Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

O Sol Veio Para Partir
O Sol Veio Para Partir
O Sol Veio Para Partir
E-book93 páginas47 minutos

O Sol Veio Para Partir

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Cuidado. O sol veio para partir contém uma bomba. Pulsante, viva, subterrânea, subcutânea. Sob a aparente delicadeza dos meios expressivos, que vagam entre o poema e a narrativa poética, subjaz uma forte indignação com o mundo que nos deram para viver, com suas convenções de fachada. Nem sempre detectáveis a olho nu, elas pretendem vender por normalidade o que é medonhamente injusto ou, apenas, patético. A mirada de Schariza Barberena é implacável; não se deixa cooptar pelas aparências, e, quase sempre utilizando de maneira brilhante a ironia, vai a fundo com sua lupa de arqueóloga. Em meio a isso, proeza da escritora, há espaço e tempo para a ternura e o amor; sim, ela não abdica de ser espada e pluma, numa dessas mágicas que só a literatura pode proporcionar. Leia este livro. A bomba está aí, e cabe a você descobri-la – mas não desarmá-la; com isso, você ajuda a melhorar o nosso tempo. O que não é pouco. Luiz Antonio de Assis Brasil
IdiomaPortuguês
Data de lançamento11 de jun. de 2019
O Sol Veio Para Partir

Relacionado a O Sol Veio Para Partir

Ebooks relacionados

Religião e Espiritualidade para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Categorias relacionadas

Avaliações de O Sol Veio Para Partir

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    O Sol Veio Para Partir - Schariza Barberena

    RETORNO

    Deite na minha relva.

    Suba degraus vermelhos de lajes antigas da tua bisa.

    Deslize teus dedos sobre meu musgo, minha hera, minha umidade a dizer-lhe quem és para quando fores avó, passares adiante os centímetros plantados e arraigados daqui.

    Deite em mim.

    Suba os meus degraus enquanto observa minhas alamandas amarelas dos meus cantos de ar livre e quintal.

    As flores que vês são as netas das netas e já são adultas.

    De quando brincava na bacia azul cheia d’água, paparicada pelas tias em dia quente de verão, e respingava com os mergulhos das bonecas ou dos teus joelhos sobre as pétalas amarelas.

    Essas já não existem mais.

    Mas aqui estão em pó e semente e memória.

    Desvia do cachepot pendurado e esquecido sob o telhado da lavanderia.

    Vem.

    Observa as samambaias que são tuas.

    Iguais e diferentes.

    Adubos e recomeços.

    Havia um limoeiro exatamente por onde agora caminha com cuidado sob a luz do sol poente.

    O cheiro ainda lhe habita as narinas.

    Renasço contigo.

    Mastigue com os dentes da lembrança as folhas verdes.

    Sinta o gosto do limão na ponta da língua.

    Inale o perfume ácido dos dedos com o limo da fruta quando rasga a folha.

    Me dou.

    Te afague em meu colo.

    Me deita contigo.

    Suave e delicada.

    Meu tronco não sangra mais.

    Os galhos podados a machadadas dos pinheiros transplantados são agora túmulos e ninhos.

    Territórios empilhados num abandono qualquer, numa praça sem nome.

    Praia esquecida de um verão infindável.

    Já não choro.

    Porque me habita e me deitas como adubo.

    Vivo e respiro por ti.

    Em ti.

    Te abraço com minha brisa de saudade e mágoa e te beijo sem consciência ou razão.

    Porque sou nada.

    Sou o vazio, a parede, a teia intocada do canto da saleta.

    Sou a dor do joelho de criança que brinca sobre um tapete áspero de casinha ou quebra-cabeça.

    Sou o orgasmo que fica no teu cérebro e corpo e esquece do joelho esfolado do sexo no tapete e da pele rasgada.

    Sou a odalisca que ficou em ti como uma amante dedicada e velha depois do abandono do primeiro e grande amor.

    Sou Angélica acorrentada porque sou o quadro sem o corte, o rompimento da prisão, o devaneio do olhar da presa frágil e nua.

    Sou aquela sem nome no museu do Prado entre as duas, os dois quadros, paredes opostas.

    Sou ele.

    Sou elas.

    Sou tu.

    Então me deita.

    Minha grama macia é sem espinhos.

    Sem rosetas nem incômodos.

    Teus ferimentos, traz contigo.

    Desmanche e dilua.

    Respire e observe o céu que te ama.

    Marido e vizinho, impostor e confiável.

    Deixa teu cigarro, tua bebida da geladeira.

    Teu vício sou eu.

    Porque tua narrativa se alonga quando lembra de mim.

    Porque sou o roteiro da película que te move e te respira.

    Me fotografa, fotógrafa.

    Me descreva como um berço, um hotel de aeroporto, um caixão de palha e cordas.

    Te sou.

    Então descanse.

    Minhas fragrâncias.

    Alecrim, sálvia, hortelã são meus incensos do fim de dia.

    Com brisas que beijam as folhas mínimas e soltam levezas de aromas pelo ar, pelo quintal, por mim inteira.

    Crave na minha terra tuas unhas de moça.

    Abandone tuas palmas sobre minha relva e brinque com a grama, o colchão verde.

    Tua pele me aquece e me abraça.

    Sigo o formato do teu corpo, tua silhueta na areia da praia sobre cangas ou toalhas de banho.

    Cabelos de areia, olhos fechados sob o sol forte, sob a chuva pra dentro da pálpebra, em meio à névoa romântica de vinhos e fondues.

    Me feche.

    Sou a noite estrelada com o gosto de aeroportos e viagens.

    Me respire devagar.

    Sou o cobertor do casal que faz amor sob um céu estrelado em uma cidadezinha do interior.

    Sem ninguém, sem buzinas ou filmes pornôs.

    Me ouça.

    Tenho o toque seco de uma bola de basquete solitária de um jogador que treina num ginásio de esporte à noite

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1