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Amar, Gozar, Morrer
Amar, Gozar, Morrer
Amar, Gozar, Morrer
E-book226 páginas2 horas

Amar, Gozar, Morrer

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Sobre este e-book

Amélia, uma bela adolescente, adotada, ainda bebé, por uma jovem condessa, viúva e rica, descobre casualmente que aquela a quem chama “mãe” recebe regularmente e a sós, em sua casa, um elegante cavalheiro lisboeta. Um dia, ouvindo certos ruídos provenientes dos aposentos da condessa, decide espreitar pelo buraco da fechadura, e o que descobre deixa-a simultaneamente assustada e curiosa. A sua curiosidade levará a melhor, e as experiências e explorações em que se empenhará, a partir de então, levá-la-ão a encontrar amores e desamores, homens sensuais e mulheres lúbricas, fetiches e bizarrias sexuais, e muitas outras aventuras eróticas, numa viagem em que percorre grande parte da Europa.

Segundo os professores Helder Thiago Maia, Mário Lugarinho e Fernando Curopos, autores do prefácio, Amar, Gozar, Morrer, um romance escrito no século XIX por um autor anónimo, “não deixa de reproduzir a matriz de inteligibilidade heterossexual, onde o sexo entre mulheres é um objeto erótico para gozo masculino, enquanto o sexo entre homens é um objeto repugnante. Apesar disso, podemos imaginar (e desejar) que as leitoras da época, assim como Amélia, bem como as leitoras que esta nova edição encontrará, certamente produziram e produzirão linhas de fuga e leituras dissidentes em relação ao amor e às práticas eróticas entre mulheres, uma vez que a narrativa é, antes de tudo, a história de mulheres que gozam e decidem, com maior ou menor liberdade, assumindo riscos, sobre os seus próprios corpos, prazeres e vidas.”

IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de jun. de 2020
ISBN9789898575999
Amar, Gozar, Morrer
Autor

Anonimo

Soy Anónimo.

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    Amar, Gozar, Morrer - Anonimo

    Prefácio

    A LESBIANIDADE GASTA: PRAZER E REGENERAÇÃO EM AMAR, GOZAR, MORRER

    Helder Thiago Maia¹

    Mário Lugarinho²

    Fernando Curopos³

    Conquanto não se saiba a data exata da publicação do livro Amar, gozar, morrer: recordações da mocidade (s/d), uma vez que a obra não traz informações sobre autoria e ano de publicação, além de apresentar informações fictícias sobre a editora (Typographia Pudicicia) e o local de publicação (Rua dos Donzeis Apaixonados), como era habitual neste tipo de publicações clandestinas ou semiclandestinas, o livro foi editado em Portugal, como se pode inferir, tendo em conta os dados da contracapa (imagem n.º 2).

    Imagem n.º 1 – Capa da edição original do livro.

    Imagem n.º 2 – Informações de venda.

    O editor livreiro do romance vai, a partir de 1864⁴ e até 1910⁵, alimentar o mercado luso-brasileiro com traduções dos best-sellers da literatura libertina francesa – na sua grande maioria – e publicar um rol de romances, contos, folhetos e almanaques erótico-pornográficos, alguns deles pirateados no Brasil, como foi o caso de O Pauzinho do Matrimónio, ilustrado por Rafael Bordalo Pinheiro, ou do celebérrimo Os Serões do Convento. Os autores e editores de literatura erótica e pornográfica encontraram no Brasil um mercado promissor para escoar uma produção que o limitado mercado português jamais poderia absorver. Por isso, não é de estranhar a produção astronómica de Alfredo Gallis/Rabelais (MENDES, MOREIRA, 2019) ou as múltiplas reedições das obras de Arsénio de Chatenay, dois autores muito mais divulgados e lidos no Brasil do que em Portugal. Tal não acontecia por o leitor burguês ser mais casto, mas por os portugueses terem acesso a uma produção muito mais expressiva de obras de autores nacionais, mas também franceses e até espanhóis. Com o Sud-Express não vinham só os romances de Zola, Bourget ou Jules Verne, o Le Figaro ou L’Illustration, mas também uma «papelada […] toda recheada de mulheres nuas, de historietas sujas, de parisianismo, de erotismo» (QUEIRÓS, 2001:243).

    Amar, gozar, morrer (s/d) é um exemplo desse manancial de literatura clandestina portuguesa, que foi vendido simultaneamente em Portugal e no Brasil, como podemos ver na imagem n.º 2, onde se anuncia a venda de outra obra do mesmo autor em ambos os países⁶. No Brasil, foi comercializado sem grandes restrições, como podemos inferir a partir dos muitos anúncios de venda do livro na imprensa brasileira,⁷ ainda que os artigos 279 e 340 do Código Criminal do Império (1831-1890) proibissem a venda de livros que ofendessem a moral pública ou que não tivessem o ano e o local da impressão, prevendo pena de prisão de até seis meses, multa e recolhimento dos exemplares.⁸

    De acordo com El Far (2004:337), Amar, gozar, morrer (s/d) pertencia ao catálogo da livraria brasileira Cruz Coutinho pelo menos desde 1894. De facto, esta livraria foi a grande responsável pela difusão da obra no Brasil, com anúncios constantes em diversos jornais entre 1894 e 1906. No entanto, a obra já vinha sendo vendida no Brasil, pelo menos desde 28 de abril de 1878, pela Livraria Maia & Ramos, que anuncia a venda do livro na edição 116 do jornal carioca Gazeta de Notícias⁹ (imagem n.º 3) junto com romances picantes franceses de Henry de Kock e Maximilien Perrin, traduzidos e publicados em Portugal, e com outro romance – ilustrado – de temática lésbica, A Sensualidade e o Amor (1874), do estimado e apreciado Arsénio de Chatenay (GAZETA DE NOTÍCIAS, 1889:4). Trata-se de um dos raros escritores portugueses da época a dedicar-se quase exclusivamente à escrita de Romances para homens, com a particularidade de as cenas de amor entre mulheres serem muito mais numerosas do que de costume nas obras do género. Aliás, o seu romance Os Jogos Lésbios ou os Amores de Joanninha (1877), o primeiro romance queer em língua portuguesa (CUROPOS 2016:144-161), com final feliz e inteiramente dedicado às relações amorosas entre mulheres, foi imediatamente comercializado no Brasil, a partir da cidade do Porto, e vendido até, pelo menos, 1906.¹⁰

    Imagem n.º 3 – Anúncio na Gazeta de Notícias, de 28 de abril de 1878.

    Amar, gozar, morrer (s/d) enquanto litera(mão), ou melhor, como obra onde o leitor, com uma mão, segura o livro, enquanto a outra colabora com a receção literária através de prazeres experimentados no próprio corpo,¹¹ foi, portanto, amplamente comercializado nos dois países, e chegou a ser o romance português com história lésbica mais vendido no Brasil (CUROPOS, 2019:19), como podemos constatar através dos consecutivos anúncios de venda e novas edições do livro, publicados em jornais cariocas, principalmente entre 1878 e 1921. No entanto, até à presente data, só encontrámos uma cópia,¹² o que mostra como essa literatura ‘‘marginal’’ foi vítima dos vários mecanismos de censura no mundo luso-brasileiro: livros descartados quando consumidos e não preservados nas bibliotecas por terem sido considerados, até há pouco, como lixo.

    A fim de potencializar as vendas, segundo explica El Far (2004:204), obras como Amar, gozar, morrer (s/d), que não eram assinadas por grandes escritores do género, como Arsénio de Chatenay e Rabelais, investiram em títulos que sugeriam, de forma mais direta, o possível conteúdo do livro, além de serem publicitadas como obras contendo ilustrações, aliciando o público masculino com um prazer duplo: o de ler e o de ver. Refira-se que as estampas (coloridas, no original) do romance foram feitas a preceito, ilustrando algumas cenas-chave, uma delas de teor lésbico. Isso mostra que, além da produção literária, existia também uma produção de conteúdos pornográficos visuais para uma certa elite: estampas, litografias, fototipias e, com o decorrer do tempo, fotografias.

    No entanto, apesar de a narrativa conter um pouco de amor, muitos gozos e raras mortes, o romance não constrói, como se poderia imaginar, uma história onde esses três verbos significam o começo, o meio e o fim da narrativa. Contrariamente a esta ideia, Amélia, a narradora, por exemplo, primeiro goza sexual e orgiasticamente em uma longa viagem de aprendizagem sexual pela Europa – subversão pornoparódica do Grand Tour, muito ao gosto da elite da época (CUROPOS 2016:127) – depois ama aquele que a engravida, e, por fim, casa-se, arrepende-se das aventuras eróticas e não morre durante a narrativa. Enquanto isso, a Condessa, primeiro casa e logo enviúva de um casamento sem muito amor, depois goza e ama, e finalmente morre, aos vinte cinco anos, como consequência fatal de abusos sensuaes vividos com Amélia (AMAR, gozar, morrer, 18-:42-44). A Condessa morre por ter persistido, como confessa a própria, no caminho errado, isto é, por ter recusado uma vida matrimonial, monogâmica e heterossexual:

    [...] acreditando que supportaria com egual facilidade tão repetidos combates, entreguei-me d’alma e coração a esse terrivel vicio que de duas mulheres fortes e bellas, tantas vezes tem feito dois cadaveres. [...] Os combates do amor foram creados para individuos de sexo contrario. Esses cançam, fatigam, mas não matam. [...] Foge das mulheres, minha filha, foge. Tens em mim um terrivel exemplo, soffro muito... muito... (AMAR, gozar, morrer, 18-:42-44)

    Logo, o final feliz em que Amélia aparece como uma mulher regenerada e redimida, topos da literatura de temática lésbica, enquadra-se na ortodoxia sexual e textual (CUROPOS, 2018:58-59). Com efeito, sendo o público-alvo o leitor burguês heterossexual, o conteúdo só podia corresponder às suas expectativas. As cenas lésbicas servem para apimentar o relato, mas nunca para legitimar uma sexualidade não normativa. Como aponta Marie-Joe Bonnet, esse fascínio masculino pela lésbica na literatura licenciosa oitocentista não passa da expressão literária de uma reação patriarcal visceral que procura desde o início do século e por todos os meios edificar um baluarte contra a emancipação feminina (BONNET, 2001:278).

    A sexualidade encenada no relato não deixa de ser a afirmação do regime patriarcal e da heterossexualidade como norma. Conquanto o seu caráter marginal, aliado ao anonimato, pudesse dar espaço a uma total liberdade dos sentidos, a economia fálica e a ortodoxia sexual constituem o único horizonte possível, o alfa e ómega da sexualidade e de uma vida digna, remetendo as loucuras da mocidade para a abjeção:

    Acabára a minha mocidade, com o seu cortejo de loucuras e ilusões n’um momento em que a consciencia e a rasão me mostravam o verdadeiro caminho da felicidade.

    A familia completaria a obra da minha regeneração.

    [...]

    Conservava ainda as recordações do passado e sentia no intimo d’alma o remorso a corroer-me as consciencia.

    Dizia-me esta que a minha felicidade, no seio d’aquelles que sinceramente me consagravam toda a sua estima, meu filho, meu marido e Carmen, seria maior ainda, se não fora a lembrança das scenas em que a loucura e a embriaguez sensual suplantaram a razão e honra. (AMAR, gozar, morrer, 18-:42-44)

    Assim sendo, conquanto o romance seja uma obra marginal pelo conteúdo pornográfico, acaba por reproduzir a matriz heterossexual, não se afastando em nada das grandes obras canónicas. Embora infrinja a moral burguesa, não deixa de ser outra modalidade de controlo social, no qual se estabelece uma clara distinção entre sexualidade sadia e patológica, um tema iniciado pelo escritor francês Adolphe Belot (1829-1890) com Mademoiselle Giraud, ma femme (1870). Essa obra picante constituiu uma viragem na história dos romances de temática sáfica [...]. Inaugura uma onda de romances onde aparecem lésbicas e antecipa os debates sobre a homossexualidade (SCHULTZ, 2015:65). Ambientado na Paris da época, num meio burguês, parece descrever uma realidade próxima do leitor, mostrando-lhe que elas estão no meio de nós, e que é preciso prevenir os incautos, e ainda mais as incautas, do mal sáfico. O romance será traduzido por Manuel Pinheiro Chagas (1842-1895), com um título bastante explícito, Amigas e Peccadoras (1873), e amplamente debatido, tanto em Portugal (CUROPOS, 2016:109-111) quanto no Brasil (s./n., 1873:9-10). Aliás, esgotada a tradução portuguesa, por o escândalo não ter permitido a sua reedição, é lançada uma nova tradução no Brasil (imagem n.º 4), com o título de Esposa e Virgem (1877).

    Imagem n.º 4 - «O Repórter», Rio de Janeiro, 1 de março de 1879, p. 4.

    Em Nota, publicada ao final do romance sob escrutínio, um suposto editor afirma que o livro são as memórias escritas por uma senhora da sociedade, e que ele teria alterado apenas algumas cenas e ocultado alguns nomes para dificultar o reconhecimento da autora:

    Nota.

    Estas memorias escriptas por uma senhora da nossa mais escolhida sociedade, chegaram às nossas mãos por um feliz accaso.

    Posto que os nomes fossem alterados e transformadas algumas das principais scenas, mudando-se-lhes o local em que realmente se passaram fácil nos foi reconhecermos a heroína.

    Julgamo-las do mais alto interesse e notando quanto era aproveitavel a lição de moral que n’ellas se continha, apesar da lubricidade das descripções, resolvemos dal-as à estampa [...]. (AMAR, gozar, morrer, 18-:192)

    O estratagema literário inscreve-se de maneira síncrona na produção de obras licenciosas de temática sáfica de finais de Oitocentos, nas quais:

    As próprias personagens lésbicas pegam na pena

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