Estudos filológicos em estados brasileiros
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Estudos filológicos em estados brasileiros - Tradição Planalto
Carolina Akie Ochiai Seixas Lima
Josenilce Rodrigues de Oliveira Barreto
(Organizadoras)
Estudos Filológicos em Estados Brasileiros
1ª EDIÇÃO
BELO HORIZONTE
2021
Elaborado por: Maurício Amormino Júnior — CRB6/2422
Informação bibliográfica deste livro, conforme a NBR 6023:2002 da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)
Esta obra contou com financiamento da CAPES.
Copyright © 2021
Todos os direitos reservados. Este livro ou parte dele não pode ser
reproduzido por qualquer meio sem autorização escrita da Editora
Editor Executivo
Ricardo S. Gonçalves
Editores Coleção Polifonia
Maria Elisa Rodrigues Moreira
Juan Ferreira Fiorini
Revisão
Corina Maria Rodrigues Moreira
Conselho Editorial
Dr. Alberto Giordano (CONICET/UNR)
Dr.a Ana Carolina Vilela-Ardenghi (UFMT)
Dr. André Tessaro Pelinser (UFRN)
Dr.a Cláudia França (UFES)
Dr.a Letícia Fernandes Malloy Diniz (UFRN)
Dr.a Maria Alzira Leite (UniRitter)
Dr.a Maria Elisa Rodrigues Moreira (UPM/UFMT)
Dr.a Rosângela Fachel de Medeiros (UFPel)
Produção
Tradição Planalto Editora
www.tradicaoplanalto.com.br
Sumário
Apresentação
Carolina Akie Ochiai Seixas Lima
Josenilce Rodrigues de Oliveira Barreto
A importância do uso de documentos manuscritos históricos nos estudos de História e Filologia
Maria Helena Ochi Flexor
Documentos do Centro de Documentação e Pesquisa da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS): edição semidiplomática
Rita de Cássia Ribeiro de Queiroz
Estudo filológico de um livro manuscrito oitocentista do Oeste da Bahia
Josenilce Rodrigues de Oliveira Barreto
Estudo filológico do topônimo Cuiabá
Ivanete Maria de Jesus
Áurea Cavalcante Santana
O estado da arte dos estudos filológicos em Mato Grosso: um estudo através de dissertações e teses
Camila Viais Leite
Carolina Akie Ochiai Seixas Lima
Considerações sobre o estudo filológico de fontes documentais históricas sobre a Bahia do século XVIII
Eliana Correia Brandão Gonçalves
Sobre as autoras
Apresentação
Não se pode deixar de conhecer também como se processava a transferência daquela língua, que era falada, para a matéria escrita, cuja documentação será a base empírica para observar o que seria a língua em uso.
Rosa Virgínia Mattos e Silva,
O Português Arcaico: fonologia
Muitas têm sido as pesquisas filológicas desenvolvidas nos mais variados Estados e universidades brasileiras ao longo dos últimos anos. Com o objetivo de reunir e dar visibilidade aos trabalhos científicos produzidos sob a perspectiva da Filologia Textual e com as mais variadas fontes documentais, produzidas em território brasileiro nos mais variados momentos da nossa história, organizamos este volume que ora se apresenta. Acreditamos, assim, oferecer aos estudantes de graduação, de pós-graduação e aos pesquisadores da área da Filologia uma amostra da diversidade dos estudos filológicos recentemente desenvolvidos no âmbito dos grupos de pesquisa das universidades brasileiras.
No primeiro capítulo, intitulado A importância do uso de documentos manuscritos históricos nos estudos de História e Filologia
, Maria Helena Ochi Flexor trata da importância dos manuscritos e do cuidado que o pesquisador deve ter ao se debruçar em textos antigos, pois os exemplos de leitura errada de manuscritos já mostram que erros podem ser cometidos na área da Filologia Histórica ou das Letras em geral.
A autora afirma que não se escreve a história ou sobre filologia histórica brasileiras sem recorrer à documentação manuscrita antiga, existente em vários arquivos, nos territórios nacional e europeu, que guardam tanto a memória da história quanto dados sobre a escrita da língua portuguesa, falada e registrada, especialmente no Brasil e/ou Portugal e suas antigas conquistas.
No segundo capítulo, Rita de Cássia Ribeiro de Queiroz apresenta o texto Documentos do Centro de Documentação e Pesquisa da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS): edição semidiplomática
, em que discute o trabalho filológico de edição de textos, buscando atender aos princípios que norteiam a prática filológica. A autora empreendeu um trabalho, na Bahia, com a edição de documentos manuscritos do Centro de Documentação e Pesquisa (CEDOC), órgão da Universidade Estadual de Feira de Santana, no qual há diversos processos das esferas cível e criminal dos séculos XIX e XX. No capítulo aqui apresentado, a autora tomou como corpus um processo sobre defloramento e um sobre curandeirismo, documentos manuscritos da primeira década do século XX. Com esta documentação, fez a descrição e a transcrição, observando os aspectos intrínsecos e extrínsecos do material.
No terceiro capítulo, intitulado Estudo filológico de um livro manuscrito oitocentista do Oeste da Bahia
, Josenilce Rodrigues de Oliveira Barreto comenta a atividade de editar textos, iniciada na Antiguidade, época em que os primeiros filólogos alexandrinos se reuniam na Biblioteca de Alexandria para fixar, interpretar e comentar os textos de diversos autores. Tal prática se estendeu até os dias atuais, com a ampliação do campo de atuação da Filologia, que abarcou, além dos textos literários, os não literários, dentre os quais estão documentos paroquiais, exemplificados, neste artigo, a partir de um livro de óbitos oitocentista, produzido por vigários na Freguesia de Santa Rita do Rio Preto, localizada na região Oeste da Bahia. Do corpus é apresentada, neste trabalho, a sua breve descrição, seguida de uma amostra da sua edição semidiplomática e de informações extraídas do referido manuscrito, as quais contribuem para o conhecimento da História Cultural do povo que o produziu e para o preenchimento das lacunas sobre os habitantes que viveram e/ou transitaram por aquela freguesia, nos anos de 1857 a 1875.
Áurea Cavalcante Santana e Ivanete Maria de Jesus apresentam no quarto capítulo, intitulado Estudo filológico do topônimo Cuiabá
, um estudo filológico do topônimo cuiabá
, seguindo os princípios da Filologia e da Toponímia. No que tange aos campos linguístico e toponímico, apresentam-se algumas hipóteses da origem do nome da cidade de Cuiabá, capital de Mato Grosso, e, também, do rio que a circunda, o Rio Cuiabá. Na sequência, são destacados alguns recortes de manuscritos pertencentes ao Arquivo Público de Mato Grosso que retratam as variações que o topônimo sofreu aos longos dos anos: Villa do Cuyaba, Villa Real do Senhor Bom Jesus do Cuyaba, Villa Real do Senhor Bom Jesus das Minas do Cuyaba e Cuyabá, que são apresentados por meio da edição fac-similar e semidiplomática.
No quinto capítulo, cujo título é O estado da arte dos estudos filológicos em Mato Grosso: um estudo através de dissertações e teses
, Carolina Akie Ochiai Seixas Lima e Camila Viais Leite apresentam considerações sobre a relevância de se estudar manuscritos na atualidade. De acordo com o texto apresentado pelas autoras, para a Filologia, em seu trabalho de recuperação, transcrição e análise, bem como na contribuição para a história do português brasileiro, os manuscritos são importantes. Para sua argumentação, foram apresentados alguns exemplos de pesquisas cujos corpora são manuscritos referentes à História de Mato Grosso e, portanto, da língua portuguesa. As autoras demonstram, através de dissertações e teses, publicadas em Mato Grosso, que os manuscritos constituem uma memória viva não só da história, mas também do nosso principal mecanismo de comunicação, inseparável dos aspectos históricos e socioculturais: a língua.
Encerramos a obra com o sexto capítulo, de Eliana Correia Brandão Gonçalves, Considerações sobre o estudo filológico de fontes documentais históricas sobre a Bahia do século XVIII
. Nesse capítulo, a autora apresenta notícias da organização de edições de documentação histórica do Conselho Ultramarino, partindo do mapeamento das fontes documentais de diversas tipologias documentais. A documentação histórica do século XVIII utilizada para este trabalho está localizada em acervos de instituições arquivísticas, nacionais e estrangeiras, tais como a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e o Arquivo Histórico Ultramarino de Lisboa, que apresentam, de forma recorrente, narrativas que testemunham as relações de poder sobre o corpo como força de produção.
Construímos, assim, uma obra com trabalhos desenvolvidos por pesquisadoras brasileiras que têm em comum as pesquisas filológicas e históricas através do estudo de fontes manuscritas. Esperamos que os trabalhos aqui apresentados sirvam para instigar novas pesquisas.
Desejamos que tenham uma ótima leitura!
Carolina Akie Ochiai Seixas Lima
Josenilce Rodrigues de Oliveira Barreto
A importância do uso de documentos manuscritos históricos nos estudos de História e Filologia
Maria Helena Ochi Flexor
Não se escreve a história ou sobre filologia histórica brasileiras sem recorrer à documentação manuscrita antiga, existente em vários arquivos, nos territórios nacional e europeu,¹ que guardam tanto a memória da história quanto dados sobre a escrita da língua portuguesa, falada e registrada, especialmente no Brasil e/ou Portugal e em suas antigas conquistas.
É sabido que historiadores e filólogos, especialmente os neófitos, ou os amantes de papéis históricos antigos, se deparam com várias dificuldades ao tentar decifrar documentos manuscritos de arquivos. Essas dificuldades vão desde o estado e qualidade do papel e da tinta à caligrafia, à grafia² e às abreviaturas, que impedem uma leitura ou transcrição perfeitas (MENDES, 1952).³ O vocabulário também pode ser um empecilho para a compreensão dos conteúdos dos manuscritos, devido ao desconhecimento de termos que já caíram em desuso. É preciso, além disso, considerar que a grafia de muitos vocábulos sofreu modificações, devido aos critérios ou estilos empregados em cada época pretérita que os tornaram, muitas vezes, incompreensíveis.⁴
Embora se queira tratar em especial da grafia, é inevitável dar notícias da ortografia (do grego orto=certo(a) e grafos=escrita). A ortografia latina seguiu critérios com dominância etimológica, em princípio, seguida pela analogia, pronúncia e uso. Foi, entretanto, o estilo fonético — segundo o qual se escrevia de acordo com a pronúncia que se ouvia — que, na prática, atingiu o Brasil até o século XVIII e mesmo o XIX, misturando-se com o estilo pseudoetimológico, quando os ideais neoclássicos buscaram restaurar o estilo greco-latino, introduzindo letras dobradas e dígrafos helenizantes (rh, th, ph, ch), mudando depois, na primeira metade do século passado, para o estilo simplificado, baseado em Gonçalves Viana,⁵ estabelecendo padrões que ainda hoje são obedecidos (ARAÚJO, 1985) quando se usa o português culto.
A língua portuguesa, sem dúvida, foi trazida pelos primeiros povoadores europeus chegados ao Brasil. Isso não significa que, desde as primeiras décadas do século XVI, essa língua tenha se imposto oficialmente. Nessa ocasião, a língua falada foi a primeira forma de comunicação, de leigos e/ou religiosos, com os indígenas. Esse contato resultou em diversos falares da família tupi — como os dos tupinambás, tupiniquins, tamoios, caetés, entre outras etnias — ou guarani, e o português, língua dos lusos.⁶ A mistura dos diversos falares, dos grupos indígenas e portugueses, deu origem, no transcorrer dos séculos XVI à parte do XVIII, à língua que os jesuítas denominaram de língua geral ou nheengatu⁷.
Os vocábulos da língua geral, levantados por Cândida Barros até 2010, mostram que os registros escritos, feitos pelos religiosos — construídos ao longo do tempo —, não são idênticos, devido à pronúncia ou mesmo aos sotaques dos vocábulos das tribos tupi ou dos portugueses, em consequência do uso do estilo fonético no seu registro. Há diversos relatos segundo os quais as mulheres portuguesas de São Paulo, por exemplo, por força do contato diário e contínuo com seus vizinhos ou servidores indígenas, e pela constante ausência dos homens brancos — que entravam para o sertão —, acabaram trocando o português pela língua dos nativos, segundo informações de Holanda (1956, p. 176). Exemplos de adaptações são frequentes nos Registros Gerais da Câmara de São Paulo, que contêm a mistura de português com vocábulos indígenas. Existia, no atual bairro de Santana, zona Norte, um povoamento que, na ausência dos homens, era comandado por uma mulher — que devia ser grande e obesa, porque era chamada de Merciassu ou Mércia grande. Outro exemplo se referia a um governador, que usava continuamente uma casaca e era conhecido por Casacossu, que significava casaca grande (comprida).⁸
Originalmente povoado por indígenas — que não tinham códigos de registro de fatos, a não ser a memória e as tradições —, e por anos recebendo a influência dos povos africanos, escravizados, igualmente iletrados, o português falado e escrito na América — ao contrário da grande maioria dos antigos territórios conquistados pelos portugueses —, o português brasileiro, absorveu vocábulos tanto de diferentes etnias indígenas quanto de várias etnias africanas, que influenciaram no vocabulário, nos topônimos, na pronúncia de palavras, nos sotaques.
Segundo alguns autores, índios e africanos formavam os grupos aloglotas.⁹ A aprendizagem da língua portuguesa se deu paulatinamente e de formas diversas. Não só as tribos indígenas tinham falares diferentes, como também os africanos que, propositadamente, não eram admitidos todos de uma só etnia numa mesma propriedade ou residência.¹⁰ Havia como intermediários, entre índios e portugueses,