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O consentimento na disciplina da proteção de dados pessoais:  uma análise dos seus fundamentos e elementos
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E-book363 páginas4 horas

O consentimento na disciplina da proteção de dados pessoais: uma análise dos seus fundamentos e elementos

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Sobre este e-book

O livro tem por objeto a disciplina da proteção de dados pessoais, analisa seus fundamentos, elementos, sua evolução histórica e, de forma específica, o papel do consentimento do titular dos dados pessoais como meio de legitimação do tratamento desses dados e de expressão da sua autodeterminação. Devido à incipiência do tema e à grande relevância da doutrina e jurisprudência alemã no direito de proteção de dados, há forte presença dessas referências, assim como uma análise comparativa entre a legislação europeia sobre proteção de dados e a lei brasileira. Na primeira parte, são abordados os fundamentos do direito de proteção de dados pessoais e a evolução histórica dessa disciplina. Na segunda parte, é analisado especificamente o consentimento, sua aptidão a corresponder à autodeterminação informacional, os problemas relacionados à sua categorização jurídica e os elementos que completam seu suporte fático, sejam eles decorrentes dos princípios da proteção de dados, sejam dos seus requisitos legais.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de jul. de 2022
ISBN9786525245683
O consentimento na disciplina da proteção de dados pessoais:  uma análise dos seus fundamentos e elementos

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    O consentimento na disciplina da proteção de dados pessoais - Alexandre Casanova Mantovani

    PARTE I: FUNDAMENTOS DA PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS

    A) OS DIREITOS SUBJACENTES À PROTEÇÃO DOS DADOS PESSOAIS

    Os atos realizados no ambiente virtual possuem indissociável ligação com o mundo físico, pois são praticados por indivíduos e esses são, via de regra, identificáveis mediata¹¹ ou imediatamente. Mesmo que se abstraia ao máximo a personalidade no ambiente da internet, é difícil desconsiderar ou ocultar o vínculo existente, pois ao fim o que se tem são indivíduos que interagem com a rede ou com outros indivíduos na rede.

    Desse modo, os atos realizados no mundo virtual trazem consequências ao mundo não virtual, das quais se destaca, para os fins desta dissertação, as que repercutem nos direitos da personalidade. Esse é o fundamento precípuo que justifica a proteção dos dados pessoais, ou seja, pela potencial repercussão que o tratamento desses dados pode ter nos direitos fundamentais dos indivíduos titulares dos dados.

    Nesta primeira parte da dissertação, será abordado de forma mais aprofundada esse fundamento, a partir da análise da evolução da tutela aos direitos da personalidade até a defesa do direito individual mais invocado quando se discute os riscos do tratamento irrestrito de dados pessoais: o direito à privacidade. Em seguida, no segundo tópico desta parte da monografia, será feita uma análise histórica da disciplina da proteção de dados pessoais, que demonstrará a interligação dessa matéria, que adquiriu autonomia legislativa e principiológica, com o seu fundamento, a proteção dos direitos da personalidade.

    Ademais, a referida abstração da personalidade, que ocorre quando se acessa a rede, torna nebulosa a capacidade de percepção das consequências dos atos realizados na rede, de modo que é necessária a demonstração da importância da proteção da privacidade na internet, o que também será feito neste capítulo.

    A.1. OS DADOS PESSOAIS

    Antes de expor a relação dos direitos individuais com os dados pessoais, cabe esclarecer o termo dado pessoal, de modo a alinhar a terminologia com a definição adotada pelas normas que se dedicam à sua proteção.

    Dado é a tradução da palavra data, que significa informações. No sentido técnico, dados fazem referência a informações coletadas, eletronicamente ou não¹². Na prática, os dados são encarados como sinônimos de informações por grande parte da doutrina¹³ e, como poderá ser constatado, pelas leis que abordam a proteção de dados. Semanticamente, dados são elementos, fatos, que servem de base para algo, de modo que dado pessoal pode ser um nome, idade, endereço, número de telefone.

    A lei de acesso a informações (Lei 12.527/2011) conceitua informação como "dados, processados ou não"¹⁴. Ou seja, o dado pode ser tanto uma informação, como a base para uma, um estágio "pré-informação", antes de sua interpretação¹⁵.

    O Decreto nº 8.771 de 2016, que regulamentou o Marco Civil da Internet, conceitua dado pessoal como todo dado "relacionado à pessoa natural identificada ou identificável, inclusive números identificativos, dados locacionais ou identificadores eletrônicos, quando esses estiverem relacionados a uma pessoa [...]".¹⁶

    A Lei Geral de Proteção de Dados (LGDP - Lei 13.709 de 14 agosto de 2018) define os dados pessoais como todas as informações que dizem respeito a uma pessoa natural identificada ou identificável¹⁷ (ou seja, à qual se pode identificar¹⁸ direta ou indiretamente¹⁹-²⁰).

    As definições do Regulamento da União Europeia²¹ e da Lei Federal de Proteção de Dados alemã (Bundesdatenschutzgesetz - BDSG) são praticamente idênticas, e diferenciam-se da definição da LGDP apenas no aspecto didático, pois exemplificam as formas através das quais a pessoa pode ser identificada, quais sejam: por nome, número de identificação, localização, identificador online, ou um ou mais fatores específicos à identidade física, psicológica, genética, mental, econômica, cultural ou social da pessoa²².

    É interessante notar que, com a evolução da tecnologia, a noção de dados sofreu modificação, de modo que hoje um dado pode ser um simples clique, um registro de acesso, uma visualização, pois esses pequenos atos ficam registrados e podem ser facilmente ligados²³ ao sujeito que os realiza, permitindo da sua análise conjunta a obtenção de diversas informações.

    O Grupo de Proteção de Dados criado pelo artigo 29 da Diretiva de Proteção de Dados Pessoais da União Europeia²⁴-²⁵ (WP art. 29) afirmou que os dados dizem respeito a um indivíduo quando se referem à sua identidade, características e comportamento, ou ainda se a informação é usada para determinar ou influenciar a maneira como essa pessoa é tratada ou avaliada²⁶. Identificou, ademais, três elementos alternativos que estabelecem a pessoalidade dos dados: conteúdo, propósito ou resultado²⁷. O primeiro diz respeito ao conteúdo expresso nos dados, ou seja, se esses dizem respeito a um indivíduo, como dados médicos de uma pessoa, por exemplo; o segundo, ao uso que será feito desses dados, ou seja, se serão usados para avaliar, ameaçar de certa forma ou influenciar o status ou o comportamento de um indivíduo. O resultado, terceiro, é um elemento que se relaciona com a consequência do uso do dado, seu impacto no direito de um indivíduo ou nos seus interesses.

    Por exemplo, os rastreadores de veículos podem ser usados para monitorar a posição de táxis e melhorar esse serviço. Os dados obtidos do rastreamento, no entanto, podem também ser usados para avaliar a prestação de serviços dos taxistas, se esses estão usando as melhores rotas e até mesmo cumprindo a legislação de trânsito²⁸.

    Dados são, desse modo, qualquer informação ou pré-informação que se relacione a um sujeito, identificado ou identificável, motivo pelo qual sua proteção está intimamente ligada à proteção dos direitos individuais, especificamente os direitos da personalidade²⁹, que se passa a abordar em seguida.

    A.2. OS DIREITOS DA PERSONALIDADE

    Por um lado, a personalidade pode ser encarada como um atributo jurídico³⁰, ou seja, como capacidade de direito que decorre do simples reconhecimento dessa personalidade: todo homem é sujeito de direitos e obrigações desde o nascimento com vida até a sua morte³¹. Nas palavras de Otto Von Gierke:

    Para que alguém seja sujeito de direitos e obrigações, deve ser reconhecido pelo direito objetivo como capaz. A capacidade de ser sujeito de direito é chamada de personalidade. Do seu reconhecimento por uma regra flui o Direito de Personalidade, que é o fundamento de todos os direitos e obrigações individuais. Um ente ao qual é concedido o Direito de Personalidade é, em termos jurídicos, uma pessoa.³² (tradução livre)

    Por outro, a personalidade pode ser compreendida como o conjunto de particularidades que identificam uma pessoa, como o seu nome, estado civil e domicílio. É a personalidade que torna cada indivíduo único.

    A doutrina alemã elaborou o conceito de Direito Geral de Personalidade³³ - ou o direito (geral) de ser considerado enquanto pessoa - como um direito fundamental (de grau constitucional) subjetivo homogêneo, oponível erga omnes (absoluto), que fundamenta todos os direitos subjetivos e que em si abriga todos os direitos³⁴-³⁵. O reconhecimento desse direito geral serve de fundamento à proteção da personalidade sempre que há aparente lacuna na legislação quanto à proteção de algum direito de personalidade.

    Os direitos da personalidade, que derivam do reconhecimento jurídico da personalidade - do fato jurídico da personalidade -, tiveram seus contornos efetivamente delineados pela doutrina do final do século XIX³⁶, e são, segundo Otto von Gierke, os direitos que "garantem ao titular o uso de um bem pessoal ou o exercício de uma faculdade pessoal frente a todas as outras pessoas". Eles conferem ao indivíduo a soberania legítima sobre esfera da própria personalidade, permitindo que se afaste a intervenção de terceiros, sendo estes entendidos como todos os outros - ou seja, são oponíveis erga omnes³⁷.

    Cada um dos direitos da personalidade garante ao seu titular o controle sobre um setor da própria esfera de personalidade³⁸, implicando um dever geral de abstenção³⁹-⁴⁰-⁴¹, e conjuntamente formam o mínimo necessário e imprescindível ao seu conteúdo⁴², razão pela qual são imprescritíveis e vitalícios; não se extinguem, quer pelo não uso, quer pela inércia na sua defesa.

    São exemplos desses o direito à vida, à integridade física, à integridade psíquica, à liberdade, à igualdade formal, ao nome, à honra, à intimidade etc. São, pois, essenciais à pessoa humana, inerentes a essa, que a doutrina preconiza e disciplina a fim de resguardar a dignidade daquela⁴³, pois a dignidade da pessoa humana é "o valor próprio que identifica o ser humano como tal"⁴⁴. Justamente por essa razão, afirma-se que são intransmissíveis e irrenunciáveis⁴⁵-⁴⁶; uma pessoa não poderia renunciar ou transmitir a si mesma.

    Ainda que possam conduzir a uma obrigação pecuniária de indenizar, no caso de sua violação, ou indiretamente levar a algum benefício econômico, os direitos da personalidade são extrapatrimoniais⁴⁷-⁴⁸-⁴⁹.

    A tutela da pessoa humana é reconhecida como o fundamento precípuo do ordenamento jurídico⁵⁰; a pessoa humana é o "valor fonte"⁵¹ a justificar a existência desse ordenamento. Além disso, o respeito à pluralidade dos indivíduos e, pois, da individualidade de cada um, é pressuposto de um sistema político democrático: não existe democracia sem respeito à pluralidade e, consequentemente, à individualidade.

    A Constituição Federal de 1988 prevê uma série de direitos da personalidade, especificamente em seu artigo 5º. Como exemplos, podem ser citados o inciso V, que assegura o direito de resposta, além de indenização por dano material, moral ou à imagem⁵²; o inciso X, que declara ser inviolável a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, além de assegurar a indenização por dano decorrente de sua violação⁵³; o inciso XII, que declara ser inviolável o sigilo de correspondência e de dados⁵⁴; o inciso XXXV⁵⁵, que garante a tutela jurisdicional a qualquer lesão ou ameaça a direito, ensejando assim inclusive a tutela anterior ao evento danoso, sendo de profundo alcance nessa matéria⁵⁶.

    Como matéria tratada primeiramente no âmbito do Direito Público⁵⁷, a proteção da personalidade no âmbito do Direito Privado enfrentou certa resistência doutrinária inicial⁵⁸-⁵⁹, de modo que não era tutelada pelo Código Civil de 1916.

    No entanto, com o advento da Constituição de 1988, e com todo um movimento de interação da esfera do direito público com o direito privado⁶⁰, a qual se pode chamar de uma repersonalização ou despatrimonialização do direito civil⁶¹, os valores constitucionais, como o princípio da dignidade da pessoa humana, começam a ganhar proeminência no âmbito privado.

    O Código Civil de 2002 dedicou-se, desse modo, aos direitos da personalidade no Capítulo II do Título I da Parte Geral, que compreende dos artigos 11 ao 21, nos quais há disposições sobre o direito ao próprio corpo, ao nome, à honra, à imagem e à privacidade.

    A escolha por tratar dos direitos de personalidade na Parte Geral evidencia a importância da matéria; no entanto, parte da doutrina entende faltar uma cláusula geral⁶²-⁶³ que permita a maleabilidade do sistema sem que se tenha de recorrer à dignidade da pessoa humana⁶⁴ para tornar possível a proteção de outros direitos de personalidade não expressos⁶⁵-⁶⁶. Permitir-se-ia assim que eventuais direitos que venham a necessitar tutela, pela evolução natural da sociedade, pudessem ser reconhecidos pelo poder judiciário através da utilização de dispositivo do próprio Código Civil.

    Na Alemanha, essa falta foi suprida pela construção do Direito Geral de Personalidade, já tratado acima, justamente da análise conjunta de dois dispositivos constitucionais, um que assegura a dignidade da pessoa humana (Menschenwürde) (Art. 1, 1 da GG) e outro que assegura o direito ao livre desenvolvimento da personalidade (das Recht auf die freie Entfaltung der Persönlichkeit) (Art. 2, 1 da GG)⁶⁷.

    No Código Civil brasileiro, os artigos que se passa a tratar preveem alguns direitos específicos da personalidade. O artigo 14, por exemplo, declara ser válida a disposição gratuita do próprio corpo após a morte, desde que com objetivo científico ou altruístico⁶⁸, disposição revogável a qualquer tempo. O artigo 15 proíbe que o sujeito seja constrangido a submeter-se a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica com risco de vida⁶⁹. O tratamento médico sempre depende do consentimento. O artigo 16⁷⁰ assegura o direito ao nome, que, pela redação do artigo 18⁷¹, não pode ser usado em propaganda comercial⁷² sem a autorização do titular, proteção estendida pelo artigo 19⁷³ ao pseudônimo. O artigo 17, apesar de fazer referência ao nome da pessoa, tutela a sua imagem e/ou honra, porquanto veda o emprego daquele em publicações ou representações que exponham a pessoa ao desprezo público⁷⁴. O artigo 20, por sua vez, taxativamente, garante a faculdade de o titular proibir a divulgação de escritos, palavras e de sua imagem - quando não autorizada, não necessária à manutenção da ordem pública ou à administração da justiça -, se isso atingir a sua honra, boa fama ou respeitabilidade, ou ainda, se tiver destinação comercial⁷⁵.

    O artigo 11 do CC/02⁷⁶ afirma serem intransmissíveis e irrenunciáveis os direitos da personalidade, além de negar a possibilidade de limitação voluntária ao seu exercício. Parte da doutrina entende que essa redação pode dar ensejo a uma interpretação inadequada e demasiado restritiva do exercício dos direitos da personalidade pelo titular, a inclusive obstar certas limitações a esses direitos que ocorrem diariamente⁷⁷.

    A leitura do referido artigo deve ser feita com cuidado, pois tanto seria inviável a aplicação da total vedação à restrição voluntária quanto indesejável a sua não aplicação a nenhum caso. Ademais, a limitação voluntária faz parte do próprio exercício do direito da personalidade, pois nada mais é do que a manifestação da autodeterminação do indivíduo nesse âmbito.

    Essa questão interpretativa foi parcialmente resolvida pelo Enunciado 4 da I Jornada de Direito Civil, que afirma ser possível a autolimitação dos direitos da personalidade desde que essa não seja nem permanente nem geral⁷⁸, ou seja, desde que não viole de modo permanente e definitivo os direitos (situação na qual seria atingida a dignidade da pessoa e o próprio núcleo do direito da personalidade).

    Parte da doutrina defende a preservação da liberdade e autodeterminação quando essas forem essenciais para o livre desenvolvimento da personalidade, e da limitação à restrição voluntária quando tal limitação for necessária à proteção da dignidade da pessoa⁷⁹-⁸⁰.

    Nota-se do exposto que a participação do titular tem papel fundamental na proteção dos direitos da personalidade, de modo que não se trata de disciplina composta meramente de vedações legais advindas do ente estatal, mas de um espaço que comporta a autodeterminação, como parte do exercício da soberania do indivíduo sobre o âmbito da sua personalidade.

    A.3. A TUTELA DA PRIVACIDADE NO DIREITO BRASILEIRO

    O direito à privacidade não consta nominalmente no Código Civil, tampouco na Constituição Federal⁸¹, não sendo delimitado de forma geral, de modo que a proteção ao que se entende por privacidade é obtida da conjugação de artigos constitucionais e infraconstitucionais.

    A tutela ao direito à privacidade no direito brasileiro é obtida, em um primeiro momento, constitucionalmente, através da proteção conferida pelos incisos X, XI e XII do artigo 5º.

    O primeiro inciso trata como invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas⁸², enquanto os últimos protegem especificamente a privacidade do domicílio (inciso XI⁸³) e a privacidade das comunicações (inciso XII⁸⁴), respectivamente.

    Em nível infraconstitucional⁸⁵, a privacidade é tutelada pelo artigo 21⁸⁶ do Código Civil, que afirma ser inviolável a vida privada da pessoa natural, que reitera o disposto na Constituição quanto à sua inviolabilidade e afirma o dever do juiz de, a requerimento do interessado, adotar as providências necessárias para impedir ou fazer cessar o ato contrário a essa norma.

    Apesar da escolha do termo inviolabilidade, a leitura inflexível dos referidos artigos dificulta sua compatibilidade com a vida real⁸⁷; cotidianamente temos nossa vida privada submetida às mais variadas formas de ingerência estatal, como declaração de imposto de renda, acesso estatal à integralidade dos dados das contas correntes, inspeção compulsória de bagagens etc. A verdade é que a privacidade, assim como os outros direitos da personalidade⁸⁸, está sujeita a sofrer ponderações à luz das circunstâncias em que se põe, quando em colisão ou interação com os princípios que orientam nosso ordenamento jurídico.

    O próprio exercício dos direitos da personalidade, como por exemplo o direito à vida privada, pressupõe uma margem de autodeterminação, que pode, em maior ou menor medida, no caso concreto, flexibilizar esses direitos⁸⁹.

    Pontes de Miranda, ao tratar sobre o direito à imagem, afirma que o consentimento, quando atua como excludente de violação desse direito, não pode ser encarado como uma renúncia ao conteúdo do direito de personalidade, pois faz parte do próprio exercício desse⁹⁰. Dessa forma, a inviolabilidade deve ser tratada com o mesmo cuidado referido à limitação voluntária dos direitos de personalidade.

    O artigo 21 do Código Civil é encarado criticamente por parte da doutrina⁹¹. O enunciado, considerado genérico e repetitivo (pois não soma à redação da Constituição Federal) optou por utilizar o termo vida privada, o que é entendido como uma desatenção à evolução do conceito de privacidade.

    Nesse ponto convém um esclarecimento.

    Como será demonstrado nos tópicos seguintes, o conceito de privacy (privacidade) desenvolvido na Common Law, diferentemente do conceito existente na nossa legislação (direito à vida privada), engloba também o direito à imagem, à honra e à intimidade, estes que são direitos autônomos em relação ao direito à vida privada em nosso ordenamento.

    Ainda que se possa dizer que o artigo 21 se dedique à proteção tanto da vida privada quanto da intimidade, pois ao proteger a vida privada proteger-se-ia também a intimidade⁹²-⁹³, parte da doutrina nacional⁹⁴ entende ser pertinente a diferenciação da vida privada de intimidade, assim como faz a Constituição, tratando-as como diferentes elementos da personalidade humana.

    A delimitação do que abrange cada conceito previsto na Constituição não é pacífica, sendo possível encontrar diversas definições diferentes na doutrina⁹⁵ do que abrange o conceito de vida privada e o que estaria no âmbito da

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