Gestão do Risco Jurídico: Estratégia para a Sustentabilidade Empresarial
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Sobre este e-book
Nessa perspectiva, as organizações precisam desenvolver, de forma sistemática, instrumentos para conhecer os riscos legais a que estão expostas, identificar sua abrangência, suas causas, suas vulnerabilidades e oportunidades, analisar e entender os cenários e contextos em que ocorrem, além de suas consequências e probabilidades.
A presente obra apresenta estratégias eficazes para a gestão dos riscos jurídicos corporativos, além de ferramentas que assegurem a sua identificação, análise e avaliação, proporcionando, assim, um alicerce consistente para a tomada de decisões, o aprimoramento das relações jurídicas, a diminuição dos conflitos e a sua judicialização. O framework apresentado também busca fomentar a concepção de soluções e alternativas para o negócio, a identificação e maximização de oportunidades e a criação de valor para as partes interessadas, contribuindo, assim, para o crescimento atrelado ao desenvolvimento sustentável da empresa no longo prazo.
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Gestão do Risco Jurídico - Luciana Procópio Bueno
1. INTRODUÇÃO
Todos precisamos de proteção contra o risco, mas também da capacidade de enfrentar e assumir riscos de maneira produtiva
¹
A sustentabilidade empresarial, a partir de um conceito sistêmico de sobrevivência da empresa, exige o pensamento crítico acerca da importância do papel catalisador das organizações na criação de riquezas e no desenvolvimento e progresso brasileiro, bem como da criticidade do risco representado pela progressiva judicialização (especialmente nas empresas), que afeta diretamente a competitividade, a flexibilidade do mercado de trabalho e os custos de produção, ao comprometer parte do faturamento e do lucro com o pagamento ou com o provisionamento para fazer frente aos processos judiciais de custos elevados.
O conceito de empresa, segundo a teoria microeconômica neoclássica, se configura pela unidade econômica cujo objetivo é alocar os fatores de produção de modo racional, visando a maximização dos resultados (sejam eles financeiros, lucrativos ou não).
Contudo, a empresa deve ser analisada não apenas numa perspectiva econômica, mas também social, posto que, ao organizar os fatores de produção, capital, trabalho e matéria-prima para a realização de uma atividade, a empresa gera benefícios sociais ao se tornar uma fonte produtora de bens, serviços, empregos, tributos e renda, além de impulsionar avanços tecnológicos e desenvolvimento regional.
As empresas ocupam, na atualidade, relevante papel no cenário econômico, social e político pelo fato de proporcionarem desenvolvimento e progresso ao país por meio da produção e circulação de riquezas num contexto de economia globalizada, formando um vínculo indissociável de promoção de bem-estar a toda a coletividade.
Ao se considerar a ordem econômica base do desenvolvimento do país, as empresas constituem um dos seus pilares. Daí decorre a importância das empresas, sua função social e, consequentemente, a necessidade da preservação de sua atividade.
Contudo, a atividade empresarial é, por sua natureza, uma atividade de risco. Isso não significa que a empresa deve ser gerida sem o devido conhecimento, mapeamento, mensuração e o desenvolvimento de ações estratégicas voltadas para a gestão dos riscos empresariais, inclusive jurídicos. Quando as partes contrárias se enfrentam no Poder Judiciário, o embate, além de desgastante para os dois lados, costuma culminar em um significativo débito nas suas finanças, podendo comprometer a sua sobrevivência e o alcance dos seus objetivos empresariais. Assim, pressupõe-se a necessidade da adoção de um sistema de gestão de riscos jurídicos corporativos eficaz, com a implementação de estratégias capazes de aprimorar as relações jurídicas, permitir a realização dos objetivos empresariais (preferencialmente sem litígios e sem processos judiciais para dirimi-los), antecipar falhas, mitigar o contencioso, as contingências e o passivo já existentes, além de identificar oportunidades e vantagens competitivas no âmbito empresarial. O foco desta obra constitui, exatamente, a análise de como esse risco jurídico corporativo pode ser identificado, mensurado, controlado, mitigado e, quando possível, eliminado.
Por se tratar de algo inerente a qualquer atividade humana, a gestão eficaz dos riscos constitui um fator determinante para a sustentabilidade empresarial, tendo em vista o fato de os riscos serem capazes de comprometer não apenas a realização dos objetivos empresariais, mas também o fluxo de caixa, a disponibilidade de recursos para investimento e a própria viabilidade do negócio.
Além disso, a gestão eficaz dos riscos possibilita a antecipação das falhas e dos danos iminentes, a identificação de oportunidades, de acesso a novos mercados e de criação de valor, além de melhorias de desempenho em termos de produtividade, redução de custos e lucratividade.
Considerando-se que a maneira como as empresas gerenciam seus riscos pode representar uma diferenciação no mercado ou mesmo a sua sobrevivência, faz-se necessária a mudança na percepção da forma de se gerir os riscos jurídicos corporativos, tradicionalmente caracterizada pela gestão dos danos (ação corretiva), para ser visto como um aliado estratégico da organização, com capacidade para assegurar a viabilidade do negócio e um diferencial competitivo.
Exige-se, portanto, em primeiro lugar, a imposição de uma visão estratégica do Direito nas empresas, para que os objetivos dos negócios sejam estratégica e juridicamente estruturados, a fim de que não existam (ou para que ocorram poucos) conflitos e/ou processos judiciais para resolvê-los. Ainda, para que a busca pelo equilíbrio entre a prevenção e a exploração dos riscos jurídicos faça parte da cultura organizacional e esteja incluída entre as estratégias prioritárias para as empresas e seus negócios.
Além disso, as empresas precisam desenvolver, de forma sistemática, instrumentos para conhecer os riscos a que estão expostas e identificar sua abrangência, suas causas, suas vulnerabilidades e oportunidades, analisar e entender os cenários e contextos em que ocorrem, além de suas consequências e probabilidades, para que se possa, então, estabelecer ações orientadas para o tratamento efetivo dos riscos identificados no curso da atividade empresarial, para a diminuição dos seus impactos, além de propiciar o aproveitamento de oportunidades de ganhos, o estabelecimento de vantagem competitiva e a criação de valor para o negócio e para as partes interessadas.
A visão holística do risco, considerado não só como ameaça, mas também como oportunidades e ganhos, deve ser pautada pela avaliação, por um lado, da probabilidade de ocorrência e as estimadas consequências do evento, e por outro, do potencial alcance de êxito/recompensa, possibilitando, assim, a exploração inteligente dos riscos, ao invés de simplesmente se adotar a tática de prevenção de perdas, baseada em se evitar ou reduzir a exposição da empresa ao risco.
Esta obra dispõe-se a apresentar o método sugerido nas normas técnicas International Organization for Standardization (ISO) 31000 e ISO 31022, que estabelecem, respectivamente, diretrizes para a gestão de riscos em geral e para a gestão de riscos legais, como estratégia para assegurar a sustentabilidade empresarial. Ao propor uma abordagem estruturada e consistente para se compreender, avaliar e tratar os riscos, essas normas possibilitam o aprimoramento das relações jurídicas, a diminuição dos conflitos e da sua judicialização, a redução dos elevados custos com processos judiciais e com o provisionamento, bem como viabilizam, a partir da perspectiva do risco positivo, a identificação de oportunidades e de alternativas ao negócio e a criação de valor para as partes interessadas, tornando-se parte indissociável do planejamento estratégico organizacional.
Para facilitar a leitura, a obra foi dividida em quatro seções, sendo a primeira esta introdução. Na seção 2 apresenta-se a empresa como fator de promoção do desenvolvimento socioeconômico enquanto na seção 3 analisa-se a gestão estratégica do risco jurídico corporativo e, por fim, na seção 4 demonstra-se a aplicabilidade das Normas ISO 31000 e 31022 na construção de estratégias para a sustentabilidade empresarial. As referências encontram-se no final do texto.
¹ GIDDENS, Anthony. A terceira via: reflexões sobre o impasse político atual e o futuro da socialdemocracia. Rio de Janeiro: Record, 2000. p. 73
2. A EMPRESA COMO FATOR DE PROMOÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SOCIOECONÔMICO
As empresas ocupam, na atualidade, relevante papel no cenário econômico, social e político brasileiro pelo fato de proporcionarem desenvolvimento e progresso, ao proverem, direta ou indiretamente, a subsistência de parte significativa da sua população. Ao produzir e circular bens e serviços, as organizações são também responsáveis por expressivo montante das receitas fiscais do Estado e pelo impulsionamento do avanço tecnológico e de inovação, tornando-se o centro da economia contemporânea.
No entanto, a empresa deve ser considerada além de seus interesses privados, devendo conciliar, também, os interesses da coletividade de investidores, empregados, fornecedores, clientes, mercado e Estado (os chamados "stakeholders" ou partes relacionadas com a organização), não apenas numa perspectiva econômica, mas também na social, por se tratar de um instrumento econômico relevante para a geração de riquezas e para a promoção do desenvolvimento.
A sustentabilidade empresarial, a partir de um conceito sistêmico de sobrevivência da organização, exige o pensamento crítico acerca da relevância do papel catalisador das empresas na criação de riquezas e no desenvolvimento e no progresso do país. Demanda, ainda, a sua conformidade aos ditames da justiça social, estabelecidos na ordem econômica constitucional por meio da ponderação dos princípios da solidariedade, da livre iniciativa, da função social da propriedade e da preservação da empresa.
Ao se considerar a ordem econômica base do desenvolvimento do país, as empresas constituem um dos seus mais significativos pilares. Nesse esteio decorre a importância das empresas, sua função social e, consequentemente, a necessidade da preservação de sua atividade.
Como consequência da globalização e de um desenvolvimento tecnológico acelerado, múltiplas, velozes e profundas transformações sociais, econômicas, políticas e culturais têm sido destaque em âmbito mundial desde as últimas décadas do século XX.
A velocidade das mudanças e o caráter efêmero das relações sociais e institucionais são justamente características da sociedade contemporânea, líquida e de risco, abalizada por contínuas alterações em suas configurações sociais, econômicas e políticas, nos modelos e relações de trabalho, meios de comunicação e de relacionamento.
O conceito da modernidade líquida foi desenvolvido por Zygmunt Bauman utilizando a metáfora da liquidez para descrever a característica distintiva da sociedade em que vivemos, na qual os indivíduos, as relações entre eles e as instituições não têm mais uma forma rígida e duradoura como anteriormente. Tudo se encontra em constante transformação (BAUMAN, 2001).
Já Ulrich Beck descreve a sociedade contemporânea como de risco, tendo em vista que a produção social de riqueza é acompanhada, sistematicamente, pela produção social de riscos, isso porque as forças produtivas exponencialmente crescentes no processo de modernização se tornam desencadeadoras de riscos (BECK, 2016).
Nesse contexto, em um cenário de alta complexidade e constantes transformações que fazem surgir novas ameaças e riscos aos negócios, as instituições modernas têm vivenciado dificuldades para gerir os riscos e os efeitos que as acompanham.
2.1 A EMPRESA COMO CENTRO DA ECONOMIA CONTEMPORÂNEA
Ao longo do tempo a definição conceitual do termo empresa, e mesmo empresário, tornou-se uma tarefa de grande complexidade atribuída a juristas, economistas e administradores.
A legislação brasileira, assim como a italiana que a influenciou, não fornece um conceito único de empresa, utilizando-o em diversos contextos como atividade, local, organização ou sujeito de direitos, sob a justificativa de ser parte de um fenômeno econômico poliédrico, que teria no aspecto jurídico não apenas um perfil, mas quatro. Sendo o primeiro, o perfil funcional, como atividade organizada para produção e circulação de bens e serviços; o segundo, o objetivo, como estabelecimento, patrimônio ou universalidade de bens; o terceiro, o corporativo, como instituição; e o quarto, o subjetivo, como empresário ou sociedade empresarial sujeitos de direitos (ASQUINI, 1996). Assim, a ausência de um conceito na legislação nacional seria decorrente da multiplicidade de perfis do fenômeno econômico da empresa.
Sob o ponto de vista jurídico, uma das alternativas para se conceituar empresa é a partir da teoria econômica da empresa, considerando que a aproximação das ciências jurídica e econômica vivifica o estudo do Direito (CAVALLI, 2013).
O conceito de empresa, segundo a teoria microeconômica neoclássica, se configura pela unidade econômica cujo objetivo é alocar os fatores de produção de modo racional, visando a maximização dos lucros (MARSHALL, 1983). Todavia, ressalta-se que é possível identificar a empresa, como atividade econômica organizada, mesmo quando não existe o intuito ou fim lucrativo. Nesse sentido, basta a organização do capital e do trabalho para o desenvolvimento de uma atividade econômica, lucrativa ou não. É o que ocorre, por exemplo, com as empresas de titularidade das associações (inclusive as de caráter desportivo, como os clubes de futebol profissional), das cooperativas (como a Confederação Nacional das Cooperativas Médicas - Unimed), das fundações de direito privado (como ocorre com algumas universidades, como é o caso da Universidade Fumec).
Não obstante, a Constituição da República do Brasil de 1988 estabelece o compromisso de assegurar, dentre outros objetivos, o desenvolvimento socioeconômico brasileiro, sendo o progresso e a melhoria de qualidade de vida classificados como direitos fundamentais de terceira geração, com fulcro na dignidade da pessoa humana, na valorização social do trabalho e na livre iniciativa, os quais devem ser garantidos por meio de políticas públicas que assegurem a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social.
Desenvolvimento não deve ser considerado como sinônimo de crescimento econômico, tendo em vista o crescimento econômico se tratar de um dado quantitativo, baseado em indicadores de riquezas, enquanto o desenvolvimento é qualitativo, fundamentado em aspectos sociais de melhorias das condições de vida da população.
Nesse sentido, o direito ao desenvolvimento deve estar inserido entre os direitos econômicos e sociais, conforme lição de Maria Luiza Feitosa et al.:
[...] arraigado nas relações entre direitos econômicos e sociais, com base nos processos econômicos, no tratamento jurídico de fenômenos socioeconômicos, em sentido mais promocional do que protetivo, podendo ser encontrado no direito do trabalho, do consumo, da saúde, do comércio interno e internacional, nas decisões de governo e/ou políticas públicas que abrangem o setor produtivo e as relações de produção, a exploração de bens e serviços, o investimento em setores e atividades econômicas e respectivos desdobramentos. [...] o direito do desenvolvimento convive satisfatoriamente com as instâncias e ações da democracia representativa, exercitando-se cotidianamente nas interfaces entre razões políticas e econômicas, nas medidas e propostas levadas a cabo por esses agentes, empreendidas no contexto do Estado de Direito, com todas as garantias materiais e formais daí decorrentes. (FEITOSA et al., 2013, p. 111).
As empresas ocupam na atualidade relevante papel no cenário econômico, social e político brasileiro pelo fato de proporcionarem desenvolvimento e progresso ao país por meio da produção e circulação de riquezas num contexto de economia globalizada, formando um vínculo indissociável de promoção de bem-estar a toda a coletividade.
Segundo o pensamento de Hart, as sociedades empresárias assumiram novos poderes e papéis, se sobressaindo como a instituição mais influente da atualidade:
A medida que adentramos o novo século, as empresas se destacam como as instituições mais poderosas do planeta. Há 700 anos, era a religião; as catedrais, as mesquitas e os templos são testemunhas da primazia da religião organizada naquela época. Há 200 anos, era o Estado; nenhum passeio estaria completo sem uma visita aos palácios impressionantes, às assembleias legislativas e aos complexos governamentais, os quais nos lembram de como o governo era centralmente importante na era do iluminismo. Hoje, as instituições mais poderosas são as empresas: veja as torres de escritórios, bancos e centros comerciais que dominam as grandes cidades. Embora ninguém negue a importância permanente e crucial dos governos, da religião e da sociedade civil, não há dúvida de que o comércio se tornou a instituição dominante. (Hart, 2006, p. 222-223).
Corroborando a importância das empresas para o cenário econômico, social e político brasileiro, o Relatório Estatísticas do Cadastro Central de Empresas (Cempre)² produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), expõe que, no ano de referência 2018, estavam ativas 4,9 milhões de empresas e outras