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Concorrência: um olhar contemporâneo sobre condutas unilaterais
Concorrência: um olhar contemporâneo sobre condutas unilaterais
Concorrência: um olhar contemporâneo sobre condutas unilaterais
E-book855 páginas10 horas

Concorrência: um olhar contemporâneo sobre condutas unilaterais

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Sobre este e-book

A multiplicação de agentes econômicos com poder de mercado, e em especial aqueles que atuam na economia digital e a esta acrescem uma
dinâmica e uma complexidade sem precedentes, tem levantado discussões acaloradas entre acadêmicos, profissionais e autoridades concorrenciais ao redor do mundo a respeito dos efeitos de sua atuação sobre o mercado e consumidores.
Ao contrário dos clássicos cartéis – conduta cujo objeto tem sido tratada como ilícito per se no Brasil, independentemente da produção de
efeitos sob a lei de defesa da concorrência brasileira –condutas unilaterais se encontram em uma zona cinzenta, consubstanciando-se em diferentes práticas, com diferentes efeitos sobre o mercado. Nesse sentido, os exemplos de condutas unilaterais, que podem ser considerados ilícitos concorrenciais são vários, sob antigas e novas nomenclaturas: preços predatórios, preços abusivos, fixação de preços de revenda, imposição de exclusividades, cláusulas de paridade, discriminação de preços e condições comerciais (self preferencing), price squeeze, recusa de contratar, entre outras.
Por sua, vez, a análise concorrencial de tais condutas - que podem ocorrer em mercados tradicionais "brick and mortar", bem como em ambientes digitais envolvendo plataformas diversas e arranjos como blockchain -, para fins de uma decisão pela autoridade sobre se consistem, ou não, em ilícitos concorrenciais, envolve uma análise bastante complexa de fatores diversos. Com efeito, cabe aos analistas a identificação de existência de posição dominante, de efeitos prejudiciais à concorrência, reais ou potenciais, de eficiências, justificativas ou racionalidade econômica para as condutas e, por fim, para algumas escolas, uma ponderação entre os efeitos anticoncorrenciais e eficiências.
Todas essas análises estão presentes nos 25 artigos escritos para a presente publicação do IBRAC. Temos artigos focados nos métodos tradicionais de análise, em mercados tradicionais, e também artigos abordando novas tendências e discussões recentes em mercados e plataformas digitais. Em tempos de pandemia e de crise econômica, como não poderia deixar de ser, abordagens sobre preços e estratégias de precificação mostram-se recorrentes nos trabalhos aqui compilados.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de out. de 2021
ISBN9786586352511
Concorrência: um olhar contemporâneo sobre condutas unilaterais

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    Concorrência - Editora Singular

    PANORAMA DE ANÁLISES DE CONDUTAS UNILATERAIS PELO CADE

    Daniel O. Andreoli

    Mariana Llamazalez Ou

    Resumo: Com o fim do pico de investigações envolvendo práticas de cartel decorrentes da Operação Lava-Jato pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e o alerta sobre necessidade de priorização de casos de conduta unilateral contido no relatório de peer review da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que celebrou a entrada do Cade como membro permanente do seu Comitê de Concorrência, há claro esforço das autoridades brasileiras em dedicar cada vez mais sua atenção para as condutas unilaterais praticadas por agentes que detém posição dominante em seus mercados relevantes de atuação. O presente artigo mostra a evolução das investigações passadas e presentes do Cade no que diz respeito a tais condutas.

    Palavras-chave: condutas unilaterais; posição dominante; política antitruste; Cade

    Summary: With the end of the peak of cartel investigations stemming from the Car Wash Operation by the Administrative Council for Economic Defense (CADE) and the warning on the necessity for prioritization of unilateral conduct cases in the peer review report of Organization for Economic Co-Operation and Development (OECD) that celebrated the admission of CADE as a permanent member of OECD Competition Committee, there is a clear effort from the Brazilian authorities to dedicate more attention to unilateral conducts by agents that hold a dominant position in their relevant markets. This article shows the evolution of past and current investigations carried out by CADE regarding such conducts.

    Keywords: unilateral conducts; dominant position; antitrust policy; CADE

    1. Introdução

    Pessoas do mesmo ramo raramente se encontram, mesmo que para uma festa ou diversão; mas a conversa sempre acaba em uma conspiração contra o público ou em alguma invenção para aumentar os preços1. Em 1776, o pai da economia moderna, Adam Smith, previu o que seria uma das principais preocupações das autoridades concorrenciais em todo o mundo – a formação de cartéis para manipulação das condições de mercado. No entanto, o economista britânico não fez afirmação tão contundente sobre como a capacidade de manipulação das condições de mercado poderia ir muito além de uma combinação entre concorrentes, para práticas complexas executadas por um único agente e, que, em muitos casos, podem até mesmo serem economicamente e racionalmente justificáveis.

    A complexidade das condutas unilaterais reflete-se no fato de que nem mesmo a lei apresenta um rol taxativo identificando todas as condutas que poderiam gerar preocupações de ordem concorrencial, limitando-se, no ordenamento brasileiro, a listar de forma exemplificativa algumas das práticas que poderiam ser enquadradas como unilaterais. De certa forma, os limites das condutas unilaterais residem na própria criatividade daqueles que as põem em prática, já que consistem em qualquer prática adotada por um agente que detém posição dominante2, que cause danos à livre concorrência.

    Não por acaso é que as condutas unilaterais devem ser analisadas pelas autoridades à luz da regra da razão, uma vez que a concretização dos efeitos negativos ao mercado é mais importante do que a intenção por trás de tal conduta. Diferentemente da interpretação corrente da autoridade antitruste brasileira sobre casos de cartel, faz-se, ao nosso ver, necessário provar a existência (mesmo que potencial) de efeitos negativos. Isto porque, é legalmente possível se ter a interpretação de que práticas coordenadas, como cartéis, sejam punidas pela mera intenção ou tentativa.

    O presente artigo busca mostrar como tem sido a evolução das investigações envolvendo condutas unilaterais desde a entrada em vigor da Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência Brasileira), as principais práticas que têm sido foco de investigação pelas autoridades, bem como o importante papel a ser desenvolvido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), como membro permanente da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

    2. Histórico dos processos julgados pelo Cade

    Historicamente, o Cade tem concentrado suas investigações em casos de cartel. No entanto, conforme já indicado pelo próprio Tribunal e pela Superintendência Geral (SG), a autoridade tem mostrado cada vez mais interesse em investigar práticas unilaterais. O ex-Presidente do Cade, Alexandre Barreto, recentemente afirmou que "[...] não temos priorizado condutas unilaterais sobre cartéis, mas estamos tentando encontrar um equilíbrio entre os dois [...]"3. A colocação do então Presidente vem em resposta ao resultado do Peer Review conduzido pela OCDE em 2019, atestando que "Desde a adoção da nova Lei de Defesa da Concorrência, o enforcement das disposições legais contra o abuso de posição dominante tem sido raro."4 Também como reação, o Cade tem dito, inclusive, que condutas unilaterais são sua prioridade, sobretudo nos mercados digitais.

    A jurisprudência do Cade em casos em conduta unilateral, comparada à de condutas concertadas, é escassa. Desde a entrada em vigor da Lei de Defesa da Concorrência Brasileira, em 2012, até dezembro de 2020, o Cade julgou 58 (cinquenta e oito) processos envolvendo condutas unilaterais relacionadas às mais variadas práticas e setores, contra 45 processos envolvendo a prática de cartel e conduta comercial uniforme julgados em 2015, somente5.

    Em 2019, observa-se uma crescente no número de casos envolvendo condutas unilaterais julgados pelo Tribunal, evidenciando a intenção das autoridades na persecução dessas condutas. De um total de 28 (vinte e oito) processos, 10 (dez) eram referentes a práticas unilaterais, enquanto 18 (dezoito) referentes às práticas de cartel e conduta comercial uniforme. Os dados de 2019 representam uma grande evolução ao compará-los aos dados de 2018, por exemplo, quando de um total de 25 (vinte e cinco) processos, apenas 4 (quatro) trataram de condutas unilaterais.

    Em 2020, observa-se um decréscimo no número de processos julgados pelo Tribunal, possivelmente em razão dos efeitos provocados pela pandemia global do Covid-19. De um total de 17 (dezessete) processos julgados, 13 (treze) referiam-se à prática de cartel, enquanto apenas 2 (dois) trataram de condutas unilaterais.

    Dentre os 58 (cinquenta e oito) processos julgados pelo Cade, até dezembro de 2020, as principais práticas investigadas foram:

    Assim, conclui-se que têm maior incidência no Cade as práticas de (i) exclusividade – restrição da liberdade de iniciativa dos agentes econômicos com efeito anticompetitivo; (ii) recusa de contratar/fornecer – negativa de acesso a instalação ou insumo essencial para desenvolvimento de atividade econômica; (iii) discriminação de clientes e/ou concorrentes – tratamento não igualitário de participantes do mercado com efeito exploratório e/ou exclusionário; e o (iv) sham litigation – abuso de direito de petição com efeito anticompetitivo.

    Para a confirmação dos efeitos competitivos das condutas acima, sem prejuízo de outras menos recorrentes, a jurisprudência do Cade é pacífica no sentido de que a análise dever ser casuística e regida pela regra da razão, compreendendo três etapas sucessivas e prejudiciais entre si. Em ordem, a (a) aferição da existência (ou ausência) de poder de mercado do praticante da conduta, em regra definido como participação de 20% (vinte por cento) ou mais do mercado relevante objeto da conduta; (b) comprovação da materialidade da conduta; e (c) análise de eventuais eficiências econômicas compensatórias.

    Considerando o acima, o Cade já fez considerações informativas sobre a materialidade e eventuais eficiências das condutas de (i) exclusividade; (ii) recusa de contratar/fornecer; (iii) discriminação de clientes/concorrentes; (iv) sham ligitation. Respectivamente:

    (i) Exclusividade - Em uma condenação recente no mercado de alarmes automotivos no aftermarket - IAM7, a Representada firmava, desde 2010, contratos de distribuição com cláusulas de exclusividade, estas sendo "fato incontroverso nestes autos"8, que, consideradas em conjunto com o poder de mercado da Representada, ocasionaram o fechamento do mercado de alarmes automotivos IAM, sendo a Representada a única participante que firmava contratos com cláusulas de exclusividade com seus distribuidores, sendo o canal de distribuição nacional o meio mais eficiente e com o maior volume de escoamento da produção. Nos termos do Voto-Relator9:

    [...] a teoria do dano a ser apurada no caso em tela é se a PST, ao usufruir de sua posição dominante, já atestada neste voto, e firmar contratos de exclusividade com distribuidores, teria elevado de forma artificial as barreiras à entrada e/ou à expansão no mercado de alarmes automotivos, de forma a prejudicar a concorrência em nível maior aos benefícios gerados pela conduta (efeitos líquidos negativos) e sem que houvesse justificativa plausível para fazê-lo.

    Importante também mencionar a instauração do inquérito administrativo nº 08700.000529/2020-08 contra o Grupo Globo Comunicações e Participações S.A., que investiga suposto abuso de posição dominante por parte do Grupo Globo em contratos de publicidade. De acordo com a investigação preliminar conduzida pela SG, algumas cláusulas de bonificação, descontos e planos de incentivos aplicadas pelo grupo poderiam levar ao fechamento do mercado em razão da possível indução à exclusividade e fidelização contratual, além de estimularem uma discriminação arbitrária entre adquirentes de tempo/espaço publicitários e empresas concorrentes. O processo encontra-se sob análise da SG.

    (ii) Recusa de contratar/fornecer - Em um dos nove casos arquivados de recusa de fornecer/contratar, especificamente sobre o compartilhamento de infraestrutura de postes de energia elétrica pela Eletropaulo à Walberg10, esta última acusou a Eletropaulo de negar o compartilhamento de infraestrutura essencial de postes de energia elétrica, discriminar concorrentes e o preço de aluguel de postes e limitar e impedir o acesso de novas empresas ao mercado. No entanto, o Conselheiro-Relator11, fundamentando seu voto pelo arquivamento, considerou que:

    Como restou demonstrado no Parecer da Superintendência, a Eletropaulo cumpriu, dentro dos prazos previstos, todas as determinações da legislação pertinente, (i) disponibilizando, aos possíveis solicitantes, documento que descreve as condições de compartilhamento de infraestrutura – o que já indica sua intenção de compartilhar com terceiros; (iii) solicitando informações adicionais aos interessados; (iv) respondendo os questionamentos dos interessados; e (v) divulgando o preço por ponto de fixação de cabo que seria cobrado.

    (iii) Discriminação - No tocante à conduta de discriminação de concorrentes, temos ainda o caso do Consórcio Gemini como representante e a Petrobras e a White Martins12 como representadas. Nesse caso, as representadas foram condenadas pelo Cade por práticas de subsídios cruzados e discriminação de preços no fornecimento de gás natural para o Consórcio Gemini. Após a análise de condições estruturais do mercado de gás natural propícias à prática de discriminação de concorrentes, o Conselheiro-Relator13 ressaltou, como provas de tratamento discriminatório, os seguintes pontos:

    O resultado desta análise apontou efetivamente para a existência de provas desta abusividade, que pode ser visualizada em ao menos três dimensões concretas: (i) fornecimento de gás natural a valor inferior ao praticado no mercado; (ii) a existência de um conjunto de cláusulas contratuais mais vantajosas; e (iii) o fechamento de mercado por meio da captura dos chamados clientes âncoras.

    (iv) Sham litigation - Por fim, em um caso recente, o Cade investigou a possibilidade de a empresa farmacêutica Genzyme ter abusado do seu direito de petição com o intuito de manter posição monopolística no mercado de medicamentos com o princípio ativo de sevelamer14. Em seu voto pelo arquivamento, o Conselheiro-Relator acompanhou a SG na metodologia de sua análise por meio dos seguintes testes15 (a) PRE16 – ajuizamento de ações objetivamente sem fundamento, mas não necessariamente com fatos enganosos; (b) POSCO17 – ajuizamento de diversas ações contra concorrentes, com baixa probabilidade de êxito; (c) Litigância fraudulenta – ajuizamento com expectativa de causar dano direito à outra parte, mas pelo emprego de falsidade; e (iv) acordos judiciais e outras ações – acordo judicial com o efeito de ocasionar a saída de concorrente do mercado, ou uma alteração em sua conduta em troca de compensação específica.

    3. Resolução dos processos envolvendo condutas unilaterais por meio de acordos

    Como indicado no capítulo acima, dentre os 58 (cinquenta e oito) processos julgados pelo Cade envolvendo condutas unilaterais, 49 (quarenta e nove)18 foram arquivados em razão da celebração de Termos de Compromisso de Cessação (TCC) entre os investigados e o Cade. Note-se que nesses casos, os acordos não se limitam à cessação da prática ou pagamento de uma contribuição pecuniária, mas abrangem também obrigações de fazer e não fazer a fim de remediar as preocupações identificadas, resultando em um tipo de acordo com viés mais resolutivo do que puramente punitivo. Nesse sentido, a SG já destacou que:

    Ao contrário, em práticas verticais se discute a licitude pelos seus efeitos, porquanto os acordos envolvendo tais condutas são construídos com base não apenas no elemento pecuniário, mas, sobretudo, com foco no próprio objeto de investigação, requerendo-se sua cessação ou modificação. Esses são os elementos centrais de um acordo em práticas verticais, aliás, como também é nas diversas autoridades antitruste em outras jurisdições. Os ganhos em termos de bem-estar decorrem da intervenção da autoridade sobre o domínio econômico, fazendo cessar ou modificar práticas potencialmente lesivas, elemento de difícil ponderação objetiva, mas de fácil conclusão lógica. Requerimento de TCC nº 08700.001323/2018-72, relacionado ao Inquérito Administrativo nº 08700.002656/2016-57, nota técnica nº 42/2018/CGAA2/SGA1/SG/CADE. Requerente: B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão

    Destaca-se que, conforme previsto no artigo 183 do Regimento Interno do Cade e artigo 85, parágrafo 1º da Lei de Defesa da Concorrência Brasileira, o pagamento de contribuição pecuniária não é requisito obrigatório para a celebração de TCCs envolvendo condutas unilaterais, sendo mais utilizado pela autoridade quando identifica razoáveis indícios de infração à ordem econômica por parte do investigado. Não obstante, o histórico de TCCs homologados pelo Cade nesse tipo de conduta, mostra que a maior parte dos acordos (38 dos 49) envolveu o pagamento de contribuições pecuniárias.

    Dentre os acordos celebrados com o Cade decorrentes de condutas unilaterais, 38 TCCs envolveram obrigações pecuniárias que variaram de R$ 10.000,0019 até R$ 65.000.000,0020. Nesse sentido, a SG já declarou que:

    "O histórico do Cade em negociações de TCCs em condutas unilaterais demonstra que o recolhimento de contribuição pecuniária tem sido exceção, especialmente quando o TCC é negociado pela SG, em estágio intermediário de investigação. De 16 acordos negociados pela SG desde 2012, em apenas 7 houve contribuição pecuniária, sendo que, desses 7, 4 foram negociados e homologados entre julho e setembro deste ano, no mercado de meios de pagamento.

    Nesses 4 requerimentos negociados e homologados pelo tribunal recentemente, à despeito das críticas emanadas do Conselho a respeito do suposto baixo valor das contribuições, é importante mencionar que: (i) o histórico do Cade, e não apenas da SG, é de não recolhimento de contribuição pecuniária em condutas unilaterais ou, em caso de recolhimento, as alíquotas são sensivelmente inferiores aos casos de cartel; (ii) tanto os requerimentos de TCC que envolveram os mercados de meios de pagamento quanto o presente estão ainda em fase de IA, devendo-se sopesar a fase da investigação na ponderação da contribuição pecuniária, de maneira análoga ao que prevê o artigo 228 do RICade; (iii) ainda que se almeje o endurecimento da política de combate a condutas unilaterais, não se pode fazê-lo ao arrepio dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, alterando de maneira repentina e desmedida a política da autarquia, o que poderia gerar insegurança jurídica e um desincentivo à muito bem sucedida política de acordos do Cade, que vem de longa data". Requerimento nº 08700.001323/2018-72, referente ao Inquérito Administrativo nº 08700.002656/2016-57. Proponente B3 S.A. – Brasil, Bolsa, Balcão. Nota Técnica nº 42/2018/CGAA2/SGA1/SG/CADE, de 24 de setembro de 2018.

    Analisando os acordos já celebrados com o Cade desde a entrada em vigor da Lei de Defesa da Concorrência Brasileira, observa-se que há uma tendência de que cada vez menos os TCCs celebrados relacionados às condutas unilaterais impliquem pagamento de uma contribuição pecuniária. Por exemplo, em 2018, dos 5 (cinco) TCCs homologados, apenas 1 (um) resultou na obrigação de pagamento de prestação pecuniária; em 2019, dos 3 (três) TCCs homologados também apenas 1 (um) resultou na obrigação de pagamento de prestação pecuniária; em 2020, apenas 1 (um) TCC foi homologado envolvendo conduta unilateral e que resultou em obrigação de pagamento de prestação pecuniária21. Isso se deve, possivelmente, pelo fato de que muitas das condutas investigadas são praticadas sem que seu autor tenha conhecimento de que tal prática possa ter efeitos negativos ao ambiente concorrencial, sendo capaz de demonstrar os efeitos pró-competitivos de sua atividade, a partir de justificativas objetivas e racionais.

    Setor bancário

    Interessante observar que considerável parte dos acordos homologados pelo Tribunal envolveram instituições do setor financeiro. Desde a entrada em vigor da Lei de Defesa da Concorrência, 10 (dez) TCCs foram homologados pelo Tribunal com instituições financeiras22, envolvendo, na maior parte dos casos, práticas relacionadas a imposição de cláusulas de exclusividade, discriminação e recusa de contratar nos mercados de cartões de créditos, recebíveis, oferta de crédito, credenciamento, entre outras.

    Nota-se ainda que 60% (6 dos 10) dos TCCs homologados com empresas do setor não implicaram o pagamento de contribuições pecuniárias, pois foram negociados em estágios iniciais da investigação. A SG levou em consideração o interesse dos investigados em solucionar o potencial problema identificado de forma célere e eficaz, bem como a capacidade das instituições em justificar a razão da implementação de tais práticas.

    Possivelmente, a complexa estrutura e dinâmica de funcionamento desses mercados leva à incidência de práticas por agentes que detém posição dominante, que muitas vezes podem provocar efeitos negativos ao mercado como um todo. Discussões envolvendo o setor de meios de pagamento não se limitam às condutas unilaterais e são igualmente complexas tanto no âmbito de atos de concentração quanto eventuais condutas coordenadas.

    Importância dos TCCs

    Diferentemente das investigações envolvendo condutas coordenadas que, na maior parte das vezes, envolvem ações passadas e já concluídas, as condutas unilaterais exigem uma análise e resolução mais célere por estarem relacionadas a práticas presentes e que impactam os mercados de forma mais imediata. Assim, os acordos podem servir como forma de endereçar as preocupações concorrenciais identificadas (quando existentes) visando preservar a livre concorrência.

    Por meio dos TCCs, o Cade pode reestabelecer o equilíbrio do ambiente concorrencial de forma relativamente rápida e eficaz, por meio de intervenções em cláusulas contratuais que potencialmente sejam abusivas, impor obrigações de não discriminação, modificar políticas comerciais ou simplesmente fazer determinada conduta cessar. Nesse sentido, no âmbito da homologação do Requerimento nº 08700.001845/2017-93, envolvendo a Redecard S.A., a ex-Conselheira Cristiane Alkmin assinalou o relevante papel da política de TCCs do Cade:

    Mais relevante ainda é identificar que a Política de TCC tem sido muito positiva para o país, não só porque encerra casos, recolhe recursos para a sociedade brasileira e diminui a judicialização; mas, sobretudo, porque acaba tendo um viés educativo da mais alta relevância para aqueles que participaram de condutas anticompetitivas. Afinal, uma cultura não se muda de um dia para o outro e vejo o TCC como um instrumento contundente de mudança cultural com relação aqueles que cometem delitos antitrustes.

    Não obstante, é preciso cautela para que a ferramenta de acordo seja implementada corretamente pela autoridade, como a própria OCDE ressalta no aludido Peer Review, pois em grande parte, a falta de condenações impede que a autoridade passe mensagem clara à sociedade sobre qual tipo de práticas realmente devem ser evitadas. Nesse sentido, é importante conjugar a política de TCCs para condutas unilaterais com análises aprofundadas sobre as condutas investigadas visando, como referimos, o estabelecimento de parâmetros claros a serem seguidos pelo mercado bem como em prol da segurança jurídica.

    4. Novas investigações

    Como mencionado acima, o Cade tem sinalizado maior interesse na persecução de condutas unilaterais, o que é refletido no aumento do número de casos abertos envolvendo tais práticas. Embora uma parte das investigações possivelmente ainda sejam mantidas como confidenciais quando iniciadas como procedimentos preparatórios, com base nas informações publicamente disponíveis, é possível observar um grande salto no número de inquéritos, procedimentos preparatórios e processos administrativos instaurados pelo Cade, nos últimos 5 (cinco) anos, apesar de uma queda em 2020, motivada, possivelmente, pela pandemia do Covid-19. Assim, observa-se 3 (três) processos instaurados em 2020 (2 (dois) processos administrativos e 1 (um) inquérito administrativo); 10 (dez) processos em 2019 (2 (dois) inquéritos administrativos, 1 (um) procedimento preparatório e 7 (sete) processos administrativos) contra apenas 3 (três) em 2018 (todos envolvendo a conduta de suposto abuso de posição dominante por meio da cobrança de THC223 nos mercados de operação portuária e armazenagem alfandegada), nenhum em 2017 e apenas 1 (um) processo administrativo em 2016, que foi concluído com a celebrado de um TCC (processo envolvendo a prática de sham litigation).

    Gráfico 1 – Processos instaurados pelo Cade (2016 – 2020)

    Gráfico 1 Processos instaurados pelo Cade

    Fonte: Publicações eletrônicas disponibilizadas no site do Cade e elaboração dos autores.

    Especificamente em 2019, observa-se que dos 10 (dez) novos processos instaurados, 3 (três) são relacionados ao mercado financeiro abarcando condutas de suposto abuso de posição dominante e discriminação e recusa de contratação24, enquanto 2 (dois)25 referem-se a investigações para apurar suposto abuso de posição dominante por parte do Google, decorrentes do julgamento de outros processos administrativos contra a empresa. Os demais processos envolvem supostas práticas de fixação de preços de revenda, cláusulas anticompetitivas em convenção trabalhista, imposição de diversas restrições verticais e abuso de posição dominante, nos mais variados mercados, como academias de ginástica, relógios de pulso, eventos transgênicos e semente, transporte ferroviário de cargas, armazenagem alfandegada e sistemas operacionais licenciáveis para dispositivos móveis.

    Dentre os processos instaurados em 2019, ganham destaque os processos instaurados contra o Google e contra o Itaú Unibanco S.A. e Redecard S.A., ambos envolvendo setores cada mais observados pelo Cade.

    Novas investigações contra o Google – Inquérito administrativo nº 08700.003498/2019-03 e procedimento preparatório nº 08700.002940/2019-76

    Durante a 1ª Sessão Extraordinária de Julgamento, realizada em 19 de junho de 2019, após o julgamento do processo instaurado para apurar suposta prática de scraping26, o Tribunal solicitou a instauração de um novo inquérito administrativo para apurar eventual abuso de posição dominante pelo Google no mercado de buscas bem como no mercado verticalmente relacionado de notícias, especialmente sobre o uso do conteúdo de terceiros no Google Notícias. O Tribunal tomou conhecimento dessa potencial conduta a partir das respostas apresentadas pelo Grupo Globo aos ofícios do Cade no âmbito do processo administrativo nº 08700.009082/2013-03, nas quais o Grupo Globo indicou que:

    Quanto ao período de 2011 e 2012, sabemos que os conteúdos do G1 apareciam nos resultados das buscas, mas não conseguimos apontar, a esta altura, como funcionava a plataforma de notícias do Google na época, nem qual conteúdo era exibido. Quanto ao período posterior, a resposta é sim – a plataforma disponibilizava links, chamadas e fotos dos conteúdos do G1. Contudo, não conseguimos afirmar com precisão desde quando esse conteúdo é exibido.

    Eventual prática de scraping no mercado de notícias permitiria ao Google supostamente fazer a raspagem de conteúdo advindo de outros sites concorrentes, como o site de notícias G1 do Grupo Globo, por parte do Google, que, após, faria com que o conteúdo relevante apareça em sua página de busca, criando um atrativo para que os consumidores não precisem mais acessar o site concorrente para ter acesso àquele conteúdo.

    Também contra o Google, foi instaurado procedimento preparatório nº 08700.002940/2019-76, em 05 de junho de 2019, para apurar supostas práticas anticompetitivas no mercado de sistemas operacionais licenciáveis para dispositivos móveis.

    O caso também foi analisado pela Comissão Europeia, que, em 18 de julho de 2018, emitiu uma decisão impondo ao Google uma multa no valor de EUR 4,3 bilhões pela prática de abuso de posição dominante no sistema operacional Android ao exigir que os fabricantes de celulares vendessem os aparelhos já com seus aplicativos pré-instalados. De acordo com Margrethe Vestager, Comissária Europeia para a Concorrência27, o Google se utilizou do sistema operacional Android para consolidar sua dominância como ferramenta de busca, usurpando a possibilidade de eventuais concorrentes de inovar e efetivamente competir.28

    De acordo com o ex-Presidente do Cade O que estamos fazendo agora é analisar a decisão da União Europeia para decidir se é o caso de termos uma atuação aqui ou não29

    Diante desses novos processos instaurados pelo Cade, além de outras ações conduzidas pela autoridade, é possível observar que as práticas das principais empresa de tecnologia e o mercado de tecnologia como um todo estão cada vez mais sob o radar das autoridades não apenas do Brasil, mas do mundo todo. Nesse sentido, o ex-Superintendente Geral do Cade Alexandre Cordeiro, sinalizou que as condutas unilaterais permanecem como prioridade para os próximos dois anos, bem como a economia digital continuará a ser objeto de preocupação para a autoridade30.

    Processo administrativo nº 08700.002066/2019-77. Itaú Unibanco S.A. e Redecard S.A

    No âmbito do setor financeiro, cabe destacar o processo administrativo instaurado pelo Cade em 25 de outubro de 2019, para apurar supostas condutas anticompetitivas no mercado de meios de pagamento praticadas pelo Itaú Unibanco S.A. (Itaú) e Redecard S.A. (Redecard).

    Diferentemente de outras investigações no setor que decorreram de denúncias de empresas que sentiram-se prejudicadas de alguma forma, o processo contra o Itaú e Redecard foi aberto ex officio pelo próprio Cade a partir de uma campanha publicitária promovida pela Rede em maio de 2019, por meio da qual informa que a empresa oferecia a redução do prazo de liquidação das transações à vista realizadas com cartão de crédito para estabelecimentos comerciais para apenas dois dias, entretanto, somente caso possuíssem domicílio bancário no Itaú, além de faturamento anual de até R$ 30 milhões. Aos estabelecimentos com outros domicílios bancários, no entanto, a Rede aplicaria o prazo de liquidação de 30 dias.

    Além disso, visando evitar os efeitos da prática, a SG impôs uma medida preventiva contra as empresas para cessar a exigência de domicílio bancário no Itaú como condição para oferecer o prazo de dois dias para liquidação de vendas no crédito à vista.

    Nesse processo administrativo, o Cade busca investigar os efeitos da verticalização do sistema financeiro nacional por agentes que detém posição dominante e como isso pode impactar diversos outros agentes do mercado que dependem de tais serviços e que seriam injustificadamente prejudicados.

    O aumento no número de investigações envolvendo o setor financeiro ilustra a preocupação do Cade sobre a competitividade nesse setor. Nesse sentido, o ex-Presidente do Cade, Alexandre Barreto, sinalizou que pretendia organizar um grupo de trabalho com o BACEN para discutir preocupações concorrenciais no setor financeiro em geral, seguindo sugestão do Conselheiro Luis Henrique Bertolino Braido.

    5. Tendências de atuação para Cade

    Como exposto ao longo do presente artigo, é possível observar que o Cade tem mostrado cada vez mais interesse em apurar condutas unilaterais que possam trazer efeitos negativos ao ambiente concorrencial, mostrando bastante interesse em estudar e entender o funcionamento de mercados complexos e que demandam análises cada vez mais minuciosas.

    Em linha com os importantes trabalhos realizados pela autoridade, em fevereiro de 2019, o Cade foi formalmente aceito como membro permanente do Comitê de Concorrência da OCDE. No relatório peer review publicado pela entidade em 2019 e referente ao ano de 2018, foi sinalizada a importância da combinação das unidades de análise de atos de concentração e de análise de condutas unilaterais para aumento do quadro de funcionários responsáveis pela revisão de tais condutas. Dentre os pontos de priorização, o relatório apontou para a necessidade de aumento no número de investigações e conclusão de processos envolvendo a prática de abuso de posição dominante:

    "There was a general perception that combining mergers with unilateral conduct in the same units inevitably meant that more resources are in practice devoted to merger review given the statutory deadlines. Consequently, there are fewer resources working on unilateral conduct investigations. In the absence of more staff, and as a stopgap, one staff member in each of these units has been made responsible for unilateral conduct cases. However, it is doubtful that this will redress the balance towards more unilateral conduct investigations.

    (…)

    Unilateral conduct cases have also been identified as an area where CADE will likely take additional efforts to launch new investigations and conclude pending abuse of dominance matters".31-32

    Nota-se que as observações feitas pela OCDE foram levadas em consideração pelo Cade dado o considerável aumento no número de processos instaurados no ano seguinte ao relatório, conforme indicado no capítulo IV acima. Seguindo as linhas de investigações feitas pelo Cade nos últimos anos, a tendência é de que haja um maior equilíbrio entre investigações de cartel e condutas unilaterais.

    Como membro permanente do Comitê de Concorrência da OCDE, há uma clara tendência de que o Cade busque se adaptar às melhores práticas internacionais no que se refere à política antitruste, aí se incluindo um reforço na capacidade de persecução de condutas unilaterais.

    6. Conclusão

    Os anos de 2017 e 2018 marcaram o ápice do esforço do Cade no combate à prática de cartel, motivado principalmente pela Operação Lava-Jato. Não obstante, apesar da contínua relevância da permanência da atuação do Cade no combate aos cartéis, igual atenção merece a persecução das práticas relacionadas a condutas unilaterais perpetradas por agentes que detém posição dominante.

    O ano 2019 já mostrou que o Cade pretende dar mais atenção às práticas unilaterais, em linha com as recomendações gerais da OCDE. A importância da análise e apuração de tais práticas vão além da condenação e punição das empresas, sendo fundamental para guiar o empresariado sobre quais seriam as boas práticas a serem adotadas na condução de seus negócios.

    A preocupação geral de todas as jurisdições no que se refere a condutas unilaterais é a possibilidade de fechamento de mercado em detrimento de um ambiente de concorrência livre, principalmente em cenários pós-crise como o que viveremos nos próximos anos em que naturalmente empresas dominantes tendem a ganhar ainda mais relevância nos mais variados setores da economia.

    Nesse sentido, em mercados estruturados de formas cada vez mais complexas e que acompanham o dinamismo das economias globais, bem como a configuração de novos mercados em razão principalmente do desenvolvimento veloz do mundo digital, faz-se necessário atenção e capacitação redobradas das autoridades de concorrência.

    7. Bibliografia

    Mlex Market Insight, 8 de janeiro de 2020, Major staff increases, enhancements to advocacy among Brazil competition agency’s plans for 2020 – Disponível em: https://www.mlex.com/GlobalAntitrust/DetailView.aspx?cid=1154430&siteid=203&rdir=1

    OECD (2019), OECD Peer Reviews of Competition Law and Policy: Brazil. Disponível em: www.oecd.org/daf/competition/oecd-peer-reviews-of-competition-law-andpolicy-brazil-2019.htm

    Mlex Market Insight, 4 de fevereiro de 2020, Unilateral conduct in digital markets a priority for CADE Superintendent Cordeiro. Disponível em: https://www.mlex.com/GlobalAntitrust/DetailView.aspx?cid=1160331&siteid=203&rdir=1

    Antitrust: Commission fines Google €4.34 billion for illegal practices regarding Android mobile devices to strengthen dominance of Google’s search engine, 18 de julho de 2018. Disponível em: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/IP_18_4581

    ALPER, Alexandra. Cade pode investigar Google sobre sistema operacional para celulares, diz Valor, 15 de agosto de 2018. Disponível em: https://cn.reuters.com/article/brazil-google-idBRKBN1L01P4-OBRIN


    1 SMITH, A. A Riqueza das Nações: Investigação Sobre sua Natureza e suas Causas.

    2 A Lei de Defesa da Concorrência Brasileira determina que uma empresa ou grupo de empresas detém posição dominante quando controlar parcela substancial de mercado relevante, sendo presumida pela lei (artigo 36, §2º, Lei nº 12.529/2011) quando controlar 20% do mercado relevante em questão. Tal avaliação depende do caso concreto e pode mudar para setores específicos da economia.

    3 Mlex Market Insight, 8 de janeiro de 2020, "Major staff increases, enhancements to advocacy among Brazil competition agency’s plans for 2020" – Fonte: https://www.mlex.com/GlobalAntitrust/DetailView.aspx?cid=1154430&siteid=203&rdir=1

    4 OECD (2019), OECD Peer Reviews of Competition Law and Policy: Brazil www.oecd.org/daf/competition/oecd-peer-reviews-of-competition-law-andpolicy-brazil-2019.htm

    5 Informações obtidas na plataforma Cade em Números, disponível em: http://cadenumeros.cade.gov.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=Painel%2FCADE%20em%20N%C3%BAmeros.qvw&host=QVS%40srv004q6774&anonymous=true

    6 Ressaltando que, como a maioria dos casos investiga mais de uma prática, a soma do total na tabela acima é superior aos 58 (cinquenta e oito) processos julgados pelo Cade.

    7 Processo Administrativo nº 08012.005009/2010-60, julgado em 12/08/2020.

    8 Op. Cit., Voto Relator, Doc. SEI nº 0793352.

    9 Op. Cit.

    10 Processo Administrativo nº 08012.002716/2001-11, julgado em 19/02/2014.

    11 Op. Cit., Voto-Relator, Doc. SEI 0116899.

    12 Processo Administrativo nº 08012.011881/2007-41, julgado em 07/12/2016.

    13 Op. Cit. Voto-Relator, Doc. SEI 0277837

    14 Processo Administrativo nº 08012.007147/2009-40, julgado em 17/06/2020.

    15 Op. Cit., Voto-Relator, Doc. SEI nº 0768732 e Nota técnica da SG, Doc. SEI nº 0621369.

    16 O teste PRE decorre do julgamento do caso Professional Real Estate Investor (PRE), Inc., et al. vs. Columbia Pictures Industries, Inc., et al, no qual a Suprema Corte dos Estados Unidos da América definiu critérios objetivos e subjetivos para caracterização da prática de sham litigation. Informações sobre o caso estão disponíveis em: https://supreme.justia.com/cases/federal/us/508/49/

    17 O teste POSCO decorre do julgamento do caso USS-POSCO Industries contra Costa Building & Construction Trade Council, no qual foi utilizado aqui para aferir a existência de litigância abusiva anticompetitiva. Informações sobre o caso estão disponíveis em: https://law.justia.com/cases/federal/appellate-courts/F3/31/800/592102/

    18 Interessante observar que considerável parcela dos TCCs homologados pelo Cade, desde a entrada em vigor da Lei de Defesa da Concorrência Brasileira, corresponde a acordos celebrados em 2017 referentes à prática de imposição de reajuste de preços de serviços e imposição de novas cláusulas, as quais, se não aceitas, implicariam em rompimento da relação contratual e tabelamento de preços no setor de saúde. Dos 20 (vinte) acordos homologados em 2017, 13 (treze) estavam relacionados a tais práticas.

    19 Requerimento de TCC nº 08700.003960/2012-98

    20 Requerimento de TCC nº 08700.004988/2012-42

    21 Requerimento nº 08700.003425/2020-47 (Banco Bradesco S.A.).

    22 Requerimento nº 08700.004988/2012-42 (Banco do Brasil S.A.); Requerimento nº 08700.004410/2014-58 (Redecard S/A); Requerimento nº 08700.006078/2014-66 (Hipercard Banco Multiplo S.A. e Bompreço Bahia Supermercados Ltda.); Requerimento nº 08700.001844/2017­49 (Banco Itaú Unibanco S.A. e Hipercard Banco Múltiplo S.A.); Requerimento nº 08700.001845/2017­93 (Redecard S.A.); Requerimento nº 08700.003613/2017-70 (Cielo S.A.); Requerimento nº 08700.003614/2017-14 (Elo Serviços e Elo Participações S.A.); Requerimento nº 08700.005212/2018-35 (Cielo S.A.); Requerimento nº 08700.005251/2018-32 (Banco do Brasil S.A.) e Requerimento nº 08700.003425/2020-47 (Banco Bradesco S.A.).

    23 THC2 (Terminal Handling Charge-2) consiste no preço cobrado por operadores portuários das instalações portuárias alfandegadas, onde as cargas são armazenadas nos portos.

    24 Processo administrativo nº 08700.002066/2019-77. Representados: Itaú Unibanco S.A. e Redecard S.A. Processo administrativo nº 08700.004201/2018-38. Representado: Banco Bradesco S.A. e Processo administrativo nº 08700.003187/2017-74. Representados: Itaú Unibanco S.A.; Banco Bradesco S.A.; Banco Santander Brasil S.A.; Banco do Brasil S.A. e Caixa Econômica Federal

    25 Inquérito administrativo nº 08700.003498/2019-03 e procedimento preparatório nº 08700.002940/2019-76

    26 A prática de scraping consiste em copiar conteúdo concorrencialmente relevante de sites temáticos rivais para uso em seus buscadores temáticos. Processo administrativo nº 08700.009082/2013-03, arquivado pelo Tribunal do Cade em 19 de junho de 2020.

    27 Declaração disponível em: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/en/IP_18_4581

    28 "(...) Google has used Android as a vehicle to cement the dominance of its search engine. These practices have denied rivals the chance to innovate and compete on the merits".

    29 Declaração disponível em: https://cn.reuters.com/article/brazil-google-id BRKBN1L01P4-OBRIN

    30 Mlex Market Insight, 4 de fevereiro de 2020, Unilateral conduct in digital markets a priority for CADE Superintendent Cordeiro. Disponível em: https://www.mlex.com/GlobalAntitrust/DetailView.aspx?cid=1160331&siteid=203&rdir=1

    31 Relatório Peer Review OCDE 2019, disponível em: http://www.cade.gov.br/assuntos/programa-de-leniencia/publicacoes-relacionadas-a-acordo-de-leniencia/oecd-peer-reviews-of-competition-law-and-policy-brazil-eng-web.pdf/view

    32 Tradução livre para o português: Houve uma percepção geral de que combinar atos de concentração com conduta unilateral nas mesmas unidades significava inevitavelmente que mais recursos são na prática dedicados à análise de fusões, dados os prazos legais. Consequentemente, há menos recursos destinados às investigações de condutas unilaterais. Na ausência de mais funcionários, e como uma medida provisória, um funcionário em cada uma dessas unidades foi responsabilizado por casos de conduta unilateral. Entretanto, é duvidoso que isto reequilibre o balanço para mais investigações de condutas unilaterais. (...) Casos de conduta unilateral também foram identificados como uma área onde o CADE provavelmente fará esforços adicionais para lançar novas investigações e concluir questões pendentes de abuso de posição dominante

    CADE, ADVOCACIA DA CONCORRÊNCIA E CONDUTAS UNILATERAIS: ANÁLISE E PERSPECTIVAS

    Guilherme Teno Castilho Misale

    Carlos Eduardo Tobias

    Luiz Pires de Oliveira Dias

    Resumo: O presente artigo se propõe a analisar a atuação do Cade sob o enfoque da advocacia da concorrência no contexto de condutas unilaterais, apresentando determinadas iniciativas e instrumentos adotados pela autoridade antitruste para tanto. Em particular, busca-se traçar um paralelo entre o maior destaque que as condutas unilaterais vêm aparentemente adquirindo na agenda antitruste à luz do fortalecimento do exercício da advocacia da concorrência. Na presente investigação, verificamos, em geral, que as iniciativas de advocacy vêm contribuindo para ampliar o campo de incidência das discussões concorrenciais no país, potencializando caminho para o desenvolvimento e fortalecimento dessas iniciativas no ordenamento jurídico brasileiro.

    Palavras-chave: Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Cade. Condutas unilaterais. Advocacia da concorrência. Advocacy. Defesa da concorrência.

    Abstract: This article aims to analyze the performance of CADE under the competition advocacy in the context of unilateral practices, showing initiatives and tools adopted by the antitrust authority in that regard. In particular, the article seeks to draw a parallel between the emphasis that unilateral practices have apparently been taking on the antitrust agenda in light of the strengthening of competition advocacy. Under this investigation, we basically noted that competition advocacy initiatives have been contributing to amplify the discussions concerning competition in the country, paving the way for the development and beefing up of such initiatives in the Brazilian legal framework.

    Keywords: Administrative Council for Economic Defense. CADE. Unilateral Practices. Competition Advocacy. Competition Defense.

    1. Introdução

    O combate a condutas unilaterais anticompetitivas tende a ganhar maior impulso e destaque conforme os avanços das fronteiras de conhecimento e da prioridade da política concorrencial no contexto do Direito Antitruste. Face a um cenário de transformações e desafios que se avolumam diuturnamente, refletir sobre as implicações das condutas unilaterais na seara antitruste passa a ser tarefa ainda mais necessária e também desafiadora, sobretudo considerando processos de concentração que determinados mercados experimentam mundo afora, inclusive com dinâmicas complexas e arranjos inovadores. Nos últimos tempos, as condutas unilaterais ganharam novos contornos e maior relevo na agenda concorrencial, seja na literatura acadêmica, seja na prática das autoridades antitruste, haja vista um profícuo terreno para reflexão e análise, na esteira dos desenvolvimentos dos mercados e das atividades dos agentes econômicos. Esses próprios agentes, aliás, aparentam estar mais atentos à temática em apreço.

    Por sua vez, a advocacia da concorrência, no conceito utilizado neste artigo, insere-se na agenda da autoridade antitruste como uma possível ferramenta relacionada, por exemplo, a situações em que a aplicação de penalidades e remédios, por si, possa não constituir mecanismo suficiente para neutralizar os efeitos negativos de dada conduta anticompetitiva, especialmente sob um contexto em que as condições estruturais do mercado analisado – que podem estar amparadas por normas de caráter regulatório – incentivem tal conduta, engendrando efeito contraintuitivo no comportamento dos agentes (sugerindo, no limite, um conflito aparente). Sob tal perspectiva, a advocacia da concorrência pode funcionar como instrumento para sensibilizar e conscientizar a autoridade regulatória/legisladora a respeito da compatibilização de normas, diretrizes, projetos etc., à dinâmica competitiva do mercado, agregando novas nuances sob a lente das boas práticas concorrenciais, com o fim de assegurar o saudável funcionamento das relações comerciais.

    Essas breves linhas visam introduzir o pano de fundo que motivou o presente artigo. Se, por um lado, condutas unilaterais podem estar associadas a uma diversidade de formas, seja com relação ao tipo de prática comercial em que podem se materializar, seja com relação à estrutura e dinâmica competitiva dos mercados em que são observadas, por outro lado, a prática usual da advocacia da concorrência pela autoridade antitruste brasileira (Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade), em especial, aparenta estar majoritariamente calcada na atuação junto a autoridades competentes a posteriori, isto é, uma atuação de advocacy face a condutas anticompetitivas que já foram objeto de sua análise e que – este ponto merece ser ressaltado – carecem de alterações, eminentemente de caráter regulatório, para afastar possíveis preocupações para a ordem econômica.

    Nesse contexto, consideramos pertinente trazer a lume a seguinte ponderação: enquanto condutas unilaterais se caracterizam por peculiaridades que demandam análises caso a caso à vista das idiossincrasias inerentes, a advocacia da concorrência teria como pressuposto o fato de que, ao se manifestar perante outras autoridades, o Cade teoricamente já analisou (seja em sede de controle de condutas, estruturas ou mesmo por meio de estudos de mercado) a questão objeto dessa manifestação e, a partir disso, entendeu necessário endereçar determinados aspectos, sugerindo alterações/recomendando ajustes técnicos à luz das boas práticas concorrenciais, ante um enfoque sistêmico e sistemático do arcabouço jurídico.

    Esse fato, em uma primeira aproximação, poderia levar a crer que o endereçamento de questões relativas a condutas unilaterais mediante instrumentos de advocacia da concorrência estaria restrito apenas a casos analisados pelo Cade em que a autoridade concorrencial considerou necessário se manifestar perante outras autoridades para expor considerações visando ajustar/aperfeiçoar o conteúdo concorrencial da matéria em discussão. Essa visão não está totalmente completa, consoante demonstraremos ao longo deste artigo, ao introduzir elementos que complementam a atuação da advocacia da concorrência realizada pelo Cade.

    Pois bem, sem desconsiderar os relevantes e diversos debates envolvendo, por um lado, condutas unilaterais e, por outro, advocacia da concorrência, o presente artigo pretende, em seu recorte metodológico, contribuir com considerações gerais a respeito do instrumental adotado pelo Cade para tratar, por meio da advocacia da concorrência, de questões atreladas a condutas unilaterais que impactam (ou podem impactar) a ordem econômica, aportando um amálgama analítico para a contribuição.

    Na sequência desta Introdução, o presente artigo está estruturado da seguinte forma: (a) Capítulo 2, são traçadas considerações gerais a respeito de condutas unilaterais e em que medida a diversidade de formas pelas quais podem se manifestar impacta a análise do Cade; (b) Capítulo 3, reúnem-se pontos sobre a prática da advocacia da concorrência do Cade à luz de condutas unilaterais, assim como apresenta-se análise mais detida acerca dos principais instrumentos que a autoridade antitruste coloca em prática em seu exercício de advocacy; e (c) Capítulo 4, são ventiladas reflexões resultantes dos capítulos precedentes, indicando os principais aspectos evidenciados na investigação, com considerações finais que evocam um cenário potencialmente promissor para o desenvolvimento da temática.

    2. Condutas Unilaterais: diversidade de formas

    Para fins do presente artigo, consideramos oportuno discorrer, ainda que sucintamente, sobre um aspecto específico das condutas unilaterais: a diversidade de práticas anticompetitivas que podem ser enquadradas nesta modalidade ao serem exercidas unilateralmente por um agente econômico e o que esse fato pode representar para a atuação do Cade em termos de identificação, investigação e eventual repressão de tais práticas.

    Se, anteriormente, a prática do enforcement antitruste costumava se concentrar, substancialmente, em condutas coordenadas – com especial destaque para a primeira metade desta década no Brasil, em que casos emblemáticos de cartéis ocuparam grande parte da agenda das autoridades –, o panorama contemporâneo, marcado pelo desenvolvimento tecnológico e realidades cada vez mais digitais, evidencia a reorganização do modus operandi de alguns mercados (além de criar outros e reordenar padrões de comportamento), de maneira a sensibilizar e influenciar o Cade a (re)calibrar sua caixa de ferramentas para focar sua atenção às novas facetas e implicações embutidas às condutas unilaterais1.

    É bem verdade que as transformações e os novos ambientes não se limitam a influir no eixo das condutas unilaterais, como também repercutem sobre as práticas coordenadas, que são impactadas diante das novas tendências do mercado e de seus agentes. Não obstante, vislumbramos uma diferença importante com relação ao modo como essas duas modalidades de condutas internalizam e acompanham os avanços da fronteira antitruste, principalmente ao se ter em conta os diferentes paradigmas e instrumentos de análise que norteiam o exame de tais condutas.

    Em especial, é válido pontuar que condutas unilaterais apresentam uma relação mais estreita com um importante aspecto atrelado à readequação da atuação dos agentes econômicos, sintetizado na tendência de concentração verificada em certos setores da economia. É dizer, essa relação é mais direta na medida em que a própria análise desempenhada pelo Cade em sede de controle de estruturas é sensível ao risco de que, em decorrência de um negócio jurídico (ato de concentração), os agentes econômicos detenham poder de mercado suficiente para exercer posição dominante e disciplinar/alterar de modo relevante as condições competitivas, notadamente por meio de condutas unilaterais2-3. Por conseguinte, negócios jurídicos que resultam na criação/reforço de conglomerados econômicos ou no aumento de poder de portfólio, por exemplo, tendem a demandar maior atenção quanto às potenciais condutas unilaterais que deles podem derivar.

    Nesse compasso, cumpre explicitar que, a despeito de condutas unilaterais (ilícitas) pressuporem o engajamento em práticas anticompetitivas por parte de um único agente econômico dotado de posição dominante em dado mercado, tais condutas não se enquadram, necessariamente, em uma definição rígida, precisa e compartimentada, uma vez que podem se materializar a partir das mais diversas práticas4. Como tal, condutas unilaterais podem ser executadas por um agente com vistas a beneficiar a si próprio ou outras empresas integrantes do seu grupo econômico/conglomerado por meio da política comercial de contratação com outros agentes, ou mesmo podem ser empregadas, direta ou indiretamente, com o intuito/ou ter como consequência gerar barreiras que amplificam o risco de fechamento de mercado, discriminar e excluir concorrentes, inibir a inovação etc.

    Nesse sentido, poder-se-ia argumentar que a amplitude de condutas anticompetitivas unilaterais também contribui para torná-las de apreensão não óbvia e trivial por parte da autoridade antitruste, e algumas vezes até para o próprio agente econômico que a prática. Particularmente sob a ótica da autoridade antitruste, dado que a referida conduta é exercida por um único agente, a análise acerca das evidências e indícios se desvincula da busca por trocas de informações concorrencialmente sensíveis e/ou acordos escusos e elusivos entre concorrentes (como é a praxe no contexto das práticas coordenadas), e se concentra em elementos mais nuançados relacionados às estruturas e dinâmicas de mercado, com destaque para a verificação da existência de posição dominante e dos arranjos contratuais e políticas comerciais propriamente ditos, a partir de uma leitura específica sobre suas estratégias e justificativas jurídico-econômicas, dos incentivos e motivadores para a adoção da prática, para além de fatores extrínsecos, tais como políticas regulatórias que podem influir no comportamento dos agentes.

    Sendo assim, nesses casos, e de forma compreensiva, a análise concorrencial demanda maior tempo, escrutínio e aprofundamento para averiguação dos efeitos anticompetitivos porventura derivados da conduta unilateral em exame (leia-se, se os efeitos líquidos negativos são/não são contrabalançados pelos efeitos positivos específicos da conduta), incluindo análises amparadas por instrumentais econômicos e econométricos sofisticados – os quais, no caso do Cade, são incrementados pela atuação do Departamento de Estudos Econômicos (DEE) –, bem como consultas junto às autoridades regulatórias, agentes do mercado etc. Diferentemente das condutas coordenadas em que a análise está focada, essencialmente, na coleta e análise de evidências que comprovem a prática, no caso das condutas unilaterais o esforço consiste em averiguar se, a partir dos elementos fáticos cotejados, e à luz do exposto acima, a prática configurou uma infração anticompetitiva sob a égide da Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência).

    Em princípio, a reunião e o cotejamento de evidências, assim como a compreensão da prática no contexto da dinâmica do mercado, fazem parte do paradigma de análise dessas duas modalidades de condutas (coordenadas e unilaterais). De toda maneira, enquanto a avaliação de condutas coordenadas demanda (ou deveria demandar, em nossa leitura) o mínimo de compreensão do mercado em que se insere5, a análise de condutas unilaterais perpassa, pelos motivos apresentados, uma compreensão mais aprofundada - e em seu âmago - sobre a atuação dos agentes econômicos e suas estratégias e políticas comerciais para atribuição de valor probatório às evidências colacionadas. Salientar esse aspecto mostra-se de suma importância face ao contexto da advocacia da concorrência, visto que, conforme será explorado a seguir, tal atividade pode buscar endereçar questões concorrenciais junto a outros órgãos de forma preventiva, sem estar necessariamente amparada em um caso concreto, ausente qualquer prejuízo de também buscar reforçar o entendimento do Cade sobre um caso que foi objeto de sua análise.

    Dito isso, a diversidade de práticas que pode se amoldar às condutas unilaterais e a necessidade de aprofundamento na dinâmica dos mercados para efeitos da análise antitruste são fatores que nortearam a análise do instrumental atualmente adotado pelo Cade para o exercício da advocacia da concorrência, como será abaixo delineado.

    3. Advocacia da Concorrência

    Feitas as considerações com relação às condutas unilaterais, este Capítulo se dedica a explorar como as referidas condutas se inserem no exercício da advocacia da concorrência realizada pelo Cade. Para tanto, incialmente, são explicadas duas premissas conceituais a respeito da advocacia da concorrência adotadas no presente artigo; em sequência, aborda-se, brevemente, a função desempenhada por cada um dos três órgãos integrantes do Cade no ensejo da advocacia da concorrência, para, ao final, examinar, a partir da análise de alguns casos concretos, os principais instrumentos do Cade que foram vislumbrados para o exercício do advocacy.

    3.1 Premissas a respeito do exercício da advocacia da concorrência pelo Cade

    A primeira premissa que norteia o presente artigo consiste no fato de que, embora a Lei de Defesa da Concorrência tenha alocado explicitamente a função da advocacia da concorrência para a Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae)6, atualmente sucedida pela Secretaria de Promoção da Produtividade e Advocacia da Concorrência (Seprac), o referido marco legal deixou ao menos uma abertura que também ampara a atuação do Cade nessa frente, que, em nossa visão, pode ser identificada como resultado de uma das competências do Tribunal Administrativo do Cade ("Tribunal Administrativo)7. Com efeito, em que pese a importância do debate a respeito da interação institucional entre Cade e Seprac no tocante ao compartilhamento de competências para o exercício da advocacia da concorrência, parte-se da percepção prática de que, desde a vigência da Lei de Defesa da Concorrência, o Cade tem envidado esforços para ampliar a sua atuação em matéria de advocacy, haja vista, por exemplo, o uso de instrumentos com o potencial de garantir maior efetividade às suas considerações e recomendações.

    A segunda premissa diz respeito ao próprio conceito de advocacia da concorrência8. A generalidade dessa expressão, reforçada pela ausência de conceituação na Lei de Defesa da Concorrência, abre margem, em princípio, para que possam ser feitas diferentes interpretações, entendimentos e recortes não somente sobre quais práticas estariam abrangidas no guarda-chuva da advocacia da concorrência, mas principalmente sobre quais as suas finalidades. Nesse contexto, para fins do presente artigo, toma-se como premissa que as atividades que compõem a advocacia da concorrência por parte do Cade são aquelas que visam à promoção da defesa da concorrência e não são amparadas por aspectos de enforcement estabelecidos na Lei de Defesa da Concorrência para a atuação da autoridade em sede de controle de condutas ou estruturas9.

    3.2 Funções desempenhadas pelos órgãos do Cade no exercício da advocacia da concorrência

    Muito embora todos os órgãos que constituem a estrutura interna do Cade (i.e. Tribunal Administrativo, Superintendência-Geral do Cade – SG/Cade e DEE) atuem no exercício da advocacia da concorrência, é válido apresentar uma brevíssima consideração a respeito da dinâmica de interação entre tais órgãos para o exercício em questão.

    Enquanto instância final da autarquia responsável pelo julgamento de condutas anticompetitivas e aplicação de sanções aos agentes econômicos (quando confirmada a infração à ordem econômica), a atuação do Tribunal Administrativo centra-se principalmente no encaminhamento de suas decisões para outras autoridades regulatórias e órgãos dos Poderes Legislativo e Executivo, uma vez tendo concluído que a situação concreta demanda intervenção dessas esferas. Por sua vez, compete primordialmente à SG/Cade a realização da instrução dos procedimentos, de modo que, durante a investigação e coleta de informações (especialmente em casos de condutas unilaterais), pode-se identificar a potencial necessidade do exercício de advocacia da concorrência, a qual será endereçada em sua nota técnica conclusiva sobre o caso.

    Nesse contexto, não obstante os conselheiros do Tribunal Administrativo deterem prerrogativa para realizar diligências por conta própria, assim como a SG/Cade também pode, de forma independente, encaminhar suas conclusões a outras autoridades, conforme hipótese exemplificada mais abaixo, tem-se que, na maioria das vezes, a interação entre a SG/Cade e o Tribunal Administrativo no que toca à advocacia da concorrência mantém o racional de organização interna na qual a SG/Cade é responsável pela instrução do caso e ao Tribunal Administrativo compete o processo decisório de dar prosseguimento à recomendação de advocacy.

    A seu turno, o DEE, enquanto órgão responsável por realizar estudos de cunho econômico que subsidiam as análises desempenhadas pela SG/Cade e pelo Tribunal Administrativo, e por elaborar estudos setoriais a respeito de mercados que demandam atenção da autoridade, ocupa, em nossa leitura, posição valiosa no exercício da advocacia da concorrência realizado pelo Cade. As duas frentes de atuação do DEE subsidiam os instrumentos utilizados pelo Cade para atuação junto a outras autoridades, consistindo em análises técnicas para fundamentar o posicionamento da autoridade concorrencial em sede de advocacia da concorrência. Conforme exposto acima, essa colaboração técnica é particularmente relevante quando se trata de condutas unilaterais, tendo em vista a necessidade de empreender uma análise minuciosa no que concerne a uma série de variáveis (muitas vezes nada triviais, repise-se) que integra a dinâmica de determinado mercado.

    Nessa linha, o DEE dispõe de diferentes ferramentas para exercer sua atuação, as quais designamos neste artigo, simplificadamente, como ferramentas meio e fim para a advocacia da concorrência. Dentre as ferramentas meio estão os pareceres econômicos emitidos no âmbito de procedimentos administrativos, a partir de demanda da SG/Cade ou do Tribunal Administrativo. As conclusões sobre casos concretos podem ter como subsídio determinadas análises empreendidas nesses pareceres. Assim, infere-se a importância das ferramentas meio, visto que as decisões da SG/Cade ou do Tribunal Administrativo podem contemplar análises do DEE que poderão ser levadas ao conhecimento de outras autoridades.

    Por sua vez, as ferramentas

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