Suplemento Pernambuco #190: coronavírus • s. m. 2n.
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Suplemento Pernambuco #190 - Jânio Santos
CARTA DOS EDITORES
C om o avanço da vacinação, há a possibilidade de que, em 2022, o mundo se abra novamente para nós. O que virá? São imaginações que aguardam desdobramentos políticos, econômicos, sanitários e de outras áreas. O que se pode afirmar com certeza é: nunca se falou e publicou tanto sobre uma doença. A pandemia de covid veio com a pandemia das palavras sobre a doença. Na capa do Pernambuco de dezembro, o filósofo Pedro Duarte expõe os mecanismos de criação da doença pela linguagem — como esta elabora nossa experiência da doença e a faz circular por aí. E se há uma pandemia de palavras, também há, como diz o filósofo lusitano João Pedro Cachopo na entrevista do mês, uma pandemia digital: a doença não é exatamente o acontecimento que nos sequestra, pois o acontecimento é tudo o que fizemos para dar conta dessa novidade
. Cachopo foca nos processos de mediação que nos parecem hoje incontornáveis. As imagens de Luísa Vasconcelos exploram o clima de convivência e tensão com a doença, deixando em suspenso as expectativas de mudanças para 2022 na relação com a pandemia.
Entre os destaques desta edição estão os textos de Renato Ortiz, que se debruça sobre as dinâmicas do luxo na contemporaneidade, que mais tem a ver com ocultamento do que ostentação; e o texto de Leonardo Nascimento sobre Kropotkin, naturalista e anarquista russo cujo centenário de morte, em 2021, tem servido de mote para evidenciar a atualidade sua obra, na qual enfatiza a cooperação entre os seres e espécies em detrimento da competição.
No novo texto do especial A ciência como ela é, o escritor Allan da Rosa situa a história da bióloga Simone Evaristo, responsável por pesquisas sobre câncer ginecológico, dentro de um país racista e em relação com memórias dos antepassados. É o segundo texto deste especial que pensa a ciência brasileira a partir dos afetos que guiam pesquisas e achados, e é fruto de parceria com o Instituto Serrapilheira.
Além disso, você encontra aqui resenhas, colunas e um pequeno guia para adentrar a obra de W. G. Sebald, importante referência da literatura contemporânea que teve recente volume de ensaios traduzidos no país.
Uma boa leitura a todas e todos, e um feliz 2022!
COLABORAM NESTA EDIÇÃO
colaboradores.jpgAllan da Rosa, escritor, autor de Reza de mãe; André Santa Rosa, jornalista; Carol Almeida, editora da série A ciência como ela é; Cidinha da Silva, escritora, autora de Exuzilhar; Igor Rolemberg, doutorando em Antropologia Social (EHESS, França); Júlia Goyatá, professora, autora de Georges Bataille e Michel Leiris; Kelvin Falcão Klein, professor, autor de Wilcock: Ficção e arquivo; Laura Erber, professora, autora de A retornada; Leonardo Nascimento, doutorando em Antropologia Social (UFRJ); Matheus Mota, ilustrador da série A ciência como ela é; Victor da Rosa, professor, organizador de Natureza: A arte de plantar; Wander Melo Miranda, professor, autor de Os olhos de Diadorim
EXPEDIENTE
Governo do Estado de Pernambuco
Governador
Paulo Henrique Saraiva Câmara
Vice-governadora
Luciana Barbosa de Oliveira Santos
Secretário da Casa Civil
José Francisco Cavalcanti Neto
Companhia editora de Pernambuco – CEPE
Presidente
Ricardo Leitão
Diretor de Produção e Edição
Ricardo Melo
Diretor Administrativo e Financeiro
Bráulio Meneses
Expediente1.pngSuperintendente de produção editorial
Luiz Arrais
EDITOR
Schneider Carpeggiani
EDITOR ASSISTENTE
Igor Gomes
DIAGRAMAÇÃO E ARTE
Hana Luzia e Janio Santos
ESTAGIÁRIOS
Guilherme de Lima, Luis E. Jordán e Rafael Olinto
TRATAMENTO DE IMAGEM
Agelson Soares e Sebastião Corrêa
ReVISÃO
Dudley Barbosa e Maria Helena Pôrto
colunistas
Diogo Guedes, Everardo Norões e José Castello
Supervisão de mídias digitais e UI/UX design
Rodolfo Galvão
UI/UX design
Edlamar Soares e Renato Costa
Produção gráfica
Júlio Gonçalves, Eliseu Souza, Márcio Roberto, Joselma Firmino e Sóstenes Fernandes
marketing E vendas
Bárbara Lima, Giselle Melo e Rafael Chagas
E-mail: marketing@cepe.com.br
Telefone: (81) 3183.2756
ADC_Supemento.jpgCRÔNICA
A lucidez que berra com a gente
As livrarias, ainda, e os jovens conhecendo Maria da Conceição Tavares
Laura Erber
HANA LUZIA
3_Cr%c3%b4nica_DEZ2021.jpgNão consegui fazer tudo caber na última crônica. Tomo a liberdade de perseguir ainda um pouco a alma encantadora das livrarias. Desta vez há uma cena de casamento, história real contada pela Elisa Ventura, idealizadora e responsável pelas livrarias Blooks. Ao ser perguntada sobre o que há de mais interessante em se manter uma livraria de rua, Elisa disse que o melhor são as surpresas do real. E contou sobre um pedido maravilhosamente surpreendente de dois noivos que procuraram a Blooks para fazer a cerimônia de casamento dentro da livraria. O casal havia se conhecido na livraria, começaram a namorar na livraria, naturalmente decidiram se casar na livraria. Fizemos a cerimônia com a loja aberta e foi lindo
, contou Elisa. Como terá ocorrido o esbarrão inicial desse amor que surgiu em meio ao amor aos livros?
Aqui onde moro e de onde escrevo gosto de visitar a livraria Politikens Boghal. É centralíssima, cravada numa esquina da praça da prefeitura. Durante muito tempo foi uma livraria meio caída onde entrávamos pra fugir das rajadas de vento. Tudo mudou quando Christina Thiemer Grønborg se tornou livreira ali. Fez uma seleção não só formidável, mas com alma e, com direito a muitos minilivros de pequeníssimas editoras que publicam prosa seleta contemporânea. Christina ainda teve a ótima ideia de espalhar pelas prateleiras da livraria, bilhetes que ajudam a clientela a encontrar aquilo que procura. De modo que se alguém estiver na letra C de Ficção
procurando um Raymond Carver, topará com um bilhetinho dizendo os Carvers não estão ali, «procure entre os Clássicos
.
A ideia é boa e poderia ser radicalizada. A pessoa está a flanar na seção de autoajuda quando um bilhete bem situado captura sua atenção: saia já daqui, siga até o fim do corredor, procure algo assombroso na seção de literatura russa moderna. Leia Bulgákov.
Pensei até em levar os leitores comigo num passeio descritivo, estilo tim-tim por tim-tim, mas ao entrar na Politikens Boghal com intenções de realizar pesquisa de campo, fui tomada por uma desagradável sensação de tontura. Fiquei nauseada diante da profusão de novidades, livros que piscavam o olho, mexiam-se, murmuravam, e havia alguns que até cantavam um canto opaco e misterioso prometendo a dor de paraísos interditos. Agarrei-me ao mastro da minha falta de tempo como os amigos de Ulisses se agarraram ao medo do canto das sereias (que Ovídio, com razão, chamou de as doutas sereias
) contentando-me em apenas folhear um ou dois exemplares. A poeta russa Marina Tsvetáieva também se assustava com a vida dos livros, dizia haver livros tão, mas tão vivos, que enquanto não estão sendo lidos podem estar fazendo alguma coisa misteriosa, alguns podem estar virando flor, virando rio.
Outra imagem evocável é a da criança que se afoga lentamente no denso rio de chocolate da história de Roald Dahl que virou filme. Um pouco assim me senti diante da sedutora oferta de tanta boa literatura. Boa literatura
, sim, mas não por capricho ou desejo de ressuscitar em crônica o fantasma do paideuma (mais vivo que o espectro do comunismo), apenas creio que cada um deve poder zelar por suas preferências, inclusive para poder ter o prazer de ter o seu próprio sistema de gosto contrariado.
A pandemia também tem o seu lugar aqui. Isso de perder o hábito de experimentar o furioso contato da existência
(obrigada de novo, Drummond) afetou certamente o prazer do furioso contato com as livrarias. Tendo hoje de dedicar mais tempo a escrever do que a ler, o encontro com a abundância