Assombração
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Assombração - Fernando Zampieri
ASSOMBRAÇÃO
A madrugada comia solta na cidade e Dana parecia estar
perdida em alguns dos becos sem saída. Para acalmar-se, pôs "Every
Breath You Take", do The Police.
Olhava a estrada com aquele olhar perdido. Nem sentia que
algo a estava observando naquela calada da noite. Mesmo um pouco
já frias, pegou as pipocas no banco ao lado e seguiu olhando para
todos os lados da rua para ver se achava alguém ali. De longe até via
algumas luzes acesas, mas nem sinal de vida. Quando se deu conta,
as pipocas já haviam acabado. Ela ainda tentava lembrar-se de algo.
Lembrar-se do que estava fazendo ali, do que procurava.
-Pelo que eu procuro mesmo?
Acelerava. Desacelerava. E aquelas casas, todas praticamente
uniformes, davam sono. Não conseguia sair do lugar. Circulava por
aquelas quadras e a Lua continuava ali, sempre fitando-a. Lua cheia,
lua macabra. Lua em que finas camadas de nuvens passavam por ela.
Céu estupidamente negro. Noite estrelada. Motorista cada vez mais
apressada.
Queria, mais do que nunca, sair daquele labirinto sagaz de ruas.
O vento soprava tão levemente, que aquilo a entorpecia ainda mais.
Mas não gostaria de deixar-se levar por aquele clima parado. Clima
seco, sem vida, mas com a luz lunar brigando com a vista de Dana.
Por sorte, a cada curva, os farois do carro viravam de acordo com o
lado para o qual girava o volante. Preferia até que aquele volante
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sumisse e continuasse a conduzi-lo com leves movimentos manuais
captados por uma luz infravermelha.
De repente, fecha os olhos e a dormência é inevitável.
Passaram alguns segundos. Respirou fundo e saiu daquele carro.
Olhou tudo à sua volta. Olhou, olhou, olhou. Correu até a casa há
poucos metros, onde a luz do quintal estava ligada e bateu na porta.
Ninguém atendia.
- Não. Não pode ser.
E não se contentava que não aparecia uma alma viva ali. Não
havia como comunicar-se com alguém que fosse. Nada pegava. E, ao
passo que retornava ao seu carro, ouvia Every Breath You Take
repetindo-se pela milésima vez. Tudo soava como um eco para ela.
Até as aves noturnas que voavam por entre as nuvens, em uma altura
incrível, até o som delas, ecoava em seus ouvidos.
Não sentia mais nada de si, mas o odor dos gramados recém-
cortados e, pior, cheirando como novos, a faziam ter certeza de que
todos haviam desaparecido dali há algumas horas somente. Pensou
em desapegar-se de tudo, atirar-se na grama de qualquer quintal e
esperar que tudo voltasse ao normal. Poderia ficar ali esperando o
tempo passar, mas, em um lapso, olhou de relance para ver seus
olhos esbugalhar-se com um grandioso castelo que estava logo acima
do seu nariz.
E foi para já que a sensação de imediatismo tomou conta dela.
A rua das esperanças ou das ilusões que iria dar naquele castelo?
Maldito ou não? Horripilante ou menos que o seu presente, passado e
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futuro. Quantas lembranças, temores e lembranças e pedras nos
nossos pensamentos não surgem no nosso dia-a-dia? Nada disso mais
importava.
Algo me dizia que uma revelação assoviava aos quatros ventos
naquelas proximidades. Só que era algo que vinha lento. Dana
conduzia rápido. Espalhava pedras e barros por todos os lados,
dirigindo pela estrada que culminaria na entrada do castelo.
Alguns segundos antes, ela se via deslumbrada naquela imensa
reta donde se via como era imponente aquele castelo. Na verdade, o
que via era uma vasta sombra negra. E continuava a observá-lo,
esquecendo-se da estrada e de tudo ao redor dela. Sonho ou
pesadelo?
Subia a estradinha a toda, quando uma língua gigantesca a
sugou para o castelo. Ela se via aterrorizada. Os olhos lentamente
tomavam forma de espanto. A boca queria gritar. Queria soltar um
berro. Estourar com a garganta. O que a impediu foi ter virado a
cabeça para cima e visto toda aquela cena, digna de um lava-carros.
Era saliva sendo despejada no carro aos borbotões. Era como se fosse
uma gosma espectral. Temia parar no estômago do bicho, mas, em
um piscar de olhos, o carro despencava no salão central do castelo.
-Que porra foi essa? Alguém aí?
Só dava eco.
-Sei. Não adianta berrar.
Rodopiava e rodopiava ali, abrindo os braços, quando como em
um toque de mágica, algo passou por ela.
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-Um vulto? Não adianta, vou ter que sair daqui. Isso aqui me dá
náuseas.
Ao menos ele tinha dado um sinal de vida. Já era meia-noite e
era hora dele finalmente sair da toca para assombrá-la. E ela saiu em
disparada. Tentou correr, só tentou. Mas como um diabo da Tasmânia
possuído por todas as forças mais ferinas possíveis, praticou o efeito
do desnudar.