Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

Contos fantásticos chineses: histórias de amor e heroísmo
Contos fantásticos chineses: histórias de amor e heroísmo
Contos fantásticos chineses: histórias de amor e heroísmo
E-book334 páginas5 horas

Contos fantásticos chineses: histórias de amor e heroísmo

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

"Foi através de diversos exemplares de antologia de lendas chinesas que pude chorar junto com Zhinü e Niulang pela triste separação imposta por imperador celestial Jade, jurar ser uma mulher forte e sábia como Mulan quando crescer, sentir pena de Chang'e, aprender a importância de controlar a mente tal como Tang Sanzang treina o macaco Sun Wukong, entender que o orgulho pode levar uma pessoa à tragédia, e desenvolver meu senso do justo, do bom e do belo.

Esse complexo mundo espiritual chinês a partir de narrativas, que envolvem o fantástico e maravilhoso e que misturam a realidade e o místico, é interesse e tema de estudos de muitos estudiosos chineses e sinólogos ocidentais, e a tradução é parte dos trabalhos desses intelectuais. Como tradutora, ouso dizer que é com a tradução que um chinês entende melhor sua cultura e um estrangeiro enriquece o próprio mundo. E não posso deixar de mencionar que nesta obra temos as traduções e adaptações de Richard Wilhelm (1873-1930), Lafcadio Hearn (1850-1904), Rev. John MacGowan (1835-1922) e Norman Hinsdale Pitman (1876-1925). Nela, também há traduções de contos fantásticos de Pu Songling (1640-1715), um escritor chinês da dinastia Qing conhecido por compilar relatos populares de fatos estranhos, e algumas narrativas de Feng Menglong (1574-1646), um literato da dinastia Ming.

Os contos de amor e de heroísmo selecionados para integrar esta obra compartilham o mesmo propósito dos autores previamente apresentados: trazer uma outra forma de ver e entender o mundo e as relações sociais para o imaginário brasileiro. Há ainda muitos trabalhos a serem feitos na comunicação ocidente-oriente, este é apenas um dos primeiros passos. Espero que você – cara leitora e caro leitor – consiga sentir junto com as personagens o que são o amor e o heroísmo na visão dos chineses."

Yu Pin Fang (Peggy), tradutora
IdiomaPortuguês
EditoraBuruRu
Data de lançamento1 de set. de 2022
ISBN9786587929125
Contos fantásticos chineses: histórias de amor e heroísmo

Relacionado a Contos fantásticos chineses

Ebooks relacionados

Ficção Geral para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de Contos fantásticos chineses

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    Contos fantásticos chineses - Songling Pu

    Prefácio

    Há diversas formas de conhecer e imaginar uma sociedade, quer pela economia, quer pela gastronomia, quer pela religião, quer pela literatura, quer por outras facetas que compõem uma cultura. Eu particularmente nutro uma paixão especial quanto às narrativas literárias que refletem a realidade de determinada época e cultura. Ainda me lembro de ter enriquecido meu imaginário sobre o mundo árabe e islâmico quando ganhei um exemplar de adaptação infantil do livro Hazar Afsana, ou mais conhecido por As Mil de Uma Noites, no qual através da narração de Shahrazad pude me divertir com a aventura de Ali Babá contra os quarenta ladrões, sonhar em ter uma lâmpada maravilhosa igual a de Aladim, e o mais importante – alimentar a vontade aprender a língua e conhecer ainda mais a cultura e a dimensão espiritual dos árabes, pérsios, egípcios e indianos. Nesse sentido, se os chineses ampliaram o horizonte de seu imaginário por meio de As Mil e Uma Noites e outras narrativas como mitos gregos, lendas e folclores indígenas de todas as terras, fábulas de Esopo, alegorias de todas as literaturas, uma das formas de os ocidentais adentrarem no universo chinês e entenderem a formação da China certamente pode ser por meio de seus contos populares e registros clássicos.

    Assim como os gregos, os chineses tinham suas lendas que tentavam explicar a formação do mundo, da criação do homem e do surgimento de tudo. Muitas delas não só exercem influência nos costumes atuais dos chineses, mas também deixaram seus legados na própria língua chinesa. Essas narrativas de todas as tradições formam uma chave de acesso ao mundo espiritual da humanidade, e eu acredito que cada cultura afina essa chave com suas próprias cores que enriquecem ainda mais o mundo. Nos estudos da mitologia comparada, podemos encontrar diversos exemplos de como cada sociedade conta a própria visão de mundo. Se na tradição mística dos gregos o titã Epimeteu criou a humanidade a partir do barro, a deusa Nüwa foi quem criou os homens e as mulheres a partir da terra amarela segundo as lendas chinesas. Se Pangu foi o primeiro ser vivo na China, e com sua morte, seus membros se transformaram em elementos físicos do mundo, nas mitologias babilônica e suméria, da morte da deusa Tiamat e do seu desmembramento o mundo surgiu.

    Além desses mitos de criação, ainda temos os contos de relacionamento amoroso entre divindades e mortais espalhados em todas as culturas, e os atos heroicos dos humanos registrados em diversas formas. Foi através de diversos exemplares de antologia de lendas chinesas que pude chorar junto com Zhinü e Niulang pela triste separação imposta pelo imperador celestial Jade, jurar ser uma mulher forte e sábia como Mulan quando crescer, sentir pena de Chang’e, aprender a importância de controlar a mente tal como Tang Sanzang treina o macaco Sun Wukong, entender que o orgulho pode levar uma pessoa à tragédia, e desenvolver meu senso do justo, do bom e do belo.

    Esse complexo mundo espiritual chinês a partir de narrativas, que envolvem o fantástico e maravilhoso e que misturam a realidade e o místico, é interesse e tema de estudos de muitos estudiosos chineses e sinólogos ocidentais, e a tradução é parte dos trabalhos desses intelectuais. Como tradutora, ouso dizer que é com a tradução que um chinês entende melhor sua cultura e um estrangeiro enriquece o próprio mundo. E não posso deixar de mencionar que nesta obra temos as traduções e adaptações de Richard Wilhelm (1873-1930), Lafcadio Hearn (1850-1904), Rev. John MacGowan (1835-1922) e Norman Hinsdale Pitman (1876-1925).

    Em primeiro lugar, destaco a importância de Richard Wilhelm na disseminação do pensamento filosófico chinês e da cultura chinesa no mundo ocidental. Esse proeminente sinólogo e missionário alemão é lembrado mundialmente por suas traduções de chinês para alemão, sobretudo a de Yijing ou I-Ching, que é considerada umas das mais importantes. Sua obra Chinesische Volksmärchen, traduzido para o inglês The Chinese Fairy Book por Frederick Herman Martens (1874-1932), é amplamente conhecida pelo mundo ocidental. Nela, há traduções de contos fantásticos de Pu Songling (1640-1715), um escritor chinês da dinastia Qing conhecido por compilar relatos populares de fatos estranhos, e algumas narrativas de Feng Menglong (1574-1646), um literato da dinastia Ming. Vale lembrar que essas traduções inspiraram a criação literária de alguns autores europeus, como por exemplo, Franz Kafka¹.

    Em segundo lugar, temos a contribuição de Lafcadio Hearn, ou Koizumi Yakumo (小泉八云), nome esse, em japonês, mais conhecido pelos chineses. Se o alemão Richard Wilhelm é famoso por levar a China para o Ocidente, o escritor, jornalista e tradutor grego Lafcadio Hearn é renomado por apresentar a cultura e literatura do Japão para os ocidentais, o que contribuiu para a comunicação oriente e ocidente. Fascinado por narrativas populares, Hearn colecionava os contos de países diferentes durante sua estadia nos Estados Unidos. Em 1887, ele publicou a obra Some Chinese Ghosts, no qual se serviu de versões em inglês e francês dos contos fantásticos chineses para fazer as próprias versões dessas histórias, com a intenção de retratar a China por meio das personagens místicas. Embora sejam adaptações, a seleção dos contos que compõem esse livro não é por acaso. A ideia era falar de zhong (忠), ou lealdade, e xiao (孝), ou piedade filial, valores profundamente enraizados na cultura tradicional chinesa².

    Por fim, temos ainda a obra de missionários como a de Rev. J. Macgowan intitulada Chinese Folk-Lore Tales, publicada em 1910, e a de Norman Pitman – A Chinese Wonder Book, publicado em 1919. Ambas as coletâneas abordam histórias adaptadas a partir de literatura clássica chinesa, e vale destacar que uma delas é o famoso livro Xiyouji, ou A Jornada ao Oeste, de Wu Cheng’en (1506-1582), que conta com cem capítulos de altíssimo valor literário e antropológico, retratando o nascimento da personagem lendária Sun Wukong, o Rei Macaco, a apresentação de Tang Sanzang, monge a quem foi designado a buscar escrituras budistas da Índia para a China, e a jornada propriamente dita do monge às terras indianas. De 1884 a 1949, vários fragmentos dessa obra foram traduzidos, adaptados e compilados em antologias, com diferentes propósitos: por seu valor literário, por sua função de entretenimento, ou por seu retrato de sociedade, religião e pensamento chineses³. Seja como for, as antologias editadas tanto por Macgowan quanto por Pitman contribuíram para a introdução da China no imaginário dos americanos e europeus.

    Os contos de amor e de heroísmo selecionados para integrar esta obra compartilham o mesmo propósito dos autores previamente apresentados: trazer uma outra forma de ver e entender o mundo e as relações sociais para o imaginário brasileiro. Há ainda muitos trabalhos a serem feitos na comunicação ocidente-oriente, este é apenas um dos primeiros passos. Espero que você – cara leitora e caro leitor – consiga sentir junto com as personagens o que são o amor e o heroísmo na visão dos chineses.

    Boa leitura!

    Yu Pin Fang

    Tradutora

    Apresentação

    A China é uma das mais antigas civilizações do mundo, com uma cultura rica em literatura e arte. Entretanto, por diversos motivos, suas clássicas histórias não são muito conhecidas em terras brasileiras. Este livro que você tem em mãos, caro leitor, é uma tentativa de começar a trazer mais dessas histórias para o conhecimento popular. Para isso, buscamos temas que fossem universais, que unissem este mundo pouco familiar com o conhecido, e os temas escolhidos foram o amor e o heroísmo. Afinal, não são esses dois temas os mais abundantes na literatura? Portanto, nada melhor do que essas histórias para servir de ponto de encontro entre tradições de escrita tão diferentes.

    Selecionamos, portanto, contos de diversas fontes. A maioria foi em livros de missionários europeus que viajaram para a China nos séculos XIX e XX, e trouxeram para o Ocidente os primeiros recortes da literatura do outro lado do mundo. Fizemos, ainda, um trabalho extenso de reconstrução destes contos, pois as traduções daquela época buscavam localizar os contos de forma que fossem compreensíveis para os europeus, de modo que muitos nomes foram modificados e histórias foram alteradas. Embora isso faça muito sentido para a época, nosso objetivo era trazer estas obras da forma mais fiel aos originais possível, para que vocês possam conhecer melhor as personagens e tradições desta tão rica literatura.

    Trouxemos, também, alguns contos traduzidos diretamente dos originais em chinês, possibilitando assim um vislumbre ainda mais fiel da tradição literária chinesa. Estas traduções são exclusivas, e vocês apenas as encontrarão aqui.

    Este livro, de acordo com seus temas, é uma carta de amor aos contos fantásticos chineses e um esforço heroico para fazer justiça à sua literatura. Espero que todos aproveitem esta leitura tanto quanto eu aproveitei o processo de criação deste livro.

    Boa leitura!

    Vinicius Keller Rodrigues

    Tradutor e Organizador

    I. Balada de Mulan

    Entre rangidos e suspiros,

    Mulan tecia no quarto.

    Não se ouve mais o ranger do tear,

    Apenas a donzela suspirar.

    Diga-nos, ó donzela:

    Em que pensas? De quem tens saudade?

    Em nada penso e nenhum pesar me arde.

    A verdade ora se revela.

    Reparou os ofícios na última noite,

    O Khan clamando por combate.

    Em todas as cartas de recrutamento,

    Sempre com o nome do pai inscrito.

    A família não tem homem crescido;

    De filho mais velho o clã é desprovido.

    Conseguir logo sela e cavalo ela vai,

    Para poder guerrear em nome do pai.

    Ao Leste comprou um cavalo forte,

    Além de um chicote na feira do norte,

    Ao Oeste pegou a sela da montaria,

    E, ao sul, o cabresto que a guiaria.

    Despediu-se dos pais ao nascer do sol,

    Sob luar, na margem do Amarelo repousou.

    Não se escuta mais a voz dos pais,

    Apenas a correnteza do Rio pelos cais.

    Partiu do Rio Amarelo no alvorecer,

    Galgou sobre a Montanha Negra ao anoitecer.

    Impossível ouvir mais a voz dos pais agora,

    Mas o relinchar dos cavalos de guerra.

    Ela marchou milhas e milhas,

    Cavalgando rápido a travar batalhas.

    Aos ventos do Norte, o gongo do vigia,

    À luz gélida da lua, sua armadura reluzia.

    Lutaram bravos generais e soldados

    Em conflitos cruéis e ensanguentados.

    Remanesceram em dez anos,

    Homens valentes e vitoriosos.

    De volta ao lar a ver o imperador,

    O Filho do Céu anuncia seu louvor.

    A Mulan concedeu o supremo mérito

    Além do prêmio quase infinito.

    Mas por honrarias não se interessa,

    Apenas voltar à terra natal depressa.

    Quando souberam de seu retorno,

    Aguardam, os pais, no portal do condado.

    Já o irmão jovem ajeita a carne no forno,

    A irmã mais velha a recebe no lar ordenado.

    Ora Mulan sentada no seu quarto:

    Retira seu traje de guerra pesado,

    Veste-se de roupas antigas de primor,

    Penteia o cabelo e se adorna com flor.

    Saiu a ver os colegas soldados,

    Todos ficaram assaz espantados

    "Lutamos juntos esses anos,

    Mulher nunca a suspeitamos."

    Animados são as lebres machos,

    As fêmeas deixam os olhos relaxados.

    Mas quando correm em companheiro,

    Difícil é saber o gênero verdadeiro.

    II. O Rei Macaco: Sun Wukong

    Muito, muito longe ao Oeste, há uma ilha chamada Montanha das Flores e Frutos, no meio do Grande Mar. E nessa montanha há uma rocha muito alta. Essa rocha havia absorvido todo o poder de geração oculto do céu, da terra, do sol e da lua, desde o começo do mundo. Isso concedeu à rocha dons criativos supernaturais.

    Um dia, essa rocha se rachou e se rompeu, e saiu de dentro dela um ovo de pedra. E desse ovo de pedra, um macaco de pedra foi chocado por um poder mágico. Quando ele quebrou a casca do ovo, o macaco recém-nascido se curvou diante de todas as direções, demonstrando gratidão pelo dom da sua vida. Com o passar do tempo, o macaco aprendeu a falar e pular, e dois feixes de luz dourada saíram de seus olhos e se atiraram em direção ao mais alto castelo do céu, de tal maneira que até mesmo o Senhor dos Céus ficou aterrorizado.

    Ele enviou, então, dois deuses, Qianliyan⁵ e Shunfeng’er⁶, para descobrir o que havia acontecido. Os dois voltaram e disseram:

    — Os raios brilham dos olhos de um macaco de pedra que chocou do ovo que veio da rocha mágica. Não há motivo para temer.

    Pouco a pouco o macaco cresceu, correu e pulou, bebeu das águas das fontes dos vales, comeu as flores e frutos, e o tempo se passou sem interrupção em suas brincadeiras.

    Um dia, durante o verão, quando o macaco de pedra buscava um lugar para se refrescar junto de outros macacos da ilha, eles desceram a um vale para se banhar no rio. Lá eles avistaram uma cachoeira que caía de um alto penhasco. Os macacos disseram uns para os outros:

    — Quem for capaz de passar por essa cachoeira sem se machucar será nosso rei.

    O macaco de pedra prontamente pulou de alegria e proclamou:

    — Eu passarei! — E então fechou seus olhos, abaixou-se e deu um salto em direção ao rugido e espuma das águas. Quando ele abriu seus olhos novamente, encontrou uma ponte de ferro, que estava selada do mundo exterior pela cachoeira como se essa fosse uma cortina.

    Na entrada da ponte havia um tablete de pedra no qual estavam gravadas as seguintes palavras: Esta é a caverna celestial por trás da cortina de água na Montanha Abençoada das Flores e Frutas. Cheio de alegria, o macaco de pedra pulou novamente através da cachoeira e contou aos outros macacos o que havia encontrado. Eles receberam as notícias com muita felicidade, e imploraram ao macaco de pedra que os levasse até lá. Então o bando de macacos pulou pela cachoeira até a ponte de ferro, e todos entraram no castelo da caverna onde encontraram uma lareira com diversos potes, panelas, copos e pratos feitos de pedra. E então os macacos prestaram suas homenagens ao macaco de pedra como seu rei, e ele recebeu o nome de Esplêndido Rei dos Macacos. Ele nomeou macacos de cauda longa, de cauda anelada e outros macacos como seus funcionários, conselheiros, servos e retentores, e eles levaram uma vida feliz na Montanha, dormindo à noite em seu castelo de caverna, longe dos pássaros e bestas, e seu rei desfrutou de uma felicidade imperturbável. E assim se passaram uns 300 anos.

    ***

    Um dia, quando o Rei dos Macacos estava sentado com seus servos aproveitando uma alegre refeição, ele subitamente começou a chorar. Assustados, os macacos perguntaram-lhe por que havia ficado tão triste, tão repentinamente em meio à felicidade que os cercava. E então disse o Rei:

    — É verdade que não estamos sujeitos à lei e dominação dos homens, e que os pássaros e bestas não ousam nos atacar. Ainda assim, pouco a pouco envelhecemos, ficamos fracos, e algum dia há de chegar a hora em que o Velho Yanluo⁷ irá nos arrastar para o além! Então teremos nos ido em apenas um momento, e não poderemos mais morar na terra!

    Quando os macacos ouviram essas palavras, esconderam suas faces e choraram. Entretanto, um velho macaco, cujos braços estavam conectados de tal maneira que ele podia adicionar o comprimento de um ao outro, deu um passo adiante das fileiras de macacos. Em um alto tom de voz, ele disse:

    — Que vossa majestade tenha tido esse pensamento, ó Rei, mostra que o desejo de alcançar a Verdade se revelou no seu coração! De todas as criaturas vivas, apenas três tipos são isentos do poder do Rei Yanluo: os Budas, os espíritos iluminados e os sábios imortais⁸. Quem atingir uma dessas três categorias escapa do castigo do renascimento⁹, e vive tanto quanto os próprios Céus.

    O Rei dos Macacos disse:

    — Onde vivem estes três tipos de seres?

    — Eles vivem em cavernas e montanhas sagradas no grande mundo dos mortais — respondeu o velho macaco.

    O Rei ficou satisfeito com a resposta, e disse a seus servos que iria buscar os deuses e espíritos iluminados para aprender o caminho da imortalidade com eles. Os macacos trouxeram pêssegos e outras frutas e vinho doce para comemorar o banquete de partida do Rei, e todos festejaram juntos.

    Na manhã seguinte, o Esplêndido Rei dos Macacos acordou muito cedo, construiu para si uma jangada com a madeira de velhos pinheiros e pegou um cajado de bambu para usar de remo. Ele subiu então em sua jangada, muito sozinho, e remou através do Grande Mar. As marés e os ventos foram favoráveis e ele logo chegou ao Mundo dos Mortais¹⁰. Então ele foi para a praia e conheceu lá um pescador. Prontamente o macaco caminhou até o homem, derrubou-o com um golpe, arrancou suas roupas e colocou-as em si mesmo. E então ele caminhou e vagou, conhecendo todos os lugares famosos, foi até os mercados, as cidades densamente populadas, aprendeu a se comportar decentemente, e a falar e agir como um ser humano de boa educação. E mesmo assim seu coração estava decidido a aprender os ensinamentos dos Budas, dos espíritos iluminados e dos sábios imortais. Mas as pessoas do país que ele visitava estavam apenas preocupadas com honras e riquezas. Nenhuma delas pareciam preocupada com a vida.

    E assim ele vagou até que nove anos haviam se passado sem que ele percebesse. Ele então chegou à costa do Mar Ocidental e ocorreu a ele o seguinte pensamento: Sem dúvidas há sábios e espíritos iluminados do outro lado deste mar!, e então ele construiu outra jangada e flutuou até a Terra do Oeste. Lá ele deixou sua jangada à deriva e seguiu para a praia. Depois de procurar por muitos dias, ele subitamente viu uma montanha alta com vales profundos e quietos. Conforme o Rei Macaco caminhou em direção à montanha, ele começou a ouvir um homem cantando na floresta, e a música parecia ao Rei Macaco como a música que deveria ser cantada pelos espíritos sagrados. Ele entrou rapidamente na floresta para procurar quem estivesse cantando. Lá ele encontrou um lenhador trabalhando. O Rei Macaco se curvou diante dele e disse:

    — Ó venerável mestre iluminado, eu me jogo a seus pés e lhe louvo!

    — Eu não sou nada além de um trabalhador, por que me chama de mestre divino? — respondeu o lenhador.

    — Então, se o senhor não é um deus ou espírito iluminado, como pode ser capaz de entoar tal canção divina? — disse o Rei Macaco.

    — Você realmente conhece a música. A canção que eu estava cantando me foi ensinada por um iluminado — disse o lenhador, rindo.

    — Se você conhece um iluminado — disse o Rei Macaco — ele certamente não deve viver longe daqui. Eu lhe imploro para me mostrar onde ele mora.

    — Sua moradia não fica longe daqui. Esta montanha é conhecida como a Montanha do Coração. Nela há uma caverna onde mora um iluminado chamado de Mestre Puti. O número de seus discípulos que alcançaram a iluminação é incontável. Ele ainda possui uns trinta ou quarenta discípulos à sua volta. Você só precisa seguir este caminho que leva ao Sul, e você irá encontrar sua moradia.

    O Rei Macaco agradeceu e, como prometido, chegou à caverna que havia sido descrita pelo lenhador. O portão estava fechado e ele não se aventurou a bater. Em vez disso, ele subiu em um pinheiro com um salto, colheu algumas pinhas e comeu as sementes. Sem demora, um dos discípulos do iluminado abriu a porta e disse:

    — Que tipo de criatura está fazendo tanto barulho?

    O Rei Macaco desceu de sua árvore com outro salto, curvou-se, e disse:

    — Eu vim buscar a Verdade. Eu não me atrevi a bater ao portão.

    Então o discípulo riu e disse:

    — Nosso mestre estava sentado em meditação profunda quando me disse para trazer para dentro aquele que estava diante de nosso portão buscando a Verdade, e aqui está você. Pode entrar comigo!

    O Rei Macaco ajeitou suas roupas, arrumou seu chapéu, e entrou na moradia do iluminado. Uma longa passagem levava através de edifícios magníficos e cabanas quietas para o lugar onde estava o mestre, sentado reto em um assento de mármore branco. À sua volta, estavam seus discípulos, prontos para servi-lo. O Rei Macaco se atirou ao chão e cumprimentou o mestre de forma humilde. Em resposta às perguntas do mestre, o macaco contou como havia chegado até ele. E quando o mestre perguntou seu nome, o macaco respondeu:

    — Eu não tenho nome. Sou um macaco que saiu da pedra.

    E então o mestre respondeu:

    — Então eu lhe darei um nome. Eu te nomeio como Sun Wukong¹¹.

    O Rei Macaco o agradeceu, cheio de alegria, e doravante foi chamado de Sun Wukong. O mestre ordenou que seu discípulo mais velho ensinasse Sun Wukong a varrer e limpar, a sair e entrar com boas maneiras, como trabalhar no campo e como colocar água nas plantas dos jardins. Com o passar do tempo ele aprendeu a escrever, a queimar incenso e ler os sutras¹². Assim, uns seis ou sete anos se passaram.

    Um dia, o mestre se levantou do assento de onde ensinava e começou a falar sobre a grande Verdade. Sun Wukong entendeu o significado oculto de suas palavras, e começou a se agitar e dançar em sua felicidade. O mestre o repreendeu:

    — Sun Wukong, você ainda não deixou de lado suas maneiras selvagens! O que você quer dizer, se comportando de tal maneira inapropriada?

    Sun Wukong se curvou e respondeu:

    — Eu estava ouvindo com atenção quando o significado de suas palavras despertou em meu coração, e sem pensar comecei a dançar de alegria. Eu não estava me rendendo à minha natureza selvagem.

    O mestre respondeu:

    — Se o seu espírito se despertou de fato, eu irei então anunciar a grande Verdade para você. Mas há trezentos e sessenta maneiras pelas quais alguém pode alcançar essa Verdade. Que caminho eu devo lhe ensinar?

    — O caminho que o senhor preferir, ó mestre! — respondeu Sun Wukong.

    — Devo ensinar-lhe, então, o caminho da mágica? — perguntou o mestre.

    — O que pode a mágica ensinar a alguém? — perguntou Sun Wukong.

    — Ensina a elevar o espírito, questionar os oráculos, e prever tanto a fortuna quanto o infortúnio — respondeu o mestre.

    — É possível atingir a vida eterna através desse caminho?

    — Não.

    — Então não irei aprendê-lo.

    — Devo ensinar-lhe as ciências?

    — O que são as ciências?

    — São as nove escolas das três fés¹³. Você aprende a ler as escrituras sagradas, pronunciar os encantamentos, comungar com os deuses e chamar os imortais até você.

    — É possível atingir a vida eterna através das ciências?

    — Não.

    — Então não irei aprendê-las.

    — O caminho da tranquilidade é um ótimo caminho.

    — O que é o caminho da tranquilidade?

    — É o que ensina a viver sem nutrição, como se manter tranquilo na pureza silenciosa, e sentar-se perdido em meditação.

    — É possível atingir a vida eterna através deste caminho?

    — Não.

    — Então não irei aprendê-lo.

    — O caminho das ações é também um bom caminho.

    — O que este caminho ensina?

    — Ensina a igualizar os poderes vitais, praticar exercícios físicos, preparar o elixir da vida e segurar a respiração.

    — Esse caminho irá me dar a vida eterna?

    — Creio que não.

    — Então não vou aprendê-lo! Não vou aprendê-lo!

    Neste momento o mestre fingiu estar com raiva, deu um salto de onde estava, puxou sua bengala e repreendeu Sun Wukong:

    — Mas que macaco atrevido! Isto ele não vai aprender, aquilo ele não vai aprender! O que está esperando aprender, então? — e então deu três pancadas na cabeça de Sun Wukong com sua bengala, se retirou para sua câmara interna, e fechou as grandes portas atrás de si.

    Os discípulos ficaram em polvorosa e encheram Sun Wukong de reprovações. Entretanto, ele não lhes deu ouvidos, pois havia entendido o enigma que o mestre havia lhe dado para resolver. E em seu coração ele pensou: Ele me golpear três vezes na cabeça significa que devo estar pronto para a terceira vigília da noite, e que ele vai revelar a mim a grande Verdade em segredo.

    Portanto, Sun Wukong esperou até a noite, e fingiu se deitar para dormir com os outros discípulos. Entretanto, quando chegou a terceira vigília noturna, ele se levantou sem fazer barulho e se esgueirou para a porta traseira. Como ele havia esperado, ela estava aberta. Ele passou por ela e entrou no quarto do mestre. O mestre estava dormindo com sua face virada para a parede, mas o macaco não se atreveu a acordá-lo, ajoelhando-se em frente a cama em vez disso. Depois de um certo tempo, o mestre se virou e murmurou uma estrofe para si mesmo:

    — Uma busca difícil, difícil. A lição da Verdade para expor. Alguém pode falar para si mesmo até ficar surdo e cego, a não ser que encontre o homem certo.

    E então Sun Wukong respondeu:

    — Estou esperando aqui reverentemente!

    O mestre jogou suas roupas por cima de si, sentou-se na cama e disse de maneira severa:

    — Macaco maldito! Por que não está dormindo? O que faz aqui?

    Sun Wukong respondeu:

    — E ainda assim o senhor apontou para mim ontem que deveria vir ao senhor na terceira vigília noturna, através da porta traseira, para ser ensinado sobre a Verdade, portanto me arrisquei a vir. Se o senhor me ensinar na plenitude de sua graça, eu serei eternamente grato.

    O

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1