Pesquisas linguísticas em Portugal e no Brasil
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Sobre este e-book
Evanildo Bechara (Rio de Janeiro), Jorge Morais Barbosa (Coimbra), Maria Helena Mira Mateus (Lisboa) e Cristina Altman (São Paulo) apresentam, respectivamente, esboços dos princípios da Gramaticografia Brasileira, das investigaçoes linguísticas realizadas na Universidade de Coimbra a partir do começo deste século até aos nossos dias, dos estudos de Gramática Generativa em Portugal e da evolução dos estudos linguísticos propriamente ditos no Brasil. Maria do Socorro Silva de Aragão (João Pessoa) traz dados precisos e recentes sobre a situação da Geografia Linguística no Brasil. Hildo Honório do Couto (Brasília) apresenta um balanço dos Estudos Crioulos no Brasil. Francisco da Silva Borba (São Paulo) informa sobre um projecto lexicográfico em curso na Universidade Estadual Paulista, e Leonor Scliar-Cabral (Florianópolis) discute problemas actuais do processamento lexical. Os trabalhos de Morais Barbosa, Mira Mateus, Altman, Silva de Aragão e Honório do Couto são acompanhados de ampla bibliografia actualizada sobre a matéria em questão.
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Pesquisas linguísticas em Portugal e no Brasil - Iberoamericana Editorial Vervuert
Português
PREFÁCIO
Temos o grande prazer de apresentar ao público interessado em Linguística Portuguesa este primeiro volume dedicado à língua portuguesa da Série Lingüística Iberoamericana, patrocinada pelo Centro de Estudos Ibero-americanos da Universidade de Leipzig.
O nosso intuito ao conceber a ideia deste volume foi trazer a público informações mais pormenorizadas do que as normalmente disponíveis sobre o desenvolvimento da Linguística Portuguesa e das suas disciplinas nas diversas regiões do vasto mundo lusófono. A ideia foi acolhida com entusiasmo pelos colegas a que nos havíamos dirigido. Lamentavelmente, motivos alheios à sua vontade levaram alguns a, decorrido algum tempo, desistirem da empresa. Isto explica algumas lacunas tanto no que se refere à cobertura do espaço geográfico como a certos campos de trabalho linguístico. Quer-nos parecer, no entanto, que os trabalhos aqui reunidos dão uma boa panorâmica do que se tem vindo a fazer em Linguística Portuguesa, em Portugal e no Brasil.
O volume abre com uma contribuição do Prof. Evanildo Bechara, das Universidades Federal Fluminense e Estadual do Rio de Janeiro, que, partindo do aparecimento do método histórico-comparativo no séc. XIX, esboça o desenvolvimento dos estudos gramaticais em Portugal e no Brasil em fins do século XIX e inícios do século XX.
Segue-se o artigo do Prof. Jorge Morais Barbosa, da Universidade de Coimbra, que dá uma visão bem fundamentada, consolidada por extensa bibliografia, da evolução dos estudos de Linguística Portuguesa na Universidade de Coimbra desde 1911, ano da criação da Faculdade de Letras, até aos dias que correm.
A seguir, a Prof.a Maria Helena Mira Mateus, da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, esboça brevemente o desenvolvimento da Linguística Generativa na Universidade Portuguesa, nomeadamente em Lisboa.
A Prof.a Maria Cristina Altman, da Universidade de São Paulo, expõe o processo de institucionalização dos estudos linguísticos no Brasil, fornecendo valiosas informações sobre a tradição filológica, incluindo a dialectología, e o surgimento da Linguística e os seus primeiros representantes no Brasil, nomeadamente em São Paulo, Paraná, Brasília e Campinas. O trabalho é acompanhado por uma bibliografia cronológica e comentada de textos sobre a produção linguística brasileira de 1941 a 1994.
Os artigos que se seguem tratam do trabalho em disciplinas específicas da Linguística Portuguesa no Brasil.
Os estudos crioulísticos são o tema da contribuição do Prof. Hildo Honório do Couto, da Universidade de Brasília, que discute primeiro a questão da crioulização no Brasil, referindo-se também às línguas gerais de base indígena e africana, para depois esboçar o panorama da crioulística brasileira, desde os estudos de Serafim da Silva Neto até aos nossos dias.
O tema da variação linguística está presente com o trabalho da Prof.a Maria do Socorro Silva de Aragão, das Universidades Federais da Paraíba e do Ceará e Estadual da Paraíba, que esboça a história da Geografia Linguística no Brasil, desde as actividades e estudos pioneiros de Serafim da Silva Neto nos anos cinquenta até às pesquisas de campo ainda em curso, comentando brevemente os Atlas Linguísticos regionais já publicados, em vias de realização e projectados, e destacando a necessidade de se estabelecer uma metodologia uniforme, visando a futura criação de um Atlas Linguístico do Brasil.
Os últimos dois artigos são de carácter mais específico, discutindo problemas de dois campos de trabalho: a lexicografia e a psicolinguística.
O Prof. Francisco da Silva Borba, da Universidade Estadual Paulista e do Conselho Nacional de Pesquisa Tecnológica, apresenta um projecto lexicográfico em curso no Centro de Estudos Lexicográficos da UNESP: o Dicionário de usos do português contemporâneo do Brasil (DUP), discutindo problemas de método da Lexicografia e apresentando três verbetes referentes a nome, verbo e adjectivo, respectivamente.
A Prof.a Leonor Scliar-Cabral, da Universidade Federal de Santa Catarina e do Conselho Nacional de Pesquisa, contribui com um estudo sobre o processamento lexical, onde discute problemas de identificação de unidades (palavras) no continuum da cadeia falada (sândi, pausas, hesitações, variação sociolinguística), destacando modelos interactivos que pressupõem a existência de um léxico mental como os únicos a poderem explicar satisfatoriamente os processos em causa e familiarizando assim o leitor com uma linha de pesquisa em andamento na Universidade de Santa Catarina.
Agradecemos aos autores a benevolência com que acolheram a ideia deste volume e o empenho com que se lançaram à obra. Agradecimentos também à editora Vervuert pela gentileza da publicação e à Sra. D. Monika Gräfe pela preparação do layout do volume.
Eberhard Gärtner
Leipzig, Verão de 1996
Evanildo Bechara
Universidade Federal Fluminense
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
A TRADIÇÃO GRAMATICAL LUSO-BRASILEIRA
Está assente em trabalhos especializados que os estudos lingüísticos de feição científica só começaram nos inícios do século XIX, com a introdução do método comparativo, isto é, com a gramática comparada, que se ocupava com o estudo sistemático das estreitas relações entre línguas de uma mesma família histórica, sobretudo como gramática comparada das línguas indo-europeias, com particular atenção para as línguas clássicas, germânicas e românicas.
Na verdade, como lembra Coseriu¹, o método histórico-comparativo – e também o que em nossos dias se entende por lingüística moderna – não estão à margem da tradição nem deixam de entrecruzar-se com preocupações próprias de outros períodos, embora faltem os traços de ligação de uma tradição interrupta.
A ideologia positivista
na lingüística dessa época está assentada em quatro princípios, ora explicitamente indicados, ora só implícitos em todas as discliplinas específicas, cultivadas nessa época: o princípio do indivíduo ou atomismo
científico, o princípio da substância, o princípio do evolucionismo e o princípio do naturalismo.² O princípio do indivíduo privilegia cada fato de fala, cada som ou cada acepção de tal ou qual forma em vários textos; o princípio da substância se caracteriza por não se considerarem os fatos nas suas relações funcionais, mas, sim, pelo que são na fala, pela sua substância, e substância material, se se trata de aspectos materiais da linguagem; o princípio do evolucionismo se manifesta na predileção absoluta da História
em vez da descrição; finalmente o princípio do naturalismo se denuncia ao se considerarem as línguas como objectos ou organismos naturais dotados de evolução
própria.
Aponta-se, com inteira justiça, como introdutor do método histórico-comparativo em Portugal e, por extensão, no Brasil, Francisco Adolfo Coelho, com um pequeno mas revolucionário volume intitulado A língua portuguesa (Coimbra, 1868), de que apenas saiu a primeira parte, onde se aplicavam ao nosso idioma os princípios expostos por Frederico Diez na sua Gramática das línguas românicas, de 1836 a 1843.
Pondo de lado a importância com que os trabalhos de Adolfo Coelho iniciavam ou davam orientação científica a vários campos de investigação – como os estudos sobre línguas pré-romanas da Lusitânia e da Península, sobre crioulos, sobre etnografia e etimologia, sobre pedagogia, sobre folclore, sobre língua dos ciganos e ainda no campo da fisiopsicologia e da lingüística geral ou teórica, fixar-me-ei no domínio propriamente da gramática portuguesa para ressaltar seu maior empenho numa nova visão da fonética e morfologia históricas e, a partir daí, na consequente fundamentação da etimologia da língua portuguesa, dentro do constante modelo do genial Diez, esquecido por uns tempos, mas hoje reabilitado em pesquisas como as que levaram a efeito os competentes romanistas Harri Meier e Joseph M. Piel, nas suas discussões etimológicas.
Como Adolfo Coelho não chegou a escrever a gramática completa que tinha engenho e arte para fazer, embora nos deixasse muito material neste sentido, compêndios gramaticais escritos para outras línguas românicas, especialmente para o francês, com a mesma inspiração histórico-comparativa, vieram a preencher essa lacuna e a exercer extraordinária influência na elaboração de gramáticas destinadas às escolas secundárias e liceais em Portugal e no Brasil. Dentre estes compêndios estrangeiros, merecem referência especial os escritos por August Brachet – tradutor de Diez –, Ferdinand Brunot e Cyprien Ayer. Assim é que, em 1876, publicava Teófilo Braga a sua Gramática portuguesa elementar, fundada sobre o método histórico-comparativo, à imitação, segundo afirmativa do próprio autor, do que para o francês escreveu Brachet.
Os trabalhos de Adolfo Coelho foram fonte de inspiração, em 1881, para Júlio Ribeiro elaborar sua Gramática portuguesa, obra com que o brasileiro pretendeu romper com a tradição gramatical então vigente. Dedica a Gramática a Friedrich Diez, Emile Littré, Michel Bréal e Adolfo Coelho; curiosamente, Júlio Ribeiro não reverencia, na dedicatória, nenhuma de suas fontes de língua inglesa em que a obra, pelo conselho e até empréstimo do historiador e lingüista J. Capistrano de Abreu, também firmemente se baseia, segundo explicita no prefácio da 2. edição.
Dez anos mais tarde, em 1891, ao escrever as suas Noções elementares de gramática portuguesa, Adolfo Coelho refere-se nestes termos ao trabalho de Júlio Ribeiro:
Aproveitamo-nos para o nosso trabalho das publicações das gramáticas que têm tido por objectivo a língua portuguesa e das quais mencionaremos em particular os Srs. Epifânio Dias e Júlio Ribeiro, conquanto as doutrinas que eles adotaram nos fossem pela maior parte conhecidas há muito das fontes a que recorreram; é certo porém que esses dois autores averiguaram muitos factos da língua de modo mais completo que os seus predecessores e que o primeiro apresentou pela primeira vez entre nós modos de ver que se opunham à velha rotina em que se imobilizara o ensino gramatical e contribuiu sobretudo para a organizção da sintaxe (pág. VI).
O método histórico-comparativo, não só pela leitura das obras que se iam publicando em Portugal, mas também pelo contacto direto com os trabalhos dos autores estrangeiros representativos das nossas orientações, norteou a remodelação e plano de ensino de preparatórios, especialmente elaborado por Fausto Barreto. Catedrático do Colégio Pedro II., constitui-se esse professor no centro irradiador das modernas idéias e o programa que organizou para o ensino do idioma, serviu de fonte e estímulo ao aparecimento de gramáticas tão seriamente elaboradas, que ainda hoje são lidas com proveito.
Maximino Maciel, testemunha ocular desse movimento e autor de uma das melhores gramáticas para atender ao referido programa, assim se manifesta:
O que foi este programa, a influência que excerceu, o efeito que produziu pela orientação que paleava, desviando o álveo do curso das línguas, agitando questões a que se achavam alheios muitos docentes, é mister assergurarmo-lo: assinalou nova época na docência das línguas e, quanto à vernácula, a emancipava das retrógradas doutrinas dos autores portugueses que esposávamos (Gramática descritiva, pág. 444).
Desta atuação de Fausto Barreto saíram as gramáticas de João Ribeiro, Pacheco da Silva Júnior e Lameira de Andrade, de Alfredo Gomes, de Maximino Maciel. Deste grupo cabe destacar as figuras de João Ribeiro e de Pacheco da Silva Júnior: o primeiro, entre outros campos da erudição, cultivou a fraseologia e, nesse domínio, publicou as Frases Feitas, com duas edições. O segundo, então jovem talentoso do corpo docente do Colégio Pedro II, ledor da melhor bibliografia estrangeira, trabalhou a semântica contemporaneamente a Michel Bréal, tendo saído postumamente as Noções de semântica, em 1903.
Para atender à letra dos programas do ensino secundário oficial em Portugal, António Garcia Ribeiro de Vasconcelos, catedrático da Universidade de Coimbra e erudito em tantas áreas do saber, redigiu em 1897, publicada no ano seguinte, uma Gramática portuguesa destinada à terceira classe, reformulada um ano pouco depois, já endereçada aos alunos de todo liceu, elaborada nos moldes dos melhores estudos que se faziam em Portugal (Adolfo Coelho, Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Leite de Vasconcelos, Gonçalves Viana, entre outros) e no estrangeiro (Diez, Cornu, Meyer-Lübke), para colaborar no aperfeiçoamento do ensino gramatical nas escolas que, segundo seu parecer, ainda geralmente se faz pelos velhos processos, incoerentes, arbitrários, metafísicos, que longe de imprimirem conveniente orientação ao espírito do adolescente, lhe dão uma noção falsa da língua e da gramática, e apenas servem para fatigar sem proveito a memória com fixação de paradigmas e regras, cujo fundamento fica sendo uma incógnita para o aluno, como para toda a gente, e cuja exatidão é muitas vezes desmentida pelos fatos
(pág. 5 do Prólogo). A excelência de doutrina dessa Gramática portuguesa parece ter caído num imerecido esquecimento, tanto em Portugal quanto no Brasil, mas os que a leram com atenção, não deixaram de reputar-lhe o valor e considerá-la dos melhores compêndios gramaticais já elaborados para nossa língua. Martinz de Aguiar, catedrático de português no Ceará e dos que melhor conheceram o idioma entre os modernos professores brasileiros, tinha Ribeiro de Vasconcelos como nosso melhor gramático. Também Mattoso Câmara³ chamou a atençao para o fato de que, entre portugueses e brasileiros, foi ele o único que enfrentou uma descrição dos padrões da flexão verbal, e o resultado só não foi aproveitável porque, seguindo o estilo teórico da sua época, executou uma análise diacrônica, partindo dos constituintes em latim para depreender os seus aspectos na língua portuguesa atual
.
Escreveu ainda Ribeiro de Vasconcelos uma síntese preciosa de Gramática histórica, que continuava a revelar os dotes científicos e didáticos do erudito catedrático de Coimbra.
Neste movimento renovador desempenha papel de relevo a figura extraordinária D. Carolina Michaëlis de Vasconcelos, cuja atividade se dividiu principalmente entre Filologia e História da Literatura, tendo neste campo, com menor embasamento teórico para tais estudos, mas extremamente laboriosa, a companhia de Teófilo Braga. No Brasil, onde o acesso a textos antigos era difícil, não surgiu, por aquela época, nenhum investigador que estivesse à altura do que publicaram estes dois mestres, exceção feita ao labor do filólogo alemão radicado em São Paulo, Oskar Nobiling, que preparou uma importante edição crítica de As cantigas do trovador Joan Garcia de Guilhade, com que, se não estou enganado, concorreu à cátedra de Filologia Românica da Universidade de Bonn, juntamente com Wilhelm Meyer-Lübke. Temos a atividade de editor do Pe. Augusto Magne da Demanda do S. Graal, Boosco deleitoso, e a parte do Castelo perigoso e Vita Christi. Mais recente, ainda no campo da edição de textos, é justo lembrar entre brasileiros os trabalhos de Celso Cunha e Serafim da Silva Neto.
A fonética experimental foi uma disciplina que muito se desenvolveu nesta época, imbuída que estava esta disciplina do princípio do indivíduo ou do atomismo
científico, pelo qual se estabelecia que cada som efetivamente pronunciado é diferente de qualquer outro, de modo que não há duas vogais iguais, ainda no mesmo falante. Em Portugal, a fonética experimental encontrou em Gonçalves Viana seu iniciador; dono de um ouvido apuradíssimo, conseguiu elencar sons que só mais tarde, com a introdução de aparelhos sensíveis, puderam ser registrados.
Além deste dote excepcional, possuía um extenso conhecimento de línguas estrangeiras, entre modernas e antigas. Seus estudos podiam ombrear-se com o que de melhor se fazia no estrangeiro, nos grandes centros universitários. O caminho aberto por Gonçalves Viana estimulou o aparecimento de alguns pouquíssimos seguidores em Portugal e no Brasil, entre os quais merecem referência Oliveira Guimarães e, mais recentemente, Armando Lacerda, José Oiticica e Antenor Nascentes.
Devotou-se ainda Gonçalves Viana a estudos lexicográficos, em cujo domínio escreveu as preciosas Apostilas aos dicionários portugueses, campo em que trabalhou também A.A. Cortesão, com os seus Subsídios. Sua aptidão de foneticista levou Gonçalves Viana naturalmente a enfretar o problema da unificação ortográfica do