O Sol Veio Para Partir
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O Sol Veio Para Partir - Schariza Barberena
RETORNO
Deite na minha relva.
Suba degraus vermelhos de lajes antigas da tua bisa.
Deslize teus dedos sobre meu musgo, minha hera, minha umidade a dizer-lhe quem és para quando fores avó, passares adiante os centímetros plantados e arraigados daqui.
Deite em mim.
Suba os meus degraus enquanto observa minhas alamandas amarelas dos meus cantos de ar livre e quintal.
As flores que vês são as netas das netas e já são adultas.
De quando brincava na bacia azul cheia d’água, paparicada pelas tias em dia quente de verão, e respingava com os mergulhos das bonecas ou dos teus joelhos sobre as pétalas amarelas.
Essas já não existem mais.
Mas aqui estão em pó e semente e memória.
Desvia do cachepot pendurado e esquecido sob o telhado da lavanderia.
Vem.
Observa as samambaias que são tuas.
Iguais e diferentes.
Adubos e recomeços.
Havia um limoeiro exatamente por onde agora caminha com cuidado sob a luz do sol poente.
O cheiro ainda lhe habita as narinas.
Renasço contigo.
Mastigue com os dentes da lembrança as folhas verdes.
Sinta o gosto do limão na ponta da língua.
Inale o perfume ácido dos dedos com o limo da fruta quando rasga a folha.
Me dou.
Te afague em meu colo.
Me deita contigo.
Suave e delicada.
Meu tronco não sangra mais.
Os galhos podados a machadadas dos pinheiros transplantados são agora túmulos e ninhos.
Territórios empilhados num abandono qualquer, numa praça sem nome.
Praia esquecida de um verão infindável.
Já não choro.
Porque me habita e me deitas como adubo.
Vivo e respiro por ti.
Em ti.
Te abraço com minha brisa de saudade e mágoa e te beijo sem consciência ou razão.
Porque sou nada.
Sou o vazio, a parede, a teia intocada do canto da saleta.
Sou a dor do joelho de criança que brinca sobre um tapete áspero de casinha ou quebra-cabeça.
Sou o orgasmo que fica no teu cérebro e corpo e esquece do joelho esfolado do sexo no tapete e da pele rasgada.
Sou a odalisca que ficou em ti como uma amante dedicada e velha depois do abandono do primeiro e grande amor.
Sou Angélica acorrentada porque sou o quadro sem o corte, o rompimento da prisão, o devaneio do olhar da presa frágil e nua.
Sou aquela sem nome no museu do Prado entre as duas, os dois quadros, paredes opostas.
Sou ele.
Sou elas.
Sou tu.
Então me deita.
Minha grama macia é sem espinhos.
Sem rosetas nem incômodos.
Teus ferimentos, traz contigo.
Desmanche e dilua.
Respire e observe o céu que te ama.
Marido e vizinho, impostor e confiável.
Deixa teu cigarro, tua bebida da geladeira.
Teu vício sou eu.
Porque tua narrativa se alonga quando lembra de mim.
Porque sou o roteiro da película que te move e te respira.
Me fotografa, fotógrafa.
Me descreva como um berço, um hotel de aeroporto, um caixão de palha e cordas.
Te sou.
Então descanse.
Minhas fragrâncias.
Alecrim, sálvia, hortelã são meus incensos do fim de dia.
Com brisas que beijam as folhas mínimas e soltam levezas de aromas pelo ar, pelo quintal, por mim inteira.
Crave na minha terra tuas unhas de moça.
Abandone tuas palmas sobre minha relva e brinque com a grama, o colchão verde.
Tua pele me aquece e me abraça.
Sigo o formato do teu corpo, tua silhueta na areia da praia sobre cangas ou toalhas de banho.
Cabelos de areia, olhos fechados sob o sol forte, sob a chuva pra dentro da pálpebra, em meio à névoa romântica de vinhos e fondues.
Me feche.
Sou a noite estrelada com o gosto de aeroportos e viagens.
Me respire devagar.
Sou o cobertor do casal que faz amor sob um céu estrelado em uma cidadezinha do interior.
Sem ninguém, sem buzinas ou filmes pornôs.
Me ouça.
Tenho o toque seco de uma bola de basquete solitária de um jogador que treina num ginásio de esporte à noite