Três Ribeiras: Coleção Pernambuco - Terra Pernambucana
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Três Ribeiras - Ulysses Lins de Albuquerque
GOVERNO DO ESTADO DE PERNAMBUCO
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Secretário da Casa Civil: Antônio Carlos dos Santos Figueira
COMPANHIA EDITORA DE PERNAMBUCO
Presidente: Ricardo Leitão
Diretor de Produção e Edição: Ricardo Melo
Diretor Administrativo e Financeiro: Bráulio Mendonça Meneses
Conselho Editorial
Mário Hélio Gomes de Lima (Presidente)
Christiane Cordeiro Cruz
José Luiz Mota Menezes
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Superintendente de Produção Editorial: Luiz Arrais
Editor: Marco Polo Guimarães
Capa e Projeto Gráfico da Coleção: Moema Cavalcanti
Revisão: Dudley Santos e Rangel Zurk
Supervisor de Mídias Digitais: Rodolfo Galvão
Designer Digital: Marcos Paulo Gomes Miranda (China Filho)
© 2016 Ulysses Lins de Albuquerque
Companhia Editora de Pernambuco
Direitos reservados à Companhia Editora de Pernambuco – Cepe
Rua Coelho Leite, 530 – Santo Amaro
CEP 50100-140 – Recife – PE
Fone: 81 3183.2700
FICHA CATALOGRÁFICA:
A345t
Albuquerque, Ulysses Lins de, 1889-1979
Três ribeiras / Ulysses Lins de Albuquerque. – 3. ed. revista e ampliada. – Recife : Cepe, 2016.
160p. – (Terra pernambucana).
1. Pernambuco – história. 2. Sertanejos – Pernambuco – Vida e costumes sociais.
I. Título. II. Série: Terra pernambucana.
CDU 981.34
CDD 981.34
PeR – BPE 12-057
ISBN: 978-85-7858-446-7
A presença do passado
José Ernani Souto Andrade¹
Existem autores regionais que não só estão no Nordeste, como voltados para o Nordeste. É o caso de Ulysses Lins de Albuquerque, personagem participante, fonte primária da história e do espaço onde nasceu, nos fins do século 19 e da primeira metade do século 20. Ao reeditar três livros do autor (Um sertanejo e o sertão, de 1957; Moxotó brabo, de 1960; e Três ribeiras, de 1971), a Companhia Editora de Pernambuco – Cepe prestigia a literatura de base memorialista, logo, documental, da Região.
Antes da globalização eletrônica
, sobretudo no interior, as informações circulavam com acentuadas limitações. Todavia, e talvez exatamente por isso, eram retidas de forma duradoura, guardadas na memória popular. Elementos culturais vindos da Península Ibérica passam por cima
do litoral açucareiro, e por conta do maior isolamento das novidades vindas pelo Atlântico, conservaram-se mais originais.
No romanceiro sertanejo encontramos referências a histórias europeias, como Doze pares de França e Os cavaleiros da Távola Redonda etc, que inspiraram inclusive a obra de Ariano Suassuna, entre outros. O que Capistrano de Abreu chamou de civilização do couro
mantém na sua formação esses componentes preservados. Nela, vamos encontrar pessoas de grande conhecimento sobre o passado e a realidade presente; são letrados, intelectuais às vezes alfabetizados por mestres esporádicos, excelentes contadores de estórias que acabam fazendo história. Alguns desses registraram por escrito fatos, datas e personagens, produzindo notáveis fontes históricas, com destaque para os livros de assentamento
e as cartas familiares.
Quando saíam para estudar fora
, alguns jovens, ao passar pelo processo de ensino-aprendizagem formal, perdiam, muitas vezes, total ou parcialmente essas raízes, superadas pelo bacharelismo e/ou cientificismo dominante nos grandes centros. Estabelecer interação entre as origens interioranas e a linguagem culta tem sido privilégio de uns poucos escritores. Citamos, entre outros, José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos e Cláudio Aguiar. Ulysses Lins também consegue essa performance; a leitura de suas obras lembra um sertanejo maduro sentado no alpendre, cercado de pessoas, contando causos
numa linguagem corriqueira mas sem concessões à vulgaridade.
Na introdução de Um sertanejo e o sertão (Livraria José Olympio Editora/MEC, 1976), Francisco de Assis Barbosa diz do autor: "Eis, em traços largos, a vida de Ulysses Lins de Albuquerque, o patriarca de Sertânia, o memorialista admirável de Um sertanejo e o sertão, de Moxotó brabo, e Três ribeiras. Um antigo tenente-coronel da Guarda Nacional que é também poeta e escritor, membro da Academia Pernambucana de Letras. Culto, sensível, polido, fala mansa, com a sua aparência de gentil-homem, possui a fibra dos velhos sertanejos tratados nos seus livros de memórias".
Ulysses Lins foi menino que prestava atenção às conversas dos mais velhos. Tornou-se advogado, fez parte do Congresso Nacional, de academias e institutos históricos, mas não se desligou das suas raízes. As trovas, louvações e desafios registrados ao longo dos trabalhos citados assim o demonstram. A Exaltação à poesia sertaneja
, discurso de posse na Academia Pernambucana de Letras, é exemplo patente da norma culta associada ao popular, sem preconceitos, definindo assim uma identidade eclética, enciclopédica mesmo. Suas primeiras manifestações literárias foram significativamente através da poesia. No Moxotó e no Alto Pajeú, a poesia faz parte do cotidiano das pessoas; chega-se a dizer que, em certas cidades, os sinos tocam e os cachorros latem em verso
. De fato, o grande número de escritores, poetas, cordelistas e violeiros nessas áreas causa espécie.
Em seus livros, desfilam os mais diversos tipos, desde lideranças como Quinca Ingá, coronel Manoel Inácio, Antônio de Siqueira e Albuquerque Né a populares, como o sacristão Ferreirinha, o curandeiro Trevas e o caboclo Antônio Marinheiro. Ele também destaca filhos ilustres da região que fizeram sucesso pelo Brasil, como o próprio autor (que foi deputado constituinte reeleito como deputado federal) e seu filho Etelvino Lins, que ocupou os cargos de interventor, senador e governador de Pernambuco. Das três obras, Um sertanejo e o sertão é o documento base para os dois seguintes. De fato, Moxotó brabo e Três ribeiras desenvolvem, ou algumas vezes simplesmente repetem, assuntos do primeiro. Consciente disso, o autor, nesses casos, faz o devido registro.
Do ponto de vista histórico, sem preocupações com normas técnicas oficiais, trata dos espaços físicos descrevendo secas, enchentes e particularidades de fauna e flora. O descobrimento dos sertões pelos colonizadores é contado desde as tribos existentes à organização administrativa, ao surgimento de povoados, vilas, distritos e municípios. Os embates entre os atores citados pelo autor mostram que a conquista da região não foi mansa e pacífica como fica subentendido pela maioria dos historiadores da evolução econômica sertaneja.
Na sua narrativa, não existe preocupação cronológica e divisão temática: biografias
misturam-se com descrição de fazendas, experiências da infância com eleições, intrigas familiares com manifestações culturais, perseguições políticas com novidades tecnológicas. Ademais, as biografias não se limitam ao personagem em si, nos revelam um tempo e um espaço. Cada indivíduo é mostrado em seus aspectos universais e particulares, em suas grandezas e defeitos; sem pretender julgá-los, Ulysses leva em conta as contradições próprias do gênero humano.
Um traço muito presente no homem sertanejo, ressaltado pelo autor, é a piada às vezes carregada de ironia. Sisudos em certos momentos, até ásperos, nos contatos informais mostravam-se divertidos e cordiais. Alguns trabalhos sobre coronéis nordestinos destacavam esse presente espírito bem-humorado em algumas dessas figuras. Em relação ao cangaço, conta episódios, proezas, vilanias e gestos cavalheirescos envolvendo seus participantes, como Antônio Silvino, Augusto Santa Cruz e Lampião. Tudo dentro de uma sociedade em que a violência fazia parte do cotidiano.
As ambiguidades pessoais e as contradições sociais se entrelaçam, formando um quadro ora trágico, ora cômico e até romântico. Especificamente sobre conflitos, destacaríamos os capítulos Tiroteio no subúrbio da vila
, A tragédia de Jatobá
, "Luta política em Alagoa de Baixo" (Um sertanejo e o sertão) e A hecatombe de Jatobá
(Moxotó brabo).
Os embates políticos narrados por ele vão desde as intrigas locais até perseguições em transferências ou demissões de funcionários, culminando, às vezes, em conflitos armados e consequentes mortes. As eleições eram também importantes momentos do processo de disputa pelo poder. Elas, na verdade, confirmavam o poder de quem estava de cima
, isto é, aquele que apoiava e era apoiado pelo governo. Rodolfo Telarolli, em Eleições e fraudes eleitorais na República Velha (Editora Brasiliense, 1982), disseca o processo eleitoral nos planos nacional, estadual e municipal, mostrando que uma coisa eram as leis, outra a realidade. Do alistamento à apuração das cédulas à lavratura das atas e publicação dos resultados, muita coisa acontecia.
Ainda sobre essas eleições antigas, Ulysses Lins toca em mais de quatro momentos, nas obras em tela, ressaltando, inclusive, sua participação pessoal na prática eleitoral. Em Eleições a bico de pena
(Um sertanejo e o sertão), ele diz como aos dez anos de idade foi convocado pelo coronel Quinca Ingá para ajudar na eleição
. Na verdade, a ajuda
era rabiscar, juntamente com alguns curiosos, as assinaturas de quase cem eleitores. Na mesa ao lado reunia-se outra seção eleitoral, cuja sede era na fazenda Pantaleão, com o mesmo procedimento. Cópias das atas eram religiosamente feitas e encaminhadas aos destinos competentes.
Referindo-se à eleição de março de 1930, o autor nos relata que em Rio Branco (hoje Arcoverde) as urnas foram transferidas para a residência do chefe situacionista, onde foi feita a apuração. Os fiscais da oposição (Aliança Liberal) ficaram de cara para cima, na rua...
Em Alagoa de Baixo, um tenente da polícia, nomeado delegado, intimou o chefe oposicionista a não votar. Ele foi ao juiz de Direito, que disse nada poder fazer. Mandava quem podia, obedecia quem tinha juízo!
Ulysses Lins delineia dois tipos de conhecimento nos finais do século 19 e nas primeiras décadas de 1920: o empírico, passado através das gerações, e o formal, através dos professores, padres e letrados. O autor parece ser herdeiro da tradição iniciada no começo do século 19, com Henry Koster (Viagens ao Nordeste do Brasil, Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2002) e L.F. Tollenare (Notas dominicais, Recife, 1978), dois documentalistas que registraram paisagens de Pernambuco e de parte do Nordeste com perspicácia e fidelidade. Hoje, quem pretende estudar aquele período encontra imensa contribuição para a História, a Sociologia, a Antropologia quer nas manifestações públicas ou nos recônditos dos lares e da vida social.
Os três livros de Ulysses Lins tratam, com felicidade, de vários usos e costumes, saberes e práticas do espaço delimitado. Tão variada e rica é a abordagem que se tem a impressão de ser precursor do incomensurável Câmara Cascudo em termos de mapear manifestações populares.
Na educação, os professores, com ou sem aspas, aparecem nas três obras, com destaque para certas pedagogias
e o elitismo das escolas de então. O professor Moreira e sua pedagogia carrancuda. Os professores interinos
e os de música, quase sempre mais liberais. Curioso como jovens da classe dominante não só aprendiam música, como formavam pequenas orquestras amadoras, coisa encontrada também na área dos grandes engenhos de açúcar da Zona da Mata; os exames e a conclusão do curso primário eram eventos marcantes nos núcleos urbanos. Circulavam certos impressos lidos pelos alfabetizados inclusive para os iletrados.
Na literatura, era muito lido O moço loiro, romance de Joaquim Manuel de Macedo, discutido em serões familiares; O Lunário Perpétuo orientando sobre plantações e outros assuntos, inclusive astronomia; os jornais interioranos – destaque para A Gazeta de Pesqueira, onde o autor fez sua estreia literária com a poesia A mocidade pesqueirense
.
Os saberes populares são detectados em grande quantidade de fontes: curandeiros, cantadores, fazedores de gamelas, rezadores de cobras e primitivas indústrias. Inclusive, como observador