Amarrilho (arte literatura)
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Amarrilho (arte literatura) - Marcelo Lins
CONSELHO EDITORIAL
Prof.ª Dra. Aline Trigueiro Vicente
(Universidade Federal do Espírito Santo)
Prof.ª Dra. Antônia Colbari
(Universidade Federal do Espírito Santo)
Prof.ª Dra. Claudia Maria de Souza Amorim
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Prof. Dr. Marcelo Lins
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Prof. Dr. Marcus Alexandre Motta
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Prof.ª Dra. Marta Maria Crespo Rodriguez
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Prof.ª Dra. Sarita Mota
(Instituto Universitário de Lisboa)
Prof.ª Dra. Selene Herculano
(Universidade Federal Fluminense)
Prof.ª Dra. Silvia Lopes da Silva Macedo
(Université Paris-Este Créteil)
Prof.ª Dra. Teresa da Silva Rosa
(Universidade de Vila Velha)
Prof.ª Dra. Vera Lúcia Pian Ferreira
(Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
Prof.ª Dra. Winifred Knox
(Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
Copyright © 2022 dos autores
Copyright © 2022 Editora Morandi
Todos os direitos reservados.
A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei 9.610/98)
Grafia atualizada respeitando o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
Revisão
Bruno Oggione
Priscilla Morandi
Obra de capa
Marcelo Lins
Sem título, 2002. Fitas adesivas afixadas na parede.
Conversão
Bruno Oggione
Editora Morandi
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) de acordo com ISBD
L759a Lins, Marcelo
Amarrilho [recurso eletrônico]: (arte e literatura) / Marcelo Lins,
Marcus Alexandre Motta. - Rio de Janeiro, RJ : Editora Morandi, 2022.
102 p. ; ePUB ; 1 MB.
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-88686-10-2 (Ebook)
1. Literatura brasileira. 2. Ensaio. 3. Arte. I. Motta, Marcus Alexandre. II. Título.
2022-2269
CDD 869.94
CDU 82-4(81)
Elaborado por Odilio Hilario Moreira Junior - CRB-8/9949
Índice para catálogo sistemático:
1. Literatura brasileira: Ensaio 869.94
2. Literatura brasileira: Ensaio 82-4(81)
Para Inês, minha mãe, por tanto e por tantos livros lidos juntos nas férias escolares.
Marcelo Lins
Marta Maria Crespo Rodriguez:
para ela, sempre ela, umas tantas vezes, outras vezes, na singular ideia de só ela.
Marcus Alexandre Motta
De frente: a idiota de Iberê Camargo
¹
I
Em alguma atitude se apresenta, repousada em meio aos longes de umas massas de cor. Quase suspensa. Os pés da figura repousam frágeis. São contornos de cascos que não vencem. Os pés, qual é o apoio? Levitam ou tocam o mais escuro das tintas? Ao lado, desvio da cor. Mais fundo. Fundo? Há algo como fundo numa pintura? Em nenhuma circunstância. Ela, ela, ela. Qual ela?... Onde está o seu tato.
² As mãos pequenas de dedos finos descansam agarradas no volume das pernas. Volumosas pernas que se expandem no vestígio do assento. A infidelidade da figura requer imaginação: extirpar algo do vivo, do corpo da linguagem, dos sons, da experiência visível
.³ Quanto mais grotesca a forma, maior a autonomia da sua presença, portanto, mais desumana ela é. No avesso, a atitude é humana ao derrubar a formalidade da aparência. Incondicionalmente aguda, a figura separa e provoca. Sua inserção se expande por capítulos
, mimetizando o mito da figura, posta nua, sacode o fascínio esperado da arte e recupera o subterrâneo da história, ao qual pertence, e alegoriza a catástrofe do figurativo.
Os seios se ajustam num triângulo para dar tenacidade ao ombro estreito. Ombros relaxados, nenhuma força. Nenhum fim reúne. A postura simula, caricata, a linguagem da criação, deslocando o seu efeito e apagando a reflexão para despachar a intenção humana.
Um outro triângulo traça a pélvis, delimitado no vestígio no qual se assenta. Desvelada, a figura encontra-se. Isso diz: ela não pode ser reutilizada em outras, como forma ou momento. Fica, assim, só. Presa à cena. Concreta em tinta, ela é determinada de simples, dando expressão à sua lógica, inata e imprópria natureza. Essa vaidade não exprime um conteúdo em vão. Ele não está na figura, mas passa para além no seu aquém, afirmando o lugar que se afigura. A figura não é deleite.
A cabeça, pontuda, num sorriso, desprepara o observador. Está ali a estranhar seu contato com o corpo. Cabeça implantada, cujo encaixe no pescoço sugere amarrações rudes. A idiotia levanta a cabeça. Sua presença é uma violência baça quanto à natureza e entra prontamente pelos olhos. A penúria insofismável evita o funcionamento harmônico das tintas. Nada está cifrado como fantasias.
Os olhos traduzem a inépcia do espanto. Olhos vazios que viram para o inculto e interrogam sem perguntas, sem guarda, e caem no abismo do impróprio destino: sem meios de consciência. Universalmente, o estimado é pouco perceptivo, consolidando tintas como matéria imprestável para a sapiência dos mortais. Uma doutrina do silêncio se assevera das medidas inimigas. Tributo de uma solicitude sem favor. Tudo convulsionado ao redor. A bicicleta está na sobrevida de algo baldio e ali descansa. Orelhas não há. A perversidade da figura é arruinar o fundo
para trazê-lo para cima de si, cobrindo-a como um tecido de pesadas tintas, solidificando-se nas esculturas arcaicas para se ocultar como arte tradicional e liberar a linguagem e reforçar a presença até à total alienação.
II
Rumores nas espessuras plásticas. E, também, algum acento evitado, fuga e comparecimento. Já aí, porém, transplanta-se em algo. Susta-se em tom encanecido e súbito, deixando-se levar pelas pronúncias
das tintas. O que dizer então quanto à circunstância derivativa de um eco plástico? Como uma literatura
pode admitir distância da linguagem muda da imagem? Pois quem há que não suponha um valor qualquer? Como? Como não imaginar o silêncio das tintas? Não há nenhuma que assim não se faça. Quanto mais tintas e gestos sobre elas, mais reverberação. Gestos desarmônicos. Puro isto, pronominalmente.
III
Inteligentemente, pinta-se. Pinta-se a pintura mais uma vez. Pinta-se a história, e não menos a