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Fofocas da antiguidade
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Fofocas da antiguidade
E-book366 páginas3 horas

Fofocas da antiguidade

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Sobre este e-book

O livro Fofocas da Antiguidade apresenta temas densos da Antiguidade, contando-os como se fosse uma fofoca, mas não uma fofoca relativa à ideia de uma narrativa bombástica acerca de alguém, e sim àquela ligada a fatos ocorridos há milhares de anos, possibilitando que o leitor adentre na História, revivendo-a como se estivesse naquele contexto narrado, como conta o professor e historiador Filipe Domingues (@filipendomingues):

"Nunca saberemos exatamente o que é ser um escravizado no bairro dos oleiros em Atenas do século V a.C. ou um senador patrício na Pax Romana, contudo André Barreto Campello [no "Fofocas da Antiguidade"] nos oferece excelentes pistas. O historiador George Duby certa vez em uma entrevista disse que para ele História é diversão, concordo com ele: ler esta obra foi um prazer, agora se encerra este prefácio para o leitor começar uma divertida e rica viagem aos tempos clássicos. Boa leitura, divirta-se!".

Nas palavras do professor Ivys Urquiza, do Canal Física Total (@fisicatotal), fica o convite:

"Agora que o livro está em suas mãos, delicie-se com as aventuras e confusões de Alcibíades; com as tramas e o escândalo promovido quando "sangue impuro" participou dos rituais sagrados de Atenas; ou ainda esteja presente nas farras e nos bacanais de antigamente.Um brinde às boas histórias; e por que não, às boas fofocas."

Estruturada em oito capítulos, a obra trata de eventos ocorridos nas sociedades helênica e romana, abordando narrativas que remetem aos costumes, hábitos e valores dessas sociedades em um período da história tão diferente e distante do que se vive hoje.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento25 de ago. de 2022
ISBN9786558409397
Fofocas da antiguidade

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    Fofocas da antiguidade - André Barreto Campello

    PREFÁCIO

    Afinal quem não gosta de uma boa fofoca, quero dizer história? O título da obra choca, a leitura surpreende. Surpreende porque o autor conseguiu, em sua narrativa, a rara façanha de abordar com leveza temas densos, afinal o livro passeia pelos quatro principais pilares da Civilização Ocidental que é, sobretudo, greco-romana e judaico-cristã. Se o leitor pensa que devido ao título aqui vai encontrar uma fofoca rasa está profundamente enganado.

    A palavra fofoca impacta. Dialeticamente repele e prende. Os mais puristas diriam que a História é uma Ciência Humana e não uma fofoca: por ter uma metodologia rigorosa e consolidada, responderia aos mesmos que este é um debate positivista e já superado desde o século XIX. Contudo até o mais puritano dos historiadores depois do sisudo discurso desejaria dar uma olhadinha nesta obra.

    A escola Metódica do alemão Leopold von Ranke defende que a verdade histórica está no documento, o documento fala por si, logo não deve ser interpretado, pois se o historiador o interpretar lá estará sua subjetividade, e a História enquanto Ciência deve ser objetiva. Se os historiadores ainda pensassem assim, continuaríamos acreditando e ensinando em nossas salas de aula que Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil em 22 de abril de 1500 porque assim está escrito no documento oficial do Reino através do escrivão (funcionário público) Pero Vaz de Caminha e sabemos que não foi bem assim.

    Documentos não falam nada, quem coloca o documento para falar é o historiador, como ensinou o judeu-francês Marc Bloch fundador da Escola dos Annales: História se faz com documentos e ideias.

    E que ideia original teve André Campello colocar o leitor numa agradável roda de conversas com personagens da Antiguidade Clássica que vão do jovem intempestivo vencedor dos Jogos Olímpicos, Alcibíades, ao pragmático e carismático apóstolo Paulo de Tarso, figura basilar para compreensão do Cristianismo.

    As notas ao final da obra são um capítulo à parte, pois denotam décadas de leitura acerca do mundo antigo, uma preciosa trajetória do autor, verdadeiro mapa para quem quer desbravar este mundo que é a cultura clássica. Referências que vão de Heródoto, o pai da História, a Georges Duby da Nova História também conhecida como terceira geração da Escola dos Annales com suas novas abordagens e metodologias em um diálogo poderoso com a Antropologia tratando dos costumes dos povos do passado. Esta troca entre a História e a Antropologia gerou um fruto, A História do Cotidiano e, sem a menor sombra de dúvidas, Fofocas na Antiguidade se enquadra neste ramo da Nova História.

    Viajar para o passado em muitos aspectos é bem parecido como ir para um país estrangeiro, como escreveu o literato inglês oitocentista J. P. Harley, as pessoas do nosso exterior se vestem, comem, andam, têm comportamentos muito diferentes dos nossos, seus códigos são seus.

    Nunca saberemos exatamente o que é ser um escravizado no bairro dos oleiros em Atenas do século V a.C. ou um senador patrício na Pax Romana, contudo André Barreto Campello nos oferece excelentes pistas. O historiador George Duby certa vez em uma entrevista disse que para ele História é diversão, concordo com ele: ler esta obra foi um prazer, agora se encerra este prefácio para o leitor começar uma divertida e rica viagem aos tempos clássicos.

    Boa leitura, divirta-se!

    Recife, 3 de dezembro de 2021.

    Filipe Domingues

    Professor de História, há mais de duas décadas

    Sócio do Curso de História Filipe & Salles

    Mestre em História pela Universidade Federal de Pernambuco.

    Doutourando em Ciências da Religião pela Universidade Católica de Pernambuco.

    @filipendomingues

    INTRODUÇÃO

    Este seria um livro para amigos e amigas, semelhante a uma conversa descontraída entre um grupo, em um restaurante ou um barzinho, sobre uma situação curiosa, intrigante, ou escandalosa, com o máximo de detalhes que um deles pudesse recordar. Isso em uma sexta-feira à tarde, logo após o expediente, com uma bebida (acompanhada de um petisco ou um copo de caldinho), com a finalidade de animar a reunião, oferecendo, aos que estão na mesa, as últimas novidades que eles perderam e que não estavam sabendo.

    Evidente que o título da obra chamaria atenção do leitor por mencionar a palavra fofoca, seria um susto, por se tratar de algo inusitado.

    Para muitos, a fofoca seria apenas um ato de maledicência, de falar mal, um mexerico, que traria consido a ideia de remexer, revolver.

    Essa seria a ideia da obra: remexer o passado.

    Algo que estaria morto, há milhares de anos, seria reanimado para o leitor, dando-lhe um sopro de vida, permitindo que aqueles cenários que já não existem mais reacendam para que seja possível caminhar pelas vias das grandes cidades da Antiguidade.

    Não seria como ver Roma, do alto, pairando como um semideus, observando a Cidade Eterna. Ao contrário, adentra-se na vida cotidiana para examinar o que acontecia na existência daqueles homens e mulheres que lá viveram.

    Seria uma forma leve, agradável e um pouco mais descontraída de adentrar em uma realidade totalmente distinta da nossa.

    Obviamente que seria mais fácil atribuir à obra um nome mais pomposo, mais vistoso até, como, por exemplo, Narrativas de Costumes da Antiguidade Clássica: análises de casos isolados, algo desse tipo. Entretanto, a obra não trata disso, nem seria esse o seu objetivo.

    Como em toda fofoca que nos é contada, pode-se despertar um sentimento negativo pelo personagem, ou mesmo rir das desventuras em que ele se meteu: a reação irá variar de acordo com a forma que a história foi narrada, ou de como o ouvinte irá valorá-la, de acordo com o seu humor, da sua maneira de enxergar tais fatos, de como julgaria a conduta alheia, imaginando se ela seria apropriada etc.

    Ou seja, a fofoca pode ser repulsiva ou atraente, mas nunca fará com que o ouvinte fique inerte, desinteressado. Por essa razão, decidiu-se manter Fofocas da Antiguidade, para que, de imediato, o leitor compreenda do que realmente se trata.

    O título desta obra adveio de uma ideia de minha filha Márcia, a qual, após ler um outro manuscrito de minha autoria, por acaso, em um almoço de família, sugeriu que deveria redigir um livro narrando apenas fofocas da antiguidade, contando as histórias curiosas daquele mundo que desapareceu há milênios.

    Objetivos. Uma fofoca, por definição, estaria ligada à ideia de uma narrativa bombástica face a um indivíduo, que praticou um determinado ato inusitado (incomum ou bizarro), que achamos reprovável ou excêntrico.

    Entretanto, como se refere a fatos ocorridos há milhares de anos, a percepção de qualquer maledicência nas narrativas desaparece, restando apenas a possibilidade de explorar os contextos históricos, costumes, hábitos, a razão pela qual aquela conduta era considerada reprovável, o cotidiano das pessoas… Ou seja, acaba sendo possível entender, como se usássemos um microscópio, a forma como ocorriam as interações entre os indivíduos e os valores que norteavam aquela sociedade.

    Como dito, a maledicência da fofoca desaparece, já que filtrada pelo tempo, restando apenas o desejo de compreender como aquela sociedade poderia ser tão distinta da nossa.

    Não se tem como foco elaborar um tratado de História sobre a Roma ou a Grécia: pretende-se construir uma obra que não afaste o leitor do fato, que não o coloque em uma posição distante (e muitas vezes superficial) para observar o cenário que está sendo explorado. Também não se trata de um livro sobre curiosidades desconexas sobre Grécia ou Roma.

    A meta é aproximar o leitor dos eventos. Fazer com que ele se sinta íntimo dos personagens, a fim de querer entrar na história, com vontade de perguntar: E aí? Me conta mais o que aconteceu! Ele só fez isso ou teve mais coisas? Deixe de bobagem, não esconda nada!

    Portanto, a ideia é permitir que o leitor se sinta dentro do cenário, vivendo a situação, ouvindo a narrativa e se imaginando como um dos habitantes daquelas cidades ao ouvir alguém chegar para si e lhe narrar histórias que podemos considerar como absurdas, realizadas pelos indivíduos que lá residiam e rir, ou abominar, a postura dos personagens que protagonizaram aqueles fatos.

    A presente obra não é um livro convencional acerca da história do mundo helenístico ou romano. Como dito, não pretende ser um tratado, nem mesmo uma obra completa sobre as cidades que, como estrelas, estavam espalhadas pelo Mediterrâneo, brilhando com maior ou menor fulgor, onde milhões de mulheres e homens tiveram sua existência.

    Metodologia. Quando chega aos ouvidos alguma fofoca, ou alguma narrativa de um evento fantástico, sempre surgem naturalmente as perguntas: Quem contou isso? Tem certeza?. Ora, é algo natural querer saber de onde o transmissor da mensagem – quem está contado o babado – obteve aquela informação, se suas fontes são boas ou não.

    Meu filho Lucas formulou uma pergunta quando estava a redigir a obra: como teria certeza que os fatos narrados corresponderiam exatamente à realidade daquilo que aconteceu?

    Para responder a tal questão, inclusive para o leitor, nosso parceiro de conversa, apresentam-se a maior quantidade possível de boas fontes, para que se possa fazer o adequado julgamento sobre a verossimilhança dos fatos que estão sendo narrados, sobretudo em notas (ao final da obra), utilizadas para contextualizar, explicar ou simplesmente indicar a origem daquela informação que está sendo transmitida.

    Por se tratar de uma fofoca, óbvio que se irá em busca das fontes para embasar as narrativas aqui expostas, com a maior profundidade possível; mas por se tratar de um dito (verídico ou não? Certificado ou não?) não haveria como atestar a sua veracidade, apesar de estar registrado.

    Poderia se afirmar que a obra seria reducionista, resumindo ou simplificando demais os fatos e os personagens... entretanto, por definição, qual fofoca não seria reducionista? Qual delas não simplifica os fatos para permitir a rápida compreensão por aqueles que estão a conversar sobre tais eventos?

    Como toda boa fofoca, ela necessita ser curiosa, beirando talvez o inacreditável. Diga-se, até mesmo subversiva dos costumes e das tradições. Por essa razão, nesta obra, os eventos são apresentados expondo o mundo que os cerca e a afronta dos costumes ao redor, pelos atos praticados por seus personagens.

    Comecemos a nossa jornada e prepare-se, leitor, para adentrar em um universo como antes nunca havia imaginado, ou cogitado, existir. As cortinas estão se abrindo, já é possível ver o cenário, em breve ingressarão os personagens. A manhã está despontando, o Sol já está a raiar e a cidade está despertando. Bem-vindo ao Fofocas da Antiguidade!

    O dia estava amanhecendo em Atenas¹. Nas estreitas ruas do bairro do Cerâmico (o bairro dos oleiros), a noroeste do Partenon², os escravos já estavam a caminhar pelas vielas, com seus afazeres matinais e as primeiras oficinas começavam a funcionar³.

    As olarias, que produziam as famosas cerâmicas atenienses, já estavam a ter os seus fornos alimentados pelos escravos⁴. O bairro do Cerâmico, que se situava encostado à muralha ateniense⁵, reconstruída na época da vitória contra os persas, depois de 479 a.C., estava também próximo da Porta de Dipilon, o portão principal e sagrado⁶, que permitia que os viajantes tomassem vários destinos, dentre eles a Estrada Sagrada para a cidade de Elêusis.

    População da região da Ática (séculos V e IV a.C.)

    No porto fortificado do Pireu⁹, a frota ateniense e as de seus aliados estavam próximas a zarpar¹⁰ para combater na ilha da Sicília¹¹. Um armistício – a Paz de Nícias, que já durava por volta de seis anos – foi rompido no outono de 416 a.C.¹², por decisão da assembleia ateniense, impulsionada talvez pela ambição dos cidadãos¹³.

    (O porto de Pireu e a Grande Muralha, que levava até a cidade de Atenas)

    Fonte: https://bit.ly/3ye2CBy.

    Tal decisão arrastaria os atenienses para um desastre próximo a Siracusa, na Sicília (após um fracassado cerco a essa capital, em 414 a.C.), e para a catastrófica destruição dessa formidável esquadra e força militar¹⁴. Entretanto, nessa época, os atenienses nem cogitavam isso, nem nos seus mais horríveis sonhos¹⁵.

    Nessas ruas do Cerâmico¹⁶, mas não apenas nelas, havia o antigo hábito de se colocar nas esquinas, nas entradas das casas, como também nos templos, imagens em homenagem ao deus Hermes Propileu¹⁷.

    Esses ídolos eram extremamente populares (chamado de herma), sendo objeto de afeto e reverência pela população, na cidade de Atenas: tratava-se de uma imagem, com maior ou menor qualidade de confecção (algumas vezes constituindo-se apenas de um bloco de mármore ou de pedra), mas com um pênis desproporcional e ereto¹⁸.

    (Representação de um hermes (ou herma) venerado por um indivíduo, pintada em vaso grego)

    Fonte: https://bit.ly/3bhOU7R.

    Inclusive havia uma grande imagem de Hermes Propylaios na praça central da cidade de Atenas, na entrada da Acrópole de Atenas¹⁹, como protetor dos viajantes, uma divindade que era muito popular, sobretudo pela intensa atividade mercantil que existia²⁰, principalmente na cidade portuária do Pireu²¹.

    Hermes era uma divindade do bom agouro, que dava bons conselhos, boas indicações: oferecia os caminhos adequados para os viajantes; evitava que as pessoas caíssem em fraudes; e protegia as casas dos atenienses, riscos que existiam na vida comercial da cidade²².

    No alvorecer desse 7 de junho de 415 a.C., no final da primavera²³, os escravos e homens livres, que já estavam a trafegar pelas ruas do Cerâmico e de toda a cidade, começaram a notar que algo de muito grave havia ocorrido: algo de errado não estava muito certo!

    Quando a população descia a estrada para o Pireu, percebeu-se algo inacreditavelmente estarrecedor: os hermes (ou hermas²⁴), aqueles ídolos com pênis desproporcional, foram mutilados na noite sem luar²⁵ do dia anterior à partida da esquadra de guerra²⁶: seus pênis haviam sido decepados e seus rostos maculados. Não apenas uma imagem, mas todas em uma imensa área da cidade²⁷.

    E o pior, mutilados durante o festival de Adônis, quando, nas ruas da cidade, grupos de mulheres desfilavam portando imagens desse amante de Afrodite que havia morrido bem jovem, lamentando a má sorte do rapaz²⁸. A associação com maus presságios era evidente: uma grande parte da juventude ateniense partiria em uma viagem para além-mar para lutar contra os siracusanos, na remota ilha da Sicília²⁹.

    À medida que a notícia se espalhava, a população da cidade entrava em fúria e paranoia, a ponto de os atenienses ficarem em alerta aguardando um ataque surpresa de um inimigo (Quem? A cidade antidemocrática de Argos? Os coríntios? Não se sabia). Um sacrilégio inimaginável havia sido cometido! Pairou sobre a cidade uma sombra de mau agouro³⁰.

    Quem seriam os culpados?³¹

    Quando ocorreu, nesse ano de 415 a.C., a profanação das inúmeras imagens de Hermes espalhadas por toda a cidade, com a mutilação dos rostos e dos pênis gigantescos dos hermas, o olhar da população voltou-se para Alcibíades: o líder da juventude dourada de Atenas, o belo, o campeão olímpico, o irresistível, o discípulo de Sócrates e totalmente sem noção: Seus contemporâneos nele reconheciam algo demoníaco e excessivo que a um só tempo os alarmava e entusiasmava³².

    Definir Alcibíades em um parágrafo seria algo impossível para qualquer autor, até porque os próprios atenienses, seus contemporâneos, sequer conseguiriam também resumir esse indivíduo em poucas palavras: […] ninguém jamais excedeu Alcibíades em seus defeitos ou em suas virtudes³³. Alcibíades era considerado um dos homens mais belos da Atenas, perdurando tal beleza por todas as fases da sua vida e, quando se iniciou a Guerra do Peloponeso, em 431 a.C., sua idade era de 19 anos e, na época dessa confusão, deveria estar com 35 anos³⁴.

    Ele era integrante da classe dos super-ricos de Atenas, ou melhor, do topo da elite da pólis mais rica de toda região da Ática, talvez até de todo mundo helênico, da Península Ibérica ao Ponto Euxino³⁵.

    Seu pai Clínias havia morrido em uma batalha contra os beocianos (havia armado e equipado uma embarcação), próximo a Coroneia, por essa razão veio a ter como um dos seus tutores³⁶ o estratego³⁷ Péricles, que, assim como Alcibíades, também pelo lado materno, descendia do clã nobre dos Alcmeônidas³⁸, cujo expoente era Clístenes, o político grego, que, reformando a Constituição de Atenas em 507 a.C., abriu caminho para democracia no solo ateniense³⁹.

    (Péricles discursando para os atenienses, na obra de Philipp Von Foltz, de aproximadamente 1852)

    Fonte: https://bbc.in/3NdtExi.

    Com personalidade impetuosa, muitas vezes sem limites⁴⁰, Alcibíades também fora campeão olímpico⁴¹ e herói de guerra, sendo salvo na batalha de Délios (na expedição militar para Potideia⁴²) pelo filósofo Sócrates, após um combate extremamente duro, evitando que ele viesse a ser feito prisioneiro⁴³.

    (Alcibíades sendo ensinado por Sócrates, de François-André Vincent, pintura de 1776)

    Fonte: https://bit.ly/3yb8XxK.

    A propósito, Alcibíades também fora discípulo do filósofo Sócrates, o qual, segundo um dos seus discípulos, confessou que, na sua vida, tivera apenas dois amores, a filosofia e o próprio Alcibíades. De qualquer modo, os atenienses se espantaram com o fato de que constantemente ele estava na companhia de Sócrates a beber, comer, divertir-se em banquetes, bem como a lutar e a habitar com seu mestre (nos tempos de guerra)⁴⁴.

    Ele veio a se casar⁴⁵ com a honesta e fiel Hipparete⁴⁶, que era filha⁴⁷ do ilustre e rico Hipônio, o qual havia perdoado um tapa na cara que levara do próprio genro (Alcibíades, por brincadeira, fizera uma aposta com seus companheiros de farra). Sua esposa, devido ao comportamento extremamente desonroso do marido (que sustentava inúmeras cortesãs⁴⁸, continuava a frequentar banquetes e a se envolver em bebedeiras sem limites), requereu o divórcio perante o magistrado⁴⁹, em praça pública (como previsto na legislação ateniense⁵⁰), mas Alcibíades apoderou-se dela e a carregou da praça até a residência do casal, da qual ela não ousara mais sair⁵¹.

    Apesar de casado, Alcibíades era bastante ciumento e rude com seus amores e chegado a fazer verdadeiros barracos e cenas, como se deu com o belo Anito, filho de Antemion, quando, depois de haver se embriagado em uma festa, foi até a casa do seu amado, onde estava acontecendo um banquete (para o qual havia sido convidado, mas havia se recusado a participar, talvez por ciúmes de amigos de Anito) e lá, louco na bebida, levou, junto com seus servos, a metade das baixelas de ouro e de prata que estavam sobre as mesas⁵².

    Como se vê, a fama de Alcibíades já não era tão boa na cidade, mas não apenas por esses fatos: corriam boatos de que o ateniense, anteriormente, juntamente com amigos, realizou encenações blasfemas: uma paródia dos mistérios de Elêusis⁵³.

    Elêusis era uma cidade na Ática, bem próxima a Atenas (por volta de 17 quilômetros, a noroeste), mas independente, sendo possível chegar nela por meio da Estrada Sagrada (partindo da Porta de Dipilon, saindo do bairro do Cerâmico) que ligava essas duas cidades, até o templo da cidade de Elêusis, no litoral⁵⁴.

    Em Elêusis se celebravam os Mistérios⁵⁵, havendo inclusive procissões⁵⁶ ligando as duas cidades durante o período em que se realizava o festival. Os mistérios menores ocorriam durante o final do mês Anthesterion, que seria aproximadamente no início da primavera⁵⁷. Os mistérios maiores – os grandes mistérios – ocorriam no mês de Boedromion⁵⁸, que perdurava durante semanas, e gerava uma trégua geral de 55 dias em todas as cidades gregas, para que os fiéis pudessem viajar em paz em direção ao local sagrado, na Ática⁵⁹.

    (Pintura de 1889, retratando uma idealizada cena, na cidade costeira de Elêusis, em honra a Poseidon, de autoria de Henryk Hector Siemiradsky)

    Fonte: https://bit.ly/3HMwiJb.

    Os mistérios de Elêusis, desconhecido na sua íntegra até hoje para nós⁶⁰, compreendiam rituais (celebrados a cada três anos), muito ligados ao canto: o sacerdote – o hierofanta⁶¹ – era possuidor da voz verdadeira e iria proferir adequadamente, na entonação correta, as palavras que faziam parte do ritual e que buscavam transmitir uma verdade maior acerca do mistério da morte e ressurreição⁶² que acompanhava a crença nas ações da deusa Deméter em busca de sua filha Perséfone, a qual se encontrava nos domínios de Hades⁶³.

    (Representação dos Mistérios de Elêusis registrada em uma placa encontrada no santuário de Elêusis (estima-se que se foi elaborada no século IV a.C.))

    Fonte: https://bit.ly/3zWeoln.

    De todo mundo helenístico afluíam pessoas que vinham se iniciar nos Mistérios⁶⁴, que estavam hierarquizados em dois níveis⁶⁵ (mistérios menores⁶⁶ e mistérios maiores⁶⁷), com o iniciado⁶⁸ alcançando paulatinamente os estágios superiores⁶⁹.

    Em Atenas, o genial dramaturgo Ésquilo⁷⁰ (na geração que antecedeu a Alcibíades) havia sido acusado de profanar os mistérios de Elêusis quando, em uma de suas peças encenadas, nos concursos teatrais anuais (que representavam o coração da comunidade⁷¹) que ocorriam em Atenas, para homenagear o deus Dionísio⁷², falou sobre verdades tão profundas a ponto de a multidão se insurgir e quase linchar esse gênio no próprio palco⁷³.

    (Teatro de Dionísio)

    Fonte: https://bit.ly/3nCXnFy.

    De fato, a pena por revelar aos não iniciados tais segredos religiosos era a morte⁷⁴, como já havia ocorrido quando dois jovens arcadianos⁷⁵ invadiram, por ignorância, os recintos sagrados do Templo de Elêusis⁷⁶, sem a devida iniciação, misturando-se à multidão, na celebração dos Mistérios. Por não conhecerem o ritual, foram reconhecidos como não iniciados e punidos com a pena capital⁷⁷.

    Alcibíades havia sido acusado de haver profanado os mistérios de Elêusis, por tê-los parodiado e os satirizado, na residência de Poulicion, em um banquete privado⁷⁸, juntamente com seus colegas de farra: Teodoro, no papel de arauto; Plotion, como porta-tocha; e o próprio Alcibíades como sacerdote (hierofanta). Foram acusados de blasfemar, juntamente com outros amigos, contra coisas santas e místicas, revelando e subvertendo os rituais apresentados apenas aos iniciados⁷⁹.

    A acusação focou na prática da blasfêmia ao satirizar os rituais relacionados com a violação dos Mistérios⁸⁰:

    Tessalo, filho de Címon, do burgo de Lacrade, denunciou e denuncia⁸¹ a Alcibíades filho de Clínias do burgo dos Escambônidas, por ter praticado crime contra as deusas Ceres e Proserpina, imitando sarcasticamente os sagrados mistérios, numa exibição feita a alguns familiares seus, em sua casa. Vestiu-se ele com vestes semelhantes às do hierofante, a Polítio [ou Poulicion] como porta-tocha e a Teodoro do burgo de Fegeia como arauto. Aos demais assistentes, chamou confrades e observadores. Tudo feito em escárnio e desprezo das santas cerimônias e costumes dos Eumólpidas, sacerdotes, religiosos e ministros do santo templo da cidade Elêusis⁸².

    Apesar de ser absolvido da acusação de se envolver no crime da mutilação dos hermas⁸³, ele não escaparia da acusação de profanação dos Mistérios de Elêusis, na verdade, esse foi o pilar da sua condenação, sobretudo porque alguns escravos mais linguarudos deixaram vazar essa paródia do ritual por ele realizada⁸⁴.

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