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Sábados Literários – 2019
Sábados Literários – 2019
Sábados Literários – 2019
E-book362 páginas4 horas

Sábados Literários – 2019

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Sobre este e-book

A literatura não diz que sabe alguma coisa, mas que sabe de alguma coisa, ou seja, a literatura faz do saber uma festa. Um sábado, em Irati Sábado é dia de levar as crianças pra brincar na praça, fazer compras no centro da cidade, dar uma geral na casa, ir ao teatro ou cinema, sair pra beber com os amigos. Em Irati, sábado é dia de literatura. Os “Sábados literários” é uma inspiradora iniciativa (faz tempo que venho acalentando o projeto de imitá-la em chão vermelho...) de Edson Santos Silva e alguns apoiadores que consegue reunir pessoas em torno de autores e obras literárias de todas as nacionalidades e tempos. Tive a grata satisfação de poder falar sobre Plínio Marcos em abril de 2019 para uma plateia atenta e simpática. Um dramaturgo brasileiro dentre grandes autores mundiais. Um cara que teve de peitar o sistema pra ser artista. Sem medo de dar voz a uma parcela da população ignorada pelo capitalismo, pelo poder público, pelas elites. Dar voz a Plínio Marcos nesse projeto me encheu de orgulho, me deu muito prazer. E pelos olhares e sorrisos dos ouvintes, creio que tenha sido um lindo momento de partilha que os entusiasmou a retomar ou conhecer a obra pliniana. Sonia Pascolati
IdiomaPortuguês
Data de lançamento15 de mai. de 2020
Sábados Literários – 2019

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    Sábados Literários – 2019 - Silva, Carvalho, Troczinski, Barause E Lima (orgs.)

    Apresentação: A literatura faz do saber uma festa

    O Projeto de Extensão Sábados Literários/2019, em sua 7ª edição, teve como mote uma das obras de Ronald Barthes (1915-1980): Aula². Esta obra foi lida, por ele, na aula inaugural da cadeira de Semiologia, no Colégio de France, em 1977, com o objetivo de apresentar e denunciar a língua como desempenho de toda linguagem e, nesse sentido, ela, a língua, não é nem reacionária nem progressista e sim fascista, uma vez que fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer. Para Barthes, apenas a literatura, esteio das forças da liberdade, bem como espaço da utopia, é capaz de ouvir a língua fora do poder. Resta à literatura trapacear o discurso do poder que, nas palavras de Barthes, engendra o erro. Essa trapaça, também chamada de esquiva e logro magnífico, exerce no esplendor de uma revolução permanente da linguagem aquilo que para ele será a literatura. Somente por meio da literatura será possível ouvir a língua fora do poder, porque as forças de liberdade da literatura independem da pessoa civil, do seu credo político e muito menos do conteúdo doutrinal que possa aparecer nas obras, ou seja, o que importa de fato é o trabalho de deslocamento que ele, o escritor, exerce sobre a língua. Talvez por acreditar nesse deslocamento, Barthes use de belas metáforas para se referir à literatura: fulgor do real; faz girar os saberes e por isso não os fixa, não os fetichiza e dá a esses saberes um lugar indireto e, segundo Barthes, esse indireto é precioso. Em outras palavras, a Literatura trabalha nos interstícios da ciência: a ciência é grosseira, a vida é sutil, e é para corrigir essa distância que a literatura importa. Barthes arremata a questão da ciência e da literatura afirmando que, se por excesso de socialismo ou de uma barbárie, todas as disciplinas fossem expulsas do ensino, apenas uma poderia ficar, a literatura, posto que todas as ciências estão presentes no monumento literário. Com efeito, a literatura não diz que sabe alguma coisa, mas que sabe de alguma coisa, ou seja, a literatura faz do saber uma festa. Será, portanto, com o espírito de festa que renderemos agradecimentos àqueles que trouxeram o sal das palavras para o projeto Sábados Literários. Temos muito a agradecer à nossa querida UNICENTRO. Reitoria: Fabio Hernanes e Ademir Juracy F. Ribas; aos Diretores do campus de Irati, Professores Afonso Figueredo Filho, Erivelton Fontana de Laat e toda equipe; às diretoras do Setor de Ciências Humanas e Artes/ SEHLA: as docentes Michelle Fernandes Lima, Luciane Trennephol da Costa e equipe; à divisão de Extensão e Cultura de Irati, nas pessoas de Alexandra Lourenço, Judith Kochan e equipe; aos docentes e discentes do Departamento de Letras de Irati/DELET, bem como à Chefia do Departamento de Letras: Professora Leonilda Procailo e Marileia Gärtner; à Prefeitura Municipal de Irati, por meio da Secretaria da Cultura e seus abnegados funcionários: Dias, Elenita, Sula, Iadia e equipe; ao SEBO CENTENÁRIO, na pessoa de Luiza Nelma Fillus, sempre fazendo doações de livros para sorteio; ao Clube do Comércio, na pessoa de Virgílio Trevisan; a Caminhos do Paraná, na pessoa de Jefferson Scheineder e equipe; à Printcopy; à equipe de Comunicação de Irati, Amanda Pietá e Edson Golinski; ao nosso estagiário, Gabriel Machado Antunes; às docentes das escolas públicas de Irati e região; muitas vêm de cidades do entorno, trazendo nossa razão de ser – o alunado –, aos apaixonados alunos de todos os níveis e graus e, por fim, a todos que nos apoiam e participam efusivamente do evento. A todos vocês, apenas uma palavra: GRATIDÃO!

    As palestras apresentadas ao longo do ano foram as seguintes:

    09/03: Profa. Dra. Carla Alexandra Ferreira (UFSCAR) – JOHN UPDIKE

    30/3: Profa. Dra. Elaine Sartorelli (USP) – VIRGÍLIO

    06/04: Prof. Dr. Milan Puh (USP/Universidade de Zagreb)- RADOVAN IVSIC e DRAGO STAMBUK

    13/4: Profa. Dra. Margie Gandara Ruen (UNICENTRO/G) DENISE STOKLOS

    27/4: Profa. Dra. Sonia Pascolati (UEL) – PLÍNIO MARCOS

    11/5: Profa. Dra. Cristina Maria Paes dos Santos (UNICENTRO/I) – LÍDIA JORGE

    25/5: Profa. Ms. Carolina Filipaki de Carvalho (UNICENTRO/I) – ELIANE BRUM

    8/6: Prof. Dr. Paulo Soethe (UFPR) e Dra. Sibele Paulino (UNICENTRO/G) - HEINRICH E THOMAS MANN DE VOLTA AO BRASIL: O Súdito e A Montanha Mágica em tradução

    29/6: Profa. Dra. Marileia Gärtner (UNICENTRO/I) – QORPO PELO OLHAR DE ASSIS BRASIL

    31/8: Profa. Dra. Nilcéia Valdati (UNICENTRO/G) – VERONICA STIGGER

    14/9: Profa. Dra. Denise Witzel (UNICENTRO/I) – CAROLINA MARIA DE JESUS

    21/8: Prof. Doutorando Arthur Rosa (UNESP/IFPR/I) – JOÃO GUIMARÃES ROSA

    28/9: Profa. Dra. Stela de Castro Bichuette da Silva (UNICENTRO/I) – ADELINO MAGALHÃES

    23/11: Prof. Dr. Paulo Gregório da Silva (UNICENTRO/I WILLIAM SHAKESPEARE

    30/11: Prof. Doutorando Thiago Cavalcante Jeronimo (MACKENZIE) – FOTOBIOGRAFIA DE CLARICE

    Por conta de agenda, nem todos os palestrantes, a quem muito agradecemos, conseguiram enviar textos das palestras, e assim outros pesquisadores foram convidados a enviar artigos para a composição da obra.

    A seguir, apresentaremos, por ordem alfabética dos nomes dos autores dos artigos, uma rápida síntese dos textos, com o objetivo de que a festa proposta pelo evento seduza o leitor para um delicioso percurso de leitura pelo mundo utópico da literatura e, como diz a professora Leyla Perrone-Moisés, responsável pela tradução e posfácio da obra de Barthes, Resta crer nas forças atuantes da literatura. Nós cremos!

    Carolina Filipaki de Carvalho, mestre, UNICENTRO, propõe-se a abordar, a partir do triângulo literatura, jornalismo e democracia, a obra da jornalista brasileira Eliane Brum. Valendo-se da história e da teoria do jornalismo, bem como da expectativa de teóricos quanto ao papel esperado do ofício jornalístico na sociedade, a autora explora como a inclusão de pessoas invisíveis à narrativa da imprensa tradicional nos textos jornalísticos de Brum pode laborar em favor da democracia.

    Cristina Maria Paes dos Santos/UNICENTRO/Irati, analisa algumas obras da romancista portuguesa Lídia Jorge, num panorama literário conhecido como literatura pós 25 de abril. As obras destacadas pela pesquisadora são: A Costa dos Murmúrios, Dia dos prodígios e Cais da merenda. A docente chama atenção, sobretudo, para a obra de estreia da escritora, A costa dos murmúrios, de 1988. Segundo ela, encontra-se em Lídia Jorge uma escrita de trabalho minucioso com o tempo, a memória e a história. E é a história do Portugal imediatamente posterior ao 25 de abril que aparece representada em seu romance de estreia, vencedor do Prêmio Ricardo Malheiros, dado pela Academia das Ciências de Lisboa.

    Fabio Mario da Silva, docente da Universidade Federal do Sul e Sudoeste do Pará/CLEPUL- Universidade de Lisboa, a partir de um poema de Mario de Sá-Carneiro, intitulado "Feminina", intenta descobrir como o eu-lírico se vale da mulher como máscara poética para projeção do outro, ou seja, como o autor, no poema Feminina, vai tocar num dos temas basilares em sua obra, qual seja, a construção da figura da mulher, que é usada como uma espécie de máscara poética, de projeção no Outro, que em Sá-Carneiro se revela com frequência num Outro Feminino/Mulher. Afinal de contas, por que esse eu lírico quer ser mulher? A partir dessa pergunta, o pesquisador aborda, ainda, como a sexualidade está presente em outras obras de Mario de Sá-Carneiro.

    Flavia Maria Corradin, da Universidade de São Paulo, apresenta o dramaturgo Jaime Galheiro (1930), autor de cerca de trinta textos dramáticos, abrangendo o teatro infantil, infantojuvenil e adulto, sempre com uma visão extremamente engajada nos problemas sociais e políticos do seu tempo, e a peça Arraia miúda que, embora tenha como contexto histórico a Revolução de 1383/1385, deseja rever e reler a primeira revolução popular portuguesa de 1975. Segundo a pesquisadora, Gralheiro lerá o período revolucionário, 1974-1975, à luz da Revolução de 1383/1385, procurando demonstrar a luta que o povo português tem vindo a desenvolver pela sua libertação, ao longo de quase novecentos anos de nacionalidade.

    Edson Santos Silva, da UNICENTRO, e Luiza Oliveira Troczinski, mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da UNICENTRO/I, valendo-se de uma das obras de Natália Correia, O Encoberto, e da Estética da Recepção, procuram demonstrar como se dá na peça o horizonte de expectativa do leitor e como tal horizonte pode ser quebrado ante as armadilhas do texto/encenação. Nem sempre o metatexto do encenador é o mesmo do espectador, mas é justamente nesse confronto que se dá a encenação, no qual a experiência coletiva do espetáculo pode ser tida também como particular, embora numa proporção menor do que seria, caso fosse feita a leitura individual.

    Margie/Margarida Gandara Rauen, Ph.D. em Teatro (Michigan State University) e artista. Professora Sênior do Programa de Pós-Graduação em Educação da UNICENTRO, aborda em seu artigo a produção da atriz iratiense Denise Stoklos, ensejando relacionar a dramaturgia de Denise Stoklos a uma pauta transversal dos diversos feminismos: a luta por liberdade. Segundo a docente, embora o conjunto da obra da artista não seja engajado em temáticas de gênero, a sua atitude é representativa do ativismo político voltado à defesa da liberdade. No amplo sentido identitário, diversas peças de Denise Stoklos articulam conflitos universais de dominação masculina, apresentando um teor didático implícito ao instigarem o descentramento do poder patriarcal.

    Marisa Corrêa Silva/UEM e Fernanda Garcia Cassiano, do Programa de Pós-Graduação da UEM, buscam diferenciar a mitologia das tragédias a partir dos conceitos de Lacan e também entender o papel social do grande Outro, e se é capaz de trazer mudanças comportamentais na sociedade. Para tanto, as pesquisadoras se valerão da tragédia grega As Troianas, de Eurípedes, e levantarão o seguinte questionamento: há uma mudança comportamental na sociedade grega da época refletida nas obras literárias e no direcionamento do grande Outro? Com efeito, as estudiosas partirão da suposição de que o papel do grande Outro é transferido dos deuses ao coro e aos próprios espectadores; assim, almejam averiguar se há uma ruptura nos padrões gregos e se o nível simbólico do grande Outro não é mais ocupado pelos deuses.

    Milan Puh apresenta um panorama da literatura croata rumo ao Modernismo e, para tanto, apresenta dois nomes significativos da literatura croata: Radovan Ivšić e Drago Štambuk. Ainda segundo o pesquisador, é seu objetivo mostrar o caminho que a Croácia traçou para que fosse possível entender a importância e o valor que a produção literária, bem como a cultural, desses dois poetas croatas construíram e sendo possível até mesmo uma aproximação da literatura croata com a brasileira.

    Nilcéia Valdati e Fernanda Motter, ambas da UNICENTRO/G, apresentam as experimentações de Veronica Stigger. Essas experimentações, segundo as pesquisadoras, se dão, sobretudo, por meio da intertextualidade, redução de fronteiras entre os campos, as disciplinas e as práticas artísticas, estilos diversos de narrativas, preocupação com o presente, temas cotidianos, metalinguagem, novas técnicas e o diálogo com outras linguagens. Veronica Stigger permeia, ainda segundo as estudiosas, seus escritos em uma miscigenação de gêneros literários e uma multiplicidade de sentidos.

    Paulo da Silva Gregório, docente da UNICENTRO, propõe-se, por meio da heteroglosia, discutir como Shakespeare adquire sentido a partir de práticas multidiscursivas que não apenas transcendem o texto, mas também desestabilizam abordagens tradicionais de Shakespeare-como-texto, as quais enfatizam noções de autoria, imanência, originalidade, universalidade e autenticidade/fidelidade textual. Apesar de já terem sido amplamente problematizadas, tais noções, segundo o pesquisador, ainda são entendidas por alguns como chaves para se interpretar as peças de Shakespeare.

    Edson Santos Silva, da UNICENTRO, e Sibele Barause, mestranda do Programa de Pós-Graduação da UNICENTRO, a partir da peça Erros meus, má fortuna, amor ardente, da dramaturga portuguesa Natalia Correia, apresentam informações acerca da Estética da Recepção. O artigo se concentra no teatro enquanto gênero textual. Mas é certo que sua ligação com o espetáculo é intrínseca, pois pressupõe que o texto teatral é escrito com a pretensão da sua representação. Deste modo, torna-se cauteloso o trabalho do texto teatral descartando todas as marcas características de sua ligação com a encenação.

    Sonia Pascolati/UEL apresenta um artigo vigoroso e contundente acerca do dramaturgo que ousou afrontar a ditadura ao colocar em cena personagens marginalizados: Plinio Marcos. A pesquisadora deixa claro que fará uma apresentação comentada de algumas peças plinianas, movida pelo viés pessoal, subjetivo. Na seleção das obras, encontram-se Navalha na carne, Balada de um palhaço, Dois perdidos numa noite suja, Abajur lilás, Homens de papel, sem falar da produção infantil.

    Thiago Cavalcante Jeronimo, Doutorando/Mackenzie, em artigo que homenageia o centenário de nascimento de Clarice Lispector, apresenta posicionamentos críticos acerca dos escritos de Benjamin Moser, um dos biógrafos da autora. Jeronimo averigua nas publicações do norte-americano discursos marcados por elementos antiéticos e da ordem da ilegitimidade e questiona abordagens simplórias do texto literário de Lispector pelo biógrafo. Dentre as vozes que abalizam o artigo, sublinhe-se a de Antonio Candido, que acentuou a diferença abismal que existe entre a realidade empírica e a produção ficcional.

    Por fim, a festa agora recebe os ilustres convidados: OS LEITORES.

    Um olhar para os invisíveis: jornalismo e democracia em Eliane Brum

    Carolina Filipaki de Carvalho

    A morte é um mundo sem palavras

    (BRUM, 2017, p.11)

    Uma repórter de desacontecimentos. É assim que Eliane Brum se descreve. Seu diferencial enquanto profissional da imprensa reside justamente na busca pela falta de novidade da vida de pessoas comuns porque os heróis não são aqueles que lutam contra gigantes, mas aqueles que vencem o cotidiano que lhes foi imposto ainda antes de seu nascimento. Um ser humano, qualquer um, é infinitamente mais complexo e fascinante do que o mais celebrado herói, afirma (BRUM, 2008, p. 195). Ela não dá voz a quem não a possui, pois, a seu ver, todos têm voz. Seu trabalho, todavia, faz com que histórias que ecoam no vazio da ignorância social ganhem ouvidos que as escutem. A maior parte a histórias reais que conto vem dessa grandeza do pequeno, da delicadeza que anima cada vida humana, mesmo nas horas brutas (BRUM, 2017a, p.92).

    Vencedora do prêmio Jabuti, em 2007, com a obra A vida que ninguém vê (2008), a gaúcha de Ijuí coleciona mais de 40 prêmios nacionais e internacionais, a exemplo dos prêmios Esso, Vladimir Herzog, Ayrton Senna e Líbero Badaró, dentre outros. Em 2008, recebeu o Troféu Especial de Imprensa da ONU (Organização das Nações Unidas) por sua atuação em defesa da justiça e da democracia (BRUM, 2020, n.p.).

    Mas o que torna sua escrita tão peculiar? Eliane Brum é referência em jornalismo literário e sua importância neste cenário já ultrapassou as fronteiras da América Latina. Embora não seja a precursora do estilo no Brasil, é a jornalista brasileira que fez com que o jornalismo literário brasileiro conquistasse caráter internacional. Sua carreira iniciou no jornal gaúcho Zero Hora, depois passou pela Revista Época, como repórter especial, e atualmente é colunista do jornal El País, na Espanha, e colaboradora do The Guardian, na Inglaterra, além de outros jornais e revistas europeias. Tem oito livros publicados - um romance e sete obras de não ficção, além de ter participação em coletâneas de crônicas, contos e ensaios (BRUM, 2020, n.p.).

    Este texto é um diálogo com o jornalismo, a literatura, o encontro entre estas duas formas de escrita e seus autores. Não tenho aqui a ambição de definir o jornalismo literário, nem de classificar o jornalismo de Brum, mas sim de lançar um olhar para seu trabalho com o objetivo de explorar como a inclusão de pessoas invisíveis à narrativa midiática trabalha em favor da democracia. Faço esta análise, às vezes, em primeira pessoa, ousando, portanto, ao escrever e compartilhar este capítulo, observar aqueles que têm um olhar e uma escrita que os diferem da imprensa habitual. Para tanto, mergulho, ainda que rasamente, na história do jornalismo e no papel esperado do ofício jornalístico na sociedade, para, em seguida, debruçar-me às obras de Eliane Brum, tanto as jornalísticas quanto à autobiográfica intitulada Meus desacontecimentos (2017a).

    O JORNALISMO E SUA FUNÇÃO SOCIAL

    O jornalismo, explicam Kovach e Rosenstiel, é um pilar essencial da democracia e a presença de informações e notícias em uma sociedade é o termômetro para medir o quão democrática ela é: O jornalismo é tão fundamental para essa finalidade que as sociedades que querem suprimir a liberdade devem primeiro suprimir a imprensa (KOVACH; ROSENSTIEL, 2003, p.31-32), de modo que nenhuma democracia sobrevive sem uma imprensa livre.

    Traquina (2012, p. 130-131), por sua vez, assevera que o jornalismo, a democracia e a cidadania estão intimamente ligados. Ao seu ver, o jornalismo deve ser um veículo de informação para equipar cidadãos com ferramentas vitais ao exercício dos seus direitos e voz na expressão de suas preocupações (TRAQUINA, 2012, p. 130-131), com isso, a imprensa atua como um instrumento para o debate democrático porque municia os cidadãos para que possam conhecer e participar da vida democrática.

    Medina (1982) aponta a responsabilidade social do jornalista, a seu ver, profissional que deve fornecer informações completas e exatas para todos os grupos sociais, de modo que seus membros possam ter conhecimento para tomar decisões de forma livre e judiciosa, para o exercício democrático.

    Para Bucci (2000, p. 30-49), o jornalismo deve perseguir a veracidade dos fatos para bem informar o público, cumprindo, desta forma, sua função social. Nas palavras do autor, o efeito político do bom jornalismo é o fortalecimento da democracia: por isso o jornalismo é, ou deve ser, ou deve-se esperar que seja, um fator de educação permanente do público – um fator de combate aos preconceitos, sejam eles quais forem.

    A ESTRUTURA DO TEXTO JORNALÍSTICO

    Aproximadamente após duzentos anos da criação da prensa móvel pelo alemão Johannes Gutemberg, a imprensa surge em 1630, com jornais ainda rudimentares. A partir de 1900, a produção em grande escala tem início e, com ela, a notícia passa a ser tratada como um produto passível de produção em série. Diante disso, buscam-se padrões para os textos jornalísticos. Em todo o mundo os stylebooks são criados com o objetivo de uniformizar textos, a partir de padronizações que perpassam questões lexicais e gramaticais, até a organização do texto em geral, dando origem a teorias e estilos jornalísticos.

    No Brasil, as publicações deste gênero mais influentes no jornalismo tupiniquim são o Manual Geral de Redação da Folha de São Paulo, cuja primeira dição foi lançada em 1984, e o Manual de Redação e Estilo do O Estado de São Paulo (MARTINS FILHO 1995).

    Estas publicações apresentam a receita para um bom texto jornalístico, a qual inclui escolhas lexicais e sintáticas que tendem a uniformizar o texto: "Fuja a todo custo da falsa criatividade e da tentação de tornar seu lead engraçado ou muito diferente. Lembre-se: essas formas são muito difíceis de alcançar e o mais que se consegue, muitas vezes, são exemplos de gosto (para dizer o mínimo) discutível". (MARTINS FILHO, 1995, p. 158).

    Recomenda-se neste documento a adoção da pirâmide invertida, em que as informações mais importantes são dadas no início do texto e as demais, em hierarquização decrescente, de modo que aquilo que for dispensável acomode-se no final do texto: Procure dispor as informações em ordem decrescente de importância [...] para que, no caso de qualquer necessidade de corte no texto, os últimos parágrafos possam ser suprimidos (MARTINS FILHO, 1995, p. 18). Este posicionamento de informações, mais do que à organização do texto, visa à otimização do processo de produção de notícia para que, no caso de adequações, elas possam ser realizadas no menor tempo possível.

    O lead, primeiro parágrafo da notícia, fazendo jus ao seu significado em língua inglesa, conduzir/liderar, deve introduzir o leitor no texto e prender a sua atenção, bem como propiciar ao leitor que não lê o texto completo, mas apenas as manchetes, que consiga compreender o assunto principal somente com leitura do início do texto.

    O lead é a abertura da matéria. Nos textos noticiosos, deve incluir, em duas ou três frases, as informações essenciais que transmitam ao leitor um resumo completo do fato. Precisa sempre responder às questões fundamentais do jornalismo: o que, quem, quando, onde, como e por quê. Uma ou outra dessas perguntas pode ser esclarecida no sublead, se as demais exigirem praticamente todo o espaço da abertura (MARTINS FILHO, 1995, p. 154).

    De acordo com o Manual, o tom dos textos noticiosos deve ser sóbrio e descritivo, de modo que verbos e substantivos fortalecem o texto jornalístico, enquanto o uso de adjetivos o enfraquece:

    O texto noticioso deve limitar-se aos adjetivos que definam um fato [...] evitando aqueles que envolvam avaliação ou encerrem carga elevada de subjetividade. [...] Mesmo nas matérias opinativas, em que o autor tem maior necessidade de recorrer aos adjetivos, a parcimônia é boa conselheira. O jornalista pode sempre mostrar que um temporal foi devastador e um incêndio foi violento. Ou que uma peça constitui retumbante fracasso. Tudo isso sem poluir seu texto com dezenas de qualificativos (MARTINS FILHO, 1995, p. 32).

    Acerca da opinião, o Manual recomenda: Nunca se esqueça de que a opinião que o leitor quer conhecer é a do entrevistado e não a do repórter (MARTINS FILHO, 1995, 109). Ou seja, o repórter deve apenas informar, sem atrever-se a opinar.

    Para Lima (1990, p.65) a objetividade é um traço natural do jornalismo como gênero literário. Segundo o autor, o importante é manter o contato com o fato e o jornalista que divaga em torno do fato ou o deturpa ou está mal informado, não é um bom jornalista, de modo que a veracidade e o realismo são, a seu ver, a grande força do jornalista.

    Melo (2006, p. 38) afirma que a questão da objetividade nasce com o jornalismo e que a reprodução do real, "por intermédio da lente de aumento da imprensa,

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