A expansão social do blockchain
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A expansão social do blockchain - Lucia Santaella
Copyright © 2020. Lucia Santaella. Foi feito o depósito legal.
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP
A expansão social do blockchain / Lucia Santaella (org.) - São Paulo : EDUC, PIPEq, 2020.
1. Recurso on-line: ePub
O livro é fruto de um ano de investigações, realizadas em 2019, pelo grupo de pesquisa Sociotramas.
ISBN 978-65-87387-10-9
Disponível para ler em: todas as mídias eletrônicas.
Acesso restrito: http://pucsp.br/educ
1. Blockchains (Base de dados). I. Santaella, Lucia. II. Pontificia Universidade Católica de São Paulo Plano de Incentivo a Pesquisa. III. Sociotramas (Grupo de Pesquisa).
CDD 005.74
Bibliotecária: Carmen Prates Valls - CRB 8a. 556
EDUC – Editora da PUC-SP
Direção
José Luiz Goldfarb
Produção Editorial
Sonia Montone
Revisão
Lucia Santaella
Editoração Eletrônica
Gabriel Moraes
Waldir Alves
Capa
Kalynka Cruz-Stefani
Administração e Vendas
Ronaldo Decicino
Produção do e-book
Waldir Alves
Revisão técnica do e-book
Gabriel Moraes
Rua Monte Alegre, 984 – sala S16
CEP 05014-901 – São Paulo – SP
Tel./Fax: (11) 3670-8085 e 3670-8558
E-mail: educ@pucsp.br – Site: www.pucsp.br/educ
FrontispícioPONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
Reitora: Maria Amalia Pie Abib Andery
EDITORA DA PUC-SP
Direção: José Luiz Goldfarb
Conselho Editorial
Maria Amalia Pie Abib Andery (Presidente)
Ana Mercês Bahia Bock
Claudia Maria Costin
José Luiz Goldfarb
José Rodolpho Perazzolo
Marcelo Perine
Maria Carmelita Yazbek
Maria Lucia Santaella Braga
Matthias Grenzer
Oswaldo Henrique Duek Marques
Em nome dos autores, a organizadora deste volume agradece ao PIPEq, programa de incentivo à pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, que possibilitou a publicação desta obra.
Para o leitor
Lucia Santaella
Este livro sobre o tema do blockchain, ainda pouco explorado nas academias, é fruto de um ano de investigações, realizadas em 2019, pelo grupo de pesquisa Sociotramas¹, cujos participantes assinam os capítulos de que a coletânea se compõe. O método de trabalho adotado tem se revelado eficaz e produtivo. O tema selecionado para estudo é pesquisado e discutido durante o ano para se coroar em um evento em que os trabalhos já elaborados passam pela discussão do grupo do qual recebem contribuições, antes de serem reunidos em um volume para publicação. Os resultados dessa sistemática tornaram-se públicos e funcionam como exemplos de que a persistência é a mãe da continuidade².
As metas que guiam as ações do Sociotramas são claras, razão para a garantia de seu sucesso: seguir passo a passo as transformações que as redes digitais trazem para a sociedade. Refletir criticamente sobre as consequências sociais e também psíquicas que resultam da velocidade mutacional das tecnologias comunicacionais que acionam as tramas do social.
Depois do estudo dos primeiros temas relativos às redes, depois das ponderações sobre o uso e mesmo abuso das redes de relacionamento pelos jovens, trazendo também ao debate as questões humanas relativas às cidades inteligentes, além de incorporar a perspectiva distópica da conversão disparatada dos compartilhamentos em rede, para culminar no papel que a inteligência artificial desempenha na disseminação das fake news, eis que chegamos agora à necessidade de enfrentar o tema emergente do blockchain.
O que o leitor aqui encontrará é um leque exploratório das diferentes aplicações do blockchain, com ênfase na sua expansão em diferentes setores das atividades sociais. O tema é novo, bastante técnico, por isso mesmo, em todos os capítulos, o leitor poderá reencontrar definições do modo de funcionamento dessa tecnologia. O que se buscou, em todas as abordagens, é manter o difícil fio do equilíbrio entre a ingenuidade eufórica e o pessimismo disfórico. Embora o tema seja jovem, penetrar em seus meandros torna-se imperativo quando seus efeitos começam a se fazer sentir na vida social. Este foi o propósito deste livro.
Notas
1. https://sociotramas.wordpress.com/
2. Dos trabalhos desse grupo já resultaram cinco livros publicados, a saber, SANTAELLA, Lucia (org.) Sociotramas. Estudos temáticos sobre as redes digitais. São Paulo: Estação das Cores e Letras, 2014; ROCHA, Cleomar; SANTAELLA Lucia (orgs.). A onipresença dos jovens nas redes. Goiânia: Editora da Universidade Federal de Goiás, 2015. SANTAELLA, Lucia (org.). Cidades inteligentes. Por que, para quem? São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2016. SANTAELLA, Lucia (org.). Cacofonia nas redes. São Paulo: Educ, 2018. Inteligência Artificial & redes sociais (SANTAELLA, Lucia (org.), São Paulo: Educ, 2019.
Sumário
capítulo 1
Blockchain: De onde veio, onde está e para onde vai
Lucia Santaella
capítulo 2
Blockchain e a crise de confiança na sociedade do controle
Marcelo de Mattos Salgado
capítulo 3
Blockchain: Promessas e realidades da tecnologia
Dora Kaufman
Marcela Pereira
capítulo 4
Blockchain: Impactos sobre meios de pagamento e potencial disruptivo
Alcely Strutz Barroso
Marcelo Graglia
Patricia Huelsen
Wilton Brito
capítulo 5
Blockchain como antídoto às fake news
Magaly Prado
capítulo 6
Blockchain: Garantia da integridade de dados pessoais sem ferir a privacidade
Paulo Fernando Silvestre Júnior
David de Oliveira Lemes
capítulo 7
Blockchain no YouTube: Uma análise videográfica
Maria Collier de Mendonça
Patrícia Fonseca Fanaya
Thiago Mittermayer
capítulo 8
Blockchain: Certificação da aprendizagem na sociedade do conhecimento
Thaïs Helena Falcão Botelho
Winfried Nöth
capítulo 9
Blockchain: registro de competências e percurso da aprendizagem informal
Patrícia Margarida Farias Coelho
João Mattar
capítulo 10
Mr. Robot: criptomoedas e representações na cultura geek
Fabio de Paula
Ana Maria Di Grado Hessel
capítulo 11
Estratégias de combate às fake news
Kalynka Cruz-stefani
Sobre os autores
Capítulo 1
Blockchain: De onde veio, onde está e para onde vai
Lucia Santaella
Blockchain aparece muitas vezes em contextos associados ao bitcoin. De fato, esses termos surgiram juntos em 2008, em um artigo assinado pelo pseudônimo de Satoshi Nakamoto, Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System
. Isso não significa que bitcoin e blockchain possam ser confundidos, sendo, portanto, um equívoco considerá-los como sinônimos. Comecemos pelo bitcoin. Também sob o pseudônimo de Satoshi Nakamoto, o domínio do bitcoin.org foi registrado em 2008. Trata-se de uma criptomoeda que não se deixa sustentar por quaisquer bancos centrais de quaisquer países. Suas transações bitcoin para bitcoin dão-se pela troca digital anônima de um código de controle (hash code) fortemente criptografado em uma rede ponto a ponto (P2P - peer to peer). Essa rede monitora e verifica a transferência da criptomoeda entre usuários. Os bitcoins de cada usuário são armazenados em um programa denominado carteira digital
que também mantém o endereço pelo qual o usuário envia e recebe bitcoins, assim como uma chave privada que só é de conhecimento do usuário. Essa é a definição suscinta de bitcoin constante das Wikipédias em quaisquer línguas. Passemos para o blockchain.
Para entender o blockchain
As transações das criptomoedas bitcoin dependem de uma tecnologia específica que corresponde ao blockchain, também chamado de protocolo de confiança
. Por funcionar como uma base tecnológica que dá suporte às criptomoedas, o blockchain tem despertado interesse de bancos, mas, por se tratar de um tipo de tecnologia para gerar confiança, vai além dos bancos e atrai a atenção igualmente de empresas e organizações governamentais. Na sua natureza de tecnologia, ele pode ser definido como uma base de dados descentralizada que mantém o rastro dos dados transacionados de uma maneira segura, verificável e permanente. É uma rede ponto a ponto (P2P) cuja essência consiste em milhares de partes não confiáveis que colaboram para criar registros confiáveis e autorizados que são irrevogáveis e não podem ser alterados. As bases de registros e dados distribuídos e compartilhados têm a função de criar um índice global para a ocorrência de todas as suas transações. Funciona, portanto, como um banco de dados distribuído por vários nós ou dispositivos de computação, chamado de livro-razão, só que de forma pública, compartilhada e universal, que cria consenso e confiança na comunicação direta entre duas partes, ou seja, dispensando o intermédio de terceiros.
Segundo informação extraída da Wikipedia, o blockchain cresce à medida que novos blocos completos são adicionados a ele por um novo conjunto de registros. Os blocos são acrescentados de modo linear e cronológico. Cada nó - qualquer computador que, conectado a essa rede, tem a tarefa de validar e repassar transações - obtém uma cópia do blockchain após o ingresso na rede.
Desse modo, o blockchain possui informação completa sobre endereços e saldos diretamente do bloco gênese até o bloco mais recentemente concluído.
A definição que nos é oferecida por Higginson (LONDON et al., 2018) é mais didática e ajuda a penetrar melhor na compreensão dessa tecnologia inteligente. Antes de tudo, blockchain é um banco de dados compartilhado por vários participantes. Cada um tem um computador e a qualquer momento, simultaneamente, cada membro dessa rede mantém uma cópia idêntica do banco de dados do blockchain em seu computador. Esse é o princípio essencial. As informações estão potencialmente disponíveis para todos os participantes em um determinado momento.
Higginson pondera que o banco de dados deve ser pensado em três partes:
A primeira delas é um banco de dados criptograficamente seguro ou livro- razão distribuído. Isso significa que, quando os dados são lidos ou gravados no banco de dados, você precisa das chaves criptográficas corretas para fazer isso: uma chave pública, que é basicamente o endereço e o banco de dados onde as informações são armazenadas, e uma chave privada, que é sua chave, verdadeiramente a segurança que impede que outras pessoas atualizem as informações, a menos que tenham a chave correta. São dados seguros. A segunda parte é um registro digital ou banco de dados digital de transações. O digital é importante porque, em muitos setores, ainda estamos passando pelo processo de digitalização e essa é uma primeira etapa importante antes mesmo de você pensar em usar o blockchain. Finalmente, este é um banco de dados compartilhado por uma rede pública ou privada. A rede pública mais famosa é provavelmente o blockchain bitcoin. Isso é algo que existe há muitos anos. E você pode entrar nessa rede. Pode se tornar um nó na rede com um computador, sem nenhuma permissão expressa. E você pode sair novamente. Então, ninguém sabe realmente quem está entrando e saindo. Por outro lado, você pode ter um blockchain privado, uma rede privada, que, em um aplicativo como o banco, provavelmente é muito mais culturalmente aceitável, na qual você sabe quem está participando, quem tem acesso aos dados, quem está segurando uma cópia desse banco de dados. (ibid.)
Para Carson et al. (2018), sem uma autoridade central, sem intermediários no meio do caminho, a desintermediação é uma das formas do blockchain criar valor. Um exemplo muito citado é o da UN, que, para entregar sua ajuda à Síria, usou uma solução baseada em blockchain. Com isso, foi possível realmente autenticar indivíduos usando dados biométricos o que garantiu que a ajuda fornecida fosse dada às pessoas certas e em uma quantidade justa.
De fato, importante é que nenhuma autoridade central é necessária para validar a exatidão dos registros de transações; em vez disso, a confiança é estabelecida e mantida por consenso dentro da rede. Assim, proclama-se que o sistema de troca ponto a ponto do blockchain é inerentemente democrático, baseado na propriedade compartilhada e na igualdade entre os participantes, em vez de uma autoridade central. Como as transações ponto a ponto por meio de blockchain não requerem a ajuda de um intermediário e uma vez que algoritmos de consenso validam a precisão do livro-razão, pretende-se que a blockchain seja muito menos vulnerável a fraudes e crimes cibernéticos do que os sistemas bancários convencionais.
Em 2014, surgiu o nome Blockchain 2.0
para descrever um novo projeto no campo de banco de dados distribuído. Em 2015, o The Economist (THE GREAT CHAIN) prognosticou que as implicações do blockchain iriam bem além das criptomoedas, quando surgiu o Ethereum, uma linguagem de programação que permite aos usuários escreverem contratos inteligentes mais sofisticados [...]
o que permitiria a formação de organizações autônomas descentralizadas
, ou seja, companhias virtuais baseadas apenas em um conjunto de regras provenientes dessa nova geração do blockchain. Em 2016, houve grande investimento em tecnologia ligada ao blockchain, pelo mercado financeiro. Além disso, na sua evolução, surgiram conceitos distribuídos de blockchain que prometem maior diversidade de blockchains sem comprometer a comunicação entre elas. Isso preparou a rede para uma tendência de diversificação que levou muitas empresas a trabalhar na implementação de seu próprio blockchain.
É justamente a diversificação que esteve nos propósitos da organização da coletânea de ensaios que compõem este livro. O interesse aqui é aquele de explorar as implicações e os efeitos que o blockchain está provocando em vários setores da sociedade. Nesse contexto, o objetivo deste artigo é aquele de abrir o tema ao leitor, apresentando algumas das principais discussões acerca do potencial, dos entraves e das perspectivas do blockchain.
Uma tecnologia na sua infância
Apesar de todos os avanços, há um consenso entre os especialistas de que o blockchain é uma tecnologia que ainda está na sua infância. O que se apresenta é uma tecnologia relativamente instável, cara e complexa (HIGGINSON et al., 2019). Dizer que está na sua infância significa também apostar que ela chegará a um ponto de maturidade, significando, portanto, que os potenciais que a tecnologia promete poderão se realizar um dia, ao mesmo tempo que implica dúvidas acerca dessas promessas.
Seguindo a teoria dos ciclos de vida clássicos para a evolução de qualquer indústria ou produto, os autores aplicam ao blockchain os quatro estágios dessa evolução: pioneirismo, crescimento, maturidade e declínio. O primeiro diz respeito a uma indústria nos seus começos, ou um produto particular que chega ao mercado. Nesse estágio, a demanda não está comprovada ou a tecnologia não foi ainda inteiramente testada. As vendas tendem a ser baixas e o retorno do investimento tende a ser negativo. No estágio dois, a demanda começa a acelerar, o mercado se expande e a indústria ou o produto deslancham. Na maturidade, a tecnologia estabiliza-se e no declínio, torna-se obsoleta.
Estágios similares na evolução das tecnologias, bem mais detalhados, foram levantados por Mensvoort (2014, ver também SANTAELLA, 2018). Para o autor, o primeiro nível corresponde à projeção, em inglês "envision" cuja tradução em português oscila entre visualizar, imaginar, conceber, prever, preconizar. Qualquer tecnologia, antes de sua fase de produção e aceitação social,