A Cura De Eva
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A Cura De Eva - Simone Martinelli
Cura de Eva
São Paulo, 2012
2
A cura de Eva
Copyright 2010 by Simone Martinelli
Todos os direitos reservados. Fica extremamente proibida sua cópia.
Preparação Simone Martinel i
Revisão Alexandre P. de Almeida, Claudia Regiane Martinelli Victorio e
Genoveva Franscescone Cruz
Diagramação Simone Martinel i
Capa Canva
Texto de acordo com as normas do novo acordo ortográfico da língua portuguesa.
Índice para catálogo sistemático
1. Ficção: literatura juvenil
3
Para as filhas de Lilith e filhas de Eva.
4
"No céu noturno, aparecia uma esfera de luz ainda misteriosa, mudando sua forma com o
passar das noites, até desaparecer e retornar novamente."
Raven Grimassi
1. Curtindo
- Filho está na hora!
-Estou descendo. Gritei enquanto vestia minha camiseta perferida.
Aquele seria o último dia, finalmente estaria livre das intermináveis
aulas de química, da enjoativa comida da cantina, livre das
insuportáveis gozações do tradicional time de futebol americano.
Passei metade da vida assistindo aos Lions Havens transformarem
minha pacata rotina em um inferno, senão tivesse herdado do meu
pai o gosto pela arte de jogar bola com os pés, talvez não fosse
alvo dos quarterbacks. Aliás, essa herança não era nenhum pouco
popular, na lista de preferências femininas, os jogadores de futebol
americano tinham destaque absoluto, logo depois, os jogadores de
basquete, depois de beisebol e depois, muito depois beirando o
fim da lista, estavam os jogadores de soccer. Minha vida social e
amorosa foi quase sempre um desastre.
- Vamos filho, que demora. Cadê sua beca? Perguntou minha mãe
na ponta da escada, já soando irritada.
- Está na mochila, vou vestir só quando chegar à escola. Respondi
fechando a porta do quarto. Não queria pagar mico antes da hora.
Era verão e o dia estava nublado em New Haven, minha mãe,
como sempre alegrou meu dia com uma de suas extravagantes
capas de chuva. No caminho até a escola, ela não parou nenhum
só minuto de comentar sobre a colação. Sei que a próxima colação
de grau que participaria seria dos seus netos, afinal sou filho único,
mas o falatório estava me deixando ainda mais nervoso.
5
- Vou estacionar o carro e esperar pelo seu pai... Encontro com
você lá dentro.
- Até daqui a pouco. Respondi descendo do carro.
- Até, meu filho.
Por ser final de semana, os únicos presentes éramos nós, os
formandos, nossas famílias e alguns professores. Era estranho
pensar que passei metade de minha vida aqui, entrei nesse colégio
ainda criança, mal sabia escrever. Hoje já quase adulto tinha
certeza que estava pronto para enfrentar o mundo.
Assim como eu, John, que estava vindo na minha direção, entrou
aqui moleque. Somos melhores amigos desde o primeiro dia de
aula quando Steve e sua turma da terceira série tiraram sarro de de
nossas roupas super coloridas e cabelos estilo tigelinha.
- Finalmente estamos livre do colegial, você acredita? Perguntou
John passando o braço no meu ombro.
- Parece piada, respondi sorrindo.
Chegamos ao teatro e Margaret, de longe a melhor aluna da sala, já
estava fazendo o discurso. Era algo sobre a história da cidade. Foi
aqui que chegou o famoso navio negreiro La Amistad.
Cansado do oratório, fiquei aliviado quando o professor Robbison
começou a chamar um por um para a entrega do canudo. Fui um
dos últimos, olhei para a plateia, meu pai, minha mãe e a tia Beth,
estavam com lágrimas nos olhos. Naquele momento pensei: Todos
sempre dizem que os melhores anos de nossa vida são os anos que passamos no
colegial, será mesmo verdade? Ao fim, como manda a tradição jogamos
nossos chapéus para o alto. Foi tanta euforia que acabei abraçando
até os quarterbacks, esqueci completamente dos momentos ruins,
agora era hora de comemorar.
Ao final da cerimonia, antes de entrar no carro olhei uma última
vez para a escola, talvez no futuro sinta saudades, mas hoje o que
estava sentindo era um enorme alívio. Fechei a porta do carro e
seguimos para o Frank Pepe.
6
A pizza do Frank era uma das melhores de Connecticut. Meu pai
identificava-se com a história de vida de seu dono. Frank Pepe
chegou a América em 1909 aos 16 anos, sem dinheiro esse
imigrante italiano trabalhou durou para conseguir realizar o tão
desejado sonho americano. Minha família era viciada nas suas
pizzas finas e crocantes, sempre que queríamos sair para
comemorar, aqui era nosso ponto de encontro.
A pizzaria estava cheia, por sorte nossa mesa estava vaga.
Sentamos e pedimos o de sempre, meia margherita e meia
peperoni. Minha mãe estava tão animada e feliz com a formatura
que ainda falava sobre a colação, enquanto meu pai só queria saber
da universidade. Cada pedaço de pizza uma pergunta. Tia Beth
coitada, não abriu a boca, meu tio tinha acabado de trocá-la por
uma mulher mais nova e com meus primos, Tom e Brad na
faculdade, ela estava enfrentando sozinha a separação.
- Thomas, até agora não entendi porque você preferiu NYU, Yale
é mais conceituada.
- Pai, já falamos sobre isso, Yale não é para mim, estou cansado
desta cidade. Quero ir para Nova York, lá terei mais chances.
- Chances do que menino? Perguntou ele tomando um gole de
cerveja.
- Chances de me dar bem. Respondi mordendo o pedaço da pizza.
- Thomas... falando de emprego ou de mulheres?
- Os dois. Respondi sem vergonha.
- Filho, você deveria priorizar sua carreira, assim consegue um
bom emprego, choverá mulher na sua horta.
- Paulo, isso é conselho que se dê para o menino? Perguntou
minha mãe irritada.
Fiquei calado enquanto os dois discutiam, aos dezenove anos
ainda não tinha me apaixonado, nem namorado. Agora veja se vou
esperar até ficar rico para tudo isso acontecer? Você está louco,
quero mais é diversão, curtição, azaração e Nova York é a cidade!
7
Assim que acabamos o almoço, fomos levar tia Beth para casa. Ela
morava no centro, perto de Yale. Sua casa era grande e bem antiga.
Na varanda, como era de costume, uma bandeira americana.
Minha mãe abriu a porta do carro, ajudou tia Beth a descer e
acompanhou-a até a porta de entrada. Enquanto as duas se
despediam, meu pai voltou-se para mim e em voz alta concluiu: -
Thomas, esqueça aquele conselho que te dei na pizzaria, aproveite
que você é jovem e resolva todos os seus desejos e vontades, só
assim estará livre da crise da meia idade. Sem dizer nada, coloquei
a mão no seu ombro, ele olhou para trás e sorriu.
Sempre tive orgulho de meus pais, mesmo meu tio sendo seu
irmão, minha mãe deu seu total apoio a minha tia. Eles sempre
diziam que, a verdade e justiça só são válidas quando nada as
influenciam.
Depois de deixar tia Beth, pedi a eles que me deixassem na casa do
John. Não tinha nada para fazer naquela tarde chuvosa ao não ser
perdê-la jogando winning eleven. Quando cheguei, ele já estava na
quinta partida. Jogamos até quase meia-noite quando finalmente
voltei para casa. Cansado, só consegui tirar os sapatos e cair na
cama.
No dia seguinte, com a sensação de liberdade comecei a empacotar
as coisas. Faltava apenas um mês para começar as aulas na NYU,
ansioso queria mudar logo.
Nos quinze dias que se seguiram, não fiz absolutamente nada, na
maior parte do tempo ficava na casa do John jogando, zoando no
Twitter, no Facebook e postando as últimas análises no blog.
Quando entramos para o time de futebol do colégio, eu e o John
criamos um blog para discutir o futebol nos Estados Unidos,
chamava Soccer na terra do Footbal
. Até que fazia sucesso,
pena que logo teríamos de abandonar esse projeto, a vida de
universitários tomaria tempo.
8
Chegado o tão esperado dia, acordei animado e ainda mais
ansioso. Olhei pela janela e o dia estava perfeito, o sol brilhava e as
nuvens dançavam. Tomamos café da manhã em família, iria sentir
falta das panquecas de meu pai e do delicioso café da minha mãe.
Terminei de comer e antes de subir para buscar as malas, ajudei
com a louça.
- Filho quer ajuda? Perguntou meu pai, enquanto eu subia para
buscar as malas.
- Não pai, obrigado dou conta. Respondi colocando duas malas no
braço direito, uma no esquerdo e carregando mais outras duas,
uma em cada mão. Coloquei as malas na porta de entrada e fui
levando uma a uma para o carro.
- Thomas querido, se comporte, tome cuidado com as meninas e
use sempre proteção. Disse minha mãe parada na varanda.
- Affe mãe pára por aí, já sou bem grandinho. Respondi sem graça.
- Filho você é uma criança! Respondeu ela cruzando os braços.
- Sue, deixa o menino, não está vendo que ele sabe se cuidar?
Disse meu pai colocando a última mala no carro.
- Pode deixar mãe, sei mesmo me cuidar. Respondi entrando no
carro. - Bora pai, tá na hora.
- Pegou tudo, meu filho?
- Peguei sim.
- Então vamos embora, tchau Sue até daqui a pouco.
- Tchau honey, Tchau filho.
- Tchau mãe até mais!
- Me liga quando vocês chegarem lá.
Acenei para ela e dei uma última olhada na casa. Não era fácil dizer
adeus aos meus dias de filhinho da mamãe, apesar de estar
empolgado com minha nova vida de adulto, deixar a casa e o
cuidado dos meus pais gerava certa insegurança.
9
Eram exatamente dez horas da manhã quando saímos de New
Haven. Nova Iorque ficava perto, só uma hora e quarenta e cinco
minutos de viagem. Pegamos a I-95 S, a estrada estava tranquila,
dei graças a Deus por não estar em uma das movimentadas
estradas do Brasil. Toda vez que íamos visitar meus avós que
moram em Santos, tínhamos de pegar uma estrada chamada
Imigrantes. A estrada era boa, porém vira e mexe ficava
congestionada, uma viagem de duas horas se transformava em
quatro.
- Pai, lembra da última vez que fomos visitar a vovó? Perguntei
olhando para a quase vazia estrada.
- Lembro sim Thomas.
- Nossa, demoramos mais de 4 horas para chegar.
-Também filho era final de ano e você sabe que os Brasileiros
adoram passar o réveil on na praia.
Eu também adorava passar o réveillon nas praias brasileiras, a
mulherada, como dizia meu avô eram de parar o trânsito. Minha
mãe detestava, ela nasceu e cresceu em New Haven, praia aqui só
no alto verão e olhe lá. Toda vez que íamos para o Brasil, ela
tentava convencer meu pai a ficar.
Chegamos rápido em Nova Iorque e fomos direto para NYU.
Paramos na porta do prédio da admissão. Descarregamos as malas
e ali mesmo nos despedimos.
- Filho olha lá confio em você! Não vai dar razão para sua mãe.
Disse ele tirando a última mala do carro.
- Pode deixar! Trocamos um abraço apertado e ele seguiu de volta
para casa. Fiquei observando o carro até perder o alcance. As
conversas com meu velho irão fazer falta. Com o coração
apertado, respirei fundo, arrumei o cabelo e subi as escadas do
imponente prédio da NYU.
O clima era completamente diferente do colegial, as pessoas eram
animadas, sorridentes e por incrível que pareça gentis. Cheguei ao
10
centro de admissões e um cara pouco mais velho do que eu, todo
desarrumado, parecendo aqueles modelos que usam roupas sujas e
acham sexy não lavar os cabelos, me levou até os dormitórios.
Antes de abrir a porta do quarto, o rapaz me entregou o papel com
as normas e horários de funcionamento da lanchonete e da
biblioteca, perguntou se eu tinha alguma dúvida, apesar de ter
várias, disse que não tinha nenhuma. Sem mais, ele me deu a chave
e foi embora. Olhei para a chave como quem olha para um
tesouro, segurei-a na mão e abri tremendo a porta.
O quarto era maneiro tinha duas camas de madeira preta, dois
criados mudos brancos e paredes amarelas. Em cima da cama do
lado direito, toda bagunçada, tinha um pôster dos New York
Knicks. No criado mudo um abajur velho e o porta retrato de um
cara com uma garota. Coloquei minha mudança no lugar vago,
desempacotei um pequeno mural, arrumei algumas fotos, as
roupas no armário e ajeitei a estante para o laptop, depois de meia
hora estava tudo no seu devido lugar. Peguei o celular e mandei
uma mensagem para minha mãe e outra para o John. Aquele
também seria seu primeiro dia na Cornell. Fizemos os testes
vocacionais juntos, eu segui para direito e ele para engenharia
biológica ambiental. Depois, como não tinha mais nada para fazer
fui dar uma volta na universidade.
O lugar era bacana, não lembrava em nada a arquitetura medieval
de Yale. Todos os prédios tinham acabamentos em tijolos
aparentes vermelhos, as janelas eram brancas, em quase todos os
cantos tinham bancos de madeira e árvores que deixavam o
ambiente mais alegre e leve. O espaço externo era grande e estava
cheio de gente indo de lá para cá.