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(Des)Culpa
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E-book207 páginas2 horas

(Des)Culpa

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Sobre este e-book

Até onde nos pode consumir a culpa?
Alice é uma jovem que aparenta ter a sua vida no rumo certo: divide casa com a sua melhor amiga Inês, tem o emprego que sempre sonhou e transparece felicidade. Ou, pelo menos, é assim que ela faz parecer.
A morte do irmão devastou-a e, assolada por um esmagador sentimento de culpa, entra numa espiral de autodestruição. Até chocar com Gabriel e os seus olhos castanhos, que lhe despertam emoções que julgava adormecidas.
A entrega ao amor e à paz que procura parecem estar ao seu alcance. Porém, os penetrantes olhos verdes do Jaime, seu amigo e namorado da Inês, ameaçam cada um dos passos que dá em direção à redenção.
Perdida em si própria e cometendo erro após erro, Alice tenta livrar-se dos fantasmas que a perseguem e impedem de ser feliz. Mas a culpa de que não se consegue libertar só a empurra cada vez mais na direção errada e a desculpa poderá não ser suficiente.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento4 de jul. de 2022
ISBN9791221368611
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    Pré-visualização do livro

    (Des)Culpa - Helena Nunes

    Agradecimentos

    A quem sempre me incentivou na minha escrita, lê cada palavra que escrevo, se deixa envolver pelas minhas histórias e sempre acreditou (e acredita) em mim e no que tenho para contar: o meu obrigada!

    Um obrigada poderá nunca parecer suficiente, por isso, este livro é o meu agradecimento aos que me acompanham nesta aventura.

    Agradeço, também, aos leitores desta história, que a deixaram entrar na sua vida.

    A todos: agora, as minhas palavras também são vossas.

    Obrigada.

    Capítulo 1

    Adormeço e acordo com o mesmo pensamento.

    Tomar ou não tomar?

    É a questão com que me debato todos os dias nos últimos dois meses.

    O despertador tocou há minutos e o sol entra pelos estores estragados, batendo-me nos olhos, mas continuo deitada.

    Entre os dedos, seguro um pequeno comprimido cor-de-rosa, que rodo sentindo a sua textura.

    A indecisão ocupa-me a mente como um copo que transborda.

    O dilema entre sentir cada pedaço de dor, cada réstia de mágoa, cada pontada de culpa ou apenas desligar e sentir a euforia dos meus vinte e seis anos como está previsto pelo curso da vida.

    Não tenho tempo para ambiguidades, por isso fecho os olhos, coloco-o na ponta da língua, sinto-o começar a dissolver-se e engulo.

    Em poucas horas tudo estará bem.

    Levanto-me para a habitual rotina matinal: duche rápido, pequeno-almoço ligeiro, ajeitar o cabelo e sair para o escritório.

    A Inês, a minha colega de casa, já saiu, provavelmente foi mais cedo para estar com o namorado. De qualquer modo, vamos estar juntas praticamente todo o dia.

    A viagem de autocarro é curta e os primeiros efeitos do comprimido começam a surgir. Prefiro ir em pé, sentindo os balanços do veículo nas curvas do trânsito citadino. Deixo o meu corpo ondular ao ritmo do veículo e o coração saltar no peito a cada travagem que o pé do motorista provoca.

    Chego à minha paragem, numa das principais artérias da cidade, e, com um salto, evito os degraus do autocarro, saindo primeiro que os outros passageiros. Espreguiço-me exageradamente, abrindo os braços e sorrindo para o céu.

    As pessoas que saem do autocarro desviam-se de mim, olhando-me como se fosse desequilibrada.

    Não me importo. Quero apenas aproveitar enquanto o efeito dura.

    – Alice! – ouço o meu nome ser chamado.Abro os olhos e vejo a Inês na entrada do edifício azul, onde fica a empresa para a qual trabalhamos.

    Conheci a Inês na universidade. Lembro-me do primeiro dia, de a ver sentada sozinha ao centro da sala, com o seu cabelo escuro a destacar-se das paredes beges que a rodeavam. Como que impelida por um íman, sentei-me no lugar vago ao seu lado e sorri. Ela sorriu de volta e tornámo-nos inseparáveis. Sempre a estagiar juntas, terminámos o curso de Design e foi-nos oferecido emprego também na mesma empresa. Hoje, somos designers gráficas numa agência de publicidade.

    Ao lado da Inês está o Jaime, com os seus penetrantes olhos verdes e o cabelo claro, impecavelmente penteado.

    Conhecemo-lo numa saída noturna no nosso segundo ano na universidade. Durante toda a noite rondou-nos, oferecendo bebidas, dançando, ora com uma ora com outra, tentando a sua sorte, que tardou em aparecer.

    Na tarde do dia seguinte, a Inês convenceu-me a ajudá-la a encontrá-lo. Perdidas no meio dos estudantes de Ciências Políticas, íamos perguntando por ele e procurávamos os olhos verdes que prenderam Inês. Alguém nos indicou que ele era do último ano do curso e deveria estar a sair da aula. Esperámos à porta. Quando ele saiu e se cruzou connosco, a Inês não disfarçou o sorriso. Inventei uma desculpa que tinha preparado enquanto esperávamos e saí, deixando que algo entre os dois nascesse.

    Quase três anos depois, ali estão a acenar na minha direção.

    Ele é consultor político para um novo, e inexperiente, candidato que tem a sede do seu partido umas ruas abaixo.

    – Estávamos mesmo agora a falar sobre a festa de aniversário do Jaime! - diz a Inês, entusiasmada, assim que me aproximo.

    – Bom dia… Mas não faltam ainda umas três semanas?

    – Sim, mas queremos fazer algo em grande! Afinal, são vinte e oito anos!

    A Inês agarra o braço do namorado, abraçando-o. Ele sorri, encolhe os ombros e diz:

    – Um jantar com boa comida, boa música e muita bebida é mais que ótimo!

    – Alice, nem penses em esquivar-te com uma das tuas desculpas ridículas! - avisa-me Inês.

    Não evito revirar os olhos, perante a advertência.

    – Nunca vos falhei em datas importantes. Lá estarei, como sempre! – reforço esta última parte. – E agora, se me dão licença, vou andando. Até já!

    Não espero por resposta e subo as restantes escadas para o interior do edifício. Olho por cima do ombro a tempo de vê-los despedirem-se com um beijo.

    Preciso urgentemente de comprar uma garrafa de água. Tenho a boca seca e começo a sentir tremores. Dirijo-me à máquina de venda automática e assim que recebo a garrafa de meio litro, bebo-a de uma só vez. Uma mulher olha para mim surpreendida. Rio-me enquanto comento:

    – É melhor levar mais uma. - comento, enquanto insiro outra moeda na máquina. - Sabe como é, temos de promover o bom funcionamento dos rins. É um excelente detox!

    Ela ignora-me e carrega duas vezes no botão para chamar o elevador, a fim de se livrar da situação. Pisco-lhe o olho, dirijo-me às escadas e, antes de subir, ainda lhe grito:

    – Beba aguinha, que vai ver os resultados! - rio-me, deixando as outras pessoas que estão por perto a olhar curiosas.

    Cada empresa tem o seu andar. Eu trabalho no terceiro e hoje decido subir até lá pelas escadas. Tenho vontade de subi-las a correr, mas controlo a onda de excitação. Em vez disso, trauteio uma canção que me vem à cabeça, enquanto saltito nos degraus. Ao chegar ao terceiro andar, distribuo sorrisos e bons dias aos colegas com quem me cruzo.

    Perdida na minha simpatia exagerada, choco contra um corpo que tenta passar no mesmo espaço apertado que o meu.

    Um telemóvel cai no chão com estrondo, acompanhado pela minha garrafa de água que rebola pelo chão cinzento.

    O embate cria ondas na minha mente e sinto-me desorientada.

    Choquei contra uma parede maciça ou estarei à deriva no espaço?

    – Desculpa! Estás bem? - uma voz rouca masculina ecoa nos meus ouvidos, mas parece tão distante. Sinto uma mão pesada no meu ombro esquerdo. – Alice, não é? Estás a ouvir-me?

    A voz conjuga-se com o corpo que está à minha frente e com os lábios carnudos que se movem sincronizados com o som. Continua a falar comigo, mas não consigo que as suas palavras se traduzam em algo percetível.

    – Eu pedi desculpa, não sei o que queres mais. – espera por uma resposta que não dou. – Que idiota! Estou atrasado, com licença.

    Isto ouço nitidamente.

    Volto a mim, a tempo de ver uma camisa vermelha no corpo de um homem alto que se baixa para apanhar o telemóvel do chão.

    – Pelo menos está inteiro. - resmunga.

    Ao passar pela minha garrafa apanha-a e deixa-a em cima de uma secretária. Olha para mim de semblante rígido, sem compreender a minha atitude. Quero pedir desculpa, mas só me sai um sorriso exagerado, mostrando todos os dentes, e que se deve assemelhar a uma careta de gozo.

    Ele abana a cabeça desalentado e dirige-se para a sua secretária.

    Embaraçada, apresso-me a procurar a Inês e encontro-a sentada na secretária ao lado da minha. Deve ter vindo de elevador enquanto eu comprava a água. Gotas de suor começam a surgir na minha testa e o coração acelera bruscamente.

    – Vieste a correr? O que se passa?

    – Não, não se passa nada. Foi só um susto… Vinha distraída e choquei com um colega ali na entrada.

    – Qual colega? Ai, não me digas que foi com o giraço do André! - a Inês ri-se, piscando-me o olho de forma cúmplice.

    – Nem reparei quem foi. - surpreendentemente, não estou a mentir.

    Trabalhamos num open space, por isso observo com cautela os meus colegas, em busca do dono da camisa vermelha. O meu olhar para no Gabriel e sinto que o ar me foge dos pulmões. É o único vestido com uma camisa vermelha, portanto, foi contra ele que embati.

    – Então? - insiste a Inês, que reparou na minha sondagem.

    – Esquece, não reparei na pessoa.

    Ligo o computador e procuro o registo do cliente para quem vou trabalhar hoje. Foco-me no trabalho, pelo menos nisso o comprimido ajuda.

    O pior será quando o efeito passar e toda a dor voltar à minha mente. Mas com isso lido depois.

    Capítulo 2

    – Não vais almoçar nada?

    A Inês parece realmente preocupada comigo, enquanto dá mais uma garfada na sua salada de frango.

    Sinto-me enjoada e sem vontade de comer. Abano a cabeça em resposta negativa e afasto-me ligeiramente do cheiro a frango que vem do prato dela.

    – Devias ver o que se passa contigo, esta semana já é a terceira vez que estás assim ao almoço.

    A sério, Inês? Não tinha reparado, obrigada por avisares!, apetece-me responder, mas contenho-me.

    Vejo o Jaime chegar ao café e dirigir-se para junto de nós. É a deixa perfeita para eu sair daqui. Sinto-me prestes a explodir à mínima provocação ou piada da Inês e não quero ser desagradável com ela.

    Jaime beija-a no cabelo e brinda-me com um sorriso. Tenta trocar um olhar rápido comigo, mas desvio o olhar, que para em Gabriel.

    Está na entrada, com ar de quem procura alguém. Os seus olhos cruzam-se com os meus, cerra os lábios num ar sério e começa a andar na minha direção.

    O Jaime também repara que ele se está a aproximar e sussurra:

    – É impressão minha ou aquele gajo está a vir para aqui?

    Nenhuma de nós responde.

    O Gabriel chega junto de nós e coloca uma garrafa de água e uma pulseira dourada à minha frente. Nem me tinha apercebido de que a minha pulseira se tinha soltado no choque.

    – Acho que isto é teu.

    Estremeço ao ouvir o seu tom sério aliado à voz rouca.

    – Sim… Obrigada.

    – Bem, afinal falas. Parece é que essa boca não sabe pronunciar um pedido de desculpas.

    Sinto o meu rosto corar de embaraçamento.

    O Jaime endireita-se na cadeira, ficando com os peitorais salientes no polo justo.

    – Mas que conversa é essa? O que é que tu queres? - tenta impor-se.

    O Gabriel ergue uma sobrancelha olhando para mim, que continuo sem saber o que dizer.

    – Não quis interromper nada. – responde, virando as costas, não sem antes voltar a encarar-me olhos nos olhos, e sai.

    – Que lata a deste gajo! - o Jaime está exaltado. - Alice, afinal o que é que ele queria? Desde quando é que te dás com este tipo de gente?

    Esta última frase faz soar um alarme dentro da minha cabeça. O que é que o Jaime está para aqui a dizer?

    – Como assim, este tipo de gente? - pergunto seriamente.

    – Aquele gajo… Aquele… preto! - o Jaime abre muito os olhos e gesticula, levantando os braços.

    A Inês, que tinha parado de comer, acena com a cabeça em concordância com o namorado.

    – Nunca me contaste nada… - começa ela.

    – Como assim? Contar o quê?

    Não quero acreditar no que estou a ouvir.

    – Alice, se precisares que eu tenha uma conversinha com o gajo… - murmura o Jaime.

    – Chega! - interrompo-os e levanto-me bruscamente. - Vocês estão bem?! Qual é o vosso problema?!

    Não espero pela resposta. Pego nas minhas coisas, incluindo a garrafa e a pulseira deixadas pelo Gabriel, e saio.

    Já na rua, olho pela janela e vejo-os confusos, conversando entre si enquanto olham para a porta do café, possivelmente na esperança de que eu volte e me junte a eles, mas o meu orgulho e incredulidade impedem-me de o fazer.

    Os suores voltam a emergir do meu corpo e opto por regressar ao escritório para acalmar a fúria crescente que sinto. Não posso deixar o efeito do comprimido apoderar-se da situação nem de mim. Eu ainda controlo a minha mente.

    Perto da agência, sento-me num banco de pedra de um jardim para me tentar acalmar. Tenha vontade de gritar, de voltar atrás e discutir com a Inês e o Jaime. Cerro os punhos, apertando-os com força, até os nós dos dedos ficarem esbranquiçados, e tento focar-me no que me rodeia.

    Alguns dos meus colegas bebem café numa esplanada, a CEO da agência fuma um cigarro enquanto fala ao telemóvel, as pessoas passam por mim com passos e conversas ruidosas.

    Uma das vozes capta a minha atenção. É do André, o giraço da empresa como a Inês lhe chama, que fala animadamente num grupo exclusivamente masculino. Entre eles está o Gabriel.

    Observo que, até no seu grupo de companheiros, se mantém sério, sorrindo apenas perante alguma piada e rindo discretamente.

    Não é a primeira vez que reparo nele. Desde que entrou na agência, no final do verão passado, me atraiu o olhar.

    Não é dono de uma beleza fora do comum, mas tem um sorriso estonteante. Pena sorrir tão pouco. E, admito, a sua voz rouca deixa-me as pernas bambas e arrepia-me os cabelos na nuca.

    Os nossos olhares encontram-se. Mantém o olhar fixo no meu e não esboça qualquer sorriso ou emoção. Sério, como sempre. Desta vez, também não vou desviar o olhar. Engulo em seco e com os lábios formulo a palavra desculpa na sua direção. Ele mantém-se impávido, até porque é impossível ouvir-me, mas espero que tenha compreendido. Acaba por virar a cara e voltar a focar a sua atenção nos amigos.

    Sinto as náuseas voltarem e perco a vontade de regressar ao escritório. Levanto-me e decido caminhar até casa.

    Recordo-me que, apesar de não ter vontade, ainda não almocei. Vou até um snack-bar e compro uma sandes de queijo para mordiscar pelo caminho. Enquanto ando, revejo mentalmente esta manhã. Como é que começou de forma tão animada, muito graças ao comprimido, e, em poucas horas, culminou numa zanga com os meus amigos?

    Saltito distraída pela calçada, num jogo infantil de não pisar as pedras brancas, causando sustos e olhares reprovadores de quem passa por mim. Não quero saber, porque já sinto uma ligeira excitação voltar a invadir-me.

    Ao chegar a casa,

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