Pessoas Albinas, Pessoas Guerreiras: Nas Fendas da (In)Visibilidade
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Pessoas Albinas, Pessoas Guerreiras - Adailton Aragão
Pessoas albinas, pessoas guerreiras
nas fendas da (in)visibilidade
Editora Appris Ltda.
1.ª Edição - Copyright© 2022 do autor
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Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br
Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Adailton Aragão
Pessoas albinas, pessoas guerreiras
nas fendas da (in)visibilidade
Aos meus pais, familiares e amigos/as albinos/as e não albinos/as.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todas as pessoas envolvidas na pesquisa, seja de forma direta ou indireta, albina e não albina.
À Laudisseia Figueiredo, pelo incentivo e apoio para que esta publicação acontecesse.
À Solange e Soraya Araújo, por terem apresentado o campo de pesquisa.
Ao professor Giovanni Boaes, pela orientação.
Em especial, a todas as pessoas albinas da Paraíba.
Ela ficou grávida dele, e deu um filho, a carne do qual era tão branca quanto a neve, e vermelho como uma rosa; o cabelo de sua cabeça era branco como o algodão, e longo; e cujos olhos eram belos. Quando ele os abriu, ele iluminou toda a casa, como o sol; toda a casa abundou de luz.
[...] Agora, portanto, informa ao teu filho Lameque que aquele que é nascido é seu filho na verdade; e seu nome será chamado Noé, pois ele será um sobrevivente.
(Livro de Enoque 105. 2-6;16)
APRESENTAÇÃO
Um sonho que se transformou em sonho
Em meu sonho estava presenciando algum acontecimento com uma pessoa albina, como se estivesse diante de um ato criminoso ou uma perseguição, não recordo bem qual o fato. Neste momento tenho uma sensação de pena ou comoção pelo ocorrido, recordo que, no meio do tumulto, vi o rosto de uma menina albina, ela estava muito assustada e com medo, à sua volta havia algumas pessoas, a maioria homens, como se formassem um círculo que a impedia de sair/fugir. Subitamente, as pessoas partem para cima da menina. Uma pessoa que estava ao meu lado (que não lembro o rosto ou nome) dizia que era para eu escrever sobre o que acontece com as pessoas albinas. Com as seguintes palavras: Você deve escrever e estudar sobre os albinos
. A impressão que tive é de que estava na África, pois as ruas e as pessoas me remetiam a esse continente. A imagem ainda está muito viva na minha mente, o olhar da menina assustada ainda me impressiona.
Ao acordar, as imagens ainda me assombravam, os gritos das pessoas ainda estavam na minha cabeça, o olhar da menina estava no meu pensamento. Algumas perguntas foram surgindo: por que tive esse sonho? Seria um sinal? O que eu poderia fazer/escrever/estudar sobre as pessoas albinas? Como poderia falar dos albinos na África? Essas e outras indagações me acompanham até o presente momento.
Os dias se passaram e comecei a pesquisar sobre as pessoas albinas no Brasil e na África, assisti a alguns documentários e vídeos, fiquei chocado com as coisas que acontecem atualmente com os albinos africanos; muitos são mutilados, mortos, e seus corpos são vendidos como objetos sagrados. Essas informações me deixaram cada vez mais interessado em estudar as pessoas albinas. O sonho seria um aviso ou um reflexo do meu inconsciente? Não sei explicar. Apenas sei que atualmente não existem muitos trabalhos sobre as pessoas albinas no Brasil, ou pelo menos não encontrei muitas referências. Dessa forma, espero que este estudo possa contribuir para um melhor entendimento do fenômeno.
Voltando ao sonho, toda vez que vejo alguma notícia sobre algum crime contra os albinos, lembro do sonho como se fosse um "déjà vu. Fico pensativo, preocupado, triste, angustiado, interessado em encontrar uma forma de falar para as pessoas sobre o que os albinos passam, sentem, vivem, como se relacionam e se identificam, seus medos e anseios, seus sonhos. O sonho ainda está em minha mente, principalmente a frase
Você deve estudar sobre os albinos", algo que inconscientemente ainda ouço. Às vezes questiono também se realmente o sonho é real ou irreal, acredito ou não? Uma coisa eu sei, ainda vejo o olhar da menina, e o sonho está vivo em minha memória...
PREFÁCIO
Um sonho tornado realidade
O título deste texto soará como clichê, daqueles bem batidos. E não é que lugares-comuns insistem em não perder alguma vigência? O presente livro nasceu precisamente de um sonho. Na verdade, de dois sonhos. Um sonho daqueles que temos dormindo e outro de conferir visibilidade às pessoas albinas. Adailton sonhou que alguém lhe dizia que deveria estudar os albinos. Isso o fez sonhar acordado e o resultado é um estudo pioneiro na área da Sociologia.
Nós, pessoas albinas, somos paradoxos ambulantes. Por onde quer que passemos, chamamos a atenção pela aparência descolorida, em um país tão exuberante em melanina. Por outro lado, somos praticamente invisíveis aos olhos do poder público. Mensura-se o número de certos eletrodomésticos no país, mas não se sabe quantas pessoas albinas vivem no Brasil. Estados com políticas voltadas a nossas necessidades, por ora, são ainda exceções.
Em uma sociedade que tanto valoriza a branquitude, deveríamos, por essa lógica perversa, estar situados no topo da pirâmide da valorização social, em vista de sermos tão alvos. Mas o que se observa é que estamos na base dela, muitos ainda nos estigmatizam como doentes e descapacitados – física e cognitivamente. Em tempo, nós, albinos, não queremos estar no topo de pirâmide que signifique privilégio de espécie alguma. Queremos igualdade de oportunidades e condições de viver nossa diferença como seres capazes de produzir.
Na academia, exceto em estudos sobre dermatologia, oftalmologia e genética, a invisibilidade albina faz-se dolorosamente visível na área de Humanas. Assim como as políticas públicas específicas, estudos sobre pessoas albinas nas áreas de História, Sociologia e afins são exceções.
A escassez (falta?) de arcabouços teóricos para se estudar e compreender as diversas intersecções entre albinismo e raça/gênero/classe/localização geográfica, dentre outras, faz do trabalho de José Adailton Vieira Aragão Melo referência basilar para qualquer estudo subsequente. Elegendo a área da cidade de Campina Grande e adjacências, na Paraíba, como lócus de pesquisa, o autor necessitou constituir suas redes de contato praticamente do zero. Nesse processo, já sentiu o peso da invisibilidade e do estigma associados ao albinismo: dificuldade de encontrar sujeitos para sua pesquisa; negação e/ou desconhecimento da condição de pessoa albina; recusa pura e simples de participar, provavelmente por receio ou desinteresse de ser associado a um grupo social desprestigiado.
Visando à desconstrução das ideias patologizantes, desprestigiantes e incapacitantes que cercam o albinismo nas práticas e nos discursos do senso comum – algumas vezes inevitavelmente introjetadas por algumas pessoas albinas –, Pessoas albinas, pessoas guerreiras: nas fendas da (in)visibilidade traz à luz um grupo de pessoas com suas dúvidas, dores e temores, mas também desejosas de mostrar que são capazes, quando são acreditadas e lhes são dadas condições de agência.
Evidenciando as disparidades entre pessoas albinas e não albinas de seu círculo familiar, de distintas faixas etárias e entre residentes das áreas urbana e rural, o livro esboça como esse pequeno mas representativo grupo negocia suas identidades no inóspito meio social que o circunda. Além disso, ciente da importância da internet no ativismo de grupos minoritários, o trabalho salienta como as próprias pessoas albinas tomaram para si essa ferramenta, em prol de sua luta por pertencimento e aceitação social.
Realizado o sonho dormido de José Adailton, que esta obra seja o início da realização do sonho acordado de trazer os albinos como foco de interesse de mais estudos acadêmicos na área das Humanidades. Num sentido mais amplo e impactante na vida das pessoas albinas, este sonho é outro importante passo na árdua caminhada para despertar maior compreensão e menos estigma.
Prof. Dr. Roberto Rillo Bíscaro
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo
LISTA DE ABREVIAÇÕES E SIGLAS
Sumário
INTRODUÇÃO
Sobre o campo
Procedimentos metodológicos
Organização da pesquisa
CAPÍTULO I
ALBINISMO: A DICOTOMIA ENTRE MÉDICOS E PESSOAS ALBINAS
1.1 ALBINISMO: UM MARCADOR SOCIAL DA DIFERENÇA
CAPÍTULO II
PESSOAS ALBINAS, PESSOAS GUERREIRAS
2.1 ANGEL E SOL
2.2 AS IRMÃS SELMA E VIVIANE
2.3 RAIANNE (A POETA) E RAY
2.4 ANA
2.5 LUA
2.6 JÚNIOR E JÚLIO
2.7 FRANCO E NEUZA
CAPÍTULO III
A REPRESENTAÇÃO DO EU E DOS OUTROS
3.1 DO PRECONCEITO AO ESTIGMA
CAPÍTULO IV
A (IN)VISIBILIDADE DAS PESSOAS ALBINAS
4.1 A VISIBILIDADE DAS PESSOAS ALBINAS
4.2 AS PESSOAS ALBINAS NAS REDES
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
O albinismo é uma condição genética na qual os indivíduos nascem sem melanina, pigmento responsável pela coloração da pele, cabelo, pelos e olhos. Tal condição deixa as pessoas albinas vulneráveis aos raios do sol, podendo trazer sérios danos à saúde, entre eles o câncer de pele. A proposta deste livro é discutir e analisar o albinismo além dos fatores genéticos e biológicos. Tal discussão é ampliada para as questões dos marcadores sociais da diferença, sociabilidade, invisibilidade, visibilidade, discriminação, preconceito, estigma. O intuito do livro também compreende a necessidade de estudos mais profundos que se pautem a partir de análises com enfoque nas ciências sociais, acurando os olhares e o entendimento sobre o tema. Diante desse contexto, temos algumas perguntas que esta pesquisa busca responder: como as situações de diferença, desigualdade, preconceito, discriminação, estigma enfrentadas pelas pessoas albinas interferem nas suas vidas? Qual ou quais possíveis