Competitividade e a indústria brasileira: por que o Brasil não é competitivo?
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Competitividade e a indústria brasileira - Antonio Didier Vianna
Créditos
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pela Lei 9.610 de 19/02/1998.
É proibida a reprodução desta obra, mesmo parcial,
por qualquer processo, sem prévia autorização,
por escrito, do autor e da Editora.
Edição: Paula Cajaty
Diagramação e capa: M.F. Machado Lopes
ISBN 978-85-66605-02-0 (e-book)
Editora Jaguatirica Digital
Edifício Galeria Sul América
Rua da Quitanda, 86, 2o andar - Centro
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Agradecimento
Agradeço ao povo brasileiro por ter, mesmo sem saber, fornecido os recursos para o desenvolvimento de minha cultura e experiência na vida, o que possibilitou escrever esse livro.
Antônio Didier Vianna
Epígrafe
Enquanto houver um só homem sem emprego, sem-teto, sem alimento e sem letras, toda prosperidade será falsa.
Do Presidente Tancredo Neves eleito, na sua posse.
Introdução
A ideia de colocar informações importantes num livro com amplo acesso à sociedade brasileira visa primordialmente contornar o bloqueio da mídia a qualquer crítica que seja censurada pelo marketing do Governo. Quando o dinheiro público entra pela porta dos jornais, a independência crítica é expulsa pela janela. É assim que está funcionando o nosso mercado da informação hoje. E querem também controlar a internet. Antes que isso aconteça, este livro deve estar lá disponível.
O conteúdo desse livro registra análises e pensamentos pessoais sobre tópicos da administração desse país, principalmente focalizando aspectos educacionais, científicos, industriais, empresariais e legislativos resultantes da experiência vivida e ativa durante os últimos 60 anos.
Retrata as diversas fases da formação acadêmica porque contém experiências e observações que podem ser úteis ao sistema educacional brasileiro e certamente dão uma ideia do perfil das atividades do autor. Essa formação acadêmica nada teve de convencional: de parte do autor, apenas a inscrição e classificação em dois concursos. O restante aconteceu.
Em capítulos seguintes foram explicitadas a atuação e experiências industriais em setores chaves de nossa economia de modo que o leitor possa ter uma ideia real do que é possível realizar no país e parar de dar atenção aos economistas palpiteiros ou aos produtores de opiniões contratadas e pagas que procuram transferir para a indústria os desacertos governamentais. Colocam na imprensa que o país não tem tecnologia, por isso não inova e não é competitivo.
Quem escreve e publica isso não sabe o que é tecnologia e inovação, nunca pisou num chão de fábrica e também nunca operou industrialmente nada. Puro palpite tentando se autopromover, o que é possível num meio de medíocres. Se o Brasil não dispunha de tecnologia, como conseguiu construir um reator nuclear com 93% de nacionalização para uma vida útil de 40 anos quando o padrão nuclear da época era de 20 anos, está em funcionamento há quase 50 anos e foi construído num padrão de qualidade inexistente no mundo na época, em muitas vezes superior às normas militares americanas reconhecidas no mundo? Se não tem tecnologia, como sua indústria de petróleo conseguiu em 30 anos substituir por nacionais 92% dos equipamentos importados pela Petrobras disputados em concorrência pública?
Agora inventaram que não se encontra no Brasil mão de obra qualificada para os cargos nas empresas em formação. Empresa que conhece o mercado brasileiro e aqui opera sabe que a cultura do nosso operariado é precária e a solução é prepará-los para execução das tarefas. Sempre foi assim. Já viram a Vale, a Petrobras, a CBV ou a Embraer reclamar dessa falta? Esse problema também não foi mencionado nas experiências industriais das minhas firmas embora trabalhássemos com muitas tecnologias de ponta no mundo. Deve ter algum novo
empresário querendo que o Governo prepare os seus operários para ele não ter de gastar tempo e dinheiro próprio nessa preparação. Deve ser empresário com pouco conhecimento técnico, pois com a diversidade e os avanços das tecnologias hoje para solução de problemas, certamente exigirá treinamento específico sobre o que vai executar, e sem ele, não conseguirá realizar quase nada. É uma pena que incompetentes do Governo deem ouvidos a esses incompetentes industriais e aos seus arautos.
Este livro detalha as razões porque o Brasil está deixando de ser competitivo, embora muitos setores ainda sejam excepcionais.
Essa obra é dedicada ao povo brasileiro. Procura ajudá-lo para que fique conhecendo decisões governamentais econômicas e administrativas, algumas tomadas há muito tempo, que hoje prejudicam o país e precisam ser revogadas, alteradas ou atualizadas. A ideia é suprir o povo com informações que possam ajudar a corrigi-las.
O país está passando por um tempo de turbulências financeiras generalizadas, algumas com origens difíceis de diagnosticar, pois são consequências de decisões, algumas poucas, tomadas há várias décadas. Esse livro analisa e identifica as causas e procura informar: a pessoa informada trabalha melhor.
A participação ativa na vida nesse país desde a guerra de 1940 até os dias de hoje permitiu ao autor registrar decisões que interferem na economia, e que estão começando a desestabilizá-la. Essa economia atual precisará de correções que, para serem efetivas, precisam regredir às origens.
O povo custeou cinco anos de estudos do escritor nos Estados Unidos da América. Ao concluir o doutorado, os norte-americanos queriam que lá ficasse trabalhando. A proposta foi declinada de pronto, pois o autor tinha ciência de seus compromissos com o povo brasileiro: era trabalhando aqui, procurando ajudar esse povo, que conseguiria pagar essa imensa dívida de gratidão que carrega na alma permanentemente. Esse livro é talvez a última ajuda que possa transferir a esse povo e a última parcela do pagamento da dívida.
A decisão de publicar um livro foi motivada porque a mídia escrita no Brasil está subordinada ao marketing do Governo, que bloqueia todas as matérias que não lhe agradam. E, sem informações corretas, a administração fica errática. Esse livro foi o meio encontrado para levar informações ao conhecimento da sociedade, do Governo e a esse povo, pois a economia está começando a desestabilizar e pode ser tarde até que se perceba a origem das dificuldades.
Há pronunciamentos recentes de economistas deste país com análises conflitantes da economia. É de se pensar se alguns desses pronunciamentos não fazem parte da encomenda do marketing de proteção do Governo para confundir a sociedade: manter tudo como está pregando que a culpa é sempre dos outros, como a crise externa, a falta de investimentos da sociedade, a baixa produtividade da indústria, o tsunami financeiro, a falta de inovação, a legislação trabalhista arcaica, a falta de tecnologia etc.
Acontece na realidade que a culpa é totalmente do Governo e jogar a culpa para os outros nunca resolveu qualquer dificuldade. O comando da Execução de Governo está com o Poder Executivo. O problema está numa evolução que projeta dificuldades sérias e estas afetarão a todos muito breve. Vários países da Europa estão sofrendo hoje a falta de competência e austeridade dos seus Governos durante anos e o povo desses países está tendo de pagar agora os gastos excessivos autorizados por seus políticos, tão medíocres como os nossos.
Quem faz o país crescer e se desenvolver é o povo. No Governo não há qualquer geração de riqueza. Quem produz é o povo, daí resultando mais riqueza que, reinvestida, acelera o desenvolvimento. Políticas corretas são aquelas que facilitam o trabalho do povo com isso ajudando-o a produzir mais enquanto o protege das investidas aéticas dos mercados concorrentes. Políticas e programas visando promover os Governos somente aumentam seus custos, que levam ao aumento dos impostos, e que por sua vez reduzem o poder de investimento da sociedade.
No Brasil os setores científicos funcionam para si mesmos, sem qualquer retorno para o país do investimento feito pelo povo. Se tais setores dessem uma contribuição mais efetiva ao país, o ajudariam a desenvolver-se mais rapidamente.
O Governo ainda vê a indústria como no tempo do Brasil Colônia, isto é, extrair dela tudo que for possível transferir ao Governo. Essa política fazia sentido para os portugueses que não queriam desenvolvimento industrial aqui no Brasil, e sim em Portugal. O que é inconcebível é que as Fazendas, Federal e Estadual, até hoje mantenham essa mesma diretiva: escorchar o industrial ou o negociante e atuar policialmente sobre eles, esquecendo que são a sua fonte de riqueza e de crescimento. Nos países avançados, a indústria e o comércio são considerados sócios dos Governos, assim são tratados e a legislação é direcionada para ajudar o seu desenvolvimento.
Como cada pessoa tem livre arbítrio e cérebro próprio, ao lerem o livro, espero que comentem, critiquem, sugiram alternativas e se possível as publiquem, pois contribuirão muito para a cultura da sociedade brasileira que, de uma forma ou de outra, vai acabar resolvendo os problemas do desenvolvimento do país.
PARTE I
Formação científica, tecnológica e industrial
Quando garoto, estive dois anos na escola primária onde mal aprendi a ler e a escrever.
A família mudou-se para a praia da Freguesia, na Ilha do Governador e minha mãe matriculou os três filhos mais velhos na escola da Dona Pitizinha, bem em frente à praia. D. Pitizinha coordenava todas as atividades e dividiu todas as turmas em dois partidos – Portugal e Brasil. Tudo era competição e somava pontos. No fim de cada semana ela anunciava como estava o placar.
Lembro-me da tabuada. Ao final do recreio uma professora levantava o braço e mandava toda a turma ficar em fila. Começava a fazer a pergunta da tabuada ao primeiro da fila, se não respondesse logo, passava para o seguinte e assim por diante. Quem acertasse passava para o lugar onde ela perguntou. Depois de dois meses, ninguém passava na frente por que ninguém errava mais e o processo foi suspenso. Mas todos nós sabíamos a tabuada na ponta da língua e eu nunca mais perdi essa aptidão.
Depois desse único ano de escolaridade real, meus pais se mudaram para o bairro de Botafogo e fui matriculado no Colégio Rezende, na Rua Bambina. Depois de um exame que fizeram, fui posicionado no 5º ano primário, isto é, o ano que se preparava o aluno para o exame de admissão
ao curso secundário, na época chamado ginasial. No final desse ano, fui impedido pelo Inspetor Federal de Educação de prestar o exame de admissão por ter somente nove anos, apesar dos protestos da professora.
No ano seguinte, minha mãe matriculou todos os meus três irmãos mais velhos no Colégio Santo Inácio. Tive de cursar novamente o admissão. Essa situação foi péssima para mim. Como não tinha dificuldades com o que estava sendo lecionado, fiquei relaxado nos estudos, tanto que um professor sugeriu ao Reitor que eu fizesse o curso de férias, pois certamente não passaria nos exames de admissão. Minha mãe foi chamada ao colégio e perguntou-me se o que diziam era real. Respondi que não e que estava pronto para fazer o exame. Fiz e fui matriculado no 1º ano ginasial. Padeci no primeiro semestre. Havia perdido o hábito de estudar e isso se fez necessário pois as matérias eram todas novas. Depois do meio do ano acostumei com o novo regime e daí até o final do 5º ano ginasial, correu tudo bem. Sempre no Santo Inácio, um excelente colégio.
Não fiz o curso primário corrido como as demais crianças. E não senti absolutamente essa falta. Senti ter sido obrigado a repetir o ano da preparação para o exame de admissão. Essa falta de estímulo tornou-me vagabundo cujo hábito é difícil de alterar. Quando retornei dos EUA depois de completar meu Doutorado, meu filho misturava um pouco inglês com português. A professora do colégio onde foi matriculado resolveu colocá-lo na classe do ano anterior ou seu. Outro desastre.
Tenho visto o debate quase em nível nacional de passagem automática de ano dos alunos nos primeiros anos da escola. Nesse estágio, uma orientação correta e atuante faz qualquer aluno fazer os três primeiros anos em um, bastando ter idade para isso. Aconteceu comigo. É preferível sujeitar o aluno a dificuldades, fazendo-o enfrentar o desafio, a desestimulá-lo, inclusive fazendo sentir-se deslocado em uma turma de menores.
Não estudava com o objetivo de aprender, mas primeiro atender à condição imposta por minha mãe para que estudássemos como contrapartida do esforço que faziam para nos proporcionar casa, comida, roupa e o pagamento do colégio. Segundo, estudava para passar sem fazer exames finais, pois isso garantia uma antecipação das férias e essas sim, eram o paraíso aqui na Terra. A praia de Copacabana no verão era nossa. Nessa época eu era realmente feliz e não sabia.
O curso ginasial teve uma qualidade tão boa que permitiu que fizesse o concurso para entrar na Escola Naval sem ter de passar um ano preparatório nos cursinhos existentes. Fui aprovado no concurso e ingressado na Escola Naval três meses depois de concluído o ginasial. Acabara de completar 16 anos. Alguns colegas de minha turma atenderam aos cursinhos em paralelo com o 5º ano ginasial e entraram para a Escola Naval comigo. Outros deixaram para ano seguinte e perderam um ano de antiguidade na vida naval. Nunca mais na vida tive aulas de química básica, pois o que aprendi no colégio Santo Inácio me foi útil com frequência, a vida toda.
Minha mãe nos contou que pressionou meu pai para vender seu negócio no Recife e trazer a família para o Rio de Janeiro por que não encontrou lá um colégio capaz de dar educação adequada a seus filhos. Meu pai vendeu tudo e estabeleceu-se no Rio. Eu tinha somente dois anos de idade. Depois de se estabelecerem completamente na cidade, minha mãe fez uma análise dos colégios do Rio e chegou a conclusão que os melhores eram o São José e o Santo Inácio. Como o São José era no centro da cidade, mudou-se para perto do Santo Inácio, em Botafogo e aí foram matriculados os seus primeiros três filhos homens.
O padrão ético, firme, correto e dedicado ao trabalho foi dado por meu pai e devemos muito a minha mãe por sua clarividência em relação à necessidade de estudo de qualidade. E isso de uma filha de Pesqueira, interior de Pernambuco, quando somente um de seus oito irmãos tinha se formado médico. Só quem tem cultura sabe da necessidade das pessoas também terem. Nunca consegui esclarecer onde minha mãe construiu essa convicção e certamente não foi em Pesqueira. Lá, até hoje, só sedimentou-se o atraso, por absoluta falta de cultura.
Minha mãe foi ao Congresso Eucarístico em Recife com minha tia, para aproveitar a oportunidade e visitar seus pais em Pesqueira, PE. Lá pegou tifo e faleceu no Recife em setembro: foi um choque, eu tinha 15 anos. Faltava menos de dois meses para terminar o ginásio e eu tinha de tomar uma decisão do que fazer na vida. Meu irmão mais velho estava cursando a Escola Naval e o segundo estava no Seminário, pois havia decidido ser padre. Notei que a ausência dos dois, reduzia as despesas da casa, o que deixava mais folga para minha tia solteira, irmã de meu pai, que veio do Recife morar conosco, cuidar das outras crianças.
Decidi fazer o concurso para a Escola Naval. Estava determinado. Passei a concentrar todo meu tempo estudando para o concurso e até nas férias, adeus total à praia e distância do círculo de amigos da vizinhança. Esqueci o paraíso e daí por diante, viver ficou mais complicado. Com esse impulso do concurso, passei a me preocupar em aprender o que estudava.
A guerra na Europa tinha começado e estava se alastrando.
A Marinha - uma grande escola
Passei quatro anos na Escola Naval, de 1940 a 1944. Ao terminar o primeiro ano letivo, o Diretor da Escola Naval embarcou todo o corpo de alunos no navio D. Pedro II do Lloyd Brasileiro, por dois meses, cobrindo todos os portos brasileiros do Rio de Janeiro até Manaus e retornando até a cidade de Rio Grande (RS) e daí de volta ao Rio de Janeiro.
Em todos os portos tínhamos uma palestra de um ilustre historiador local sobre as razões dos portugueses terem construído aquelas fortalezas e as diversas operações contra ataques ao país. Também houve a visita do corpo de alunos aos principais estabelecimentos industriais existentes nas proximidades dos portos. Paramos nas principais cidades do Rio Amazonas. Só Manaus tinha o porto flutuante e nunca mais esqueci que o nível do Rio Amazonas chegava a subir 30 metros, isto é, ou alguém se estabelecia num barranco onde a água não atingisse ou teria de viver de 20 a 200 km da margem do Rio, pois este alagava tudo. Em Santarém, Parintins, Óbidos e Itacoatiara, o navio embicava no barranco e descíamos numa ponte de tábuas sobre barris de óleo vazios. Em Rio Grande (RS) passamos o dia na fábrica da Swift onde tinham matadouro próprio e processavam 1000 cabeças de gado por dia, já naquela época.
Regressamos ao Rio de Janeiro para reiniciar imediatamente as aulas. A guerra tinha se ampliado e já estavam condensando os currículos e acabando totalmente com as férias para ganhar tempo na formação dos oficiais, necessários para as operações de guerra. O curso de cinco anos foi reduzido para quatro. Acabou-se a viagem de instrução de Guardas Marinha ao término do curso. Minha turma que entrou para Escola Naval em março de 1940, celebrou a graduação e entrega das espadas no dia 7 de janeiro de 1944 e no dia 21 eu já estava embarcado na Corveta Cananéia, como Guarda Marinha, comboiando navios mercantes do esforço de guerra aliado, que seguia para os EUA. Nossa escolta seria substituída no Recife. Desembarquei no Recife e fui designado para cursar a Escola de Sonar da Marinha dos EUA, na Base do Recife, para treinamento antissubmarino durante três semanas e em seguida designado para o Caça Submarino Jaguarão, onde permaneci até o final da guerra e o regresso da Força Naval do Nordeste ao Rio de Janeiro. Seis meses de Guarda Marinha e fui promovido a Segundo Tenente. Um ano depois promovido a Primeiro Tenente. Promoções rápidas motivadas pela demanda da guerra.
A Marinha propriamente dita foi também uma grande escola. Não estou considerando aqui os cinco anos de serviço que passei nos EUA estudando engenharia, nem os dois anos de serviços de guerra.
Na Escola Naval comecei a jogar polo aquático e fui escalado para a equipe que representava a Escola nas competições. Aprendi a ser atleta. Não era profissional, mas adotara a disciplina rígida com alimentação e exercícios.
Paralelamente, sempre morei perto da praia e o mar também era meu meio ambiente. O Diretor da Escola Naval criou o Grêmio de Vela ao qual deu todo o apoio. Inscrevia os barcos da Escola nas competições do Iate Clube do Rio de Janeiro, para induzir os aspirantes a se familiarizarem com as coisas do mar. As guarnições eram como que designadas para competir. Só o aspirante, filho do Almirante Álvaro Alberto, gostava de velejar e competia com satisfação. A Escola Naval inscrevia três barcos que chegavam sempre nos três últimos lugares. Era um vexame.
Encontrava-se na biblioteca da Escola um livro técnico em francês do suíço Manfred Cury com tudo sobre barcos, velas e técnicas de regata. Foram traduzidos vários capítulos do livro e fomos tomando nota do que seria necessário fazer para realmente poder competir. Os barcos ficavam ancorados permanentemente dentro d’água e repletos de cracas. A craca, como chamam, e o limo na parte inferior do barco, criavam um forte atrito com a água reduzindo a velocidade dos barcos e nessas condições era impossível competir.
Primeira condição: era preciso ter os barcos com as partes em contato com a água inteiramente limpas. A garagem de barcos tinha berços sem rodas. Duas vigas longitudinais deslizavam sobre vigas horizontais embutidas no concreto da carreira. Não havia guincho para içar os carros e somente um grupo de quatro ou mais homens poderia içar um barco na carreira. Cada barco pesava 1700 kg e o atrito do berço era muito grande. Seria necessário colocar rodas nos berços e nivelar as madeiras da carreira com o concreto do piso. Pedi ao Imediato da Escola Naval para autorizar a lancha nos levar ao AMRJ para ver se conseguíamos as rodas numa pirâmide enorme de sucata lá existente. Encontramos dois truques de trem, carregamos para a lancha e voltamos. Havia um ferreiro na oficina da Escola que nos dava aulas de forjaria e caldeamento. Pedimos e ele para forjar os mancais para suporte do berço sobre os eixos. Tudo instalado estava disponível um carro com rodas que dois homens puxavam com o barco para a garagem. A partir daí o tratamento do fundo dos barcos ficou por conta das suas guarnições de aspirantes.
A segunda etapa era preparar o fundo do barco para o melhor deslizamento na água. O livro recomendava misturar plombagina, isto é, grafite em pó com óleo de linhaça, passar no fundo dos barcos, deixar secar e depois polir com um pano seco. Ficava brilhando e deslizando na água.
Terceira etapa: trocar as velas dos barcos. O livro mostrava como deveriam ser construídas para dar pequena curvatura como as asas das gaivotas. O Diretor da Escola encomendou velas novas que foram enfunadas um mês para tomar a forma correta. Agora a Escola Naval estava em condições de competir. Só faltava treinar as técnicas de regata descritas no livro.
O campeonato era cansativo. Cada um durava quatro domingos seguidos. A Escola passou a inscrever cinco barcos e classificar os cinco primeiros lugares. O resultado foi melhor do que o esperado. Aprendi que tecnologia e dedicação produzem a diferença. Aprendi também a estudar e quando necessário, dedicar-me e concentrar-me no estudo.
Isso foi fundamental quando a Marinha me liberou durante quatro meses para me preparar para o concurso da engenharia naval. Com determinação consegui ir aumentando as horas de estudo diárias até conseguir em um mês, dedicar 16 horas por dia ao estudo. Não foi fácil. O organismo reage contra. É necessário persistência e determinação para lentamente ir alcançando a meta. É como treinamento intensivo.
Valeu o esforço: fui classificado no concurso e designado para cursar engenharia elétrica e eletrônica no Rensselaer Politechnic Institute, no Estado de New York. Outra vantagem proporcionada pela Marinha: no RPI, não tive dificuldade de inserir e ajustar meu currículo da Escola Naval aos requisitos dessa escola de engenharia, uma das melhores dos EUA, de acordo com a avaliação da marinha americana. Foram anos de muito estudo com dedicação total do tempo disponível, mas nunca com risco de fracasso nos cursos.
Memórias da guerra
Algumas lembranças meu cérebro fixou bem, pois eram evidentes e contundentes as dificuldades resultantes da obrigatoriedade de conduzir um país vinculado a uma operação de guerra real. As situações que tiveram de ser enfrentadas explicitavam a precariedade da infraestrutura do país, dos seus meios de transporte, da sua autossuficiência de matérias primas e insumos, principalmente combustíveis. Tal questão se tornou aflitiva pela dificuldade de circulação de mercadorias entre os Estados devido a ameaça real e constante dos submarinos alemães e italianos operando