Meu, Para Sempre...
De Kika Dias
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Meu, Para Sempre... - Kika Dias
7
Prólogo
Havia neblina na estrada. Ouvi um barulho ensurdecedor, após a freada brusca do meu carro.
Perdi a consciência ... um tempo depois, acordei atordoado, não sabia onde estava, nem por quanto tempo me encontrava ali.
Um odor de borracha queimada invadiu meus sentidos... tentei me mexer, impossível…
minhas pernas estavam presas em ferros retorcidos. Engoli a saliva, um gosto metálico de sangue tomou minha garganta. Desmaiei novamente... Sirene ao longe, ou estaria bem perto? Sons, velocidade, luzes, pessoas, corredores, roupas brancas...
Chamei pela Cathy, meu peito doía. O que aconteceu? Tentei gritar... não consegui. Minha voz saia como um sussurro doloroso.
Senti um cheiro forte de remédios, enquanto alguém tentava inserir medicamentos em minha veia. Me debati, numa tentativa frustrada de fugir. Braços fortes me seguraram, fui amarrado a cama. Tudo começou a desaparecer lentamente, tentei me manter acordado, mas fui vencido pela sonolência intensa. Minhas pálpebras se fecharam lentamente…
Os sons e rostos foram desaparecendo, até a imobilidade e o silêncio profundo vencer...
8
Capítulo I
Sem você
Meu quarto, como da maioria das adolescentes da minha idade, era decorado com um misto de delicadeza e rebeldia. Pintura em tons pastéis, paredes com grafites e adesivos de frases e pensamentos, algumas pelúcias, porta-retratos em formato de coração e frufrus coloridos. Havia também um espaço reservado para fotos e pôsteres de bandas de rock pop; abrindo exceção para alguns ídolos sertanejos e jovens atores de séries americanas. Sobre a minha cama pendia um quadro de cortiça, onde um mapa-múndi pontuado por alfinetes coloridos demarcavam os lugares que eu aspirava conhecer.
Estava habituada a dormir até mais tarde, porém, naquela manhã de domingo, acordei cedo; enquanto uma brisa suave tomava conta de meu quarto, mesmo morrendo de preguiça, levantei com um pulo e me espreguicei. Sentia meu corpo cansado, um dia antes, havia participado da colação de grau. O baile de formatura estava marcado para fevereiro, mas resolvi não participar, não estava no clima…
Enfim, o ensino médio acabou, levando com ele as lembranças dos anos mais intensos da minha vida. Durante os três anos, fui feliz, fiz amigos e aprendi que na vida nada dura para sempre.
Tive também momentos de despedidas, amigos se foram, terminei um namoro de seis anos.
Abri as janelas, o sol de verão nascia no horizonte, seus raios matinais aqueceram e acariciaram o meu rosto. Respirei fundo.
— Adeus colégio!
— Ei futuro, me espere!
Ouvi passos no corredor e na sequência, batidas na porta.
— Cathy, Cathy! Já acordou filha?
— Estou acordada... O que aconteceu?
Minha mãe entrou em meu quarto de maneira intempestiva, trazendo em seus braços um buquê de flores. Rosas-vermelhas para ser mais exata.
— Preciso dizer de quem são?
— suspirei, profundamente… — Acho que não. Poxa! O Thomas não desiste.
— Fique sabendo, que a maioria das garotas dessa cidade gostariam de estar em seu lugar.
Olhe, são as suas preferidas. — falou mamãe, tentando me convencer de como sou sortuda.
— mais suspiros… — Mãe, não insista… acabou...
— Tudo bem então! Se é o que você quer… Mas deveria pelo menos agradecer.
— Põe em um vaso, depois envio uma mensagem agradecendo.
Mamãe saiu do quarto, resmungando e balançando a cabeça.
— Você sempre diz a mesma coisa filha. Espero que mais tarde, você não se arrependa.
9
Encarei a minha mãe com um olhar de quem estava sem paciência para sermões logo cedo.
Abri meu guarda—roupa, escolhi um short jeans e uma regata. Tomei um banho rápido e desci para o café da manhã.
Naquela época, morávamos em um sobrado que ficava numa rua sem saída na bucólica cidade de Paraibuna; pequeno, simples e decorado com tons claros, móveis antigos e paredes repletas de fotos de família. Típico de cidades interioranas. Fazia dois anos que papai havia falecido e ao descer a escada que levava a sala de jantar, ainda tinha a sensação de que ia vê-lo sentado em sua poltrona preferida, lendo jornal.
Me lembro como se fosse hoje, certo dia, chegando de um passeio com Thomas, dobrei a esquina em direção a minha casa. Avistei ao longe, várias pessoas reunidas no portão. Senti que algo havia acontecido, corri, passei aflita por olhares compadecidos.
Ao entrar, me deparei com a mamãe sentada no sofá da sala; o rosto escondido entre as mãos, coberto de lágrimas.
— Ele se foi Cathy... Papai, se foi... — balançava a cabeça, em negação.
Foi o dia mais triste da minha vida, perdi uma parte de mim. Papai, era meu parceiro, meu gigante preferido. Grande no tamanho e no amor, doce nas palavras, intenso ao viver. Partiu sem tempo para se despedir, vítima de um enfarte fulminante.
Desviei meus pensamentos, melhor afastar as lembranças tristes. Sentei, fingindo não perceber as flores colocadas em um vaso no centro da mesa.
O som do celular vibrando interrompeu meus pensamentos, indicando a chegada de uma nova mensagem. Li a mensagem rapidamente.
— Mãe vou à casa da Jô, volto logo! — disse, apressada.
Sai bem rápido, antes que minha mãe pudesse reclamar. Atravessei a rua e entrei na casa da Joana, ela e Ana estavam sentadas no sofá da sala.
— Oi! Posso saber onde é o incêndio? Acabei de acordar, estava tomando café da manhã e recebi a mensagem pedindo para vir urgente. Minhas duas amigas olharam em minha direção e, como se já não soubessem a resposta perguntaram sobre as flores que recebi há poucos minutos.
Como sempre a Joana foi a porta-voz.
— De quem são as flores? Vimos quando o entregador chegou logo cedo.
— Do Thomas é claro… — respondi com indiferença.
— Nossa! Que novidade! Não te chamamos por isso, é que precisamos combinar alguns detalhes da nossa viagem de formatura... recebi uma mensagem do grupo e estamos pensando em ir para a praia. — explicou Joana.
— Legal, boa ideia... falta só decidirmos o local e a data.
— Aí que está o problema... estamos querendo ir para a casa de praia do Thomas. É perto e não vamos gastar com hospedagem.
— Tudo bem, não quero ser estraga prazeres. É só ficar na minha… se a maioria já decidiu…
— Você poderia resolver não ir... — retrucou a Ana me olhando com desconfiança.
Devolvi o olhar e naquele momento não entendi a razão do comentário.
— Talvez... acho que não posso ficar me escondendo dele o tempo todo. Tínhamos que nos encontrar em algum momento. Vai ser mais fácil assim…
10
— Então… se você não vê problemas fica marcado para daqui a quinze dias. — finalizou a Joana, tentando não estender demais o assunto.
— Vocês já falaram com o Thomas?
— Claro! Foi ele que sugeriu.
— Tudo bem, podem marcar… eu vou!
— Tem certeza? — perguntaram ao mesmo tempo.
— Por qual motivo não teria? Parece que vocês não querem que eu vá!
A Ana ficou calada, a Jô respondeu no mesmo instante, com um sorriso no rosto.
— Ei… que ideia. É óbvio que queremos que você venha com a gente. Sem você não teria graça… Pode deixar, vamos ligar para o Thomas amanhã mesmo e confirmar. Vou precisar comprar biquínis novos, quem topa ir ao shopping?
— Hoje não dá, ainda temos tempo. Podemos combinar outro dia. Primeiro preciso conseguir dinheiro com a mamãe.
— Tudo bem, vamos depois então.
Me despedi das garotas e voltei para minha casa no mesmo instante, tinha muito em que pensar… E se a Ana estiver certa? Bem que eu podia não ir, mas sinceramente, estava com saudades… e seria uma forma de nos vermos sem que parecesse iniciativa minha.
Mesmo que eu não quisesse, uma luzinha de esperança acendeu em meu peito. Seria bom, se antes de eu ir para São Paulo as coisas mudassem. Quem sabe?
Um dia, sonhei que ficaríamos juntos para sempre… Coisa de adolescente apaixonada, quando a gente cresce, percebe que não é tão simples assim, por vezes tomamos caminhos diferentes, discordamos nas escolhas. É uma pena...
11
Capítulo II
O primeiro amor
Mais tarde em meu quarto, pensei em Thomas, sorri sozinha ao relembrar os nossos bons momentos. Tudo era muito recente, ainda estava me acostumando a viver sem ele. Enquanto estávamos juntos, era comum ouvirmos das pessoas — Vocês formam um lindo casal, foram feitos um para o outro!
Os anos passaram e começamos a discordar em vários aspectos. Quem diria que hoje estaríamos separados…
Eu e o Thomas nos conhecemos em uma tarde de domingo. Minha mãe e eu, fomos andar de bicicleta após o almoço e resolvemos tomar sorvete, era um dia quente de verão. Ao entrarmos na sorveteria, lá estava ele, o garoto que um dia seria meu primeiro e único amor.
Ele estava sentado ao lado de sua mãe, cabelos pretos, rosto quadrado e expressivo, algumas espinhas, olhos castanhos escuros, que me fitaram intensamente, desde que entrei. A princípio, achei-o esquisito, depois fui me encantando, primeiro com o sorriso, depois com o jeito carinhoso e especial de tratar as pessoas. Eu era apenas uma menina, mas instantaneamente me senti atraída por ele.
Sua família, havia mudado recentemente para Paraibuna, a saúde de seu pai inspirava cuidados e o médico indicara o clima da serra.
Naquela tarde, mamãe foi a primeira a cumprimentá-los, sentamos em mesas próximas, começamos a conversar e logo fizemos amizade.
Nos encontramos alguns dias depois na escola, como morávamos perto, combinamos de voltar juntos e não demorou muito para namorarmos. Era um namoro inocente, tínhamos apenas doze anos, dois pré-adolescentes descobrindo o amor.
Éramos inseparáveis; com Thomas aprendi a viver perigosamente, cabulávamos aulas para ir namorar na beira do rio, estudávamos juntos, mesmo não frequentando a mesma sala aula.
Nosso primeiro beijo, aconteceu quando voltávamos de uma das nossas aventuras.
Caminhamos de mãos dadas o percurso da escola até minha casa, tínhamos acabado de regressar de um piquenique na beira do rio. Eu, garota sonhadora, estava experimentando a sensação de amar pela primeira vez.
Paramos em frente ao portão da minha casa, e ele me surpreendeu com um beijo de despedida... um selinho, rápido e roubado. Fiquei com as bochechas vermelhas e sem saber o que fazer, corri para dentro de casa sem me despedir.
Na manhã seguinte, nos encontramos na escola, mal conseguimos olhar um para o outro.
Apesar da timidez, ele finalmente oficializou o pedido de namoro. Estávamos no pátio, era hora do intervalo e nos sentamos em um banco para conversar.
12
— Você fugiu de mim ontem, não gostou do beijo?
— Não foi isso, é que você me pegou de surpresa…
— Desculpa… eu estava nervoso…
Thomas se aproximou um pouco mais de mim, chegou tão perto que nossos joelhos se tocaram, podia sentir o calor que emanava do seu corpo. Carinhosamente, pegou minhas mãos e segurou-as entre as suas, estavam suadas e trêmulas. Olhou bem, no fundo dos meus olhos e com uma voz suave me perguntou.
— Cathy… você quer namorar comigo?
Abri um sorriso gigante e gritei. — Sim! Eu quero!
— Shhh! — posicionou os dedos nos lábios, em sinal de silêncio.
Olhou cautelosamente para os lados e me beijou. E daquela vez, eu não fugi. Novamente, foi um beijo apressado, pois, caso contrário, seríamos pegos pelo inspetor de alunos. Senti meu estômago revirar, como uma revoada de borboletas... uma sensação única, que nunca mais experimentei com alguém.
Namoramos escondido por alguns meses, porém, não conseguimos esconder por muito tempo. Nossos pais descobriram e disseram que éramos muito jovens, mas resolveram não proibir.
Durante os primeiros anos, seguimos à risca o manual do bom comportamento. A vigilância era constante, não nos davam trégua, só podíamos sair acompanhados, dormir na casa um do outro, nem pensar! Era divertido driblar tanto controle. Mamãe não se cansava de dizer:
— Não seja boba Cathy, tome cuidado, nada de excessos, gravidez na sua idade é loucura!
Um tempo depois, eu estava preparada para avançar o sinal
, como dizia minha avó; nós já estávamos juntos há quatro anos e neste caso haja resistência! Tivemos nossa oportunidade,