Paz & pensamento: O legado de Francisco Moraes Paz
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Paz & pensamento - José Antonio Vasconcelos
PREFÁCIO
É difícil avaliar o impacto que um professor tem nas vidas de seus alunos. Certamente devemos a nossos mestres muito mais do que somos capazes de imaginar. Também é certo que nem todos os professores são lembrados da mesma forma ou com igual intensidade. Não raro são esquecidos.
Porém, quando ex-alunos se reúnem para partilharem entre si as impressões que têm sobre a contribuição de determinado professor para suas trajetórias acadêmicas, estamos diante de um fato que não vemos todos os dias. Que esses ex-alunos queiram deixar um registro durável desse debate, na forma de um livro impresso por meio do qual se possa estender essa experiência, é algo extraordinário. Que professor é esse afinal?
O professor Francisco Moraes Paz, natural do Rio Grande do Sul, formou-se em História na Universidade Federal de Santa Maria e posteriormente se mudou para o Paraná, onde cursou o mestrado e o doutorado em História na Universidade Federal do Paraná. Nesse meio tempo ele lecionou na Universidade Estadual de Maringá, antes de tornar-se professor da Universidade Federal do Paraná. Foi também editor da Revista História, questões e debates nos anos 1990, além de coordenar trabalhos de pesquisa de História no Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social – IPARDES, uma instituição de pesquisa vinculada à Secretaria de Estado do Planejamento e Coordenação Geral, no estado do Paraná. Entre suas principais obras destacam-se Artimanhas da política (Curitiba : Prephacio, 1990) e Na Poética da História: a realização da Utopia Nacional Oitocentista (Curitiba : Editora da UFPR, 1996).
Trata-se de uma referência importante na historiografia paranaense. Mas, mais do que isso, seu trabalho e sua pessoa foram influências decisivas nas pesquisas desenvolvidas na linha de pesquisa de História da Ideias, do programa de pós-graduação em História da Universidade Federal do Paraná. Mal podemos imaginar hoje o impacto causado com a notícia de seu falecimento em dezembro de 1995.
O professor Francisco Moraes Paz – o Chico
, como era conhecido por seus colegas e alunos – lecionava e pesquisava no interior de um amplo espectro de interesses: teoria da História, História regional, história da historiografia, relatos de viajantes, política paranaense contemporânea, vida cotidiana no século XIX, pós-modernismo, cinema, entre outros. Os textos da presente coletânea dialogam de uma forma ou de outra com um ou mais desses interesses. Ao final, a coletânea inclui dois textos do próprio professor Francisco, um sobre história regional e outro sobre história nacional, com ênfase em teoria da história.
O DIVERSITAS, Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos, da Universidade de São Paulo, tem orgulho em apoiar a presente coletânea, que é ao mesmo tempo uma homenagem e uma produção intelectual valiosa, evidenciando a importância de aspectos da historiografia dos anos 1990 para o encaminhamento de pesquisas acadêmicas nos dias de hoje.
Parte I
Quem foi Francisco Moraes Paz?
FRANCISCO PAZ E A HISTORIOGRAFIA DOS ANOS 1980 E 1990
José Antonio Vasconcelos
Professor do departamento de História da Universidade de São Paulo
Alberto Luiz Schneider
Professor de História do Brasil do Departamento de História da PUC-SP
A Editora da Universidade Federal do Paraná publicou, em 1996, Na Poética da História: a realização da Utopia Nacional Oitocentista. A publicação foi resultado do doutorado de Francisco Moraes Paz, sob a orientação de Ana Maria Burmester de Oliveira, no departamento de História da UFPR, no ano anterior.
A obra é uma expressão da pulsão renovadora da historiografia brasileira dos anos 80 e 90. Não foram poucos os historiadores – partidários ou opositores da renovação, certamente plural – que se referiam a ela como Nova História Cultural ou ainda como parte de uma virada cultural nas ciências humanas. Essa renovação historiográfica foi construída em oposição aos discursos totalizantes herdados do marxismo e da tradição braudeliana, marcados tanto pelas pretensões totalizadoras, quanto pela ênfase na história econômica e seus sujeitos coletivos: a classe, os camponeses, a burguesia, a aristocracia, os operários, etc. Nesse sentido, é sintomático que Chico tenha se referido a autores como Michel Foucault e Edward P. Thompson como horizontes teóricos de sua dissertação de mestrado, No jogo eleitoral, as artimanhas da política, defendida em 1989, sob a orientação da profa. Ana Maria Burmester, e que trata das eleições municipais de Curitiba em 1988.
De Foucault temos, entre outros, os estudos sobre as manifestações capilares do poder, isto é, das relações de poder que sustentam o edifício social. Thompson, por sua vez, não poupa críticas aos reducionismos causados pela vulgata althusseriana sobre luta de classes, sobre o motor da história
. Tomando-os no conjunto, vemos emergir uma nova compreensão de práticas cotidianas, das formas de resistência e das utopias sociais.¹
O uso de Thompson remete em primeiro lugar a uma crítica do conceito de determinação econômica, dando atenção aos aspectos culturais de personagens esquecidos do passado e rompendo com a ortodoxia então vigente, representada pelo alinhamento ao PC Britânico. Nesse sentido, a proposta do historiador inglês era a de construir uma história vista de baixo
. Mas, mais do que isso, em sua polêmica com Althusser, Thompson investia contra a imposição de constructos abstratos e generalizantes à realidade histórica.
A referência a Thompson permitiu que Chico se distanciasse de esquemas explicativos ao mesmo tempo grandiosos e simplificadores, vendo as organizações partidárias como parte de um quadro mais amplo que ele definia como cultura política
. Permitiu ainda uma aproximação com historiadores ligados à história social do trabalho, como Sidney Chaloub, Sílvia Lara, Michael Hall, João José Reis, entre outros. Thompson, porém, tinha seus limites. Entre outras coisas, é preciso não esquecer que o autor de A formação da classe operária inglesa jamais abandonou uma concepção epistemológica realista da realidade histórica. Ao comentar a ortodoxia do Progresso do Peregrino
, por exemplo, Thompson é categórico ao manifestar sua discordância, já que, para ele, esta lê a história à luz de preocupações posteriores, e não como de fato ocorreu
,² num quase tributo ao conhecido dictum rankeano, wie es eigentlich gewesen.
Mais do que em Thompson, portanto, é em Foucault que podemos identificar a inspiração teórica que conduziria Chico e seus herdeiros intelectuais a uma busca de superação dos modelos historiográficos tradicionais, colocando-os em sintonia com os trabalhos de Margareth Rago, na historiografia, ou de Roberto Machado, na filosofia. Em um artigo de 1987 sobre a recepção de Foucault na historiografia profissional, o historiador canadense Allan Megill comentou que a recepção de Foucault pelos historiadores é um ‘problema’ de um modo que a recepção de Emmanuel Le Roy Ladurie, Lawrence Stone, ou mesmo de E. P. Thompson não é
.³ Com isso Megill se referia não só ao fato de que o trabalho de Foucault era marginal à historiografia profissional – Foucault, devemos lembrar, era filósofo e não historiador, e era avesso aos empreendimentos coletivos que tão bem caracterizavam e ainda caracterizam as pesquisa historiográfica francesa –, mas também, e principalmente, à insistente recusa em identificar causas e origens. E, realmente, o método genealógico proposto por Foucault significa uma maneira não convencional de se escrever história:
Daí, para a genealogia, um indispensável demorar-se: marcar a singularidade dos acontecimentos, longe de toda finalidade monótona; espreitá-los lá onde menos se os esperava e naquilo que é tido como não possuindo história – os sentimentos, o amor, a consciência, os instintos; apreender seu retorno não para traçar a curva lenta de uma evolução, mas para reencontrar as diferentes cenas onde elas desempenharam papéis distintos; e até definir o ponto de sua lacuna, o momento em que eles não aconteceram.⁴
A influência mais evidente de Foucault nos escritos do professor Chico se verifica no uso do conceito foucaultiano de disciplina. Em um estudo intitulado O Paraná inventado: política e governo, desenvolvido para o Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), coordenado pelo professor Chico, afirma-se que As práticas de um governo orientador e disciplinador, bem como a produção de suas imagens conferem, segundo as reflexões aqui explicitadas, um poder de estado nem sempre suficiente e satisfatório para sua tarefa de governar.
⁵ Também em Corpos disciplinados, corpos individualizados
, artigo escrito para a revista História, Questões e Debates em 1985, Chico remete ao conceito de disciplina de Foucault para pensar a condição do trabalhador urbano na modernidade. E, como seria de se esperar, a disciplinarização dos corpos é compreendida sob uma perspectiva genealógica: Em seu projeto genealógico, Foucault parte para o estudo das relações entre saber e poder, opondo-se à noção de poder como propriedade do Estado, que o exerce repressivamente
.⁶
Em outras palavras, não há como dissociar, de forma instrumental, o conceito de disciplina nas obras de Foucault de seu método genealógico e, consequentemente, de sua crítica ao modelo tradicional de história que busca causas, explicações, origens e continuidades. Pelo contrário, seguir Foucault é seguir a senda do descontínuo e da incomensurabilidade do conhecimento histórico. E foi esse o caminho que Chico seguiu. À leitura de Foucault seguiu-se a de Walter Benjamin, Hayden White, Ernst Cassirer e sua tríade favorita de comentadores do pós-modernismo: Jean-François Lyotard, Frederic Jameson e Jean Baudrillard.
A Nova História Cultural pela qual Chico Paz militava – bem equipado teoricamente, como muitos outros historiadores de sua geração – abriu-se para temas como as sexualidades, as religiosidades, as circularidades culturais, a ciência e a literatura, os pobres (que incluíam os operários de fábrica, mas não só), os intelectuais e os viajantes, as mulheres, entre outros. Pensemos em obras como Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no Brasil (1989), de Ronaldo Vainfas (que não por coincidência foi membro da banca de doutoramento de Francisco Paz); O Diabo e a Terra de Santa Cruz: feitiçaria e religiosidade popular no Brasil colonial (1986), de Laura de Mello e Souza; Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil (1993), de Luiz Mott; Ao sul do corpo: condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil colônia (1996), de Mary del Priore; Trabalho, Lar e Botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro na belle époque (1986), de Sidney Chalhoub; Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na primeira república (1983), de Nicolau Sevcenko; O trem fantasma: modernidade na selva (1988), de Francisco Foot Hardman; Do Cabaré ao lar: a utopia da cidade disciplinar: 1890-1930, (1985), de Margareth Rago; 1930: o silêncio dos vencidos (1988), de Edgar de Decca (também membro de banca de doutorado). São apenas alguns dos companheiros de geração de Francisco Paz, com quem ele dialogava intensamente.
Essas referências intelectuais, tão influentes no Brasil das décadas de 1980 e 1990 – um país em crise, mas que vivia os ares benfazejos da redemocratização – foi construída na crítica às grandes referências das décadas anteriores, como Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Jr. (1942), Formação Histórica do Brasil (1967), de Nelson Werneck Sodré, Formação Econômica do Brasil (1959), de Celso Furtado (embora não fosse marxista, Furtado construiu uma interpretação do Brasil fundado na história econômica, em linha com narrativas totalizadoras). Essas obras, nascidas da historicidade das décadas de 1930 a 1960 foram lidas de forma ambivalente pela geração de Francisco Paz e por ele próprio. Chico e seus pares reconheciam de bom grado a dívida para com esses grandes mestres, mas sentiam também a forte necessidade de fazer algo diferente, evitando que aquilo que já havia se consolidado como tradição se convertesse em ortodoxia. Não por acaso, a geração dos anos 1980 e 1990 recuperou elementos importantes das obras de Sérgio Buarque e Gilberto Freyre, autores fortemente criticados pela tradição marxista, hegemônica até a década de 1970.
Não pensemos que a chamada Nova História Cultural não teve críticos. Os novos historiadores
eram acusados de se renderem a modismos
, de serem culturalistas
, de produzirem uma história pulverizada e fragmentada (em migalhas, dissera François Dosse), de renunciarem a temas tidos como centrais, como a luta de classes e os temas relativos ao capitalismo, em favor de assuntos irrelevantes e minúsculos, que não contribuiriam para questionar a ordem mundial dominante. Entre os críticos mais evidentes estavam Jacob Gorender (nos temas relativos à escravidão)⁷ ou ainda Ciro Flamarion Cardoso, em seus em Ensaios racionalistas, (1988). Para este, a história nova, dividida em compartimentos mais ou menos estanques, despolitizada pela negação da efetividade das revoluções sociais e pelo deslocamento do interesse para temas inócuos e politicamente desmobilizadores
⁸. Entre os temas basicamente reacionários
estavam as temáticas feministas, o movimento gay, as questões ecológicas, o debate racial, as lutas sociais não marcadas pelos sindicatos e uma infinidade de outros temas que não cabiam bem na métrica do marxismo tradicional. Esses objetos de pesquisa, que não se ajustavam às velhas concepções mentais da esquerda pré-ditadura, cabiam bem no mosaico de forças e sensibilidades que conduziram a formação e consolidação do Partido dos Trabalhadores (PT) no início dos anos 80. Não por coincidência, boa parte dos historiadores da chamada Nova História Cultural, especialmente aqueles de inspiração Foucaultina e Thompsoniana, de um modo ou de outro se identificava com o PT, inclusive o próprio Chico Paz.
Qual era a novidade da complexa e plural tradição historiográfica brasileira dos anos 80 e 90, na qual se assentava Na Poética da História? Entre os denominadores comuns está a crítica às grandes narrativas totalizantes e o economicismo, a atenção ao micro e ao singular, a valorização da história das instituições e dos intelectuais, a abertura às linguagens (como o cinema e a literatura), a sexualidade e a cultura. Não é de se surpreender que Chico Paz, em suas aulas, bem como no seu livro, desse atenção a antropólogos como Marshal Sallins e Clifford Geertz, ou estudiosos do texto, como Hayden White e Dominick LaCapra. Na Poética da História já aparecem nomes ainda pouco comuns no Brasil dos anos 90, como Paul Ricoeur, Jorn Rüsen e Homi Bhabha, o que sugere a atenção de Francisco Paz aos temas ligados à narrativa, a historicidade e ao pós-colonialismo.
Na obra, Chico dedicou-se a pensar o Brasil do século XIX. Menos o Estado e a economia; e mais os discursos relativos à nação, a população e aos saberes. O racismo de origem douta, produzido por intelectuais, letrados, viajantes e cientistas é, em última instância, o centro de sua reflexão. Gênero e raça compõem um dos núcleos de interesse mais vibrantes da geração de Francisco Paz. Em nenhum outro tema o país avançou tanto nas últimas décadas quanto esses. A obra de Chico se conecta diretamente a esse processo, pois a agenda da historiografia é a agenda da vida dos homens e das mulheres que a produziram num certo tempo e espaço.
Francisco Moraes Paz foi um intelectual altamente antenado com o que corria no seu tempo e no seu país, particularmente atualizado com as referências internacionais. Chico foi como um pedaço do Brasil daquela época, crítico do autoritarismo e do dogmatismo à direita e à esquerda, ávido de liberdades, esperançoso em relação ao futuro, um tanto deslumbrado, mas inquieto, instigante e profundamente criativo. Era um país que parecia reconciliado não com seu presente, mas com as esperanças de futuro, atrasadamente moderno, poderíamos dizer. Mas que, visto de hoje, causa-nos uma estranha sensação de saudade algo melancólica. Não pelo país que éramos, mas pelo que poderíamos ter sido. A obra de Francisco Paz porta muitas daquelas esperanças.
Notas
1 PAZ, Francisco Moraes. No jogo eleitoral, as artimanhas da política. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 1989. p. 20.
2 THOMPSON, Edward Palmer. A Formação da Classe Operária Inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. p. 13.
3 MEGILL, Allan. The Reception of Foucault by Historians. Journal of the History of Ideas, v. 48, n. 1, p. 117, jan./mar., 1987.
4 FOUCAULT, Michel. Nietzsche, a genealogia e a história. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Tradução: Roberto Machado. 10. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1992. p. 16.
5 IPARDES. O Paraná Reinventado, Política e Governo. Curitiba: IPARDES/SEPL/FUEM, 1989. p. 2.
6 PAZ, Francisco Moraes. Corpos disciplinados, corpos individualizados. História: Questões & Debates, Curitiba, a.6 n. ll, p. 182, dez. 1985.
7 GORENDER, Jacob. A escravidão reabilitada. São Paulo: Ática, 1990.
8 CARDOSO, Ciro. Uma Nova História? In: ______. Ensaios racionalistas. Rio de Janeiro: Campus, 1988. p. 100.
OS SENTIDOS DA VIAGEM: ANA BURMESTER FALA SOBRE FRANCISCO PAZ
Ana Maria Burmester
Tatiana Dantas Marchette
José Roberto Braga Portella
Otavio Zucon
Ana Maria de Oliveira Burmester é formada em História pela Universidade Federal do Paraná (1968), com mestrado em História pela mesma universidade (1974) e doutora em Demografia pela Université de Montreal (1981). Atualmente é professora aposentada do Departamento de História da UFPR. Ana Maria foi orientadora, colega e amiga de Francisco Moraes Paz. Mais do que uma longa amizade, Aninha e Chico mantiveram fecunda interlocução humana e intelectual. Essa entrevista foi concedida em 02 de outubro de 2018, a Tatiana Dantas Marchette, Doutora em História (UFPR) e fundadora da Factum Pesquisa Histórica & Memória; José Roberto Portella, o Peninha
, professor do Departamento de História da UFPR e Otavio Zucon, historiador e produtor Cultural.
Legendas: Ana Maria Burmester - AMB
Tatiana Dantas Marchette - TDM
Otavio Zucon - OZ
José Roberto Braga Portella (Peninha) - JRBP
[ ] - nomes completos e informações adicionais
TDM Ana, obrigada por nos receber aqui. Espero que o livro sobre o Chico [Francisco Moraes Paz, 1954-1995] seja um sucesso. Estamos esperando há tempo! A primeira pergunta é básica: tentar relembrar a época, o contexto, enfim, o dia e o mês em que você conheceu o Chico.
AMB Na verdade, isso que eu estava pensando. Eu não lembro o ano em que ele chegou para fazer o Mestrado [na UFPR]. Foi nos anos setenta [1970]. Ele acabou nomeado na Federal [UFPR] no final dos anos oitenta [1980]. Ele fez Mestrado recém-chegado do interior do Rio Grande do Sul e, por acaso, foi orientando da professora Márcia Graff. Eu não lembro do tema, porque ele na verdade mudou o tema no meio do curso e, afinal, acabou realizando sua dissertação de Mestrado, na qual tomou como mote a eleição de Jaime Lerner para prefeito, em Curitiba. Aquela famosa eleição dos 12 dias. E o Chico começou, enfim. Era uma pessoa que tinha muito brilho.
[No jogo eleitoral, as artimanhas da política
, UFPR, 1989.]
Era uma pessoa bonita em todos os sentidos. Grande pessoa! Inteligente, educado, do bem. E ele acabou passando num concurso em Maringá [UEM]. Ele, Marco [Mello] e também o nosso grande amigo e, infelizmente, recentemente falecido, Antônio Simão Neto. Estavam lá todos, todos trabalhando, foi uma época boa para o curso em Maringá. Eu lembro que fui visitá-los lá uma vez.
Tem uns lances engraçados. Era aniversário de um ano do filho do Marcão [Marco Mello], o Eduardo. Cheio de criança correndo pela casa e os mais adultos num cantinho, e o Marcão pôs uma música progressiva, e ficava louco de bravo quando as crianças passavam correndo para atrapalhar a música dele! Foi um tempo bom.
Maringá era uma cidade pequena. O Chico, enfim, já tinha saído da sua cidade natal, Santa Maria – natal não sei, mas onde ele morava – quando se descobriu gay. Nesse ponto de vista Maringá era uma cidade pequena. Ocorreu um assassinato terrível lá de um professor que era gay.
TDM Colega deles?
AMB Não, não era colega, mas era professor na UEM [Universidade Estadual de Maringá]. Não era na História, e não sei qual área. Enfim, foi um assassinato homofóbico. [O Chico] conseguiu vir para Curitiba, onde ficou no IPARDES [Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social].
JRBP Era um convênio, não era?
[Convênio entre o IPARDES, a Secretaria de Estado de Planejamento do Paraná e a Fundação Universidade Estadual de Maringá/FUEM]
AMB É, foi um convênio. O IPARDES era, naquela época de redemocratização, com o primeiro governo Richa [José Richa], se tornou um ponto muito interessante, faziam-se pesquisas interessantes. Tinha o pessoal da Sociologia, da Economia, da História, como o Chico e também a professora Marionilde Dias Brephol, que já trabalhava no IPARDES e coordenava um dos grupos de pesquisa, do qual colaborei por um tempo.
TDM Era uma linha de história política?
[Projeto História Política do Paraná, sendo publicado o livro O Paraná reiventado: política e governo
, em 1989. Marionilde Dias Brephol era a coodenadora do Projeto, e Francisco Moraes Paz o coordenador adjunto, representando a FUEM.]
AMB É. História política, o Paraná Reiventado
, inclusive o IPARDES, generosamente, nos permitiu trazer o professor Edgar de Decca para discutir o plano, o projeto todo. Foi um projeto que, depois, por razões mais particulares, eu não acompanhei até o final, e na impressão [do livro Paraná Reinventado
] e lançamento eu já não fazia mais parte do grupo.
Ele fez concurso [Chico], passou no Departamento de História [UFPR]. Passou em segundo lugar e, na ocasião, a professora Regina Gouvea, já bastante adoentada, pediu a aposentadoria e ele foi