Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Entre Tantos Mundos
Entre Tantos Mundos
Entre Tantos Mundos
E-book170 páginas2 horas

Entre Tantos Mundos

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Um rei medieval que desperta no século XX; um cão que descobre o significado da liberdade; a jornada de um músico em busca de sua última composição; o mistério de um fantasma que assombra uma cidade no interior; um ladrão que se apaixona por sua vítima e o ataque de um monstro a uma grande metrópole. Esses são alguns dos contos presentes na antologia Entre tantos mundos, de Rafael Esteves.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de jun. de 2020
Entre Tantos Mundos

Relacionado a Entre Tantos Mundos

Ebooks relacionados

Ficção Geral para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Entre Tantos Mundos

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Entre Tantos Mundos - Rafael Esteves

    TERRA À VISTA

    Depois de meses de muita água, Cabral e sua tripulação finalmente avistaram, ao longe, uma montanha.

    — Terra à Vista! — gritou o marujo.

    Pero Vaz de Caminha se pôs a relatar o descobrimento daquela nova terra. Escreveu sobre o grupo de homens nus e morenos que a tripulação avistou. Assim que Cabral, Caminha e uma equipe desceram, puderam estabelecer contato. Infelizmente, não falavam a mesma língua, como era de se esperar. Porém, os portugueses tinham encabulado os nativos, espantados com o navio e as roupas daqueles estrangeiros de pele branca.

    — Tragam o livro. — disse Cabral.

    Um dos portugueses aproximou-se dos índios, como viriam a ser chamados, com uma Bíblia em mãos. Os indígenas não tinham noção do que era um livro. Abriam, cheiravam, olhavam de todos os ângulos mas não compreendiam qual era a função daquele objeto.

    Certos de que não conheciam a palavra de Deus (e de que provavelmente não se interessariam por ela por si próprios tão cedo), Cabral e companhia foram descobrir mais sobre a cultura local. Explorando a aldeia mais próxima, conheceram invenções como a rede (desconhecida à maioria dos europeus daquela época), roça de capivara e a pintura corporal.

    A maioria dos portugueses sentiu repulsa pelo estilo de vida daquelas criaturas americanas, mas um marujo em particular que havia descido sem ao menos receber ordens, chamado Pereira, pareceu deveras entusiasmado com o novo país.

    — Este lugar é fantástico, capitão-mor! — ele dizia.

    As redes lhe foram muito confortáveis e Pereira chegou a conhecer uma índia jovem e atraente que chamou sua atenção, afinal ele não via uma mulher há muito tempo. Pereira também deliciou-se com um fruto que não lhe era familiar: a banana, cuja carne era macia e o gosto era doce, doce como tudo naquela terra.

    Vendo o gozo de que Pereira desfrutava, o resto da companhia começou a saborear os prazeres do Brasil, colocando de lado as diferenças culturais. As frutas, os bolos de tapioca, as mulheres, as redes, tudo muito bom.

    Caminha, que interrompera sua carta, virou-se ao seu capitão-mor e disse:

    — Capitão, se de fato reivindicarmos esta terra a Portugal, o que será dela? Somente um templo dedicado aos prazeres efêmeros ou construiremos aqui um reino tão grande como os vistos na Europa? Será que somente exploraremos este território, drenando seus recursos, sem preocupar-nos com o futuro? O que será desta terra sem alguém que cuide dela como uma mãe que cuide de seu filho? O que será dos que sofrerem pelos frutos de nossa irresponsabilidade como colonizadores, frutos como a corrupção, crime, pobreza e demais injustiças?

    Cabral pôs as mãos na cintura, mordeu os lábios e olhou ao redor. Enfim disse:

    — Não sei ao certo, mas quero tirar um cochilo.

    Deitou-se numa rede ali perto, colocou as mãos atrás da nuca e caiu num sono gostoso. O sono dura até hoje e a terra chama-se Brasil.

    O REI DE TACOMÊNIA

    a meu pai, Nilson

    Eu costumava frequentar uma praça bem movimentada em minha cidade há alguns anos. Todo fim de tarde, quando o clima era ameno e o sol já se preparava para repousar no horizonte, eu achava um jornal, revista, livro ou mesmo um bloquinho de palavras-cruzadas para ocupar meus olhos e, relaxado, sentava-me em um banco que existia ali. Era uma praça agradável. A grama era bem cuidada, as árvores eram bonitas e de copas fartas de um verde esmeralda e vivo. As crianças que por lá perambulavam a conversar sobre suas tramas inocentes e banais eram fonte de muito contentamento para uma alma cansada como a minha. De vez em quando, porém, eu deslocava minha visão da folha que tinha em mão para o meu redor, a procurar algo de interessante.

    E de vez em quando surgia, de fato, uma pérola entre pedras comuns. Como havia vários bancos e muitas pessoas a circular, surgia frequentemente alguém que passava para descansar ou ler um livro em um assento. Para quebrar o silêncio ou por necessidade de colocar uma conversa para fora, este desconhecido ou eu iniciava uma conversa que normalmente estendia-se pela tarde toda. Já ouvi de tudo: testemunhas de lobisomem, gente abduzida por alienígenas, celebridades esquecidas, pessoas com passados e histórias que iam do ridículo ao inacreditável.

    Assim foi por muito tempo, eu sentado num banco de praça tentando achar algo que me fascinasse. Mas mesmo com tantos contadores de histórias que eu conhecia, parecia que eu ainda não tinha encontrado o caso mais incrível ainda.

    Até que um dia, quando eu já estava quase cansando-me do mesmo banco, da mesma praça, da repetitiva contemplação de sua beleza e de ouvir histórias diversas mas que não me impressionavam ao máximo, eu conheci uma pessoa. De longe não parecia ninguém extraordinário, mas seria a fonte da história mais extraordinária que eu já ouvi.

    Tratava-se de um senhor, uns setenta anos. Era baixinho, mais baixo do que eu (sempre fui considerado pequeno). Talvez um metro e sessenta e dois de altura, no máximo. Sua barba era branca como neve e em sua cabeça não havia um único fio de cabelo, seria reluzente se não fosse enrugada. Seus olhos eram bem azuis e sua pele era rosada. Não seria estranho achar que era estrangeiro e ele, de fato, era. Seu andar era de alguém que já não aguentava mais a vida, como se tivesse passado da data de validade, um guerreiro de muitas batalhas, um sobrevivente de todas as calamidades.

    Avistei-o certo dia andando pela rua da pracinha. Na ocasião, ele vestia uma camisa branca de botões e calça preta, acompanhado de sapatos também pretos e portava um relógio bem bonito. Sustentava-se graças a uma bengala que mesmo assim não o impedia de caminhar com instabilidade. Apesar de tudo, estava bem elegante e chegou a chamar atenção pois ninguém o tinha visto ali antes.

    Inventou de sentar-se ao meu lado e eu fui logo imaginando que tipo de histórias ele iria contar para mim. Ele pareceu me ignorar inicialmente, mas depois de alguns minutos contemplando os pássaros que voavam pela praça, ele perguntou a mim:

    — Lendo jornal?

    — Sim.

    — Alguma notícia sobre Tacomênia?

    — Sobre o quê?!

    O nome foi uma surpresa para mim, nunca tinha ouvido antes. Mas conforme fomos nos aprofundando em nossa conversa, fui descobrindo mais sobre aquela estranha palavra. Tacomênia, gentílico tacomeno, tratava-se de um pequenino país perdido no meio da Europa, uma nação que já não existia mais e que há muito tempo fora incorporada a outros estados. Seu auge foi durante a Idade Média, tendo sido palco das mais espetaculares batalhas, das mais incríveis tramas entre irmãos pela coroa e das mais lindas baladas já cantadas. A literatura de Tacomênia era riquíssima, seu povo farto e feliz (embora passasse por muitas dificuldades como todos os outros países medievais) e sua cultura a mais esplêndida. Entretanto, o país viu seu declínio com o aparecimento de um terrível inverno que assolou toda a região durante o século treze.

    Assim me contou aquele senhor. Conversamos bastante sobre o país do qual eu nunca tinha ouvido falar antes e ele conseguiu me deixar bem curioso. Afinal, como sabia tanto de um reinozinho que ficava tão longe e que havia acabado há tanto tempo? Não me apressei em perguntar isso e a resposta dele foi a melhor possível:

    — Ora, eu já fui rei de Tacomênia!

    A ideia de estar conversando com um rei medieval era absurda demais, então eu ri, o que deixou o senhor muito desconfortável. Mas eu precisava mesmo de uma fonte de comédia naquela tarde entediante.

    — Como você se chama? — eu continuei a indagá-lo.

    -— Haldur é o meu nome, Haldur Taco III.

    Continuou contando-me a sua história e meu riso de natureza zombadora acabou se transformando em um semblante de seriedade, pois a sua jornada mostrou-se no mínimo envolvente. Haldur foi, segundo ele, o quadragésimo nono rei de Tacomênia. Morava em seu castelo na capital, Tacoburgo. Era amado pelo seu povo que o via como um herói. Assim eram com todos os reis de Tacomênia, todos eram heróis, muito diferentes dos outros monarcas europeus da época. Haldur tinha sua rainha e filhos e filhas, estes eram condes e baronesas, orgulhosos e bravos cavaleiros, belas e inspiradoras donzelas.

    Tinha, inclusive, um poderoso dragão como aliado. Era Rastang, o Grandioso, um enorme réptil alado de verdes escamas e conhecido (e temido) por seu hálito de fogo. Morava na Montanha Negra, no centro do reino, a única montanha de Tacomênia. Já foi inimigo dos tacomenos até o reinado de Hender, o Corajoso, quando este o libertou de um terrível feitiço que tinha o aprisionado na montanha. Sua morada continuou sendo a Montanha Negra, porém ganhara liberdade. Rastung era motivo de muito terror, mas também era um amigo próximo de todos os reis daquele país, pois era eternamente grato por ter sido libertado da bruxaria e os monarcas de Tacomênia sempre podiam contar com ele contra qualquer perigo que ameaçasse o reino. Era sempre chamado quando tocavam a sua corneta, um instrumento feito do osso de um dragão. Seu som era estridente e poderoso e ecoava por todo o reino.

    Por muito tempo, então, foi boa a vida em Tacomênia.

    Mas então, conspirações começaram a surgir contra Haldur. O rei tornou-se inimigo do Lorde Guillestein, seu arquirrival que há muito planejava usurpar o trono e ter o governo da Tacomênia inteira para si. Cercado por um leal exército, este nobre tirano tinha como bandeira a Caveira Coroada, consistindo da imagem de um crânio humano adornada por uma coroa. O plano de Guillestein era sórdido e maquiavélico, sustentando-se com base em velhas rixas e no apoio de tropas e tropas de leais cavaleiros e brutais mercenários.

    O rei Haldur, porém, não temia a morte, embora tivesse medo do que um ataque do exército de Guillestein pudesse fazer ao povo do país. Religioso, purificava-se diariamente e passou com o tempo a ouvir sobre profecias que envolviam sua queda em batalha.

    — Ele não pode morrer, tem proteção divina. — alguns diziam.

    — Deus tem planos para ele. Se morrer, se levantará para governar o mundo séculos depois! - outros comentavam.

    E então as profecias foram ganhando forma e força, prelúdios de um destino supostamente premeditado por forças superiores. Dessa forma, da boca do povo, o rei Haldur Taco III foi ganhando a fama de abençoado e foi ganhando a simpatia das pessoas pelo reino e até mesmo do outro lado da fronteira. Haldur o Imortal, assim era conhecido. Poetas começaram a escrever sobre um futuro em que Haldur se levantaria de entre os mortos e reinaria o mundo. Assim era a profecia: o rei que caiu um dia se erguerá e o mundo inteiro governará.

    Mas nem todos acreditavam nas profecias. Todos levavam uma vida tão simples que, com a ameaça de uma guerra real contra Lorde Guillestein, eram inventados contos mirabolantes e fantasiosos para não deixar a população tensa ou alarmada.

    Mas então a guerra chegou. Lorde Guillestein, do seu castelo negro além das Colinas dos Lobos, passou a tramar um conflito que levaria ao fim de Haldur e de todo o reino. Não envolvia calúnias e difamações como era de costume antes, mas um combate real com o uso de seus exércitos que, se bem comandados, eram capazes de causar grande dano à sociedade Tacomena.

    Porém, não só com força humana o terrível Lorde contava. Através de amizades agourentas com os piores tipos disponíveis no reino, isto é, feiticeiros servos de demônios cujos nomes eram impronunciáveis, Guillestein desvendou os segredos das magias e ciências negras até então desconhecidas a ele ou a qualquer cristão do reino. Com a ajuda de aliados bruxos, Guillestein conseguiu conjurar uma poderosíssima magia contra Tacomênia: o inverno mais cruel da história da Europa e talvez de todo o mundo.

    Não houve exagero nos olhos de Haldur quando me falou sobre o impiedoso inverno que devastou o seu país.

    Chegou rápido. Certa manhã, uma

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1