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Movimento Estudantil:  trajetórias e memórias coletivas
Movimento Estudantil:  trajetórias e memórias coletivas
Movimento Estudantil:  trajetórias e memórias coletivas
E-book159 páginas2 horas

Movimento Estudantil: trajetórias e memórias coletivas

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Sobre este e-book

Este livro nasce como fruto da minha primeira grande investida no mundo da Antropologia: a dissertação de mestrado construída através do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) da UFAL. Meu desejo era de conseguir transformar esse material em um livro acessível ao público de fora das universidades, sem tantas categorias e conceitos próprios desse universo, contudo, esta será uma empreitada futura.

Me resguardei a selecionar algumas partes do trabalho original e realizar uma leitura cuidadosa para prezar pela proximidade com a pessoa leitora, sem prescindir do rigor metodológico empregado na dissertação – e que é tão precioso à Academia. Portanto, aqui é o lugar onde nos encontraremos, eu-pesquisadora com você-pessoa leitora, na busca por uma interlocução tangenciada pelos afetos e memórias: pela vida.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de ago. de 2022
ISBN9786525251554
Movimento Estudantil:  trajetórias e memórias coletivas

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    Movimento Estudantil - Luciana Calado

    CAPÍTULO 1 – UM OLHAR ANTROPOLÓGICO SOBRE O MOVIMENTO ESTUDANTIL E A VIDA

    Arrepare não

    Mas enquanto engoma a calça eu vou lhe contar

    Uma história bem curtinha fácil de cantar

    Porque cantar parece com não morrer

    É igual a não se esquecer

    Que a vida é que tem razão

    (Ednardo – Enquanto engoma a calça, 1973)

    No campo da sociologia o tema do Movimento Estudantil é geralmente pautado associado às juventudes e ao meio universitário (FORACCHI, 1965; MANNHEIM, 1968; ABRAMO, 1994; GROPPO, 2005; IANNI, 1963, 2011). Entretanto, na Antropologia, outros temas têm sido privilegiados. Exemplo disso é a dificuldade em encontrar bibliografia produzida sobre o Movimento Estudantil (doravante ME) sob a ótica da disciplina, ao passo que transbordam referências oriundas da Psicologia, do Serviço Social, História, da própria Sociologia, como já apontei, e até da área de Enfermagem (REIS, 2007).

    Neste contexto, minha pesquisa apresenta um tema de pouco destaque no métier antropológico. Não que o tema se apresente fora dos domínios da disciplina, como pretendi demonstrar, mas que consuetudinariamente tem sido vinculado a outras áreas do conhecimento¹. Isto dito, cabe apresentar duas questões: uma, a proximidade com a tradição sociológica do debate acerca do ME e outra, o desafio de me lançar ao novo.

    No que diz respeito à proximidade com a sociologia, isto se dá pelo motivo já esclarecido, qual seja, a ausência de um costume em se produzir trabalhos científicos no âmbito da antropologia, ao passo que esta tradição se mostra naquela disciplina. Além disso, sendo estas duas abordagens, junto às ciências políticas, acolhidas em um guarda-chuva, as Ciências Sociais, não é demérito algum esse avizinhamento conceitual.

    Não é minha intenção versar sobre o estado da arte aqui, como dito na apresentação, contudo, vale dizer que, apesar de a tradição nos estudos sobre o movimento estudantil estar em outros domínios do conhecimento e da minha pesquisa sobre o estado da arte do tema ter ficado no texto original, decorre minha segunda questão, lançar-me ao novo.

    ‘Novo’ aqui é sinônimo de novidade, de uma abordagem que difere daquela que se costuma encontrar. Por que existe essa ausência de investigações científicas no campo da antropologia? Por que o ME não compõe o rol de possibilidades das análises das relações intersubjetivas/interpessoais? Essas – e muitas outras – questões agregam este caráter de novidade ao meu trabalho.

    Acredito que a questão do ME não figurar nas pautas da antropologia daria por si uma tese. Por isso, não é também minha intenção fustigar este debate epistemológico agora. Este problema científico, se é que já posso chamá-lo assim, apareceu durante as pesquisas bibliográficas de forma discreta, sem contornos de uma questão em si e pululou durante o processo de escrita da dissertação.

    Uma das possíveis razões que me ocorreu ao pensamento foi que o tratamento que se dispensa ao ME tradicionalmente, é relacionando-o às instituições. Como se o ME existisse como um fenômeno que seria uma agremiação de pessoas em partidos, coletivos, marchas, atos, passeatas etc., que se mantêm em razão dessas manifestações e reuniões coletivas. E é aí que meu olhar vai em um sentido novo, passando pelas coletividades, mas se afastando delas, indo ao encontro dos indivíduos.

    Afinal de contas, os indivíduos são as unidades celulares das coletividades e nelas se forjam. Talvez com um pouco mais de ampliação dessa imagem, captando velocidades e vibrações – sentidos – como que se valendo de um microscópio estroboscópico (caso existisse um), poder enxergar em um nível molecular; enxergar as relações sociais em nível molecular: dos fluxos, devires, com um caráter processual... rizomático (DELEUZE; GUATTARI, 1995).

    Outra possibilidade seria a ideia que tem tomado força no meio acadêmico, de que o Movimento Estudantil ruma ao desaparecimento, que tem se liquefeito em outras (con)formações coletivas. Seria o ME uma espécie ameaçada de extinção? Deixando um pouco a trilha das expectativas e hipóteses, de volta à pesquisa, percorri um caminho pouco usual na sociologia e inexistente – ou quase, pelo menos no que pude pesquisar², na antropologia.

    Incorporando conceitos de outras áreas do conhecimento, em especial da sociologia, trago meu trabalho sobre o movimento estudantil, sob a ótica da antropologia, privilegiando os atores individuais ao invés de suas agremiações coletivas e institucionais, apenas. Não trabalho na perspectiva de negar as coletividades, sua importância e centralidade na história, mas me proponho a ir além, desnudar os aglomerados para enxergar os indivíduos, suas subjetividades, memórias, afetos e disposições (BOURDIEU, 1996; LAHIRE, 2002).

    Quando me refiro à ideia de lançar-me ao novo, a memória me remete à uma entrevista de Belchior, que data do ano de 1982, na qual ele explicava sobre os usos a palavra novo em sua obra. Naquela ocasião o cantor explicou que seu trabalho assumia pretensões de ser "um objeto poético transformador, que tenda para os interesses da história do homem, um objeto útil, enfim, uma arte que sirva. Que não seja ornamental, mas uma arma na mão do homem para a conquista de si mesmo, do universo e dos espaços desconhecidos".

    Belchior falava em utopia, algo que se liga e aparece em um universo novo:

    Uma utopia paradisíaca, uma utopia órfica, de transformação pelo que é endêmico, pelo que é primitivo no homem. Não tem nada a ver com essa questão superficial de que as pessoas mais jovens estão com tudo, e as mais maduras não estão com nada. Tem a ver com uma coisa muito mais profunda, com respeito a filosofia de pretensão de um universo transformado, de um universo tendente para aquilo que o homem pretende com a sua profundidade, com a sua alma e seu espaço espiritual. (CAMINHOS DA CULTURA, 1982, grifos meus.)

    É nesta perspectiva que apresento este livro nascido de minha dissertação, estruturada e construída com base em questionamentos e pesquisas, observações empíricas, trabalho de campo, sistematização, muitas leituras, releituras e reflexões. Espero – de esperança e paciência – contribuir para a construção do conhecimento e o debate sobre o tema.

    Antropologia, biologia e movimento estudantil: posicionalidade

    Luz, quero luz, / Sei que além das cortinas/ São palcos azuis/ E infinitas cortinas/ Com palcos atrás/ Arranca, vida/ Estufa, veia/ E pulsa, pulsa, pulsa, / Pulsa, pulsa mais

    (Chico Buarque, 1980)

    A partir da década de 1960, o caderno de campo passa a invadir o texto etnográfico (MARQUES; VILELA, 2005, p. 42). Esta afirmação remete à posicionalidade, ao fato de o autor colocar-se no texto, posicionar-se enquanto sujeito histórico que coabita o mundo social do mesmo modo que seus interlocutores o fazem. É o que Ingold (2008) fala sobre a antropologia ser uma indagação sobre as condições e possibilidades da vida humana no mundo, não um filme que o antropólogo assiste e, então, relata. É o exercício de se utilizar da polifonia, das diversas vozes que compõem o texto antropológico.

    Exercitando essa posicionalidade, me colocando no texto enquanto a militante que fui, serei a primeira agente a figurar na dissertação e assim o fiz em razão de que um dos motivos desta pesquisa ter nascido decorre do meu passado, da minha história de vida. É essa antropologia viva, vívida e dialógica que trago para o meu texto. Em um trabalho que fala sobre ME, como militante que fui, não tenho como ficar fora do texto: meu objeto está subjetivamente ligado à minha história.

    Caminhar pela UFAL e não ver, nem ler ou ouvir sobre o ME causou a mim uma estranheza sem igual. É estranho enquanto militante, enquanto filha de militantes. Cresci ouvindo histórias de militantes: sobre reuniões, encontros, viagens, festas, idas à praia. Contudo, das gerações que me antecederam, carreguei apenas as histórias, que mais pareciam um filme visto há muito tempo, daqueles de que pouco se lembra.

    Nasci em Maceió, no bairro da Gruta de Lourdes, onde morei a maior parte da minha infância. Aos 09 anos fui morar no bairro da Jatiúca, na parte baixa da cidade. Minha adolescência e parte da vida adulta foi ali. Entretanto, apesar da mudança, continuei estudando na mesma escola que iniciei minha educação formal, aos 18 meses de vida, a Escola Monteiro Lobato, na parte alta da cidade. Saí de lá aos 14 anos, quando concluí o ensino fundamental, pois à época, o Monteiro não oferecia ensino médio. Fui para o Colégio Marista de Maceió, também na parte alta, onde concluí meus estudos na educação básica.

    O trajeto que percorria da Jatiúca para a parte alta da cidade, seja indo para o Monteiro ou para o Marista, me permitiu desde nova ter facilidade para me locomover pela cidade e conhecer diversos bairros. Além disso, viajei por muitos estados do Nordeste jogando handebol pelas escolas, clubes esportivos e pela seleção alagoana. Some-se a isso o fato de que, por minha família paterna morar no estado da Bahia e eu realizar viagens anuais para lá, comecei a gostar de viajar desde muito nova.

    Na época da universidade, entre 2004 e 2009 também viajei Brasil afora em razão da militância, congressos, enfim, da vida acadêmica em sentido amplo. Por óbvio, nesta época já apresentava um outro poder de observação que não aquele

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