A aplicação dos princípios da vedação ao efeito confiscatório e non bis in idem nas sanções tributárias: uma análise a partir da sua natureza jurídica
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A aplicação dos princípios da vedação ao efeito confiscatório e non bis in idem nas sanções tributárias - Jade Thomaz Veloso
1. CONSTRUTIVISMO LÓGICO-SEMÂNTICO
1.1 PREMISSAS PARA CONSTRUÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DAS SANÇÕES TRIBUTÁRIAS
Nosso objetivo neste livro é entender e definir a natureza jurídica das sanções tributárias, e a partir dessa conclusão analisar a viabilidade, ou não, da aplicação dos princípios do non bis in idem e da vedação ao efeito confiscatório do tributo nas sanções tributárias. Para essa construção precisaremos do suporte da Teoria Geral do Direito,³ passando por diversos aspectos essenciais.
Escolhemos o construtivismo⁴ lógico-semântico como método para a análise jurídica do objeto proposto. Nesse sentido devemos pontuar que o direito pode ser entendido de diversas formas. Pode ser um conceito, um objeto, uma definição. Ao trabalharmos sob a ótica da ciência, buscamos a elaboração ou a conclusão de uma teoria, ou seja, o resultado sobre divagações e estudo daquele objeto escolhido. Deve a escolha do objeto, bem como a do método a ser estudado resultar de um rigor científico, para que assim a veracidade da conclusão seja dotada de coerência.
No nosso livro fizemos um recorte, sob o qual iremos analisar as sanções tributárias (como ato ilícito), em comparativo com as sanções penais, buscando as características similares e diferente de modo a definir sua natureza jurídica.
Iremos utilizar a linguagem jurídica, sendo está como ato administrativo ou jurídico, bem como as normas jurídicas introduzidas pelo Poder Legislativo, a qual está imbricada em toda e qualquer atividade humana- jurídica para delimitarmos o objeto.
O termo dentro de um conceito delimita a classe, especifica uma classe, a mesma palavra pode nos trazer diversos conceitos, ou até mesmo diversas classes, Lourival Vilanova esclarece a questão exposta supra:
O objeto é o dado envolvido pela forma conceptual, é aquilo que, na coisa, o pensamento delimita. O dado tem propriedades, caracteres; o conceito é constituído de notas. As notas correspondem aos aspectos, aos caracteres, às propriedades da coisa. A coordenação entre notas e as determinações do objeto é uma relação peculiar: é uma representação lógica, é uma reprodução intelectual, não intuitiva, do ser.⁵
O conceito sempre é conotativo, cria uma classe para determinada palavra, e ao criar essa classe, exclui todos os outros conceitos dados àquela palavra. Já a denotação inclui todas as significações da mesma palavra. Portanto, à mesma palavra podemos atribuir diversos conceitos e significações. Os conceitos vão variar em razão da linguagem empregada, do contexto cultural que a palavra está sendo utilizada. Devemos separar o nome do sentido, a denotação da conotação, pois mesma palavra possui inúmeros significados.⁶
Nesse sentido, a sanção tributária pode ser entendida de diversas formas, sua construção normativa também, e dependendo do corte do objeto, fixaremos premissas diferentes. Quando vamos estudar uma palavra precisamos de um corte, de um referencial, precisamos inseri-la em um conceito para poder fazer sentido. Imperioso não é apenas o corte, mas toda a elucidação necessária para o trajeto do conhecimento científico, conforme muito bem clarificado por Lucas Galvão de Britto:
Ninguém pode com o todo. Dele sempre temos somente partes. É assim com cada um de nossos sentidos e, também, com nossa consciência, que transcorre como um fluxo, sucessivamente desempenhando atos de consciência (noeses), praticando o esforço de vertê-los num corpo (uma forma de consciência), para nos fazer acreditar que conhecemos algo (o noema), como já dizia Edmund Husserl.⁷
Assim, para conhecermos determinada palavra, classificamos, construímos conjuntos, muito embora nos utilizemos da palavra conceito, mais correto seria definição, ao definir dado objeto, o isolamos, conseguimos uma análise lógica, restringindo nossa atenção ao objeto analisado, ter ideia da palavra, do termo empregado não o define, conseguimos enquadrá-la (conceituar), mas não defini-la.
A definição da palavra direito, que como já falado é nosso ponto de partida, é construída pelo intérprete mediante linguagem estruturada da forma que o intérprete se apresenta perante o mundo.⁸
Com efeito, para que consigamos a definição apropriada do estudo- objeto em questão, utilizamos um método para chegarmos a determinada classe, reunindo todos os elementos que se assemelham. Por isso, para que nossa definição seja útil, precisamos de um processo de elucidação, no que tange ao objeto de estudo.⁹
Ao estudarmos o direito como ciência, precisamos fazer cortes, implementando método, chegar a definições lógicas, que façam sentido. O Construtivismo Lógico-Semântico é um modelo que ao ser aplicado traz coerência ao discurso, ele instrumentaliza a forma que será utilizada para buscar ciência, Paulo de Barros Carvalho elucida a questão:
O modelo construtivista se propõe amarrar os termos da linguagem, segundo esquemas lógicos que deem firmeza à mensagem, pelo cuidado especial com o arranjo sintático da frase, sem deixar de preocupar-se com o plano do conteúdo, escolhendo as significações mais adequadas à fidelidade da enunciação.¹⁰
O modelo de estudo do Construtivismo Lógico-Semântico pressupõe a escolha de apenas um método, uma metodologia de estudo, para dar firmeza para o discurso, convertendo-lhe uma visão lógica, a semiótica também aparece conjuntamente com a impregnação da palavra semântica, o estudo dos signos, palavras e definições.
Para o construtivista toda definição ou até mesmo conceito é construído pelo intérprete através de linguagem, linguagem essa que permeia o sistema a ser estudado. Sendo assim, um modelo científico de estudo precisa de alguns cortes metodológicos para ser viável, conforme, mais uma vez, explica Paulo de Barros Carvalho:
O Constructivismo Lógico-Semântico é, antes de tudo, um instrumento de trabalho, modelo para ajustar a precisão da forma à pureza e à nitidez do pensamento; meio e processo para a construção rigorosa do discurso, no que atende, em certa medida, a um dos requisitos do saber científico tradicional. Acolhe, com entusiasmo, a recomendação de Norberto Bobbio, segundo a qual não haverá ciência ali onde a linguagem for solta e descomprometida.¹¹
Além do corte normativo tem-se necessário o segundo corte, a linguagem, pois não existem normas jurídicas sem linguagem, linguagem jurídica é o segundo pressuposto para termos o direito. O terceiro corte é a atuação do ser humano neste processo, pois como consequência lógica não existe linguagem sem o intérprete cognoscente.¹²
Tomando esses três cortes como referência, definindo o direito – objeto de estudo para o Construtivismo –, como o conjunto de normas jurídicas posto em linguagem jurídica, dentro de um sistema jurídico, por autoridade competente.
Interessante notar que esses cortes metodológicos são ao mesmo tempo, includentes, para delimitar o objeto de estudo, como excludente, para explicitar o que não será estudado.
Ao definirmos que estudaremos as normas jurídicas válidas insertas na Constituição Federal atinentes aos princípios aplicáveis às sanções tributária, excluímos todas aquelas que não estão válidas, que estão válidas, mas que não são relacionáveis com o nosso objeto, além disso, também está fora do estudo do jurista, as consequências que essas normas trarão para o sistema social, econômico etc.
Assim que a norma jurídica é inserida no sistema, verificando todos os requisitos necessários, ela está apta a produzir efeitos (vigência), até que outra norma a retire do sistema.¹³
Aurora Tomazini vai além, e observa que tomar as normas jurídicas válidas como objeto de estudo, engloba o conteúdo destas normas jurídicas, as estruturas dessas normas e as relações que as normas possuem num dado sistema, e conclui Falamos, assim: (i) numa análise estática, voltada para o conteúdo normativo e sua estrutura; e (ii) numa análise dinâmica, direcionada à criação, aplicação e revogação de tais normas
.¹⁴
Portanto, o estudo do direito positivo, pressupõe uma construção de sentido, sendo necessárias bases filosóficas e recortes sólidos para desenvolver ciência do direito.
Direito aqui é um corpo de linguagem (normas jurídicas), e para conhecer esse objeto o método analítico será utilizado, passaremos a estudar o campo semântico, sintático e de aplicação dessas normas, com a base filosófica da lógica. Contudo, é importante lembrar que o direito positivo está imerso num contexto cultural, a própria interpretação das normas e construção de sentido pressupõe todas as experiências e referências que o intérprete da norma vivenciou. Portanto, não podemos cindir os valores da norma, o sentido das normas é vinculado ao sujeito que as interpreta, ademais, nesse livro procuramos estudar os princípios constitucionais, os quais são dotados de altíssima carga de valoração.¹⁵
Na análise dos princípios aplicáveis às sanções tributárias a carga valorativa é ainda maior, visto que o sopesamento principiológico depende dos valores intrínsecos ao intérprete e aplicador da norma.
Assim, ninguém é desprovido de valores, não conseguimos atribuir imparcialidade total a nossa construção de sentido, resultando na importância da conjunção do método analítico e a hermenêutica jurídica, que abrange os valores envolvidos nesse processo.¹⁶
Entendemos que esses cortes preliminares serão de estrita importância para darmos seguimento ao trabalho proposto, tendo como ponto de chegada a aplicabilidade dos princípios do non bis in idem e da vedação ao efeito confiscatório do tributo nas sanções tributárias.
1.2 TEORIA DAS CLASSES – IMPRESCINDÍVEL PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA POSSÍVEL CLASSE DE DIREITO SANCIONATÓRIO TRIBUTÁRIO
Nosso primeiro objetivo é definir a natureza da sanção tributária, e não existe definição sem classificação.¹⁷
Existe uma grande divergência no mundo jurídico sobre a classificação das sanções tributárias. Alguns doutrinadores, principalmente na doutrina espanhola,¹⁸ defendem a existência de um poder punitivo geral, o qual englobaria todo o categoria de sanção jurídica, e como consequência preceituaria o escopo de princípios e normas gerais as quais as sanções se subordinariam.
Outros doutrinadores já encaram que o regime jurídico e a natureza das sanções deveriam seguir o preceituado pelo direito material, sob o qual a mesma está ligada, a título de exemplo teríamos as sanções penais ligadas ao direito ao penal material. Por fim, ainda existem correntes que defendem o estudo autônomo da disciplina,¹⁹ em razão das peculiaridades existentes em cada ramo somada à punição, teríamos a disciplina do direito sancionador tributário.²⁰
Mesmo dentro de um texto normativo, no caso nossa Carta Magna, que valida as normas existentes no ordenamento jurídico, conseguimos extrair diversos sistemas jurídicos, orbitando em conjunto ou separadamente. Por isso, para delimitarmos a classe principiológica aplicada às sanções tributárias devemos estudar as características semelhantes entre os sistemas sancionatórios e materiais, identificando as normas valorativas e limites objetivos que tenham aplicação ao sistema sancionatório tributário, definindo assim, o núcleo duro de aplicação e a classe excluída.²¹
Quando pretendemos fazer ciência, precisamos organizar nossas percepções de modo que essas excluam ou incluam características de modo a moldarmos nossas conclusões. Classificar é mais que apenas excluir elementos não pertencentes a um conjunto, é identificar as características que lhe pertencem, não conseguimos fechar uma classificação apenas excluindo características.²²
Classificar os objetos, ideias, conceitos, entre outros, facilita não apenas a compreensão como dá condição de validade à classe, a existência ou não daquele objeto perante o conjunto em que se pretende estudar.
Aurora Tomazini²³ assevera que:
Toda classe, ou conjunto (como a chamamos na vida cotidiana). É delimitada por uma função proposicional. Uma classe x tem por elementos todos os objetos que satisfaçam sua função e somente eles f(x)
. Nestes termos, dá-se o nome de função proposicional aos parâmetros que definem a classe, ela é determinada por: (i) uma variável de sujeito (f), que permite a inclusão de indefinidos elementos,; e (ii) uma predicação (x), que dá nome e delimita o conceito da classe, fazendo com que alguns elementos a ela pertençam, outros não.
Quando inserimos elementos em uma classe, acabamos por estender a classe, alargamos e, ao mesmo tempo, limitamos o conceito, a depender a ótica de análise, se dentro ou fora da classe. Assim, quando finalizada, a classe deverá conter elementos que serão aplicáveis a um conceito- classificado.
Ocorre que, a classificação só tem sentido se útil. É perda de tempo formar classes que não tenham finalidade nem utilidade. No nosso estudo, acreditamos que a utilidade classificatória das sanções tributárias se dá em razão dos efeitos que a natureza jurídica das mesmas podem produzir no sistema, conjuntamente com o regime jurídico atribuído a elas. Quando limitamos e encontramos as características semelhantes aos princípios aplicáveis à sanção tributária, conseguimos verificar a validade, a legalidade a própria existência daquela sanção.
Lucas Galvão de Britto²⁴ leciona no seguinte sentido:
Classificar, sendo a operação que permite reunir em conjuntos certos elementos, pressupõe a habilidade de julgar, valorar, estimar, positiva ou negativamente, tais elementos segundo critérios. Pressupõe, portanto, a diferença: pode-se classificar ali onde exista espaço para julgar e somente pode haver um valor ali onde houver um desvalor ou, em termos de lógica clássica, onde, ao lado da proposição p, possa se verificar –p (não p). E, ainda, o fracionamento ou divisibilidade do todo submetido a esse julgamento (ainda que meramente em termos gnosiológicos, sem correspondente separabilidade no correspondente natural
). O absoluto, se é que dele podemos falar algo, é inclassificável.
E continua:
A expressão definição, como tantas outras, padece da ambiguidade processo-produto, ora referindo-se ao processo de que fala Paulo de Barros Carvalho, ora aludindo ao enunciado encarregado de documentar a realização de tal operação lógica e registrar essa identidade do conceito. Tomada a expressão em sua segunda voz, percebe-se que a definição costuma-se exprimir sob a forma alética clássica, sujeito é predicado, que se costuma expor em linguagem formalizada desse modo: S(p). O termo a ser definido, ocupa a posição de sujeito, o(s) elemento(s) definitório(s), que registra(m) os cortes realizados para isolar o objeto, perfazem o papel de predicado.²⁵
Nesse sentido, para auferir se elemento i
pertence à classe ii
precisamos verificar se as características inerentes à classe são totalmente preenchidas pelo elemento.
Outrossim, Paulo de Barros Carvalho nos ensina a importância das classes jurídicas, bem como sua validade, em última instância a Constituição Federal:
Kelsen sempre chamou a atenção para a circunstância de que todas as normas do sistema convergem para um único ponto, axiomaticamente concebido para dar fundamento de validade à constituição positiva. Esse aspecto confere, decisivamente, caráter unitário ao conjunto, e a multiplicidade de normas, como entidades da mesma índole, outorga-lhe o timbre de homogeneidade.²⁶
O professor Lourival Vilanova²⁷ explica a importância da relação de pertinência entre o objeto e a classe:
Um conjunto é membro de outro conjunto, ou está ele, em relação a si mesmo, em relação-de-includência (o conjunto A está incluído no conjunto A), ou ele se inclui como membro de um conjunto maior no qual figura como parte. Os sistemas jurídicos estatais estão neste caso: excluem-se entre si (por carecerem de igualdade) e incluem-se como partes ou membros do superconjunto que é o Direito internacional público.
A subsunção do fato a norma, nada mais é do que uma identificação lógica de pertencialidade a uma classe, só há subsunção se há pertencimento. Por essa razão devemos identificar e definir os conceitos jurídicos, definindo os elementos conseguimos eleger as características, formando uma classe, que é o objetivo central de nosso livro.²⁸
Assim, aproximando o processo comunicacional com a classificação lógica do objeto, Paulo de Barros Carvalho traz as seguintes lições:
1) A divisão há de ser proporcionada, significando dizer que a extensão do termo divisível há de ser igual a soma das extensões dos membros da divisão. 2) Há de fundamentar-se num único critério. 3) Os membros da divisão devem excluir-se mutuamente. 4) Deve fluir ininterruptamente, evitando aquilo que se chama salto na divisão
.²⁹
Conseguimos entender que a definição não é totalmente aberta à mercê do intérprete, toda definição estará ligada a um conceito, limitando sua área de atuação. Por essa razão se faz imperioso a conexão lógica entre as características e o conceito, caso contrário o elemento ficará solto, sem qualquer vinculação à classe.
Ademais, é essencial para nosso estudo entendermos que a classificação pode ter suas ramificações, assim como o Direito tributário é uma subclasse do Direito Administrativo, o que se assemelha nos nossos sistemas jurídicos, a saber:
i) Classes que interseccionam: quando possuem ao menos um elemento em comum, alguma característica que é peculiar em ambas ramificações.
ii) Classes disjuntivas: quando ambas as classes possuem elementos, os quais não se relacionam, tampouco se comunicam.³⁰
Como pretendemos estudar os aspectos definitórios da natureza jurídica da sanção tributária, iremos encontrar elementos que se conectam às sanções penais, bem como aqueles que se diferenciam. Assim, é importante o auferimento das características da classe, de sanções tributárias e penais, que se interseccionam de certa maneira, com relação à proteção do interesse público, a estrita legalidade, a tutela pública, administrativa ou jurisdicional, entre outros elementos que não cabe aqui adiantarmos.
1.3 ACEPÇÃO DA PALAVRA SISTEMA – INTERAÇÃO E PERTINÊNCIA DAS DIVERSAS CLASSES SANCIONATÓRIAS
Ao estudarmos teoria das classes para continuar com nos estudos precisamos dar seguimento aos cortes metodológicos empregados. Quando pretendemos definir se há um ou mais sistemas jurídicos interagindo com as sanções tributárias, ou até mesmo sob qual sistema as sanções tributárias estão subordinadas, precisamos entender qual a acepção de sistema que adotamos, bem como sua interação no macrossistema do direito.
A palavra sistema possui diversas acepções, neste livro, iremos trabalhar com a definição de sistema como a forma mais aprimorada das associações linguísticas
.³¹ Sistema pressupõe um conjunto ordenado, pressupõe variáveis lógicas dotadas de conteúdo semântico se relacionando entre si, o Direito Positivo e Ciência do Direito são exemplos de sistemas distintos, como veremos a