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Teiko Shimura e os Dois Nomes do Dr. Hendly
Teiko Shimura e os Dois Nomes do Dr. Hendly
Teiko Shimura e os Dois Nomes do Dr. Hendly
E-book266 páginas3 horas

Teiko Shimura e os Dois Nomes do Dr. Hendly

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Sobre este e-book

Londres, 1895. O detetive Teiko Shimura da Polícia Metropolitana de Tóquio é oficialmente enviado pelo governo japonês à Inglaterra para aprender as modernas técnicas de investigação criminal usadas pela Scotland Yard. Como observador, nota que a polícia se vê confusa diante de um bárbaro crime com elementos sobrenaturais, que vitima cavalheiros influentes da elite londrina. Como ex-samurai na juventude, Shimura permite que seu raciocínio lógico e científico deixe certa abertura ao fantástico e com a ajuda de seu assistente Wasaru Watanabe, supera o ceticismo da Yard, descobre a ação misteriosa de uma heroína vigilante das ruas de Londres - a Vespa Vermelha - e com a habilidade de batalha dela e sua visão oriental da ciência forense consegue capturar o monstruoso assassino.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento9 de abr. de 2023
ISBN9781526026736
Teiko Shimura e os Dois Nomes do Dr. Hendly

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    Teiko Shimura e os Dois Nomes do Dr. Hendly - H. H. M. Mcross

    H. H. M. McRoss

    TEIKO SHIMURA E OS DOIS

    NOMES DO DR. HENDLY

    1ª edição

    Rio de Janeiro

    Carlos Roberto Teixeira Alves

    2018

    H. H. M. McRoss

    TEIKO SHIMURA E OS DOIS NOMES DO DR. HENDLY

    1. BALDOMORE CASTLE, LONDRES, 1895

    A última tarefa diária em Baldomore Castle, a imensa propriedade de Lord Velton, era interna à casa e consistia na última ronda de Sra. Marriet. Ela tomava de uma lanterna de óleo de luz baça e com ela, no silêncio da casa, seguia pelos corredores da mansão em um roteiro invariável havia quinze anos e que se completava em meia hora. A prática fazia Sra. Marriet só desviar os olhos para o que realmente estava errado ou fora do lugar, o que era raro, pois sua rigidez quanto à ordem da casa fazia as aias sofrerem da perseguição dos detalhes. Na manhã seguinte, se seu olho fino percebesse nas sombras coisas que sua memória aguda a lembrasse de que estavam fora do lugar, a aia responsável seria severamente advertida diante dos outros serviçais. Ninguém queria a dura repreensão de Sra. Marriet. Nem Sr. Durfall, mordomo há mais de duas décadas, era tão severo.

    Lord Velton retornara da América havia apenas três dias. Era um ‘grande caçador branco’, de safáris africanos, americanos e pelo resto do mundo. Como em outras vezes, agora de novo trouxera novas quantidades de caixas de animais taxidermizados para aumentar sua coleção. Nela havia animais os mais exóticos – de todos os tamanhos – de todo o mundo. Os africanos de sua companhia de caça, uma fração dos que o ajudavam na África e pelo mundo, guerreiros e caçadores nativos de grande coragem, dormiam no celeiro ao lado das oficinas, depois do jardim externo da propriedade. Como os outros dois dias anteriores, aquele também fora um dia cheio, de quebra de rotina, com o desfazer de bagagens e o amontoar de infinitas caixas. Mesmo assim, ciosa do orgulho que Lady Velton tinha dela, Sra. Marriet levou os empregados à exaustão, até que exatamente à hora do jantar a mansão estivesse como se a verdadeira rotina fosse Lord Velton apresentar-se à mesa na hora usual. Então prestativos empregados cansados serviam a refeição aos patrões.

    No fim de sua infatigável ronda, estando a mansão em ordem rotineira, Sra. Marriet se dirigia para seu quarto. Mas naquela noite não foi assim. Quando já fazia seu último caminho pela casa, ouviu algo que soava como uma rude imprecação vindo do andar superior, pelas escadas, na ala dos patrões. Não era a voz de Lord Velton. Sra. Marriet não sabia da visita de ninguém, não fora informada e o Sr. Durfall não pedira que alguma aia ficasse a postos para preparar algo de especial e urgente para uma visita fora de hora. Aliás, qualquer coisa fora de hora seria do conhecimento dela: não havia surpresas em Baldomore Castle.

    Sra. Marriet, menos curiosa do que contrariada com o inusitado, subiu com sua lanterna fraca até a ala reservada aos patrões. Do escritório, último aposento do largo corredor, a luz se derramava, sombras e contornos dançavam contra a parede oposta. Os rosnados eram graves e rudes, uma voz rouca e tenebrosa. Lord Velton também falava, mas com voz sofrida, soando chorosa. De repente, ele gritou e seu grito foi interrompido por um surdo baque.

    – Meu Deus! – exclamou Sra. Marriet e correu – Milorde! Milorde!

    Enquanto ela corria, sucessivos e fortes baques soavam duros contra algo que claramente quebrava. Quando ela chegou à porta, o espetáculo que vira deixou-a congelada: Lord Velton lançado ao solo, olhos esbugalhados, torcido em uma posição horrível como se fosse um boneco de pano, enquanto um demônio horrendo fugia pela janela, não sem antes voltar-se para a governanta e lançar contra ela um olhar insano. O monstro jogou-se nas trevas, como que engolido pelo inferno. O grito aterrorizante de Sra. Marriet atravessou todos os cômodos, acordando a mansão. A governanta tombou desfalecida.

    2. DETETIVE TEIKO SHIMURA, DA POLÍCIA DE TÓQUIO

    A manhã seguinte Londres estava nevoenta, suja e úmida, como sempre; uma cidade viva, fazendo milhões de seres humanos patinarem a lama e a fuligem para produzirem a glória e riqueza do Império de Sua Majestade, a Rainha Vitória.

    No prédio da New Scotland Yard não era diferente, exceto por uma recepção à imprensa, bem pequena, organizada pelo Inspetor-chefe da Scotland Yard, G. Lestrade, com a presença do cônsul japonês, Mitsuhara Akito, bandeiras do Império Britânico e do Império Japonês, no acanhado Salão Superior no primeiro andar. Alguns convidados, alguns jornalistas, ausência de última hora do Diretor-geral da Scotland Yard, Sir Seymor Coolidge. O evento era mesmo discreto e não mereceu a presença do Embaixador do Japão. Tratava-se, porém, de uma respeitosa formalidade, em vista do apadrinhamento do evento: Lord Emerson Ellesworth, entusiasta das políticas de cooperação entre a Inglaterra e o Japão, renomado filantropo, político e riquíssimo industrial da navegação. Lord Ellesworth estava ali, muito feliz de ter conseguido o reconhecimento de sua política diplomática, que no caso era a cooperação de troca de experiências entre as polícias de Londres e de Tóquio.

    Lord Ellesworth discursara brevemente, o Cônsul Akito também. Lestrade finalizou dizendo o orgulho que a Scotland Yard tinha em auxiliar a polícia japonesa e apresentou quem interessava à imprensa.

    – Por favor, quero que conheçam agora o Detetive Teiko Shimura, da Polícia Metropolitana de Tóquio.

    Os ingleses não eram efusivos, nada de aplausos, só um remexer-se nas cadeiras e o espoco do flash de uma única câmara, do Herald Express. O japonês, em terno tweed esverdeado, era pouco mais que metade da altura de Lestrade, olhos brilhantes, vivos, bigode fino a emoldurar a boca, fronte alta, sorriso contido. Seu rosto era uma máscara de cera, qualquer marca nela estava ali depois de ser muito bem refletida para o efeito que queria. No caso, via-se uma cuidadosa alegria, uma vez que estava honrado com a apresentação. Fez sua vênia tradicional, mas não deixou de apertar a mão de Lestrade. Notaram os repórteres que o japonês tinha força, pois, mesmo disfarçando, Lestrade massageou a mão depois do cumprimento do colega japonês.

    – Bom dia. Estou muito honrado com esta recepção, muito honrado de representar meu país e feliz de poder me apresentar aos senhores. Estou certo de que aprenderei muito com a polícia de Londres e vou poder fazer muito pela polícia da cidade de Tóquio, neh? Muito obrigado.

    Sua voz era alta e fina, seu inglês era perfeito, com cada palavra bem pronunciada, o que, no entanto, tirava a naturalidade da fala. Com uma vênia já iria se retirar, mas uma pergunta veio dentre os jornalistas.

    – Primeira vez em Londres, Detetive Shimura?

    Teiko Shimura voltou-se. – Não. Obrigado por perguntar. Já estive aqui, em uma anterior passagem oficial da polícia do Japão, há quase vinte anos, neh? Então era jovem cadete.

    – Foi quando aprendeu inglês, Detetive Shimura? – outro repórter.

    – Não. Aprendi na renomada Universidade de Nagoia, no Japão. Aprimorei viajando para a Inglaterra e América.

    – Sempre estudando, Detetive Shimura? – mais outro.

    – Nada é mais importante! Sempre poder aprender e contribuir com o que há de melhor para meu país.

    – Acha que pode aprender algo com a Scotland Yard? – retornou o primeiro repórter.

    – Não tenho dúvidas. Londres é a maior cidade do mundo e Tóquio é a maior cidade do Japão. Como grande metrópole, Tóquio está sendo obrigada a lidar com problemas que já há muito a Scotland Yard, graças a sua competência reconhecida, resolveu aqui em Londres, neh? Vim aprender as soluções para o problema do crime nas grandes cidades. É muito bom que eu esteja aqui para aprender como a Scotland Yard mantém segura uma cidade tão imensa.

    Risos discretos, que incomodaram Lestrade. Este gesticulou a Teiko Shimura para que desse por encerrado a fala. Não queria que a acidez da imprensa estragasse um evento que era só cerimonial. Teiko Shimura já ia se despedir, mas o repórter do Tribune se ergueu. Era grande, com cara de buldogue e fumador de charuto.

    – Pois escolheu a polícia errada, Detetive Shimura, se me permite.

    Lestrade ficou visivelmente contrariado. – Por favor, isto aqui é só uma recepção e...

    – Então vou recepcioná-lo com alguns números, Sr. Detetive Shimura da Polícia de Tóquio. Só este ano, ocorreram quarenta e dois assassinatos sem solução em Londres e dezesseis que resultaram em prisão...

    – Resolvemos boa parte deles, então – rebateu Lestrade, sorrindo.

    – Só porque foram resultados de brigas em locais públicos, Inspetor Lestrade, e foi fácil à Yard pegar o criminoso. Só por isso. Mas tivemos cento e quarenta furtos a residências e mais de trezentas reclamações oficiais de furto nas ruas. A polícia não consegue investigar porque o criminoso é inteligente e sabe se esconder, enquanto a Yard sempre procura pelos mesmos culpados: irlandeses que moram no bairro irlandês.

    Risos. Lestrade rebateu – Você não está inteirado dos métodos modernos da Yard para…

    Lestrade foi interrompido: – Desculpe-me, Inspetor-chefe Lestrade, mas Londres é a mais violenta cidade do mundo. Gostaria de saber se é mesmo possível ensinar aos japoneses como controlar uma metrópole de quatro milhões de almas quando reconhecidamente isto não está sendo feito. Afinal, Londres está um caos, não se anda seguro à noite na cidade e nem de dia! Ninguém em sã consciência anda na zona portuária sem esperar ser molestado. Acho que, na verdade, é a Yard que está precisando de ajuda. Detetive Shimura! Que coisas pode ensinar à Yard? Karatê, talvez.

    Risos. Lestrade cobria a boca, fulminando o repórter debochado com os olhos, visivelmente contrariado, mas determinado a não se meter em uma disputa de opinião. O Cônsul do Japão permanecia tranquilo e Teiko Shimura estava controlado. Este, por sua vez, sorriu ante a menção do que poderia ensinar.

    – Meu karatê é apenas um exercício escolar para minhas juntas não estalarem no frio, senhor – mais risos. – A Scotland Yard é a melhor polícia do mundo. Viajei outros países, vi outras polícias e posso garantir que em Londres existe um efetivo combate científico ao crime. Não posso ensinar nada a ela, exceto como os japoneses são excelentes alunos, neh?

    O repórter não ficou intimidado. – Pois o senhor pode já exigir sua primeira aula, detetive. O senhor Lestrade pode levá-lo à Baldomore Castle e tentar explicar como, esta madrugada, Lord Velton foi espancado até a morte por um serviçal da residência, que fugiu.

    O burburinho tomou conta, alguns repórteres se ergueram. – Do que está falando, quem disse isso?

    – Não vou revelar a fonte – disse o repórter. – Por isso o Tribune é melhor que vocês, jornaizinhos de igreja. Corram, atrasados: o Tribune já tem pronta sua edição da tarde de hoje – exibiu ostensivamente uma edição do jornal com a manchete 'CRIME EM BALDOMORE CASTLE: LORD VELTON ASSASSINADO'.

    Enquanto o repórter ria sarcástico, com o charuto enfiado na boca, Lestrade o consumia com o olhar. Os repórteres abandonavam o recinto às pressas. Teiko Shimura retornou para seu lugar, ao lado de um jovem japonês, de porte atlético e bem mais alto que ele. Era seu colega de serviço no Japão e ali em Londres seu auxiliar, que o acompanhava naquela viagem. Falou a ele em japonês, discretamente, sem se voltar.

    – Finalmente, vamos trabalhar, Wasaru-san.

    Hai

    3. SHIMURA E WASARU

    Teiko Shimura e Wasaru Watanabe estavam ligados por um laço mais forte que simplesmente a combinação profissional. A relação entre ambos era a mesma de mestre para discípulo, de modo informal, mas efetivo.

    O Detetive-assistente Wasaru Watanabe era da Província de Kagoshima, a mesma de Teiko Shimura, filho de um amigo de infância do detetive. Wasaru se formara com louvor dentro da Academia de Polícia Metropolitana de Tóquio e, por recomendação do próprio Shimura, adicionou ao currículo um ano de medicina legal que cumpriu de modo modelar: acompanhou dezenas de autópsias realizadas tanto pelo Dr. Kunika Katayama, o médico que introduziu a Medicina Forense no Japão depois de estudá-la com afinco na Alemanha e na Áustria, como assistiu às aulas de dissecção forense do professor-convidado, o alemão Dr. Wilhelm Doenitz, na Universidade de Tóquio. Saíra um detetive muito completo, mas lhe faltava um certo dom, uma mistura de perspicácia e intuição, que poderia dirigir como uma flecha certeira se pudesse acrescentar à tão completa bagagem teórica que carregava. Esse dom estava na mente de Teiko Shimura, a quem se ligou como um filho quando ingressou como novato na Academia em Tóquio, trazendo a carta de recomendação do pai para o velho amigo Shimura. Durante os anos de formação morou na casa de Shimura, e com o objetivo de orgulhá-lo aprendeu todos os modos possíveis de reconhecer, desvendar e deter o crime, gastando cada segundo livre lendo e estudando, sempre cercado de pilhas de livros em inglês, francês e alemão – línguas em que Shimura o ajudava por tê-las aprendido ainda novato, acompanhando o General Kawaji Toshiyoshi, filho de um dos últimos samurais do Japão. Toshiyoshi, na Restauração Meiji, introduziu as modernas técnicas ocidentais de treinamento policial e patrulhamento urbano. Shimura estava na equipe de Toshiyoshi quando este fez sua longa turnê pela Europa em 1873 (no fim, Toshiyoshi tomou como modelo a polícia de Paris para constituir a de Tóquio).

    Teiko Shimura era de 1850, nascera e crescera na província de Kagoshima. Também era filho de um samurai Satsuma, da mesma linhagem de Toshiyoshi e da mesma hierarquia samurai: um samurai yoriki, uma espécie de polícia montada provincial, um tipo menor de samurai, submetido a muitos outros na hierarquia antes do daimio, o Senhor Feudal da província, que era o Senhor Shimazu Hisamitsu. Teria o futuro de todo yoriki, uma vida de impôr respeito a camponeses e viver sob as ordens de outros superiores por nascimento, não importasse o grau de estupidez que tivessem, não fosse a bem-vinda Restauração Meiji, que modernizou o Japão e aboliu os samurais. Livre da hierarquia, Shimura estava no lugar certo no momento certo. Ligou-se a Toshiyoshi graças aos contatos do pai e conseguiu aproveitar o vento de ocidentalização do Japão para se dignificar em uma carreira como verdadeiro detetive. Sua formação moral vinha da convivência continua que tivera com os monges budistas do templo Fukusho-ji, de sua província. Aprendeu com os monges a meditação, a reflexão, a percepção dos detalhes, a ler os sinais da natureza, do tempo, a enxergar no rosto de um homem suas menores intenções. Com os monges aprimorou seu aprendizado no jujutsu, a técnica marcial samurai de luta corporal, no kenjutsu, a luta com as espadas, e no kyujutsu, a prática do arco e flecha. Os mestres zen-budistas sempre elogiaram ao jovem samurai yoriki que aprendia rápido e bem. Mas o dia triste chegou. Shimura, aos 20 anos, viu o templo Fukusho-ji ser lacrado e os monges impedidos de aceitarem novos discípulos, consequência da ocidentalização durante a Restauração Meiji. Não poderia haver samurais nem monges no Japão. Naquele ano Teiko Shimura deixou sua armadura e começou sua carreira de novato investigador. Mais tarde, assumiria a tarefa de passar seu conhecimento para Wasaru. Quando Lord Ellesworth, adido da Embaixada Britânica em Tóquio, começou uma campanha de investimentos ingleses no Japão e acordos nipo-britânicos em várias áreas, surgiu a possibilidade de uma cooperação entre as polícias dos dois países. Shimura embarcou no projeto, primeiro por causa de ser experiente com a viagem de Toshiyoshi, depois por ver que seria importante para Wasaru, como fora para ele.

    Então preparou Wasaru. Explicou que na Europa valia a pena mais ouvir do que opinar. O europeu era preconceituoso com qualquer estrangeiro, exatamente como o japonês também era.

    – Sofreremos o desprezo que também praticamos, neh?

    Explicou que o europeu nunca daria razão a um japonês, por isso não adiantava interferir, mas só assistir. Em especial, a polícia europeia era profundamente preconceituosa. De maneira errônea, culpavam inicialmente o estrangeiro, o imigrante, o cigano, o judeu, pelo crime. Depois culpavam os cidadãos das classes mais baixas, moradores do campo e os pobres da cidade. Só depois de uma longa hierarquia que levava em conta a origem geográfica, social e profissional, era que a investigação policial poderia, talvez, chegar a suspeitar de alguém na elite. O estrangeiro estava na Europa para aprender – então era um ignorante – ou estava lá para trabalhar – então era uma escória miserável.

    Uma semana antes de partirem para a Europa, Shimura colocou um banco frente um canil de muitos cães que ladraram durante todo o tempo que Wasaru ali sentado se preocupava em fazer um poema sobre o tempo. Os cães incomodaram muito. No fim não foi Shimura que leu, mas Mestre Ioshi, mestre-zen, que elogiou tanto a caligrafia quanto a beleza do poema. Wasaru ficou orgulhoso e respondeu a tudo que Mestre Ioshi quis saber. Depois que este partiu, Shimura perguntou a Wasaru.

    – O que ouviu mais tempo hoje, Wasaru-san? O ladrar dos cães ou a fala de Mestre Ioshi?

    – Oh! Os cães…

    – E de qual desses dois falará um dia com orgulho para seus filhos?

    – A fala de Mestre Ioshi!

    – Aprenda, Wasaru-san. Há aqui mais cães que mestres. Na Europa também. Lá você sofrerá as ofensas de pessoas mais fracas e mais ignorantes que você, mas às vezes será elogiado por mais sábios e mais fortes. Como os mais sábios e mais fortes são mais raros, receberá mais ofensas que elogios. Então seja paciente com o cão para merecer o mestre.

    E fez uma combinação com Wasaru. Sabia que o discípulo conhecia com fluência o inglês de modo a poder ler, escrever, entender e falar na língua. Mas em Londres, fingiria só saber japonês e só nessa língua conversariam os dois. Mais ainda, Wasaru deveria ter o sangue frio para fingir ignorar uma conversa em inglês, mesmo entendendo tudo, mesmo que fosse uma ofensa pessoal a ele. Deveria permanecer como quem ignora a ofensa por ignorar a língua. O disfarce era importante, porque então Shimura poderia fazer as críticas ao trabalho da polícia inglesa na frente deles, e sem eles saberem, e assim, sem ficarem ariscos com a presença dos japoneses. Funcionaria só se Wasaru fosse bem disciplinado.

    Hai, serei... – disse, preocupado.

    Shimura deu a Wasaru uma lista enorme com todos os xingamentos em inglês e

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