Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Trabalhadores Do Submundo
Trabalhadores Do Submundo
Trabalhadores Do Submundo
E-book554 páginas7 horas

Trabalhadores Do Submundo

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Em uma distante colônia da Terra, após uma guerra biológica, os sobreviventes se refugiam em uma cidade subterrânea. Marcos Horácio pertence à casta mais inferior e vive sob o jugo dos governantes opressores. Auxiliado por um Mente alienígena, ele se insurge contra os governantes e parte em busca das respostas para os grandes mistérios de seu mundo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento2 de abr. de 2015
Trabalhadores Do Submundo

Leia mais títulos de Paulo Lucas

Relacionado a Trabalhadores Do Submundo

Ebooks relacionados

Artes Cênicas para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Trabalhadores Do Submundo

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Trabalhadores Do Submundo - Paulo Lucas

    Prefácio do Autor

    Escrever um livro é literalmente ficar doidão. Você passa noites em claro pensando no que vai escrever, e no outro dia a gente fica um bagaço. Ficamos pensativos de olhos vidrados quando andamos de ônibus. As pessoas olham para gente de forma estranha, achando que a gente tá doido. Isso acontece, porque o escritor vive a história dentro da cabeça dele primeiro, para depois colocá-la no papel.

    E ainda mais: escrever ficção científica não é fácil, por mais que uma história seja simples do ponto de vista de quem a lê. Escrever uma história e torná-la coerente e legível; demanda tempo, canseira e muitas horas junto a um terminal de computador. Devo falar também que um escritor tem que conciliar seu trabalho de ganhar o pão com a arte de escrever. E às vezes sobra muito pouco tempo para escrever, quando não se vive só de escrever.

    Os escritores sofrem para conciliar sua arte; para achar tempo para ficar com suas mulheres, e nem sempre elas têm paciência com aqueles que escrevem. Dificilmente se encontrará uma mulher que não torça o lábio quando chega à casa de seu namorado, e o encontra chafurdando no teclado do computar escrevendo sua história.

    É preciso muita paciência e perseverança quando um escritor novato como eu vive num ambiente, que não é de pessoas dadas à literatura. Quando se vive rodeado de pessoas que nunca leram um livro e vão morrer sem colocar as mãos em um. É uma luta tremenda contra a maré de desânimo. E isso é muito comum em nosso país; com as pessoas que preferem passar horas na frente da televisão assistindo novelas, matanças ou destruição. Em veículos de comunicação que na verdade são ruins à beça.

    A grande maioria das pessoas acha que, aqueles que passam seu tempo lendo um livro ou escrevendo, são uns verdadeiros panacas. E o público feminino é a maioria nesse público. As pessoas acham que seria muito melhor, se gastássemos nosso tempo nas baladas ou outras porcarias quaisquer. Enfim, escrever neste país é dar murro em ponta de faca e como isso dói. Pois não há o incentivo para aqueles que estão se iniciando na arte da literatura.

    Mas uma história é como um bebezinho que vai sendo gerado aos poucos no útero. Vai se formando lentamente, lentamente e de repente... Bingo! Você tem dentro da cabeça uma história para contar. Louca para sair e ganhar vida se transformando em caracteres, palavras e frases inteiras. Esse processo é tão poderoso que a gente chega a perder o sono, e a coisa só melhora quando colocamos a coisa no papel.

    Uma história é como se um universo inteiro cheio gritasse para ganhar vida. Como se fosse um Big Bang primordial querendo explodir para se transformar nos milhões de galáxias e estrelas. E à medida que vamos escrevendo; tudo isso vai tomando corpo e crescendo de uma forma extraordinária. Com personagens e paisagens. Ações de indivíduos que são nossos filhos por assim dizer. Pois eles são formados e criados dentro de nossas cabeças.

    Apesar das dificuldades e das barreiras, acho que a arte de escrever é deliciosa. É uma arte que surgiu com a escrita da Suméria na Mesopotâmia; permitindo que as pessoas falassem sobre o mundo a sua volta, sobre sua religião e suas ideias em geral. O comércio e a religião foram os que mais se beneficiaram com a arte de escrever. Já imaginou como seria o mundo se não houvesse a escrita? Como seriam as teologias religiosas se não existisse a escrita? Ainda estaríamos no Neolítico como os nossos indígenas atuais.

    Um livro nos permite falar com um escritor que morreu há décadas atrás ou até milênios. É como se ouvíssemos sua voz falando dentro de nossas cabeças, nos contando coisas sobre o que ele pensava. Ouvimos seus conceitos, suas ideias e suas crenças e sobre o mundo do seu tempo. Nenhuma civilização vive sem livros, é tolice achar que isso seja possível. O país que dá pouco valor à educação e aos livros; vive assim como o nosso. Com hordas de bárbaros dirigindo automóveis nas ruas, adolescentes cruéis armados nas favelas e nas casas correcionais. Sou leigo em psicologia e não entendo bulhufas de psicoterapia. Mas acredito que a mente dessas hordas de bárbaros criminosos que andam pelas ruas, são completamente ausentes de imaginação e fantasia. São pessoas com a mente cheia de perversidade, e vazia de boas maneiras. Acredito que sejam pessoas que nunca pegaram num livro para ler. Elas gastam seu tempo maquinando crimes, perversidades e como tirar proveito dos outros. É como se a gente os ouvisse rindo atrás de nossas costas, dizendo: É grana fácil mano! É isso que importa brou! O resto que se dane!

    A literatura desenvolve em nós a fantasia, a imaginação e o gosto pela vida. Tornamo-nos sonhadores acordados, com olhinhos brilhando porque lemos uma boa história. E com isso, não temos tempo para encher nossas cabecinhas com besteiras, crimes ou violências. É justamente o que falta em nossa cultura brasileira: livros, muitos livros. Esta nação precisa desenvolver o gosto pela leitura. E quando isso acontecer, quando os brasileiros passarem a ler mais, as coisas vão realmente começar a melhor.

    Marcos Horácio

    Eram quase três horas da manhã e Marcos Horácio Gomes ainda não conseguira dormir nem um pouco. Da pequena janela do cômodo exíguo, podia ouvir o som do metrô Maglev batendo suavemente no campo suspensor sobre os trilhos. Um som num ritmo cadenciado como se trouxesse uma mensagem repetitiva de tristeza.

    Ele era um sujeito alto de cabelos castanhos. No momento estavam quase raspados devido ao surto de piolhos que surgira no setor onde vivia. Se observássemos com cuidado, veríamos que ele era magro demais e pálido como um defunto. Todos os moradores do setor habitacional Alvorada possuíam aquela palidez mórbida e magreza. As roupas dele consistiam numa camisa bege e uma calça de tecido grosso de algodão, parecendo que fora azul escura algum dia. No momento as roupas estavam tão gastas e velhas que muitos as considerariam pano de chão. Os pés estavam metidos em sandálias alpercatas de couro curtido de aparência escura devido ao uso constante.

    Ele era casado e tinha uma filha de quatro anos de idade. No momento mãe e filha estavam deitadas na cama de casal no aposento que servia como dormitório. Ao casar com Miranda, Marcos recebeu a moradia de dois cômodos da Autoridade Setorial. Os cômodos eram estreitos e abafados. O quarto tinha a cama de casal e um guarda-roupa de compensado. A pequena cozinha possuía um fogão de duas bocas com uma mesa e duas cadeiras. E para cobrir tudo, os cômodos foram pintados numa tonalidade cinza. O que contribuía para deixar a moradia bem sombria.

    Assim como todos os moradores do setor Alvorada, Marcos e a família deviam usar os banheiros públicos. Tinham que participar do rodízio de faxina quando chegasse à vez deles.

    Lá fora algumas pessoas vinham pela via de acesso. Talvez de algum turno de trabalho das inúmeras usinas de processamento. Figuras embuçadas em roupas escuras. Tão escuras quanto os edifícios à volta deles. Em um dos cantos da rua coberta pela penumbra, uma luminária piscou momentaneamente embaçada por vapores que saía da tubulação ali perto.

    São hamsteres numa gaiola! — disse alguém na mente de Marcos.

    Ele estremeceu assustado com aquele pensamento alienígena intrometido.

    Hamsteres eternamente rolando na rodinha dentro da gaiola!

    Por um momento, Marcos sentiu como se aquela voz interna gemesse como que expressando uma canseira infinita. Nunca tinha pensado aquilo. Sabia o que eram os ratinhos hamsteres, mas nunca os comparara com pessoas. Aquela voz interna lhe parecia mais do que um simples pensamento. Ele sabia que a voz mental sempre o acompanhara desde a mais tenra infância. Ela falara com ele, o aconselhara e o repreendera quando fizera alguma coisa errada. O poder da voz melhorava no silêncio da noite, sempre fora assim.

    O turno de trabalho de Marcos começaria às oito horas da manhã, mas ainda não sentia nenhum sono. A vida de rotina em que ele e a maioria da população pobre da cidade subterrânea de Esperança viviam os deixava doente de uma maneira inexplicável. Tudo era feito de um cinza escuro, sem atenuantes para que os olhos pudessem se refrescar nas variadas cores do espectro. A única exceção era o solário público com árvores e um céu azul artificial. Mas vivia tão lotado que quase não se conseguia achar um lugar para pisar. Era tão cansativo conseguir um lugar no solário que nem valia a pena o esforço.

    O setor habitacional Alvorada era uma gigantesca caverna de teto muito alto escavada na rocha. O complexo tinha uma linha de metrô Maglev com acesso para diversos centros fabris ramificados. A maioria dos edifícios era de sete andares com apartamentos de dois ou três cômodos. Foram construídos para abrigar os moradores que trabalhavam em turnos de oito horas nas usinas de beneficiamento. Como também na produção de bens alimentícios e outros materiais.

    Cada morador não só deste setor como os de outros, recebia uma cesta com alimentos e produtos de higiene que às vezes mal dava para o mês inteiro. Também recebiam um tipo de cartão magnético com certa quantia em créditos para outras despesas. Algo parecido com um salário mensal. No setor havia uma biblioteca, um templo religioso ecumênico, um posto de saúde e um centro holográfico onde os moradores podiam assistir aos filmes. Por quase todos os lugares as holotelas exibiam a programação dos canais da TV estatal. Tudo controlado e fiscalizado pela polícia da cidade de Esperança. Os menores crimes e infrações eram severamente punidos. Dependendo da situação, o cidadão ganhava uma pena de morte imediatamente e sem apelações. Não havia defensores públicos e nem advogados. A lei de Esperança era dura e implacável.

    A informação recebida pelos moradores dos setores habitacionais era plenamente controlada. Tudo era filtrado pelo Departamento de Informação. Agrupamentos com mais de vinte pessoas eram extremamente proibidos. Geralmente as conversações eram em voz baixa para não chamar a atenção de alguém. Afinal de contas, algum policial do Olho Público poderia estar observando, e a pessoa ganhava uma passagem até o escritório mais próximo do Olho para dar explicações.

    Gritaria e vozes altas vieram de um lugar próximo e tiraram Marcos dos pensamentos tristes e sombrios. Imediatamente lhe pareceu que alguém estava chorando e gritando. Com muito cuidado, ele afastou as cortinas da pequena janela e olhou na direção de onde se originara o tumulto. Inconscientemente ele acabou coçando a cabeça num gesto de preocupação. Definitivamente alguém estava chorando e implorando por ajuda na rua lá embaixo.

    Do outro lado da rua, no outro bloco de apartamentos, uma mulher estava sendo arrastada pelos policiais do Olho Público. O marido e o filho imploravam desesperados para que ela não fosse levada. Marcos contou cinco policiais fortemente armados com o que pareciam ser bastões de choque. Um deles que era de estatura bem alta arrastava a mulher pelos cabelos. Na frente da habitação uma esguia viatura elétrica do Olho aguardava com o giroflex brilhando. Produzindo fachos fantasmagóricos de luz vermelha dançando nas paredes escuras das habitações em volta. Pessoas que vinham de seus turnos de trabalho começaram a se desviar dali. Era perceptível que aquelas pessoas não queriam chamar a atenção dos homens do órgão público de segurança.

    O marido tentou esboçar alguma reação mais séria. Logo foi contido por uma chuva de cacetadas e choques dos bastões dos policiais. O homem foi ao chão desmaiado. O filho pequeno ficou perto dele chorando e tentando acordá-lo. Logo os brutamontes colocaram a mulher no compartimento traseiro da viatura de um jeito não muito delicado. Ela foi praticamente jogada lá dentro como um saco de batatas. Nos outros apartamentos próximos as cortinas de muitas janelas se remexeram discretamente. Evidentemente nenhuma luz foi acesa. Assim como Marcos os moradores tentavam ver o que acontecia. As cortinas se mexendo no escuro mostravam isto claramente.

    Os homens do Olho Público nem se importaram com o marido que ficara caído no chão desacordado. Marcos sabia que ninguém no setor moveria um dedo sequer para ajudá-lo. Quem era louco? Abatido pelo o que tinha assistido, ele nem percebeu a aproximação da jovem esposa.

    — Oh, querido você ainda não dormiu? Tem alguma coisa errada com você? — ela disse carinhosamente.

    Marcos se virou e encarou o belo rosto dela. Miranda era ruiva e tinha os cabelos cortados bem rentes. Os olhos eram duas gemas verdes esmeraldinas. Aqueles olhos era a única fonte de vida que trazia cor para o mundo úmido e sombrio de Alvorada. Dois fogos verdes que lhe aquecia e enchia o coração de alento. Marcos a abraçou e a beijou na testa.

    Miranda pôs uma cálida mão na nuca semi-raspada do marido. — Você está tão abatido ultimamente amor. O que há com você? Dorme muito pouco e mal come os alimentos nas refeições. Você está doente?

    Marcos suspirou cansado. — Agora pouco os policiais do Olho arrastaram uma mulher da casa dela. E ainda bateram no marido. Quando a levaram o que restou foi uma criança chorando sobre o corpo desfalecido do pai... Deus! Por que os governantes nos tratam como animais? O que nós fizemos para viver assim? Com pouca comida, roupas velhas e excesso de trabalho nas fábricas...

    Miranda olhou assustada para a janela da cozinha. — Shiii! Fale baixo Marcos! Você quer que alguém escute? Você quer que Sheila cresça sem pai? Você sabe muito bem o que acontece com os descontentes, não é?

    — Eu sei... Desculpe-me eu perdi o controle... Eu sei o que acontece com eles. Eles desaparecem misteriosamente e ninguém sabe para onde vão, não é? — ele acrescentou abatido.

    Os olhos de Marcos estavam avermelhados não somente pelo cansaço, como também pela amargura que sentia. Miranda sabia que o marido estava muito triste e abatido ultimamente. Definitivamente não sabia o que fazer para agradá-lo. Ela temia que ele adoecesse, ou que enlouquecesse como acontecia comumente com os moradores de muitos setores. Eram comuns as cenas com os enfermeiros colocando as pessoas nas viaturas brancas do Departamento Médico. O pior era que ninguém sabia para onde aqueles infelizes eram levados. A certeza era que ninguém jamais os via novamente.

    Querendo tirar o marido daqueles pensamentos pesarosos, Miranda sorriu e disse. — Sabe amor, eu tive um sonho tão lindo. Você quer que eu conte?

    — Conte querida, por favor. — Marcos disse sem muito entusiasmo. Em seguida pegou um copo de água na pia.

    — Eu sonhei que estava andando com Sheila em um campo cheio de grama verde. Aqui e acolá árvores muito altas eram agitadas pelo vento. O que mais era lindo no sonho era que o céu estava azul, e o sol brilhava bem lá em cima. — o rosto caucasiano estreito de Miranda brilhou num sorriso de felicidade.

    Marcos escutou pacientemente a jovem esposa. Ficou pensando como ela ainda tinha ânimo para sorrir naquele mundo cinza subterrâneo. Num mundo onde as pessoas eram levadas no meio da noite gritando por ajuda. Aparentemente Miranda não se deixava afetar pelo o que havia a sua volta. Possuía muita força vital capaz de fazê-la viver plenamente mesmo na adversidade. Tinha força vital, ou era outra coisa qualquer... Era isso que Marcos quis saber.

    O casal ficou conversando mais alguns minutos até que finalmente Miranda fez com que o marido fosse se deitar. A pequena Sheila ressonava tranquilamente alheia aos problemas psicológicos do pai. Por um momento o amoroso pai ficou contemplando a menininha ruiva que ressonava. Por um breve instante ele se esqueceu do mundo sombrio em volta. Acima das cabeças deles, o cronógrafo digital embutido na parede de concreto mostrava as horas e a data. Os números do mostrador lançavam uma suave luz avermelhada sobre a cabeceira da cama do casal.

    Às seis horas da manhã o cronógrafo os despertou com uma melodia insossa. Algo que devido ao infame trabalho de despertar os humanos, se tornara desagradável ao longo do tempo. Marcos se levantou e foi ao banheiro público fazer a higiene matinal, enquanto Miranda faria o mingau de proteínas e cereais. Miranda só iria trabalhar às oito e trinta. Antes disso levaria Sheila para a Escola Educacional onde a pegaria novamente às dezoito horas.

    Assim que ele voltou, se sentou à mesa junto com a pequena Sheila. Começou a comer o mingau matinal sem muito apetite. Miranda tinha ido ao banheiro público. Revirando o mingau amarelado, Marcos ficou dando tratos à bola para saber de onde vinha o farelo de cereal para fazer aquela insossa refeição matinal. Tinha certeza que o leite sintético vinha de uma das fábricas dali mesmo. De fato, ele nunca viu uma plantação de cereais. Só sabia o que eram porque viu uma através de fotos dos hololivros e filmes. Mesmo assim, desde a mais tenra idade ele se alimentara com o mingau matinal de cereal. E depois que comia a singela refeição, ele e todo mundo se sentiam bem alegres e dispostos. Como se todos esquecessem dos problemas e a vida fosse maravilhosa. Ele e toda a população dos setores habitacionais sentiam a mesma coisa após cada refeição. Depois que o mingau passeou desagradavelmente no interior da boca e foi engolido, ele foi lavar o prato metálico na pequena pia. Logo Miranda chegou e Marcos abraçou a pequena Sheila para poder partir.

    — Você ama o papai, meu docinho?

    — Eu te amo papai. — Sheila abraçou o pescoço do pai e o beijou na bochecha.

    Miranda observava extasiada de felicidade. Adorava aqueles momentos felizes onde seu homem sorria com um semblante completamente diferente. Momentos como aquele era um alívio nesta época em que ele andava muito triste e abatido.

    Depois de beijar a esposa e se despedir dela, o marido deixou o apartamento térreo. Suas roupas de sair eram feitas de uma fibra que imitava algodão. Composta de uma calça bege clara, camisa branca e uma jaqueta simples de cor azul esmaecido. E para completar o figurino triste ele usava um boné de cor cinza. Os moradores de Alvorada e dos outros setores usavam vestimentas que os deixavam parecidos com os cidadãos da China no tempo de Mao Tse Tung. Nada de ostentação e nada que demonstrasse individualismo mental. O pensamento era: você faz parte de um coletivo, portanto, comporte-se como tal e dane-se o resto.

    As residências no setor residencial de Marcos eram conjuntos de apartamentos de sete andares margeando as ruas e sem elevadores. De vez em quando se podia ver uma grande e alta coluna de rocha subindo até o altíssimo teto cavernoso. Ele sabia que existiam nas beiradas da grande caverna, arcos estruturais de aço presos à parede com enormes pinos que se aprofundavam na rocha viva. Aqueles arcos subiam acompanhando o contorno até o teto da abóbada. Era lá em cima que ficavam os gigantescos dutos de ventilação, de água e tratamento de ar. As gigantescas luminárias eram reguladas para dar a impressão de ser dia ou de noite. De vez em quando nas ruas passava alguma viatura elétrica da administração setorial. Os cidadãos não eram proprietários de nenhum veículo como aqueles. Mas havia fábricas de carros aqui. A grande questão era... Para onde esses carros fabricados iam? Essa era outra questão que sempre o atormentara desde a infância.

    Agora no período da manhã as ruas estavam cheias de pessoas saindo de suas moradias. Sempre a mesma coisa: calças, jaquetas e bonés quase todos nas mesmas cores. A movimentação nas ruas era de cidadãos andando quase sem falar uns com os outros. Quase sempre cabisbaixos com as mãos enfiadas nos bolsos das calças. Sapatos grosseiros como os de EPI (equipamento de proteção individual) eram o que aquelas pessoas usavam. Sempre o mesmo figurino diário padronizado. Os sapatos eram grosseiros na cor preta e faziam um som oco e triste nas calçadas sujas. Tudo aquilo lembrava um pouco a enfumaçada era Vitoriana na cidade de Londres.

    Nas paredes de alguns edifícios, luminosos ou telas holográficas anunciavam sempre alguma coisa. O mais presente era o anúncio: CORPORAÇÃO PERSIN SEMPRE PRESENTE COM VOCÊ. Outros anúncios mostravam a hora, e os horários dos trens Maglev ou coisas relativas ao governo. O que era estranho para um visitante que chegasse ao setor Alvorada, ou em outro lugar da cidade subterrânea de Esperança, era que não se via qualquer tipo de animal. Não havia gatos, cachorros ou qualquer outro tipo de bicho. As pessoas sabiam o que eram estes animais e outros graças aos hololivros das bibliotecas setoriais. Sabiam que há muito tempo atrás as pessoas viveram na superfície, e costumavam ter bichinhos de estimação em suas residências.

    A Administração setorial procurava instruir seus cidadãos, mas não em um nível que os sujeitos pudessem saber pensar. A coisa era mais ou menos assim: aprenda operar este equipamento aqui, saiba como aquele funciona acolá. Aprenda como fazer manutenção em todas elas. Enfim, entenda como tudo funciona por aqui, mas não queremos nem um filósofo metido a besta pensando demais nas coisas. Não pense demais, isso poderá nos trazer complicações, não é mesmo? E nós não queremos isso.

    Marcos atravessou a rua em direção ao túnel de acesso que, o conduziria ao outro trem Maglev para o setor Manufatura alimentício. Em ambas as calçadas, diversas pessoas nas mesmas roupas quase da mesma cor, iam e vinham para suas fainas diárias. Era aqui que o setor residencial de Alvorada terminava, e o teto da gigantesca caverna era um pouco mais baixo. Marcos ajeitou o boné na cabeça e olhou entediado para um anúncio numa grande tela na parede de rocha polida: SEJA UM BOM CIDADÃO. COLABORE COM A ADMINISTRAÇÃO SETORIAL. SEJA COOPERATIVO. PROCURE TRABALHAR EM PROL DE SUA COMUNIDADE. O anúncio oscilou brevemente na grade holográfica. Talvez devido à constante umidade que estava em toda parte.

    O túnel estava profusamente iluminado. A iluminação se refletindo nos grandes azulejos brancos. Em espaços regulares informativos holográficos diziam: VOCÊ ESTÁ SAINDO DO SETOR ALVORADA. TREM PARA OS SETORES MENDES, ALBERTA E AUGUSTA. EMBARQUE NAS PLATAFORMAS A1, A3 E A4. TENHA UM BOM DIA! A CORPORAÇAO PERSIN LHE DESEJA UM DIA PRODUTIVO!

    O túnel de acesso aos trens estava lotado de gente naquela hora da manhã. O mar de gente parecia controlado pela musica suave de ambiente. Em nenhum lugar havia qualquer tipo de pichação. A pichação era uma coisa que poderia dar gratuitamente ao sujeito uma punição de três açoites com vara. E uma passagem gratuita para o Departamento Correcional. O que lhe daria um mês de trabalhos forçados. Que poderia consistir em trabalhar nas novas galerias que estavam sendo escavadas nas rochas. Ali o infeliz realmente descobria o que era trabalhar duro.

    As plataformas de embarque e desembarque do trem Maglev eram muito parecidas com as antigas plataformas dos metrôs das grandes metrópoles do passado. Ladrilhos cor de mármore subiam até no meio das paredes de concreto acinzentado. Por cima, longas luminárias espalhavam uma gritante luminosidade branca. Presos aos ladrilhos havia grandes quadros com patéticas obras de arte que ninguém mais prestava atenção. Em pontos estratégicos, pequenas cabines de plástico resistente abrigavam policiais em uniformes azuis escuros do Olho público. De seus cinturões negros, bastões de choque se penduravam frouxamente. Eram homens ou mulheres de feições bronzeadas, que olhavam para tudo e para todos com olhos de falcão. Somente precisavam de uma pequena desculpa, para enfiar o bastão nas costas de alguém e fritá-lo com uma descarga elétrica. Marcos sempre dera tratos à bola para saber como eles conseguiam aquele bronzeado no rosto.

    Os homens e as mulheres da Polícia do Olho Público não conversavam com os habitantes dos setores habitacionais. Quando o faziam era sempre laconicamente para fazer perguntas ou dar alguma informação. Além do bronzeado, Marcos era encucado por os policiais também terem seus corpos bem mais cheios de carne do que os habitantes dos setores habitacionais. Em contrapartida, os moradores dos setores sempre foram magros e pálidos com cara de doente.

    A multidão se aglomerou na plataforma a beira do trilho magnético do trem Maglev. No meio da agitação um sujeito moreno oliva acenou para Marcos. O cara se chamava Telmo Santos. Um sujeito bonachão dono de uma cara amassada de boxeador. Telmo tinha o cabelo muito crespo quase raspado. Os olhos dele eram verdes e um nariz largo somado a testa larga abaulada, lhe dava o aspecto de um animal de muita força. Telmo era atarracado com os ombros largos. Talvez fosse por isso que seus amigos mais chegados lhe chamassem de Buldogue.

    Buldogue estendeu uma mão enorme para Marcos, que a apertou efusivamente. Parecia que Telmo só sabia sorrir. Marcos pensou que gostaria de saber o motivo daquela estranha alegria.

    — E aí amigão como vai a família? — Buldogue perguntou enquanto olhava rapidamente para uma moça ali perto.

    — Ela vai bem amigo, obrigado. A pequena Sheila está crescendo depressa.

    — A coisa é assim mesmo. Um dia as crianças nascem, vão crescendo, e de repente pimba! Elas estão do nosso tamanho e já estão se casando. O tempo passa depressa, não é mesmo?

    Por um momento Marcos olhou para a boca do túnel do trem à esquerda. Nada ainda do Maglev. — E como está o pequeno Landro?

    Como que uma sombra escura de preocupação passou na face de Telmo. — Oh, cara... Landro estava com um pouquinho de febre esta manhã. Dara não vai trabalhar hoje para poder levá-lo ao posto de saúde. Estou com medo que seja a Febre de Burns...

    — Não cara, nem pense uma coisa dessas pelo amor de Deus! Vira essa boca pra lá. Talvez seja apenas um resfriado. — Marcos tentou amenizar.

    Um sorriso amargo surgiu na face de Buldogue. Ele disse em tom baixo. — Dizem que está ocorrendo um surto da Febre de Burns nos setores. Dara tem uma amiga que trabalha no Centro de Saúde que contou a ela. As autoridades nem tocam no assunto, por que será?

    — Talvez seja para não assustar a população. Eles temem que possa haver pânico, e a coisa poderia sair do controle por aqui. Você não acha?

    — Talvez seja isso Marcos. De qualquer forma, estou preocupado com Landro. Não sei o que faria se perdesse meu filho.

    Por um momento Marcos ficou taciturno sem saber o que dizer ao amigo. Porém, sabia que a maldita Febre de Burns era um mal que assombrava a população dos setores habitacionais. E aparentemente não havia cura para a enfermidade, não uma que se conhecesse. De vez em quando gente morria dessa doença. O que restava aos entes queridos era somente ver seus mortos sendo levados pelo departamento de saúde para a cremação.

    O silvo anunciando a movimentação do trem Maglev pelo seu campo suspensor quebrou o momento sombrio. Onde o medo da febre mortal assombrava os dois amigos. As composições do trem eram de metal inoxidável pintado de cor de abóbora suave. As portas laterais hidráulicas funcionavam a maneira dos metrôs do passado remoto. O interior dos vagões era revestido de material plástico na cor verde suave quase branco. Os assentos também eram de plástico marrom claro. Num gesto automático a multidão entrou pelas portas e foi buscando assentos no interior dos vagões. Começaria mais um dia de trabalho naquele setor subterrâneo.

    O percurso durou basicamente sete minutos. Marcos e Buldogue desceram na plataforma lotada de gente. Havia mais um ramal do trem que levava até o setor habitacional de Augusta. Bem no centro da plataforma, acima de um grande portal em arco, um holoanúncio dizia: BEM VINDOS A ALIMENTOS FENDRO! UMA SUBSIDIÁRIA DA CORPORAÇÃO PERSIN. TENHAM UM BOM DIA!

    Marcos e Buldogue acompanharam o fluxo de gente que entrava no portal em arco. No teto os bulbos de telemetria analisavam tudo o que se passava em volta. Em cada lado do portal em arco estavam as onipresentes guaritas com os homens uniformizados do Olho Público.

    A fábrica de Alimentos Fendro ocupava toda uma caverna abobadada. E era formada por grandes edifícios retangulares com tubulações prateadas nos tetos. Alguns das tubulações com mais de três metros de circunferência desapareciam em cima no teto da caverna. Marcos sempre teve curiosidade se saber para onde iam aqueles tubos.

    Enquanto caminhava junto com os outros para a entrada da fábrica, Buldogue quebrou o silêncio. — O que vai fazer depois do trabalho? A gente podia tomar alguma coisa.

    — Eu prometi levar Miranda e Sheila ao cinema. — disse Marcos.

    — Que nada cara. Você precisa espairecer a cabeça um pouco. Esse papo de ficar vendo filme com a esposa pode te deixar louco. Eu acho que nada substitui um trago depois de um dia cansativo de trabalho. — disse Buldogue zombeteiro.

    — Mas você sabe como são as mulheres, não é? Se você promete uma coisa, é melhor cumprir. Senão... — Marcos sorriu para o amigo.

    Depois que os dois entraram nas dependências da empresa. Logo foram para o vestiário trocar de roupa. Em seguida se dirigiram ao pátio central onde todos realizariam exercícios físicos. Lá, um sujeito magro e baixo de cabelo liso com mechas brancas lideraria a prática matinal do Tai Katá. A arte-marcial era um conjunto de exercícios que reunia muito das técnicas antigas de artes-marciais. Todos os funcionários estavam reunidos em forma à frente do sujeito. Assim que ele iniciou os movimentos do Tai Katá, todos passaram a fazer o mesmo. De alto-falantes ocultos saíram uma melodia chorosa de instrumentos de corda como se fossem do antigo oriente do passado remoto.

    Os movimentos do Tai Katá eram suaves e firmes. Os braços e pernas dos funcionários ondulavam em coreografias harmoniosas. Todos se movimentavam como se fosse uma gigantesca onda em um oceano harmonioso. Indo e voltando, como se fosse um só organismo. Depois de vinte minutos todos foram para seus postos de trabalho.

    Civilização Subterrânea

    Durante os intermináveis conflitos da guerra fria entre as potências continentais de Zéfiro, um grupo de militares percebeu que era muito importante construir um abrigo subterrâneo. Para que se pudesse abrigar a nata intelectual do planeta, bem como seus artistas mais renomados. Assim que realmente estourou o conflito que culminou no extenso bombardeio do Bloco Ocidental por parte do Bloco Oriental, os militares puseram seus planos de contingência em andamento.

    Enquanto os bombardeiros de longo alcance do Bloco Oriental despejavam seus mísseis virais sobre a metrópole de Flora, os refugiados desceram para o mundo subterrâneo de Esperança. A sombria previsão se cumpriu. Os que ficaram na superfície pereceram sob as infecções virais do bombardeio! Em nenhum continente de Zéfiro sobraram seres humanos vivos! Somente a vegetação e a fauna nativa não foram afetadas pelo ataque biológico.

    No início a cidade de Esperança era formada por dois ou três níveis no subterrâneo escavado na rocha bruta. Com o passar das décadas, e com o aumento natural da população, os dirigentes foram obrigados a escavar outros níveis. Quando a população inicial ainda era formada por militares; artistas e cientistas que foram selecionados para sobreviver e, portanto tinha o direito de morar em Esperança, a vida era igualitária para todos. Mas com o passar das gerações, novas pessoas foram surgindo. Gente que já não se lembrava mais do que acontecera na superfície. Daquilo que obrigara seus pais e avós a morar na crosta rochosa.

    Parece que em qualquer núcleo humano há uma tendência para o surgimento natural dos grupos privilegiados. Daqueles que por assim dizer, constituem um tipo de elite que acha que possui o direito viver à custa dos outros. E foi assim o que aconteceu na cidade subterrânea de Esperança. Quando os últimos militares que comandavam morreram de velhice, novos dirigentes assumiram o poder. E estes novos dirigentes acharam que sabiam como governar melhor que os antigos governantes. E de fato, implantaram mudanças radicalmente diferentes.

    Qualquer antropólogo ficaria fascinado com o que aconteceu em Esperança, ao notar que a população fora dividida em três castas diferentes. Os nobres vivendo com todo o conforto, os cidadãos e os Trabas (abreviação de trabalhadores) que eram nada mais que felás trabalhando como verdadeiros escravos.

    Com o passar dos séculos, a cidade de Esperança já possuía diversos andares escavados cada vez mais profundos na rocha. Verdadeiras cavernas gigantescas com edificações, fábricas e linhas de transporte. Os primeiros níveis que eram os mais antigos se transformaram em verdadeiros paraísos subterrâneos. Sendo habitados pelas castas dos nobres e cidadãos que governavam. Estes níveis tinham firmamentos holográficos imitando perfeitamente o céu diurno e noturno com estrelas. Também possuíam bairros com edifícios elegantes de aço, concreto e vidro. Os bairros possuíam maravilhosas quadras com bangalôs confortáveis, mais para mansões do que meras residências. Os setores habitacionais dos nobres possuíam parques florestais, lagos e fazendas com ervas verdejantes. As ruas eram belas e cheias de árvores verdejantes, e belos bulevares trabalhados em diversos tipos de metais. Um perfeito mundo em miniatura que proporcionava conforto material e visual para seus habitantes.

    Os níveis mais novos e mais profundos eram habitados pelos Trabas. Lugares eram chamados de os setores habitacionais. Os nobres chamavam estes níveis de o Submundo e nunca desciam até lá, com nojo e medo de se contaminarem com os Trabas. Quem de fato descia, eram os funcionários do governo que pertenciam à classe dos cidadãos livres de Bela Fênix. Os nobres fizeram de tudo para que a população de Trabas do Submundo não soubesse da existência dos maravilhosos níveis habitacionais superiores. Com o passar dos anos, essa massa de trabalhadores desprivilegiados passara a acreditar que seus níveis habitacionais eram tudo o que existia. Que lá em cima não existia nada, a não ser rochas e um mundo destruído por uma terrível guerra.

    Os nobres criaram um sistema habitacional para os Trabas com o fornecimento do mínimo necessário para sua sobrevivência. Eles fizeram dessa forma para que pudessem trabalhar continuamente nas manufaturas existentes em seus níveis. Para controlar essa população do submundo, criaram uma polícia que foi chamada de o Olho Público. Uma tropa devidamente instruída para usar a força se necessário contra as massas trabalhadoras. O Olho possuía salas de monitoramento. Com telas de onde seus funcionários monitoravam tudo o que acontecia no submundo. Um verdadeiro Big Brother observando tudo o que acontecia. Controlando tudo para que nada fugisse ao controle.

    Os moradores dos níveis inferiores eram os trabalhadores que manufaturavam tudo o que os nobres e os cidadãos usavam. E quando alguém criava coragem de perguntar para quem eram, e para onde iam aqueles produtos acabados, recebia uma espécie de livre e espontânea pressão que o desencorajava a fazer novas perguntas. Os nobres e os cidadãos em seus níveis paradisíacos eram servidos por serviçais trazidos do submundo. Pessoas capturadas nos setores habitacionais, e que nunca mais voltavam a ver seus entes queridos. Desta forma os senhores de Esperança tinham cozinheiros, arrumadeiras, jardineiros, porteiros, mordomos e diversos outros tipos de mão-de-obra não remunerada.

    Aqueles que serviam aos senhores em suas residências, depois de terminarem de prantear a situação, acabavam achando que estavam em melhores condições que seus entes queridos no Submundo. Ao longo do tempo os senhores deram tratos à bola em como controlar a natalidade no submundo. Então, fizeram com que seus cientistas passassem a usar além dos métodos anticoncepcionais, doenças geneticamente alteradas. E uma delas era a conhecida Febre de Burns. Uma virose letal que em pouco tempo debilitava o sujeito levando-o ao óbito. Os cientistas também criaram uma cepa de vírus sintético especialmente para afetar pessoas maiores de 65 anos. Com isto, a população nos setores do submundo nunca atingia a velhice avançada.

    Os Trabas viviam vidas simples em seu mundinho sem saber que em níveis acima de suas cabeças, pessoas viviam em pleno conforto explorando sua mão-de-obra. Controlando-os como animais num curral. Decidindo quem é que vivia e quem deveria morrer. Os cientistas sabiam que o descontentamento era o pai de toda revolução das classes oprimidas. Desta forma, estes homens cruéis e cínicos desenvolveram toda uma linha de drogas ansiolíticas. Substâncias adicionadas constantemente nos insumos usados na fabricação de alimentos usados pelos Trabas. Constantemente as fórmulas eram modificadas para se evitar a imunização pelos consumidores. Tudo isso era idealizado e implantado através do Diretório de Ciências. Ao contrário da população vivendo em seus belos edifícios, divagando sob tratados filosóficos ou os novos trabalhos dos artistas, os trabalhadores viviam em uma cansativa rotina diária. Seu mundo era o mundo subterrâneo da produção!

    Já o mundo dos nobres e cidadãos era constituído basicamente de quatro níveis cavernosos imensos. O primeiro que era o mais próximo da superfície, era formado pela cidade residencial de Bela Fênix. Uma bela cidade formada por edifícios de até dez andares no máximo, construídos em quadras retangulares bem arborizadas. O visitante notaria com admiração as grossas colunas de rocha maciça subindo até ao céu holográfico azul com nuvens. Foram esculpidas assim para que sustentassem o altíssimo teto rochoso da grande caverna.

    Os cientistas criaram redes holográficas posicionadas nos tetos das cavernas. Criando verdadeiras ilusões do céu na superfície. Existiam até mesmo, redes de tubulações de água no teto para imitar os ciclos de chuva sazonais. Dessa forma havia nascer e por do sol e, também uma noite estrelada nos céus artificiais dos níveis superiores. A cidade de Bela Fênix possuía largas avenidas bem delineadas. Por onde a população rodava com seus veículos elétricos não poluentes. O visitante notaria também uma movimentação diferenciada nos jardins e quadras e nas ruas da cidade. Nada mais era do que trabalhadores serviçais varrendo e cuidando dos jardins, ou fazendo algum tipo de manutenção. Todos eram pessoas trazidas à força do Submundo dos Trabas.

    O nível abaixo da cidade era o nível dois. Era lá onde ficavam as florestas, os bosques, os zoológicos e os institutos de biologia e genética. Quando os militares do passado construíram a cidade subterrânea, ordenaram que os cientistas guardassem em bancos genéticos sementes da flora e embriões da fauna. Graças a esse trabalho louvável, hoje as pessoas podiam ter a impressão que estavam na superfície do planeta lá em cima. Também tinham diversos animais que eram usados como gado de corte. Usados para suprir as necessidades alimentícias.

    As florestas artificiais criadas ao longo das décadas abrigavam agora a fauna e a flora em ambientes que imitavam perfeitamente as antigas florestas da superfície. Nos lagos eram cultivadas diversificadas espécies de peixes de água doce, bem como animais diversos de vida aquática.

    No terceiro nível ficavam as fazendas onde se produziam os cereais não só usado pelos nobres, como também pelos habitantes do submundo. Nestas fazendas os técnicos utilizavam uma avançada tecnologia de automação e genética, fazendo com que as plantas produzissem muito e em pequeno espaço. Com isso o abastecimento estava garantido para a produção de alimentos em todos os níveis.

    No quarto nível ficava o mar interior onde os nobres se deleitavam em praias de areias, ou relaxavam praticando mergulho. Quando um grupo dissidente chamado de Neutralistas começou a escavar para construir um refúgio longe dos senhores de Bela Fênix, se depararam com um gigantesco reservatório de água doce. Este reservatório foi adaptado para abrigar peixes fluviais da superfície. E em sua orla os técnicos colocaram areia, criando assim belíssimas praias. Depois de algum retoque, também ali as enormes colunas de rocha saiam da água do mar e até o belíssimo céu azul artificial do teto cavernoso.

    O fornecimento de energia para todo o complexo subterrâneo de Esperança era garantido por enormes reatores de fusão. Todos foram

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1