Design de Brinquedos: Ressignificando Trajetórias
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Sobre este e-book
No universo infantil essa lógica é perceptível da mesma maneira. As crianças portam diversos objetos no dia a dia que intencionam dialogar com o mundo que a cerca, sobre sua personalidade individual e gostos. O brinquedo tem o papel não somente de promover a brincadeira, pode, ainda, seguir funções mais práticas, como funções educativas e transpor as experiências do mundo imaginativo da criança para o mundo real. Por isso, essa fase é permeada por uma intensa transmissão e absorção de símbolos e valores. Dessa forma, o seu desenvolvimento depende significativamente da maneira como ela cria as suas histórias imagéticas, como interage com as outras crianças, como soluciona problemas e vence desafios por meio dos brinquedos (PIAGET, 2017).
A maioria dos brinquedos é estereotipado e acaba por transmitir valores superficiais e estéticos que podem induzir preconceitos, logo, a exclusão. As bonecas Barbies já foram um exemplo clássico de uma valorização exacerbada de estereótipos que cultuavam mulheres de olhos azuis, corpos magros, cabelos longos, lisos e loiros. Hoje, a Mattel, empresa fabricante, lança novas Barbies que têm vários formatos de corpo, novas cores, formas de pele e cabelo. Usando novos elementos, a ressignificação pode construir artefatos que tencionem promover a melhoria na autoestima das crianças com deficiências e que dialoguem com a diversidade existente entre elas.
Assim, percebemos que o design tem papel fundamental na construção desse imaginário e que ele pode ser utilizado para promover a inclusão social. Esta obra, portanto, intenciona perceber o design como ferramenta poderosa de diálogo para o discurso inclusivo, entendendo como a sua utilização pode auxiliar na promoção da inclusão social de crianças com deficiência por meio da ressignificação de brinquedos infantis.
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Design de Brinquedos - Clara Santana Lins Cerqueira
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO PSICOPEDAGOGIA
Dedico esta obra a todos que um dia sentiram que não faziam parte de algo; que por um momento ou dois questionaram sua identidade. Saiba: você é único. Viva a sua diversidade e verá uma revolução acontecer.
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais e irmãos que sempre foram muito generosos e pacientes comigo, por torcerem e mentalizarem a todo tempo o meu sucesso naquilo que escolhi me engajar. Um agradecimento especial ao Eduardo, pela paciência e atenção concedida a todos os meus devaneios. Sem você, meu querido, eu não teria forças para publicar este livro. À Lully pelas palavras necessárias que foram cruciais ao meu desenvolvimento para esta pesquisa. Aos meus amigos, pelo apoio, carinho e discussões à mesa. À professora Rita Ribeiro, pela enorme paciência, por ter acreditado em meu projeto, por ter me ajudado a vencer os desafios com a minha autoestima. À psicóloga Marta Alencar e à Tina, por terem aceitado a participar prontamente da presente obra e me proporcionar contato com as pessoas com deficiência, entendendo suas trajetórias, suas dificuldades e sonhos. Obrigada pela disposição e o carinho. À Unidade Municipal de Educação Infantil (Umei) e à Cruz Vermelha, por possibilitarem a pesquisa de campo necessária para escrever e viver sobre o assunto. Aos professores, colegas, amigos e parceiros, que conheci ao longo dessa trajetória, que colaboraram para a materialização deste trabalho. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelo apoio que tornou possível a realização deste sonho.
APRESENTAÇÃO
Esta obra é fruto de minha pesquisa como mestranda na Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais, defendida no ano de 2018. Quando iniciei meus estudos acerca do assunto, há quase cinco anos, eu jamais imaginaria que poderia virar um livro e, posso dizer que o mesmo ainda se encontra de forma muito embrionária e precoce talvez, mas resolvi assumir os riscos e publicar. Afinal, o que são as minhas inseguranças pessoais perto da relevância que o assunto traz por si só nos tempos atuais?
No ano de 2016 enquanto eu fazia a minha inscrição para o Programa de Pós-Graduação, eu tinha minhas dúvidas em relação ao que eu queria pesquisar durante aqueles dois breves anos, que percebo só agora, como passaram voando.
Enquanto eu juntava os papéis necessários para submeter a minha inscrição, o meu projeto de pesquisa era postergado. Um ano antes, em 2015, tinha participado de uma pesquisa de Iniciação Científica sobre consumo e cultura infantil no grupo de pesquisa Design e Representações Sociais do CNPq coordenado pela professora Rita Ribeiro, que veio a ser mais tarde a minha orientadora tanto no mestrado, quanto no doutorado, e uma querida amiga. Essa pesquisa me motivou a falar sobre a diversidade e como poderíamos abrir diálogos nas escolas sobre o assunto. Ao longo de sua realização vimos também à importância e o impacto que o brinquedo tem na vida de qualquer ser humano na fase da infância. Meu fio da meada
já estava amarrado até aí. Na verdade, tudo o que eu tinha eram algumas palavras-chave: design, brinquedo, infância e inclusão social. No entanto, outra palavra surgiu de maneira um tanto quanto inusitada: deficiência
. Após passar horas imprimindo documentos do Currículo Lattes e organizando toda a papelada para a inscrição, resolvi ir para casa. Eu saí do prédio da universidade às pressas para tomar o ônibus que me levaria até o centro da cidade de Belo Horizonte. Entre o prédio e o ponto de ônibus havia dois pequenos trechos de sinal para atravessar e, logo no primeiro sinal, eu vi um cadeirante. O sinal fechou para os carros e abriu para os pedestres eu passei pelo cadeirante de cabeça baixa de maneira que não sei dizer se era um homem mais idoso ou jovem, porque não consegui encará-lo, mas me lembro de um grande desconforto se apoderar de todo o meu corpo, enrijecer a minha garganta e inflamar o meu rosto. Aquela avenida estava um campo minado de obras e a acessibilidade para mim já era difícil, para o cadeirante seria, obviamente, muito pior. Em mente, lembro-me de discutir comigo mesma, os motivos pelos quais eu deveria oferecer ajuda a ele e que eu não deveria ter vergonha ou receio, porque ele já se encontrava em dificuldades para subir o calçamento para o segundo sinal da mesma avenida. Eu não lembro quanto tempo fiquei discutindo comigo mesma, mas uma pessoa, que também saia da universidade, ofereceu ajuda e, em questão de segundos, todo o meu constrangimento e nó na barriga se desfizeram e, pensei: graças a Deus! E, bom, eu fui atrás de tentar entender o porquê desses sentimentos...
A verdade é que todos nós passamos por essas situações e não sabemos o quê fazer, nem como fazer. E o constrangimento vem de um lugar que todos nós sabemos qual é: um lugar chamado tabu. Discutir a deficiência e a diversidade de modo geral, sempre foi tabu nas escolas, no trabalho, nos meios sociais. Eu, por exemplo, nunca estudei com um aluno cadeirante, pois a escola que estudei não teria acesso para recebê-lo. Nunca trabalhei com uma pessoa que tinha alguma deficiência, porque até pouco tempo não era uma obrigação ou objetivo nas empresas públicas e privadas a contratação de pessoas com deficiência. Lembrei ainda que, quando mais nova, vi as mudanças dos transportes públicos começarem – lentamente – a ser um pouco mais acessíveis para essa população. E foi assim que durante séculos essas pessoas se tornaram invisíveis para o resto do mundo, privadas de ocuparem os mesmos espaços que qualquer outro ser humano tem o direito de ocupar, de terem vida social, de ocupar cargos importantes em empresas, de serem, por fim, livres.
A partir daí, eu pensei que talvez escrever sobre a deficiência e essa diversidade tão inerente a natureza humana, fosse uma ação importante na mudança do comportamento social; e tentar entender o que pode ser mudado na educação e na sociedade de hoje, para que possamos ser no futuro uma comunidade global que consiga dialogar sobre o assunto e, quem sabe, um dia oferecer uma gentileza sem pensar duas vezes?
Descobri com Piaget (2017) que os brinquedos são símbolos semânticos muito subjetivos e que podem transmitir valores poderosos que reverberam em nós para o resto de nossas vidas. Compreendi com Sudjic (2010) que através do design esses símbolos são tangibilizados e que estes se conectam ao ser humano, transformando-se em uma linguagem pessoal poderosa e identitária capaz de transformar e ressignificar trajetórias.
Dizem que todo projeto nasce de um incômodo muito pessoal, e cá está o meu. Espero que você, caro leitor, consiga virar a chave
, assim como eu e perceba que precisamos agir urgentemente para mudanças sociais que beneficiem a todos.
Os governantes de todo o mundo não podem mais negligenciar as centenas de milhões de pessoas com deficiência cujo acesso à saúde, reabilitação, suporte, educação e emprego tem sido negado, e que nunca tiveram a oportunidade de brilhar.
(Stephen Hawking)
PREFÁCIO
PROJETAR PARA RESISTIR
Sentada aqui no meu escritório na companhia dos meus livros de autores que mais amo, fico pensando na minha trajetória. Os livros podem contar como a nossa vida foi se configurando, aquilo em que acreditamos, coisas que deixamos para trás, os afetos que criamos.
Admirando os livros, penso em como o Design é algo poderoso. Como ele permeia toda nossa existência, desde as escolhas mais básicas, como a roupa que vestirei hoje, até algo que se quer guardar na memória, como a roupa do casamento, da formatura. No entanto, muito se engana quem tem essa visão simplista do Design. Pelo fato de estar conosco todo o tempo, não se pensa nas suas diversas dimensões e na sua capacidade de mobilização. E, justamente porque o Design tem esse poder, acreditamos que seja possível usar esses elementos na construção de artefatos que promovam a melhoria da autoestima das pessoas.
Esse foi o desafio