correm o risco de não ter sucesso na competição do mercado. Ao fortalecer o cérebro social das organizações, as conexões – entre funcionários, departamentos e equipes – podem se reorganizar continuamente em resposta aos novos contextos emergentes.

    É importante sublinhar que é precisamente essa ideia de conexões adaptáveis que impulsiona a inteligência artificial de fronteira de hoje, incluindo abordagens estatísticas do machine learning e da rede neural do deep learning. Nestes modelos – como esclarece Cosimo – as conexões entre máquinas lógicas simples são reconfiguradas à medida que os sistemas aprendem. Ao contrário das máquinas lógicas, as pessoas podem reprojetar não apenas sua conectividade, mas também sua função, oferecendo uma arquitetura fluida e qualitativamente mais poderosa. Com o suporte do feedback correto, os neurônios inteligentes humanos podem preencher as lacunas de comunicação, acelerando o aprendizado, antecipando o inesperado e inventando novas estruturas para competir com as forças emergentes do mercado.

    Dissolver as fronteiras, distribuir o poder

    Com um mundo povoado por sensores, dados, algoritmos e objetos inteligentes, podemos começar a criar um novo sensorium social, um mundo completamente novo no qual as necessidades e desejos pessoais serão centrais e a rígida uniformidade maquínica gradualmente desaparecerá. Esse tipo de visão oracular já nos permite projetar sistemas de transporte, energia e saúde, que estão se tornando altamente personalizados e, consequentemente, melhores. Estamos em uma fase de transição. Estamos indo em direção, graças aos dados, do raciocínio que iluminou classes e mercados para uma compreensão extremamente granular das interações individuais e rumo a sistemas desenvolvidos para incrementar as intenções e necessidades humanas com base nesses dados granulares.

    E, o mais importante, as arquiteturas mais seguras e eficientes são aquelas que não têm pontos centrais. Nesses sistemas distribuídos, não há lugar para os ditadores assumirem o controle. A segurança em uma sociedade rica em dados significa, portanto, provavelmente também um nível mais alto de transparência e escolha para os indivíduos, o que pode neutralizar o controle central. Os novos protocolos tecnológicos (como, potencialmente, o blockchain) podem ajudar a construir essas redes distribuídas, seguras e abertas. O poder dos Estados e das grandes organizações tende a se dissolver em um mundo rico em dados e computação – Cosimo nos explica como novos regimes de soberania estão surgindo – porque as organizações que sobreviverem serão distribuídas entre os diversos stakeholders e sem os limites informativos que vemos hoje.

    Um mundo mágico para quem?

    Uma das grandes questões na mesa é: para quem será este mundo em evolução rico de dados e a que se assemelhará? Um ponto importante é que seus dados são mais valiosos se você puder compartilhá-los, porque este compartilhamento permite que sistemas como a saúde pública funcionem melhor para você. Os dados sobre como você se comporta e aonde vai, por exemplo, podem ser usados para impedir doenças contagiosas. Se você tem filhos, certamente não quer que morram em uma pandemia de H1N1. Como você pode parar com tudo isso? Bem, se você pode realmente ver como as pessoas se comportam em tempo real – e é algo que é perfeitamente possível hoje – então você pode saber quando cada pessoa provavelmente ficará doente. Isso significa que você pode ver como o contágio se espalhará, de pessoa para pessoa, em nível individual. E se você pode ver isso, então, pode também pará-lo. Você pode começar a construir um mundo onde as pandemias deixem de ser uma ameaça.

    Da mesma forma, se o aquecimento global preocupa você, agora sabemos como os padrões de mobilidade estão relacionados à produtividade. Isso significa que podemos projetar cidades que são muito mais eficientes, muito mais humanas, ao mesmo tempo que economizamos muita energia. Mas, para alcançar esses resultados, precisamos ser capazes de ver como as pessoas se movem. Este é outro exemplo de como o compartilhamento de seus dados tem um valor inestimável também para você mesmo. E é a contribuição de todos nós, homens e mulheres, que tornará este mundo um mundo mais sustentável. E esse é um benefício muito maior do que o valor puramente monetário dos dados.

    No entanto, hoje, os dados ainda são armazenados em sistemas fechados e inacessíveis, e compartilhar seus dados pessoais é perigoso porque podem ser roubados por ladrões de dados e bandidos. A vulnerabilidade é, obviamente, uma característica emergente de nossos complexos sistemas sociotécnicos, como diz Cosimo. É por essas razões que propus, já em 2008, um New Deal de dados para o Fórum Econômico Mundial. Este Novo Pacto é simples: as pessoas têm o direito de controlar seus dados. Desde aquela discussão inicial em Davos, a ideia passou por outros fóruns e debates para ser incluída na Declaração de Direitos de Dados do Consumidor dos EUA e nas regras de Direitos de Dados da União Europeia. A ideia central é que as pessoas estarão dispostas a compartilhar socialmente seus dados se souberem que estão seguras e se compreenderem que podem obter um benefício pessoal com o compartilhamento. Mas também teremos de redesenhar digitalmente o conceito de nossas identidades para que seja alinhado ao novo mundo digital. Como resultado, ao dar às pessoas o poder de controlar seus dados, podemos ter esse tipo de ambiente democratizado de compartilhamento de dados que nos permitirá criar um mundo mais saudável, verde e pacífico. A batalha pela privacidade pessoal, é claro, ainda está viva, mas acredito que agora o pêndulo mudou em favor do indivíduo.

    Hello, New World

    O código expressivo é criativo, é gerador, é construtor de mundos.– E. Swanstrom, Animal, Vegetable, Digital, 2016

    Enquanto me preparo para terminar de escrever este ensaio, nuvens ameaçadoras estão se formando sobre nosso planeta. O mapa que estou olhando indica as áreas nas quais essa turbulência tem se concentrado mais recentemente. Não se trata, no entanto, de alarmantes fenômenos atmosféricos, mesmo que tenham toda essa aparência. Em um clima de acusações mútuas e retaliação entre os Estados Unidos e a Rússia, um ataque cibernético foi feito, em outubro de 2016, contra a infraestrutura da internet americana por – suspeita-se – hackers russos. A visualização cartográfica mostra, como se fossem ciclones a atingir as cidades, os pontos geográficos da rede que foram alvo deste massivo ataque informático, o maior da era da internet.

    Como resultado dessas três ondas de ciberterrorismo, uma série de ataques impediu milhões de cidadãos, usuários e consumidores de acessar serviços e aplicativos. Em particular, o ataque ao Dyn, um dos gigantes provedores de hospedagem web estadunidense de que muitas empresas de internet dependem, foi pesado: CNN, New York Times, Netflix, Twitter, Spotify, eBay, Visa e várias outras plataformas ficaram inacessíveis por cerca de duas horas.

    Foi um ataque direto à logística da rede (portanto não diretamente às plataformas), perpetrado – pelo que podemos perceber desde as primeiras reconstruções – através de um botnet, uma rede composta por máquinas e objetos da Internet das Coisas. Milhões de dispositivos conectados, como webcams, termostatos e impressoras infectados, se transformaram em bots e foram usados para um ataque DDoS (distributed denial-of-service) com o objetivo de impedir o uso de recursos e serviços em rede. Em resposta, no início de novembro, hackers americanos – segundo a NBC – invadiram os sistemas de informação de comando do Kremlin, demonstrando sua vulnerabilidade.

    E não são os únicos episódios: nos últimos meses, outros hack­ers (presume-se, neste caso, chineses) atacaram um porta-aviões americano equipado com armas nucleares para roubar informações militares. Em ambos os casos, o Departamento de Segurança Nacional abriu uma investigação em busca dos responsáveis, dos executores e dos motivos do ataque.

    Para além das suspeitas e responsabilidades que terão de ser apuradas, este acontecimento evidencia, ainda que com uma marca fortemente dramática, os motivos profundos do projeto e da publicação deste livro. Que não é, porém, um ensaio sobre segurança informática nem um livro estimulado por um grave evento.

    Em vez disso, é fruto de um longo percurso filosófico, amadurecido nos últimos anos, com o objetivo de trazer à luz e fazer compreender a relevância do código software como o motor primário de nossa civilização, cultura e economia contemporâneas. Um código que geralmente é invisível e que assume múltiplas formas e dinâmicas ao se conectar com sensores, dados, algoritmos, robôs, inteligência artificial (IA) e plataformas. Nesse caso, o evento teve o cuidado de dar visibilidade a algo que costuma ficar oculto e, portanto, subestimado. Tomamos conhecimento do código soft­ware, de fato, somente quando ele falha ou quando, como em outros casos, ameaça nossa própria existência seja como indivíduos seja como seres sociais.

    Mas o código software é muito mais do que um evento de guerra informática pode dizer: é uma espécie de inconsciente tecnológico que molda e dinamiza as nossas vidas pessoais e profissionais, tanto privadas quanto públicas. É o motor invisível de nossa sociedade contemporânea que – e este é o ponto central – dita as condições de possibilidade de nosso mundo.

    Este livro nasce fundamentalmente de uma constatação: a da falta de análises mais especulativas e filosóficas sobre a contemporânea e futura software society. A intenção é introduzir uma abordagem mais conceitual e especulativa para a análise de questões de cultura de software. Chegou também a hora de pensar filosoficamente sobre software.

    Especialmente nos Estados Unidos, em várias universidades, existem agora cursos e percursos (mas também programas e projetos de pesquisa) dedicados. E o debate público sobre o papel do código, dados, algoritmos e inteligência artificial é vivo e aceso. Na Itália, neste contexto, sofremos um atraso cultural e, portanto, também civil. Apesar de seus espaços de excelência, reconhecidos e valorizados mundialmente, nosso país está atrasado em enfrentar (escrevo enfrentar – de forma consciente e crítica – e não abraçar de forma supina e fideísta) a revolução digital e suas implicações. Mas também, e acima de tudo, a Itália está atrasada, do meu ponto de vista, na preparação cultural das gerações presentes e futuras para o

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