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O que trazes nessa Lua?: Dois epigenótipos, uma utopia
O que trazes nessa Lua?: Dois epigenótipos, uma utopia
O que trazes nessa Lua?: Dois epigenótipos, uma utopia
E-book482 páginas6 horas

O que trazes nessa Lua?: Dois epigenótipos, uma utopia

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Sobre este e-book

Uma mulher e um homem no século XXI. Consumos e fruições, tribalismos e certezas do mundo convencionado é que se dispõem a trocar por ambientalismo, cumplicidade, liberdade… Dois espíritos livres querem uma vida meritória. Um a acreditar que as suas aprendizagens sobre epigenética, identificando diversidades estruturantes nas pessoas, originam uma compreensão mútua tão revolucionária como enriquecedora. O outro com pena que isso não lhe seja verossímil, ora desconfia interessando-se, ora interessa-se desconfiando. O autor, hipnotizado por estas personagens, rendido à cândida convicção de uma e ao ceticismo esperançoso da outra, tenta oferecer-lhes o entrelace das potencialidades de diferentes estilos narrativos — romance, poesia, ensaio —, acreditando que a honestidade é o melhor caminho para a conciliação num renovado planeta de afectos. Sem sensorialidades inconsequentes, sem pontos de vista privilegiados, sem narrações paternalistas... sem distrações! Em 'O que trazes nessa Lua? Dois epigenótipos, uma utopia', são as personagens que averiguam se a consciência emergente dos nossos díspares instintos é um caminho seguro para finalmente tornarmos razoáveis os limites do que podemos ser.
IdiomaPortuguês
EditoraGato-Bravo
Data de lançamento31 de mar. de 2022
ISBN9789898938329
O que trazes nessa Lua?: Dois epigenótipos, uma utopia
Autor

Carlos J Maria G

Carlos J Maria G é um indagador da natureza humana. Em busca de esclarecimento, no seu curso de mestrado, dissertou sobre as Concepções de Natureza em Geografia. No entanto, foi por meio da epigenética evolucionista que obteve respostas para — quase todas — as suas perplexidades.

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    Pré-visualização do livro

    O que trazes nessa Lua? - Carlos J Maria G

    1.png

    © Editora Gato·Bravo 2019

    Não é permitida a reprodução total ou parcial deste livro nem o seu registo em sistema informático, transmissão mediante qualquer forma, meio ou suporte, sem autorização prévia e por escrito dos proprietários do registo do copyright.

    editor Marcel Lopes

    coordenação editorial Paula Cajaty

    revisão Barbara Ribeiro

    projecto gráfico Ímã Editorial

    imagem da capa Galileo Galilei Rascunhos da lua (1609), Biblioteca Nacional Central de Florença

    Título

    O que trazes nessa lua?

    Autor

    Carlos J Maria G

    Impressão

    Europress Indústria Gráfica

    isbn 978-98-98938-32-9

    1a edição: agosto, 2019

    Depósito legal: 459309/19

    gato

    ·

    bravo

    rua de Xabregas 12, lote A, 276-289

    1900-440 Lisboa, Portugal

    tel. [+351] 308 803 682

    editoragatobravo@gmail.com

    editoragatobravo.pt

    Sumário

    Prólogo

    8 .º Capítulo

    1 .º Capítulo

    2 .º Capítulo

    3 .º Capítulo

    4 .º Capítulo

    5 .º Capítulo

    6 .º Capítulo

    7 .º Capítulo

    9 .º Capítulo

    10 .º Capítulo

    11 .º Capítulo b)

    Epílogo b)

    11 .º Capítulo a)

    Epílogo a)

    Prólogo

    É a mais extensa e a mais ténue das linhas, a que separa a vida da morte.

    Desde há muito imaginada continua a ser a mais fatal das metas. Em indecidíveis escalas penetra biliões de seres, envolve-lhes a pele, circula-lhes pelo

    ADN

    , define-se em hormonas, deixa-se balancear pela turbulência de um dia de chuva ou vento. Mas, intemporal, também pode fazer esperar milhões de anos para que uma irrepetível vida seja possível, milhares na formulação de mistérios como a parte de nós que são os  instintos, centenas para a paridade de duas existências se concretizar…

    É a mais íntima também. 

    Num impulso há resoluções que tudo podem começar, num rompante com tudo acabamos. Entre convicções inquestionáveis e contingências erráticas, ainda é inexplicável a origem dessas miligramas insubstanciais que mais pesam nas nossas decisões finais. Uma narrativa grandiloquente, um sentido fulgurante, uma linguagem exacerbada, permitem corá-la de… desvanecimento? Poderão a razão ou o amor, mudar, prolongar-lhe a direção?

    8 .º Capítulo

    — Estás a interpretar tudo mal.

    — Como assim?!

    — É completamente ao contrário!

    — Já não me deveria admirar ser tudo completamente ao contrário embora, tendo já sido avessado por tantos absolutos antípodas, alimente sempre a ilusão de que não me voltará a acontecer. Podes explicar-me o que é completamente ao contrário?

    — Não penso que tenhas um problema. No início acreditei que sim, mas foste ganhando plausibilidade, para usar uma palavra que deveria ser tua. Projetei-te algumas desconfianças e até gostaria que tivesses um problema. Assim, tenho sempre o receio de estar a estragar a tua vida.

    — Porquê? Para andar por aqui tenho de conseguir tomar conta de mim. Não é uma suposição mais ou menos universal? Lembro-me de uma frase: o meu principal problema é que me venham todos dizer qual é o meu principal problema, não sei de quem é, mas sei de quem poderia ser.

    — É que… Como dizer? Eu sou um bocadinho para o depressivo. As luas minguantes dão sempre comigo.

    — Ah!...

    — Já te tinhas apercebido…

    — Se calhar não.

    — Verdade?! Tão perspicaz às vezes…

    — Todos somos limitados, especializados, temos sempre leituras parciais. Já me acusaste de deixar passar a verdade mesmo a meu lado, várias vezes.

    — Ou então sou eu a procurar uma justificação para a minha cobardia.

    — Não te martirizes. O que me dizes pode aplicar-se é a ti: estarás tu a ver mal as coisas, a enfatizar maus momentos? Seja como for, renegares-te equivale a menosprezar o que te tenho vindo a dizer.

    — És um querido, mesmo. Contigo vejo que esta expressão nunca devia ter sido banalizada.

    — Já te disse isto e agora vou reafirmá-lo com mais pontuação. Foi a tua opção e fizeste-apor achares que seria o melhor. Ponto. Eu estava aqui para te aceitar, vírgula, continuo aqui para te aceitar. Ponto. Estamos aqui para te aceitar… ambos!

    — Sim, é uma verdade das boas. Eu preciso aceitar-me a mim própria.

    — Isso mesmo. Aclamação!

    — Então… porque finges permanentemente idolatrar-me? Ou apenas te finges obsessivo?

    — Só as estatísticas da tua irrepetibilidade, da excelência de meia dúzia de atributos teus, tornariam esta obsessão a decisão mais racional do mundo.

    — O amor é o brinquedo que mais gostas de estragar.

    — Cansado de não encontrar pessoas que se autopreencham de conteúdos próprios, que apenas se satisfazem a desempenhar um papel social, já para não falar do papel económico, que apenas negoceiam o seu estatuto na relação com os outros, ou que seguem na vida uma cartilha que lhes caiu aleatoriamente à frente do nariz, posso até dizer-te que sim.

    Talvez o amor seja o derradeiro sentido lúdico da vida. Se mo dificultas estás a valorizá-lo.

    — Não te zangas comigo?

    — Sabes que sou irrazoavelmente tolerante para isso.

    — Preferes autoelogiar-te a zangar-te... És sábio.

    — Não. É apenas uma condição da minha natureza. Dá para brilhar em momentos grandiosos como este, ou para protagonizar ultrajantes tibiezas sociais. Tive sorte.

    E a identificação entre duas pessoas é demasiado rara para que a estrague com uma chatice. Gostas das boas luas contigo. O que me dizes explica as tuas fúrias pouco explicáveis?

    — Suponho que sim.

    — Eu também as tive. Todos as temos.

    — Na realidade não inteiramente, mas fiquemos com uma história de cada vez.

    — Pensei que eras ciclicamente avassaladora devido às flutuações temperamentais que umas pessoas têm mais que outras. Não será apenas isso? As pessoas nunca responsabilizam o seu corpo pelo seu humor, é sempre à cabeça que pedem satisfações. Até tu, que estás farta de o saber, fazes isso.

    — Corresponderam a momentos em que eu senti afundar-me.

    — Claro que, em vez de te amenizar as acusações, posso pedir absolvição pelo descuido de não ter reparado o suficiente.

    — Isso seria manter o nível de generosidade a que me habituaste.

    — Achava que algumas das tuas coisinhas tinham um carácter errático. Demorei algum tempo para adquirir noção de ti. É para isso que eu tenho de evoluir.

    — Mentiroso. Tu sabes sempre o que eu quero ouvir, mesmo quando eu não o sei.

    — Vais ver em mim um manipulador ou alguém que sempre te compreenderá?

    — Ambos.

    — Pensei que não irias gostar de ser capturada nas suposições do expectável.

    — Obrigada por te revelares sensível ao que sinto.

    Porém, não sei porque és sempre incompleto a dizer-me o que verdadeiramente pensas.

    — É a minha escassez… Eu quero fazê-lo. Mas nasce-me sempre primeiro uma hesitação, suponho que alguma parte de mim pretenda confirmar, censurar, o que irei dizer. Depois, outra parte da minha cabeça quer brincadeira e tenta criar um joguinho. Acabo por me perder… ou por perder o contexto, acabo por me perder no instante e por perder o momento. Insiste sempre, por favor, sempre que eu for insuficiente.

    — Agora, para te retribuir com a prenda de ser aparentemente contraditória, depois de te acusar de não falares, digo-te que és demasiado disponível.

    — Sei que comungas dessa apologia, moderníssima, às maravilhas da frontalidade, a canonização da espontaneidade do impulso imediato. Ao não te dizer de imediato o que me incomoda estou a tentar esticar a minha contemporização, a dedicar-te um jejum, a tentar dispensar-nos um problema, a tentar adaptar-me a ti. É apenas a minha maneira de ser, não te quero impor o igual.

    Sabias que eu iria gostar do pretexto que me deste. Estás a tornar-te excessivamente importante para mim.

    — E tu já te tornaste demasiado importante para mim!

    — Vejamos esta como a terceira e definitiva acusação, que eu aceitarei sem resistência para nos pacificarmos… E não pensemos mais nisso.

    — Já me pareceste tão mais irrazoável… ainda mais. Como explicas isso?

    — Tento não repetir os meus erros.

    — Desde então não tens perdido a fleuma. E a tua determinação também me impressiona.

    — Que deliciosa omissão de quases. De qualquer forma o meu sentimento de receio do fracasso é muito poderoso, pelo que me obrigo a uma suplementar contagem até dez.

    — Vejo-me imperfeita para ti.

    — Deixa, não é a hora ideal de seres perfeita. Nem sempre a tua lua tem de estar cheia. Lembro-me da pergunta de uma sábia as buscas pela verdade serão o realismo máximo que podemos alcançar?!

    — Se me relembras as dicas tens de retribuir. Oferece-me uma grande verdade, agora!

    — Das grandes mesmo?

    — Das

    XL

    !

    — Do tamanho de uma nuvem que passa a cobrir todo um sol ilusório?!

    — Das que doem e podem mudar tudo.

    — Segura-nos bem, então. Racionalmente, não acredito na longevidade da nossa existência partilhada. Os nossos temperamentos divergentes irão separar-nos. Racionalmente, como só um computador… e mecanicamente como um robô, claro!

    — Então queres-me apenas para consumo imediato?

    — Não, não! Estou a lutar contra eles todos! Contra esses temperamentos, computadores e robôs. Descarto-me de qualquer racionalidade dessas.

    — Isso dói mesmo e muda tudo!

    — Calma, mulher dramática! Isto é o mais banal do mundo, é a história quotidiana da maioria de milhões de pessoas. Só acrescentei algum discernimento e é com ele que poderemos vencer. Todos temos de passar a vida a contrariar feitios. Por isso há que os conhecer bem e atender aos nossos limites. Quem perde esta guerra sucumbe. Porque há tantos casais inexplicavelmente desavindos, para além dos óbvios motivos que todos sabemos?

    — Brincas com as palavras e com os sentimentos! Não te pedi um jogo.

    — Não! Por muito que nos custe, mereces todo o realismo que te possa dar. Todavia, sei que bastaria ser alguém apenas solene e encontrar-me-ias muito mais sentido. É sempre assim.

    — Ou afinal é apenas o teu permanente medo de seres capturado pela previsibilidade?

    — Olha só isto. Toma uma, apenas uma, diferença de carácter, de entre as dezenas que eu acho poderem ser centenas. Duas pessoas com diferentes níveis de agressividade. À naturalmente mais belicosa, o seu comportamento parece uma picardia normal, estimulante até. A mais pacífica desespera por não compreender aquela animosidade permanente. Se esta pessoa mais plácida se queixar de demasiada beligerância, a primeira vai perder consideração por ela, achando-a demasiado choninhas. A primeira irá continuar a agir de acordo com os seus instintos para que a sua companhia espevite, arcando com a cansativa tarefa educativa de a ir espicaçando, embora a outra se sinta é agredida. Sem consciência dele, o problema torna-se insanável. Estas cobaias da felicidade, como tu talvez dissesses, tentam uma, outra vez, semanas, meses, anos e, inevitavelmente, perdem, ou aquele seu amor, ou, nos mais resistentes, o desperdício é a sua vida. Em inconsciência, preferiram culpar-se mutuamente ao invés de compreenderem e pactuarem em relação aos seus limites.

    — Atendendo às nossas diferenças, concluo assim que estás aqui em postura de cordeiro sacrificial por mim. Que romântico…

    — Não, isto aplica-se às pessoas com personalidades desfasadas, que somos quase todos. Nas mesmas geografias já divergiam os temperamentos. Passaram, cada vez mais, a divergir as infâncias, as estruturas familiares, as aprendizagens, os passatempos, os imaginários…. Hoje duas almas aparentadas já é altamente improvável, quanto mais gémeas. É fundamental termos consciência disto.

    — Teorias!

    — Sim, mas são para construir uma vida real, de pessoas viáveis. Calo-me?

    — Não!

    — Podemos construir utopias maravilhosas com o conhecimento disponível. Claro que não me refiro à técnica, mas sim às relações humanas.

    — Bem melhores, certamente que sim.

    — Ou até mesmo com o que as suposições erradas, como tu avalias as minhas, nos permitem imaginar… E, já agora, porque têm de ser as suposições erradas do passado, aquelas que nos dão a maioria dos valores atuais, melhores do que as de hoje? Porque nem isso renovamos?

    — Ninguém quer sair dos atavismos negativistas que nos mantiveram vivos, sim, reconheço, mas nos fizeram cada vez mais destrutivos…

    — Uau, uau!

    — Supus que fosse o complemento que esperavas de mim.

    — Desarmas-me o pio.

    Correção: passarinho quebra-nozes, tu, cascuda bruta noz, eu. Elevas-me e deixas-me cair de bem alto. Aviso-te do que já sabes, bióloga: há cada vez mais aves a aprender essa estratégia. Fizeste bem usá-la agora porque em breve será coisa banalíssima.

    — Ah! Ah! Ah! Tem presente que os gananciosos e os manipuladores são naturalmente os primeiros a aproveitar os novos conhecimentos sobre o ser humano.

    — Que pessimismo. Achas mesmo?

    — O que esperavas? Ainda não vives no mundo real?

    — Tão só no mundo dos apóstolos, esperava que os profetas se antecipassem a esses tais que mencionas... Mas essa parelha parece-me um par de espelhos para quando nos queremos ver de todos os ângulos estreitadores.

    — Muito bem, desarmas-me com esses reflexos.

    — Uau!… Excelente duplo sentido. Estes mananciais de possibilidades com me brindas…

    — Vamo-nos brindando…

    — Não o menosprezes. Felizmente, o conhecimento de nós é já metade do antídoto para tudo isto que nos separa…unindo-nos.

    — A outra metade é então a nossa boa vontade. A honestidade obriga-nos a uma tal autodisciplina que um dia conseguiremos uma vida plena.

    — Sim. É a única via comprovada.

    — Deverei ficar automaticamente descansada?

    — Eu aprendo a aceitar o mundo, tu ensinas a contestá-lo. Talvez sejamos um par necessário. São estas as metades de que gosto.

    Tolera-me estas conversas…

    — Sei que hei de ser premiada.

    — Hum… Belo voto de confiança.

    Sabemos que não aceitarias viver em desvios. São caminhos secundários que desembocam em becos demasiado estreitos.

    — E nenhum de nós quereria deixar o outro para trás.

    — Sim, essa é uma aspiração por que vale a pena viver.

    — Se abrandássemos o tempo não teríamos sequer a nefasta oportunidade de trilhar por esses becos.

    — Ficando quedamente estarrecidos em onirismo:

    Houvera moral, entre a preguiça e a utilidade, para nos rebolarmos sob qualquer copa arbórea, semiconscienciosamente, embaixo de ramos oxigenadores, inspiradores, mirando as didáticas harmonias coletivas dos carreiros de formigas na higiénica deglutição dos cadáveres redundantes, valorizando voos de estimáveis joaninhas e de miscelâneas de pequenos voadores em benignos circuitos de polinização, encantando-nos com os cantantes, caminhantes e pululantes operários de tantas proveitosas profissões / lentas procissões / progressivas revoluções.

    — Regalados, tu e eu, nessa vida de olheiros, observadores de migrações e translações assim, em sincrética despreocupação das simbioses — dada a nulidade da soma dos parasitismos —, dos destinos, ou não, esperando corolários da perfeição das coisas que giram em sintonia perfeita, ou suficiente, para que os lugares não fiquem uns demasiado ocupados e outros vazios, uns visíveis e outros não, mas sim descentralizados, todos com cheiros, sons, vibrações, campos eletromagnéticos, luz polarizada, e os extrassentires tão abundantes de ti, Terra, e, finalmente, humanos satisfeitos por se dispensarem da sua frenética ação.

    — Pois, suprimir-se-iam horas de trabalho, rasgar-se-iam páginas de eficientes algoritmos, atrasar-se-iam os transportes, refundar-se-iam dias solares — que se encheriam de nada ou de outras vacuidades.

    — Por fim, descorar-se-ia tenuemente tua atmosfera — e mares se preciso —, com esse azul sobejante, pintar-se-iam os cabelos dos homens.

    — Esses bichos cabeçudos seriam os capacetes da paz no mundo!

    — Revertemos o progresso, desordenámos a ordem mundial. Não nos arrependeremos?

    — Não. Parece-me razoável, por todos os seres para quem assim conquistámos lugar.

    — Fomos épicos, então.

    — Épica é esta imensidão da escassez de ti a fustigar-me como um céu sem astros caído, gélido e de uma vez só, sobre um bando de migratórias aves à procura de princesas a quem entregar a sua monogamia, como eu para tu, quando desarrefecermos das estéreis altitudes.

    — Como é que não chamaste céu desastrado ao céu sem astros? Preciso confirmar que estás no teu estado normal.

    — Inspiras-me demais!

    — Não te quero na Lua...

    — Sem chegar à Lua mas tendo-lhe a silhueta tocada pelas pontas dos cabelos…

    Primeiramente, tentarei um baloiço, num ramo a vinte metros, de que me soltarei para um vazio que assim o será — sem chão nem moitas — até cair nos teus braços. De seguida, catapultar-me-ei de um ácer tenso, dobrado em poderosa balista, direcionado para aterrar a teus pés. Expedir-me-ei para a tua morada em embalagens de cartão e dentro de caixas de piano. Em insucessos repetidos, quedando-me morto e deitado, engolirei um pinhão de araucária até, crescendo o tempo necessário, duma agulha da copa te vislumbrar. Por isso, entre hoje e cem anos, estarei perto de ti!

    — Balista outra vez? Pelo menos em ti as horríveis máquinas de guerra são quase ecologicamente recicladas.

    — Que contraditório consigo, agora eu, ser!... Perto de ti sinto que não tenho limites e tudo me parece perfeito. Dás-me ganas de impulsões.

    — Até foste razoável, mas prefiro um pinhão mais banal. Tolera-me este capricho.

    — Certo, certo. Cada qual com o seu tipo de pinhal.

    Esta obloide pinhinha, de sementes, despeja-se entre a ervinha.

    Entrementes… cada vez mais se adivinha, pendentes, os assuntos que ela encerra.

    Será a flor em que um gnomo ferra — sem dor — a magia que elevará da Terra o nosso amor!

    Obloide pinhinha… que desconchavo. Não falando da passagem pinha/flor que encerra um número quase indeterminável de erros técnicos. Por exemplo, as ervas dificilmente deixam o pinhão chegar ao solo.

    — Assoma-me à mente dizer que o erro é um ponto de passagem, nem de partida nem de chegada. Porém, assoma-me ainda mais que o melhor é salvares-me rapidamente deste embaraço, por favor.

    Entrementes, aos lagos despejarei metade, e a essas novas margens caliçarei de branco. Em cada centro desenharei uma redonda grutinha escura, submersa em mistérios e revelações.

    — É! As tuas íris…

    — Nunca deixei, nunca deixarei de as reconhecer nessas coloridas águas profícuas,

    fecundadoras da minha imaginação.

    — E, assim, em ti, olharei a beleza nos olhos!

    — Hum! Estás disposto a usar a palavra beleza por mim...

    — Digamos que estava guardada para ti. Procuro acreditar que talvez uma vida seja o necessário, o adequado, para compreender algo de essencial. E que esse particular essencial nos preencha de modo tão satisfatório que não necessite de mais vida que essa.

    — Perigosamente mais do que metafísico...

    — Certo, concordo, acrescentarei. Neste caso, reduzirei a abrangência do meu dito, ponderando que o problema poderá ocorrer quando o encontramos demasiado cedo para nos apercebermos que já o encontrámos. Só temos de recomeçar a nossa existência comum!

    — Realmente, não é preciso nada mais que isso. É matematicamente muito simples.

    — Não deveríamos desperdiçar a oportunidade de acertar num exercício tão fácil.

    — Por outro lado, não nos andam sempre a dizer que o erro é o melhor ponto de partida?

    — Olha, vamos acabar isto com uma confissão e pronto. Gostas mesmo, mesmo, de cozinhar?

    — Ah! Ah! E perder o meu véu de mistério?

    — Cobre-me para sempre o destino com o teu véu de mistério.

    — Nem penses que é só assim!...

    — Nem que vá para muito longe à procura dele, volteando mundos para o merecer…

    Apenas vaguearia, qual imprudente astronauta, para legitimamente estacionar naqueles planetas longe deste, encostado a falsos e fátuos sóis, onde não aconteçam coisas que queimem e consumam o dia a dia em dispersões sequenciadas, angústias da sobre despersonalização. Ou orbitaria noutra coisa singelamente sideral, em que a gravidade produza um maior impacto com o sentido da vida, com aterragens de maravilhamentos desobrigados de mundanos hedonismos e a atmosfera não necessite de palavras seguintes a crescer maiores que as anteriores.

    — Será que isso faz sentido?

    — Não sei, mas está-me tão perto de fazer… Não sendo nem imprudente, nem astronauta, isto não seria apenas tudo o que eu conseguiria descrever-te porque, não precisando de me preocupar com mais nada, não pensaria senão em ti porque, sem o saber, aterrar-te-ia pertinho. Seria como se terminasse uma viagem em tua busca e logo esgalhasse um plano para a próxima, contigo.

    — Arriscas um verbo perigoso, esgalha então…

    — Com uma bomba para me insuflar,

    engulo ar elevando-me do assento.

    Logo que me encontre a pairar,

    pedirei boleia ao primeiro vento.

    Demandarei até à termosfera,

    buscar-te-ei torneando a Lua,

    possuído que nem uma fera,

    farejando qualquer coisa tua.

    Eu sei, só bem alto te encontrarei:

    mesmo no centro da constelação.

    Aí, humildemente, eu te pedirei

    um cubículo no teu coração!

    Se me abrigares numa aurícula,

    terei encontrado doce guarida.

    Então, meu sonho será película

    aderente… a ti, minha querida!

    Película aderente, irra! Mentira, confesso que apreciei! Porque arriscas tanto dar assim um contraste aos teus poemas?

    — É o castigo por me envergonharem, quando estão a tornar-se demasiado peganhentos ou rebuscados. Mas, fica descansada porque, tal como as pessoas, eles receiam ser considerados demasiado extravagantes. Por isso, isto é um acordo mútuo.

    — Tu queres é fazer a asneira e seres logo desculpado.

    E mereces… Amparaste-me sobre os teus antebraços como se me deitasse numa praia soalheira, onde cada poro é um grão que eu quero indefinidamente colado a mim e se recusa o cair da noite por as estrelas rigorosamente nada importarem. Apenas a calidez no teu olhar! Assombrou-me um dia esse vislumbre que então me deste, assomando-me tão desusada como benignamente.

    — Como poderia esquecer o quanto me endeusaste ao perfilares-me no teu olhar?!...

    O quanto me emudeceste de espanto com a tua generosa atenção?!...

    Quando a tua etérea mão aceitou a minha, em dejá vu, digo, em já vistos, de sonhos inalcançáveis, abriram-se impossíveis, imateriais, portões de madeira mística para um lugar indescritivelmente aconchegante: e assim se cunhou uma vida faustosa para um estupefacto mim. Irreversivelmente!

    Esta era a mensagem de há bocadinho, enquanto me sentia são. Agora penso que fiz bem em guardá-la escrita antes de enlouquecer por obstinação, com toda a gente a olhar para mim manifestando o mesmo ar ambíguo e eu a saber que é uma injusta incompreensão, vitalícia porque nunca sairá das cabeças à minha volta.

    — Também te quero! Contigo estou a descobrir algo novo. Realmente a vida é uma aprendizagem sem fim. Proponho que me escrevas uma ode terminando em arrasarei a distância semântica entre nós.

    — Que maravilha de especificação, parodiadora de mim.

    Gosto da sensatez certeira com que olhas para as coisas do mundo, dessa lógica insofismável.

    — Obrigada.

    — Imagino os disparates a que poderíamos chegar se fosses um bocadinho menos convencional, cientificamente…

    Desobrigada!

    — Propiciando-me clímax que receei derradeiros, jorraram erupções puras, telúricas, desataviadas mas incompreensíveis, não sei de onde de ti, cada um em êxtase deste incrédulo mim, assim assarapantado por revelações proibitivamente fantasiosas, intangíveis, contudo, neste rosto, logo depois de esmagado por deslumbrante evento sideral! Como amo arrasadoramente. Ti por destruiria mundo o e Lua a abateria.

    Desculpa ter sido mais arrasador do que a encomenda, mas já estou castigado, pois acabei por me magoar. Entalei-me enquanto pensava em ti. Foi a mais brilhante estrela que já vi! Tão grande que até chegou ao dedo do lado, teria de ser cadente para saltar para outro dedo?

    — O mundo também serve para a encomenda e tu já estás castigado. Deste modo, não faz mesmo mal nenhum.

    — Mais um castigo. Choquei contra um espelho e, azarado, parti-me: perguntava-lhe se te mereceria e a resposta bateu-me com toda a força da verdade. Descaroçou-me completamente. Foi um não tão rotundo que ainda não parei de ir direito ao...?

    Perdi-me. Contudo, contigo, espero nunca te perder!

    — Como bióloga, sabendo que o caroço é mesmo importante, compreendo a violência de te sentires descaroçado. É indecente a carga pejorativa que uma semente passou a ter. Malvado espelho amotinado.

    — Não imaginas o que sofro com os espelhos.

    — Não te imaginava tão vaidoso.

    — Vou esclarecer-te.

    Descrente do sorriso enlevado patente naquele inverosímil espelho, desconfiei também das formas dos cirros quando fitei o alto céu.

    Reneguei as impossíveis cores da maior gota matinal de orvalho.

    Refletido num lago fecundo, suspeitei das minhas feições assombradas e boquiabertas;

    uma tranquila margem ribeirinha devolvia-me imagens improváveis de um olhar fascinado;

    num glaciar vitricamente congelado definia-se uma silhueta sumamente satisfeita.

    Diz-me, aquela ubíqua cara de felicidade não pode não ser a minha, pois não?!

    E todos estes rudemente honestos espelhos admiram-se como consigo manter-me calmo e ponderado, estranhando como podes achar-me excessivo.

    — Tens muita paciência comigo.

    — É completamente ao contrário. Não tenho grandes méritos de paciência para contigo. Tu tens muito mais na tua indulgência para comigo. A tua capacidade de lidar com a minha extravagância mental é notável. Tu és uma pessoa natural e quotidianamente desejável.

    — Convencionalmente, talvez quisesses dizer. Venho do paradigma dominante e tu de um país élfico que a comunidade internacional não quer reconhecer.

    — Preguiçosamente, retribuo-te o elogio apenas invertendo as nossas origens.

    — Decididamente, eu não retribuo da mesma forma a generosidade com que me vês.

    — Será verdade? Vindo de ti só poderá ser. Digamos que a dedicação é uma necessidade minha, não propriamente um negócio equitativo. És-me completamente especial e especial, fundamental a duzentos por cento, portanto! E, também, muito tolerante por admitires um admirador como eu. Estou até convencido de que a estrela nos meus dedos eras tu. Terás desdobramentos de personalidade?! Sereia que navega nas minhas lágrimas da escassez, estrela na minha dorida mão ou mulher dos meus uivados sonhos, em que ficamos?

    — Apaixonada mulher com a estrelinha de a ti parecer sereia, uma verdadeira campeã do mundo.

    — És fofinha, mas eu sou tão, mas tão, apaixonado por ti que até o meu parco estrogénio faz-me ganhar-te: eu sou o mulher mais apaixonado do mundo!

    — Não era suposto seres mais modesto, lá no teu epigenótipo, melhor parceiro de dois mundos, de duas utopias?

    — Sim, mas inverteu-se tudo com as maravilhas da autoeducação. Era muito pouco confiante, entretanto depois de conquistar vamps repensei, perplexamente diga-se, os meus méritos e passei a acreditar que a compreensão e o sentido que eu dou a uma namorada fazem de mim um parceiro indescartável.

    — Ah! Ah! Ah! De um golpe tentas o ciúme e a autovalorização? És espertalhão a esse ponto?

    — Talvez seja isso, ou então estou é desesperado e recorro a todas as armas.

    — E a animalidade, a herança atávica?

    — Boa pergunta. Também percebi que não vale a pena não ter autoconfiança e então foi só criar umas autoilusões algo irrealistas sobre mim próprio.

    — Que incoerência....

    — Nunca disse que os instintos são inultrapassáveis. Só disse que se gasta muita energia a contrariá-los. Tu dás-ma, a melhor, a energia lunar, eu sou dos que mais se transformam, o que tem tanto de bom como de desvantagens.

    — Pobrezinho! Já recuaste no tempo e voltaste ao ponto de partida, a modéstia.

    — E ainda tens mais bónus: deixo-te seres diferente de mim. Deixo-te ser a pessoa que és e a que quiseres ser.

    — Ah! Ah! Ah! Ah! Suma generosidade, mas não será ainda maior a pretensão?

    — Não te rias. Há muita gente em despercebido sofrimento por falta de poder ser ela própria.

    — Há pouco não te quis estragar o momento, mas é sabido que com a convivência as pessoas compatibilizam-se, se é a isso que te referes.

    — Compatibilizam-se mas à custa de quanta pressão do outro? Não há dolos, mas imagina compatibilizares-te com alguém para gostares daquela comida, daquele desporto, daqueles amigos que tem, das férias naqueles locais…

    — Já percebi! E tu pressionas-me menos por causa do teu epigenótipo ou é um mérito específico teu?

    — Não sendo eu de robusto ego forte, de personalidade ferreamente firme, a minha identidade não se irá ressentir se tu fores diagonal ao meu mundo. Sou das pessoas que a constroem com alguma racionalidade. Daquelas que podem deixar o clubismo, suavizar o machismo e o patriotismo... eventualmente até descer de cavalo para burro sem grandes traumas. Resposta objetiva: responsabilidade do epigenótipo. Providência cautelar: alguém tem de suportar o peso de levantar as hipóteses espalhadas por este planeta complexo.

    — Embora provisoriamente, acabaste de salvar a teoria dos epi…coisos.

    — Seja como for o presente e o passado, estaria melhor se não fosse o medo de que amanhã me digas afinal o amanhã já não existir.

    — Estás preocupado com o quê?

    — Agora que falei nisso, consciencializei-me que a falta de estrogénio, pode-me deprimir a ponto de me assustar com qualquer lampejo da escassez de ti.

    — Ah! Ah! Ah! Muito transtabus!

    — Ris-te mas tu és…

    Lamentavelmente, alvo móvel em minha flecha desalinhada!

    Igualmente, fraga inalcançada de mim, ave peã!

    Irremediavelmente, baliza colateral desta rota entrelaçada!

    Inexoravelmente, palavra dis e deslexicada por semântica meã!

    E eu não serei, assustadoramente nada, se não te acertar com esta loucura que tenho para ti!

    — Naquela noite, na escuridão ansiosa da dúvida, iluminaste-me com lábios de que nunca esquecerei o sabor e fizeste-me sentir o beijo do teu olhar benevolente.

    Ambos me mostraram a impossibilidade de viver sem ti.

    Por isso, terei de tremer novamente o medo do desvanecimento do teu amor, esta noite.

    — Meus lábios, gulosamente crescentes nas tuas costas, a Lua, minguante no céu levemente desescurecido. Eternos pares!

    Também vi dois bichinhos como tu, Amorita: não eram uma cobrinha e uma perdigota, não senhora; eram uma coelha e uma mochinha, sim senhora!

    Senhora do sim, do monstro de ti!

    — Mostrengo! És-me muito importante. Nunca te darei variantes à dedicação a mim.

    — Fascinante encantadora de mostrengos dedicados e enclausurados em lugares-comuns como o de as tuas palavras serem partituras para os meus olhos. Garanto-te que não me vou importar nada se num amanhã me incluíres nos teus planos…

    — Desequilibras-me do meu mundo de uma forma que ainda não abrangi.

    — Receio que um dia consiga demonstrar-te cabalmente o quanto te quero: irás sucumbir de espanto e entraremos em intermináveis ciclos de reanimação. Por isso, talvez seja melhor nunca me atenderes até ao fim do que te digo…

    — E perder tanto talvez? Também te agradeço por teres libertado partes recalcadas de mim. E também me ensinaste, verdadeiramente, o valor do também.

    — Esse valor aditivo foste tu que mo incutiste. Libertei a tua rimania?

    — Sim. O reverso é que também libertaste a refilice e a inaceitação da banalidade da vida.

    — Não me venhas dizer que contribuí para as tuas insatisfações. É honroso, mas demasiado terrível.

    — Está feito!

    — Estou feito... Isso parece um agoiro com que terei de viver.

    — Dizes que não és supersticioso…

    — Será não era ?... Prolongas-me permanentemente. Até te digo mais: próteses, esticões, enxertos, transplantes, alongamentos. Tudo servirá para que eu te envolva em mais de um abraço!

    Br6i3lho, mag4nifi6ciência são palavras tão pequeninas para ti que têm de ser escritas em cirílico.

    — Por brilhos… deverias preocupar-te também com a ansiedade do meu anelar esquerdo pela aliança que nunca mais lhe chega... por ti ele esperará algumas eternidades, depois mirrará deixando cair tudo o que é joia mundana, levando a um grande desperdício de recursos.

    — Não paro de pensar em ti. Imaginei-te aqui, a rirmos lado a lado, e pensei em quantas símias terão macaquinhos tão empolgantes como tu?

    Todavia, hesito. Será boa altura para contrariar atavismos?

    — É péssima, vai por mim!

    Preenches os meus sentimentos de uma forma completamente irrepetível. Em cada macacada ponho o egoísmo de te amar de uma maneira que não me podes escapar.

    — Bichinho terrífico.

    — Podes crer. E agora mesmo atiro-te com quatro arrasadoras tolices.

    Todos os dias, uma minha mão deambularia entre os teus pelos.

    Em noites frias, um meu pulmão

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