Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Aparências Subjugadas
Aparências Subjugadas
Aparências Subjugadas
E-book381 páginas5 horas

Aparências Subjugadas

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

A realidade vista pelos olhos de cada um não é a mesma realidade assistida por todos. O que é aparente para um pode ser inverossímil para outro ou uma ilusão aceita pelos sentidos como verdadeiro. Dentro desse jogo das aparências os erros são mais factíveis. Jacob é um jovem desempregado em busca de uma oportunidade de trabalho que acontece em uma loja de antiguidades, propriedade de Clarissa e Romain. O casal entra em conflito por suspeitas de adultério o que culmina em um assassinato brutal que tem como principal suspeito Jacob. Mas, as provas não são convincentes para o detetive Brandel que empreitará uma jornada em busca de provas em favor de Jacob. Durante as investigações ele se depara com um serial killer, com loucos, perseguições, crimes hediondos, se apaixona. O enredo se estende a picos inesperados. Jacob que é retirado da sua vida pacata, rotineira, previsível e envolvido em uma realidade onde a duvida paira, a loucura grita, o medo se espreita e os olhares se perdem. Temas como o mau, o medo, o desespero, a angustia, a solidão, a esperança, a natureza humana são tratados nessa obra. – Não sei o que aconteceu ou o que deu errado naquele lugar. Sei que isso tem um nome, mau. Ainda que queiram nomear de outro modo. E o mau não tem uma explicação convincente porque cada um tem sua própria crença. Às vezes isso é um problema quando se trata de um tema moral. Assim vejo o mau, uma questão que vai além da moral e alcança, também, as questões da metafísica. Matar é o mal saindo da teoria, é a maldade que pulou dos pensamentos direto no pescoço da vítima e se tornou prática repulsiva que vamos chamar de assassinato ou do que quisermos chamar, mas sempre será o mal se grassando como uma doença, um câncer que não compromete apenas um órgão, que não se satisfaz com tão pouco, quer o conjunto inteiro do corpo, quer todo o corpo.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento15 de ago. de 2016
Aparências Subjugadas

Relacionado a Aparências Subjugadas

Ebooks relacionados

Artes Cênicas para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Aparências Subjugadas

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Aparências Subjugadas - Chardes Bispo Oliveira

    Capítulo I

    Essa década

    E

    ra uma vez uma terra povoada por gigantes que viviam felizes, apesar de desajeitados. Certo dia um homem caiu de um penhasco e foi parar dentro dessa Terra. Tudo era desproporcional para as suas medidas, mas mesmo sendo desproporcional a tudo, mesmo sendo minúsculo aos olhos dos gigantes, ele foi julgado ameaçador.

    Alguns se perguntavam como um ser tão minúsculo poderia ser tão perigoso. As explicações vinham de todos os lados, uns compararam ele com bactérias e até com fungos perigosos que podem matar. Outros diziam que os seres mais coloridos e mais simpáticos podem possuir toxinas letais. Diante de tanto alvoroço, medo e imaginação, decidiram que o humano deveria ser colocado dentro de uma gaiola até que encontrassem uma solução para o problema.

    Alguns grandalhões conspiravam contra os outros que engaiolaram o homem, na calada da noite enquanto uns gigantes roncavam os conspiradores o libertaram da gaiola. Todavia, o homem não sabia como voltar para a sua Terra e nem para onde deveria fugir nessa nova Terra. Argumentou que continuava preso do mesmo jeito quando estava dentro da gaiola, falou que se sentia recluso em uma grande gaiola sem barras. Os gigantes conspiradores o colocaram dentro de um saco de papel e o levaram para casa. Chegando lá o alimentaram, deram água, tinha um gosto estranho, mas, era água. Enquanto comia repetia que só os livres podem governar os que não sabem ser livres. Dizia que a liberdade exige um ditador de limites.

    Os gigantes passaram a acreditar no que o homem dizia e pediram que os orientassem a tomar o reino para libertar os que estavam presos. O homenzinho, de um ser minúsculo, passou a líder dos gigantes que se uniram a outros constituindo assim exército. Não demorou a travarem uma insurreição, lutaram uns contra os outros que já estavam no governo e dividiram a Terra dos gigantes em gigantes livre e gigantes que se tornaram prisioneiros da liberdade dos outros.

    Um dia perceberam que a vida era muito melhor sem a ganância e a maldade do pequeno homem que se tornou maior do que os gigantes na Terra de gigantes, então, eles exilaram aquele homem para a terra dos Berserkers, famosos por repeliam as armas de suas peles quando estavam em batalhas, dizem que viravam bestas ferozes.

    – Quem escreveu essa história? Alguém algum dia poderia me perguntar isso? Caso aconteça, vou responder que não sei ou posso dignar – me a dizer que fui eu. Mas, só falarei tal coisa se quem me perguntar não estiver interessado em me censurar por meus erros literários. Agora acho melhor deitar e tentar dormir, amanhã tem muito chão para andar, preciso correr porque o que ainda tenho está acabando. Estou e sou um desempregado, nessas circunstancia o dinheiro acaba mais rápido.

    Jacob deixou o papel e o lápis no chão, apagou a única luza que tinha no pequeno quarto com janela para a rua e se deitou. Fechou os olhos, mas o sono não chegava. O sono brigava com a insônia. Se fechar os olhos fosse antídoto para o sono muitos problemas relacionados a ele estariam resolvidos. O que chama o sono é a imaginação? Ao menos era nisso em que ele acreditava. Bem antes de imaginar cordeiros pulando cercas em dias ensolarados ele estava dormindo.

    Nessa década, nesse ano que começou em um domingo e que provavelmente terminará em um domingo, ao menos é o que diz o calendário gregoriano, esse país estava sendo governado por um republicano e provavelmente continuará nas mãos de alguém desse grupo, uma das mais antigas agremiações politicas do mundo que ainda está em atividade. Nesses tempos algumas coisas bem estranhas estavam acontecendo, falam de uma luz que foi fotografada em cima da cabeça de um evangelista americano, tem quem afirme que era uma luz sobrenatural, estranho mesmo era os cientistas não saberem explicar ou não se deram o trabalho de tentar explicar. Mas os jornalistas daqueles jornais tendenciosos, os sensacionalistas de todos os dias, sugeriram que poderia ser coisa de extraterrestre, tudo não passava de especulação. A mais descarada das especulações!

    Depois da Grande Guerra, o mundo estava a todo vapor em plena Guerra Fria, o comunismo ameaçava tomar a economia e dominar a política, a cultura, a religião, a arte e até mesmo a ciência. Em tempos assim tudo é possível de acontecer!

    A vida estava relativamente boa até certo ponto, a economia se mantinha aquecida como uma fornalha em chamas, na política existia certa tranquilidade entre a maioria e os governantes. A economia se adaptava, ocorreram fusões entre empresas que buscavam estimular e aperfeiçoar a produção, o mercado mostrava – se frenético, o consumo crescia cada dia mais. Muitas dessas empresas mudaram a fabricação para produtos que aparentavam maior aceitação no mercado e melhores possibilidades de lucro. Muitas dessas empresas ofereceram demissão voluntaria para os que não conseguiam se adequar aos novos rumos. Alguns não pretendiam se aperfeiçoar e foram induzidos a assinarem a proposta, outros aproveitaram a chance de ganhar o bom dinheiro da indenização somada ao o seguro-desemprego para iniciar um empreendimento sonhando com o sucesso. Todos que saiam diziam que era tiro certeiro e justificavam narrando algum exemplo de pessoas que começaram pequenas e se tornaram grandes conglomerados. Exemplos e imaginação eufórica ainda era a maneira, mas eficiente de fazer as pessoas aceitarem as imprevisibilidades como certezas.

    Nem todos conseguiram ir além das idealizações e dos planos, a falta de administração e planejamento levou muitos a lugar nenhum e por lá eles gastaram tudo o que tinham acumulado com a demissão voluntária. Outros se perderam em vícios que consumiram todo o dinheiro, as energias, as esperanças e para muitos outros a própria vida se foi nas apostas em nas corridas de cavalo, no futebol e nas roletas que enchiam os olhos de esperança dos quem pensava em enriquecer sem esforço. Trabalho ainda é a fórmula do empobrecimento, o jogo e a política são os caminhos para o sucesso, diziam os jogadores gargalhando entre uma dose e outra de ilusão.

    O desemprego não era comum por esses dias, mas os bons empregos, estes estavam todos preenchidos, sobrava os de pouca remuneração que, além de tudo, ainda exigia o tempo integral do empregado. Quando não se tem nada qualquer coisa pode ser muita coisa.

    Jacob tinha sido um desses que se iludiram com o seguro desemprego e a indenização para iniciar alguma coisa que ele imaginava que se tornaria o maior empreendimento daquelas bandas, mas a falta de criatividade ou o excesso dela faz as pessoas se perderem no meio do caminho e voltarem ou se continuarem andando sem direção certa dentro de trilhas erradas de um labirinto infindável.

    Jacob abria a geladeira pra olhar o que tinha para comer, um comportamento condicionado pela vontade e não pela fome, daquele tipo que se adquire na infância e que se modifica muito pouco ou quase nada com o passar dos anos. O mais estranho é que, ele, sempre imaginava que encontraria alguma coisa diferente para comer, mesmo sendo ele quem comprava tudo o que estava dentro da geladeira. Abria e nada de novo! Nem mesmo sua esperança de encontrar algo diferente e saboroso.

    Antigamente, e não faz muito tempo assim, a fartura era comum, a geladeira não parava vazia e os armários estavam sempre repletos de enlatados e embalados, mas de uns tempos para cá quase nada é muita coisa e o que tem é tudo que se tinha para comer com ou sem reclamações caretas ou lamentações.

    Nas ruas as pessoas estavam sempre se ajuntando em esquinas, praças, cafés, próximo aos food trucks, para passarem o tempo, para relaxarem, para comerem, para beberem e para reclamarem da vida, murmurarem das circunstâncias, inventarem soluções descabidas, falar mal dos políticos que quase nunca agradam e para gritarem frases de efeito que faz qualquer um parecer inteligente ainda que com muitas cusparadas de sandices. Reclamar já faz parte da natureza social do ser humano, ainda que não tenha nada do que reclamar a reclamação é da falta de ter algum motivo para se preocupar, de não ter para onde ir mesmo que a Terra tenha 510,3 milhões quilômetros quadrados, com certeza lugar para onde ir não é o problema, tem muito lugar para onde se locomover!

    Até os empresários eram atacados com críticas pesadas, muitos deles foram acusados de associação com o governo e de cartelização até de fazerem parte de famílias de mafiosos que usavam as empresas para lavar dinheiro ou para esconder dos federais a origem das suas riquezas. Dizem até que têm policiais envolvidos nessa sujeira toda! Afinal tem uns que possuem coisas que estão além das condições salarias deles. Imóveis e moveis que o salário, mesmo poupado com severidade, não daria para comprar metade do que eles possuíam. Tem um comissário de polícia de outro Estado, dizem, que ele se envolveu com os mafiosos, mas só dizem! O dito pelo não dito na vida do maldito! Provar que é bom ninguém prova! As melhores provas que podem incriminar os acusados ainda não foram encontradas, como sempre e acredito que desde sempre, a boca condena antes dos fatos. Até os fatos acontecerem antes de acontecerem de verdade, pelo disse me disse que faz o absurdo ter acontecido e torna tudo possível.

    Estar desempregado, por esses tempos, era sufocante, quem continuava assim acabava sendo taxado como um parasita que se desenvolve livremente se fixando em outra planta para sugar o que pude para sobreviver. Andar nas ruas em que todo mundo te conhece estava ficando difícil porque as pessoas olhavam com uma cara feia meneando a cabeça e fazendo estalos com a língua em sinal de reprovação, desempregado em época de pleno aquecimento econômico era quase um pecado digno da fogueira.

    Jacob estava entre os poucos desempregados, ele recebeu seu seguro desemprego e estava comendo do que restava. As reservas diminuíam diariamente. Ele não soube administrar o que ganhou e nem ao menos investiu em nada que multiplicasse sua renda. O dinheiro se movia do bolso dele para o bolso do dono do mercado, e secava suas reservas. Lembrava-se de uma fábula de Esopo, nas horas de cansaço, fabula essa em que uma cigarra cantarolava durante o verão se se preocupar com nada enquanto as formigas trabalhavam de sol a sol para acumular provisões para a chegada do inverno. Ele se via como a cigarra cantora, despreocupada, preguiçosa que se esforçava o mínimo possível, mas não queria passar necessidades. E o inverno? Estava chegado e na despensa não havia provisões suficientes para enfrentá-lo.

    As formigas guardam em um período para passar outro se alimentando, diferente delas Jacob não guardou e não tinha de onde tirar na escassez. Outra diferença é que as formigas não se desesperam, ao menos até onde se sabe elas são exemplos de perseverança, tente parar uma formiga, ela contorna o obstáculo e continua seu percurso. As formigas foram feitas para serem formigas. A natureza delas é ser formiga, e sendo formigas elas perseveram como formigas. Tente parar um homem, ele logo se desespera, poucos são os que perseveram até o fim. Essa expressão, fim não é muito boa para ser usada nessa frase até o fim porque no fim o que foi conquistado não serve pra mais nada porque tudo o que se conquistou espera para ser aproveitado no agora e não no fim. Por teimosia, ainda que utilizado no tempo presente, no fim não é possível fazer mais nada que entrar na eternidade de um jeito ou de outro. Ponha um dedo no caminho da formiga e ela continua sua jornada, ponha o dedo de um gigante na frente de um ser humano e ele decreta a guerra ou se encolhe de medo.

    No início do desemprego, Jacob saia todo esperançoso, estava quase certo de que encontraria o emprego da sua vida, por vezes tentou enxergar o lado bom de ter pedido demissão, mas essa situação parecia não ter mais que três lados e nenhum deles era bom, o lado do desemprego, o lado da escassez e o lado da tolice de ter soltado o único passarinho que tinha, agora nem um e nem outro na gaiola.

    A esperança, assim como as solas dos sapatos, estava se desgastando e agora o sapato envelheceu e a esperança em fiascos ao ponto de fazer Jacob pensar que isso tudo era só o início das dores e muito mais ainda haveria de acontecer. Depois que o amargo chega até o cérebro o lado bom das coisas não é tão fácil de encontrar.

    Ele entrava nas lojinhas, nas lojas maiores, nas empresas, restaurantes e fábricas. Qualquer lugar que aparentasse ser um local de trabalho, ele pedia uma chance de trabalho e ouvia um não sussurrado, outras vezes o não já estava tão gasto que sai pela metade ou numa sonoridade tão estanha que parecia até uma palavra de outra língua, uma língua estrangeira, lembrou de uma vez que ouviu NIE e sorriu depois de ouvir isso, saiu sem saber o que dizia aquela palavra, mas sabia o que significava. Saiu dali sem saber se nie era um não em algum dialeto ou se era um problema de dicção da secretaria, no momento pareceu engraçado agora nem tanto porque, com certeza, ela tinha falado um não e já doía ouvir esse advérbio.

    Terminado o dia ele voltava para casa de cabeça baixa, semblante abatido, pálpebras caídas, passos arrastados, calado quase mudo. Quando passava por alguém que o conhecia fazia um esforço descomunal para abrir um sorriso de lábios e depois soltava um suspiro de alivio pelo esforço e o corpo arqueava de novo tomando a forma descaída de uma pessoa que não suportar o próprio peso e estava começando a se entregando com todas as forças a força da gravidade dos fatos, a gravidade que o puxava para baixo. Até parece que ambas são leis universais aplicadas a todos os seres principalmente para um ser humano que fracassa na vida e caminha para seu próprio tumulo.

    Chegando a casa, se jogava na sua poltrona favorita, a bem da verdade só tinha aquela. Fitava em um quadro na parede, desses que nunca ficam famosos apesar de serem vendidos como obra de arte, e se perdia na imagem de um barco em alto-mar e alguns rabiscos. Ele pensava e balbuciava o que pensava: mais um dia de derrota! Depois tentava olhar para as circunstancias como golpe de sorte porque alguma coisa melhor poderia acontecer no dia seguinte ou alguma coisa do destino que já está escrito para ser como estava sendo. Não poderia ser assim até o dia da sua morte, ninguém nasce para sofrer ainda que erre em algum momento da vida, errar não é condenação a pena de morte, errar é mais do que humano, é natural, é da natureza pecadora do ser humano, pensava. Em certo ponto da vida tudo se resolve. É uma condição natural. Esperava.

    Em sua consciência as reservas, que ainda restavam do pouco dinheiro do seguro, gritavam escandalosamente que estavam acabando. As latas que estavam no armário batiam umas nas outras pedindo por piedade, como se dissessem leve ela agora e me poupe por mais um dia, os enlatados era a refeição de rotina. O pouco que recebeu do seguro não tinha a mínima condição de competir com as necessidades que na sua crise era sempre maior e aparentemente mais forte.

    Era final de Setembro e estava chegando o aniversario de Gertrudes, sua única referência familiar. Uma senhora idosa que mantinha uma boa aparência, talvez por ter ficado longe dos raios do Sol durante os horários mais quentes. Sua pele não era tão enrugada e nem tão áspera como poderia ser nessa idade. Gertrudes adotou Jacob e o criou como sendo seu filho de verdade.

    Dela não se sabe muito, apenas que era uma viúva e que seu marido, falecido, morrera durante uma guerra, depois desse episódio ela passou a viver só. Saía de casa muito pouco ou quase nunca, era solitária até o momento que decidiu adotar uma criança e adotou Jacob. Ele era uma daquelas crianças que deixavam na porta do orfanato sem bilhete, sem nada, até hoje ele não sabe o motivo de ter sido abandonado e nunca conheceu sua mãe biológica, mas isso não chegava a incomodá-lo, nem a ela que o criou sem nunca ter feito desse evento uma situação desagradável, sempre tratou tudo com muita clareza e acuidade.

    Diante de tudo o que já havia vivido, e de ter conquistado certa independência, Jacob não se permitia a ingratidão e sempre se lembrava do aniversario de sua mãe adotiva, fazia alguma comemoração ainda que simples, levava flores, bombons de avelã, um bolo de cenoura, cantava parabéns com sua voz meio rouca e tentava animá-la o mais que podia. Fazia brincadeiras, contava piadas e dava presentes que encantavam Gertrudes, sapatos artesanais. Apesar de caros valiam o esforço para felicitar sua mãe, na verdade não eram artesanais de verdade, mas isso Gertrudes fingia não saber.

    Na sua casa, desde a infância de Jacob, na sala junto às muitas revistas de moda da década de 1950, havia uma imagem de gesso de um Jesus estranho, de olhos virados para cima, boca meio arqueada, a barriga tão funda que deixava as costelas salientes ao ponto de parecer uma vítima dos campos de concentração, não era o Jesus dos cristãos, não podia ser. Aquela imagem era tosca, grosseira, sem a mínima vitalidade para fazer alguma coisa por alguém, aliás, nem por ele mesmo que ainda estava pregado no mesmo lugar com expressão de inanição. Gertrudes cogitava a possibilidade de retirar ele da sala, mas só cogitava. Jacob implorava tanto que ela dizia que pensaria na possibilidade, mas não dava garantias.

    O mais amedrontador era que essa imagem tinha o tamanho de um homem mediano, imagine acordar a noite e passar pela sala no escuro com essa figura coberta por sombras e um ou outro feixe de luz? Com o tempo você acostuma que nem percebe, mas depois que se afasta por algum tempo ao reencontrar fica esquisito de novo. É o tipo de coisa que mais incomoda do que conforta.

    Depois da comemoração, Jacob se despediu e retornou para sua casa, não tinha outro lugar para onde ir, poucos amigos ou quase nenhum. Apenas Benedito que conheceu ainda na adolescência durante os anos de escola. Um jovem muito calado que adorava colecionar borboletas, além de gostar das aventuras do Mandrake vestindo sua capa vermelha e combatendo o crime usando a hipnose como arma. Chegava a dizer que um dia seria o Mandrake e Jacob seria Lotha o gigante príncipe africano. O que se sabe, ironia do destino, é que ele virou mágico de circo e depois passou a trabalhar em uma agência de animação de aniversários.

    Sem amigos, a única coisa a ser feita era voltar para casa e viver até o dia em que alguma coisa acontecesse para mudar tudo. Essa era a sua esperança quase esquecida nos recônditos dos dias que se perdiam com a chegada das noites e o tempo continuava passando sem os acontecimentos desejados chegarem.

    Capítulo II

    O emprego

    Em certos momentos da vida a fuga da realidade é uma das maiores aventuras que se pode empreitar e até parece ser a única maneira de resolver os problemas que a tornam uma bagunça ou um fardo. Quem não queria ter uma máquina do tempo ou encontrar um túnel por onde se poderia voltar ao passado e arrumar alguma coisa que causou consequências desagradáveis no futuro? Mas, viagens no tempo têm seus problemas, entre eles o fato de ser possível apenas na imaginação.

    Talvez a melhor maneira de esquecer o que não se quer lembrar seja olhar o céu durante o dia e tentar enxergar objetos, animais e até pessoas nas nuvens ou esperar a noite chegar e ficar ligando uma estrela na outra como se fossem pontos em um quadro para formar uma figura geométrica, ou apenas dormir e se deixar dominar pelas façanhas do inconsciente, algumas vezes aterrorizadoras outras prazerosas, outras mais confusas.

    Fugir da realidade em estado de alerta, de olhos abertos, sem nuvens, sem estrelas, com o olhar no teto ou na parede ao lado, quase sempre não funciona, nada para distrair os pensamentos é um convite para as preocupações. Se fingir de louco pode ajudar, até o momento em que os olhos piscam. Basta uma piscadela de olho e tudo volta a ser como era antes da tentativa da fuga. Dizem que os pensamentos ensaiam as ações, pensava Jacob, e o que ensaia a imaginação? Se perguntava. Será que a imaginação é um ensaio para a loucura ou um salto para a genialidade? É como querer mudar o mundo através do mundinho individual.

    Mudar o mundo deve ser uma tarefa árdua. Difícil, com certeza. Perigosa, sem sombra de dúvidas, porque tem muita gente que prefere o mundo que já conhece por saber onde encontrar o outro pé do sapato quando precisar, onde jogou as meias da última vez, sabe como abrir uma lata e como fritar ovos sem desmanchar a gema, como se isso bastasse para chamar seres humanos de seres evoluídos. Coisa que não dá para acreditar, onde é que uma coisa inferior traz a existência uma coisa superior. Imagine o ovo e a galinha, é claro que do ovo não pode ter vindo antes da galinha ao menos que ele fosse à causa primeira e mais complexa de todo o organismo que forma o que chamamos de galinha. Duvido muito que um macaco tenha evoluído ao ponto de compor uma sinfonia ou escrever um poema. Pensava Jacob enquanto sorria quase um sorriso jocoso, no máximo descascará bananas repetidas vezes do mesmo modo que seus antepassados de milhões de anos atrás, mas aí vem algum doido e força a paciência dos outros para mostrar que existe ordem, uma ordem padronizada, um método racional de tirar cascas de bananas.

    Apoiou a cabeça debaixo das duas mãos, cruzou as pernas, balançava os pés enquanto fitava no teto e sorria dos seus próprios devaneios.

    Porém mudar a posição das coisas é mais fácil, basta tirar o sofá dali e colocar acolá para parecer que alguma coisa mudou de verdade. Como, também, é fácil mudar a posição da própria sombra de um lado para o outro, e menos perigoso que querer fazer todo mundo acreditar que o nada produziu tudo, sem interferência de uma mente inteligente e poderosa, se tivesse sido ele o criador de tudo então ele não poderia ser nada. Que veio do nada, é compreensível, mais veio por ordem de alguém e não espontaneamente. Pensava nessas coisas como se tentasse fazer os ponteiros do relógio acelerarem ou ficarem despercebidos. Mas incomodava sua condição de um homem que parou no tempo dentro de um espaço que era sua zona de conforto.

    Jacob estava decidido buscar meios de mudar o seu mundo, a sua situação, mudar a sua sombra de lugar, afinal algo mais forte se fazia ouvir: os roncos da barriga vazia.

    Muitas vezes saia de casa olhando minuciosamente o chão da rua na esperança de achar alguma nota perdida e quando muito perdia os acontecimentos ao seu redor na busca de um acontecimento desejado. Ah! Se alguém que faz coisas erradas e ganha dinheiro com isso tivesse perdido todo o apurado da noite passada e eu encontrasse seria como uma compensação, uma redenção do erro por meio do alívio das minhas necessidades pensava Jacob. Mas, o prejuízo não pode representar a redenção do prejudicado. A vida é bem mais complexa e ao mesmo tempo estranha. Tudo se repetindo todo dia e ainda assim parecendo que é inédito. Certo que não! Apenas acostumamos não olhar para o obvio para não questionar a obviedade.

    Acordar cedo, levantar, ir ao banheiro, voltar ao quarto, ir até a cozinha comer alguma coisa, voltar ao quarto se olhar no espelho, verificar se as janelas estão bem fechadas, sair. Tudo é tão mecânico que até parece ser assim para não percebermos a realidade, é como uma nuvem de fumaça que não deixa a visão alcançar a imagem perfeita do outro lado, no máximo um pouco do contorno da realidade. Talvez se enxergássemos a realidade como ela é de fato ou nos apaixonaríamos pela vida ou seriamos jogados de cabeça no desespero, mas, há também a possibilidade de enlouquecer. Sempre há!

    A vida é muito parecida com uma escada rolante que os degraus sempre voltam ao ponto inicial e retornam a ponto final para começar tudo de novo. Até os sabores parecem necessitar de uma dose de imaginação para não ficarem sem gosto, basta ignoramos a mesma refeição de todos os dias como sendo repetidas todos os dias, com o mesmo tempero de dois, três, quatro anos atrás para acreditarmos que é outra coisa que não a mesma coisa de sempre.

    Na rua, barulho de carros indo e vindo. Pessoas passando para lá e pra cá. Sirenes, gritos, sons estranhos, tudo parecia natural, assim como o canto dos pássaros, o cheiro da relva e a umidade do ar fazem parte de uma floresta, aqueles sons apreciam fazer parte da paisagem urbana. Talvez alguém que mora num lugar tranquilo, quase agrícola, considere essa loucura uma coisa fascinante, mas quem já está aqui desde a vida toda, o fascínio está mais longe, tudo é um pouco sem graça e um pouco dispendioso.

    Escapamentos furados emitindo sons barulhentos e gases poluentes de cor escura. Ambulâncias, viaturas, bombeiros, um corre – corre frenético. Pessoas vão e vem, o contato humano acontece quando um esbarra no outro. Algumas esbarradas forçam uma interrupção do fluxo, forçando um pedido de desculpas que tem como resposta um sorriso amarelo ou uma careta feia que não se sabe se foi proposital ou se essa é uma expressão permanente.

    Quando encontramos alguém que achamos que conhecemos temos medo de olhar no olho, cumprimentar como um largo sorriso, um abraço cordial e descobrir que cumprimentamos alguém que não conhecemos e nos enganamos com as aparências, todos se enganam e a todo o momento apagam o erro porque no vale a pena pensa no erro.

    O relógio já marcava pontualmente nove horas da manhã. Hora que desempregado que quer trabalhar já deveria estar na rua batendo de porta em porta na busca de uma vaga de trabalho. O que já é um trabalho por si mesmo não fosse à falta da remuneração já seria um bom trabalho. Quantas coisas seriam bons trabalhos: dormir o quanto quisesse, comer e não engordar, viajar, experimentar novidades da moda, testar equipamentos eletrônicos, comparar ou passear de carro pelas longas estradas, ler boa literatura. Mas, a realidade é outra coisa e a vida é mais difícil. Procurar trabalho de verdade com salários medíocres e chefes autoritários e megalomaníacos, entrar em todas as lojas, comércios, os que têm um anúncio e os que não anunciam nada, esse deve ser o meio mais fácil de conseguir alguma coisa, mas se o anúncio ainda está lá às chances são menores porque a procura é grande e o empregador exigente demais ou o trabalho é péssimo e a remuneração é um insulto.

    Já são onze horas da manhã, a planta dos pés estava doendo, as costas estavam arqueadas e os ouvidos calejados de tanto ouvir não das diversas maneiras possíveis, primeiro uns dizem que depois ligam se precisarem, quer dizer que não ligarão nunca, um lugar desses que não fica vazio por um segundo, sempre tem alguém entrando e um ninguém saindo a cada instante, se eles precisarem alguém estará na hora da precisão para ocupar a vaga. Pode até ser que liguem, mas é melhor não esperar para não se frustrar. Se você não tem expectativas não haverá motivos para se frustrar ou se decepcionar. Outros tentavam mostrar algum tipo de piedade e indicavam outro lugar que, talvez, estivessem precisando de gente pra fazer isso ou aquilo, tinha ainda os que achavam que estavam ministrando um minicurso sobre como sair do desemprego. E tinha os que nem olhavam na cara e já diziam em bom e alto som, não! Esses ou são arrogantes ou envergonhados com a função de oferecer desesperança a quem mantém alguma guardada.

    A vontade de parar em uma sombra era maior que a vontade de andar mais uma quadra para bater em outras portas. Como um boxeador nas últimas, que não consegue mais aplicar um só golpe, Jacob, reuniu todas suas forças para desferir seu último gancho de direita na esperança de levar o adversário ao nocaute nos últimos cinco segundos antes do gongo terminar a luta. Por outro lado era melhor deixar a ponta do queixo livre para o adversário e ser o primeiro a beijar a lona, depois que estiver deitado era só se fingir de morto. Esperar um pouco e levantar, fazer cara de bravo e pedir uma revanche. Quem sabe que na segunda vez a vitória aconteça com menos sacrifício.

    "É melhor andar mais um pouco, só falta àquela rua. Basta atravessar e entrar nas três ultima lojas que faltam e voltar para

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1