Manual De Lami De Medicina Intensiva
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Manual De Lami De Medicina Intensiva - Liga acadêmica de medicina intensiva – PUCPR (LAMI-PUCPR)
Diferença entre CTI e UTI
Ana Carolina Saito
Ana Julia Agustini
Cuidados intensivos são instituídos aos pacientes com demandas de alta complexidade e que requerem um estrito monitoramento de suas funções vitais. Para tanto, pacientes críticos ou instáveis são encaminhados aos Centros de Terapia Intensiva (CTI) ou às Unidades de Terapia Intensiva (UTI), conforme suas necessidades de cuidados. Ou seja, para casos específicos, com demandas próprias, o paciente é conduzido à determinada UTI (ex.: UTI neonatal, UTI cardiológica, UTI de queimados, etc.), onde haverá profissionais e dispositivos de assistência adequados para aquele atendimento. Na CTI, por outro lado, profissionais de diversas áreas são responsáveis pela conduta do paciente.
Ademais, esses ambientes divergem no porte de instituição hospitalar em que se encontram e na permissão quanto à circulação de visitantes. Enquanto os CTIs são normalmente localizados em hospitais de menor porte e possuem apenas profissionais em seu interior, as UTIs encontram-se em hospitais de maior porte e autorizam a entrada de acompanhantes em determinados horários.
Apesar dessas diferenças, ambos visam o manejo de pacientes críticos e são coordenados por uma equipe multiprofissional e interprofissional¹ (composta por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, farmacêuticos, nutricionistas, psicólogos e assistentes sociais).
Ética em unidade de terapia intensiva
A ética médica é um conjunto de leis, estatutos e regulamentos que guiam o exercício da medicina e que servem como fundamentos para consolidação da relação médico-paciente. A assistência em saúde é guiada por quatro princípios éticos, a saber: autonomia, beneficência, não maleficência e justiça.
Autonomia: respeitar o direito de o paciente tomar suas próprias decisões; este princípio reconhece a supremacia do paciente acerca de seu próprio corpo;
Beneficência: agir em prol do interesse e bem estar do paciente;
Não maleficência: primum non nocere
; não fazer mal ao paciente;
Justiça: tratar as pessoas de maneira justa e igualitária.
Esses conceitos fundamentais têm como finalidade focar no cuidado individualizado, além de auxiliar na identificação, análise e resolução dos principais dilemas éticos dentro da medicina.
A fim de evitar a maioria destes dilemas, a equipe responsável pelo cuidado do paciente deve, além de apoiar-se nos quatro princípios éticos fundamentais, ser o mais transparente possível em relação aos objetivos do tratamento, a troca de informações entre a equipe e paciente/familiares, às expectativas e preferências de cada paciente e, principalmente, coordenar os dados entre médicos e equipe.
O líder da equipe multidisciplinar é responsável por assegurar a adequada comunicação entre equipe/paciente/familiares, os cuidados centrados no paciente e o suporte por ele requerido. Os pacientes e os familiares são competentes em perceber quando a equipe não está adequadamente alinhada e coordenada, gerando assim, um ambiente propício para o surgimento de dúvidas e desconfianças em relação ao grupo assistencial.
Quando diante de algum dilema ético, o médico deve incorporar um ou mais destes princípios para auxiliar na condução do problema. Julgamento clínico, sabedoria, senso comum, compaixão e empatia são atributos que devem ser incorporados pelas equipes quando estiverem diante desta situação. O impasse deve ser identificado e analisado e, caso seja necessário, discutido/analisado com outros colegas.
Em raras situações onde há conflitos de interesse, emocionais e/ou de crenças, o médico assistente pode optar em transferir os cuidados do paciente para outro colega com o objetivo de evitar tomadas de decisões que possam prejudicar o atendimento ao paciente. No Brasil, este direito está incluso no capítulo II, inciso IX do código de ética médica: recusar-se a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência
.
→ Diretivas antecipadas de vontade
Considerando a necessidade de regulamentação sobre as diretivas antecipadas de vontade (DAV) no contexto da ética médica brasileira, foram aprovadas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) na resolução nº 1.995/2012, considerações a este respeito.
As diretivas antecipadas de vontade constituem-se em manifestações de desejo para tratamentos médicos, as quais podem versar a respeito de: tratamentos que o paciente deseja ou não receber em momentos de incapacidade expressão, designação de um representante legal para tal fim, valores pessoais, desejo de doação de órgãos — Ficando a ressalva de que, em nosso meio, prevalece a vontade dos entes familiares — e destino do corpo. As DAV podem ser manifestadas por meio do testamento vital e pelo mandato duradouro.
A resolução CFM nº 1.995/2012 resolve:
Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.
Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade.
§ ١º Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico.
§ ٢º O médico deve deixar de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente caso estiver em desacordo com os preceitos ditados pelo código de ética médica (CEM)
§ ٣º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares.
§ ٤º O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente.
§ ٥º Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta medida necessária e conveniente.
→ Ordens de não ressuscitação:
Tratam-se de um parecer para restringir intervenções médicas específicas durante o curso de uma parada cardiorrespiratória. Este parecer é baseado no desejo do paciente, seja ele expresso diretamente à equipe de saúde, escrito ou manifestado por meio de seu responsável legal previamente designado. No Brasil, ainda não há o amparo de instruções legais vigentes a este respeito para serem utilizadas como norteadoras de conduta.
Referências:
Marshall JC, Bosco L, Adhikari NK, Connolly B, Diaz JV, Dorman T, Fowler RA, Meyfroidt G, Nakagawa S, Pelosi P, Vincent JL, Vollman K, Zimmerman J. What is an intensive care unit? A report of the task force of the World Federation of Societies of Intensive and Critical Care Medicine. J Crit Care. 2017 Feb;37:270-276. doi: 10.1016/j.jcrc.2016.07.015. Epub 2016 Jul 25. PMID: 27612678.
Qual a diferença entre CTI e UTI. Grupo CEFAPP, 2018. Disponível em: https://grupocefapp.com.br/blog/qual-a-diferenca-entre-cti-e-uti/. Acesso em: 11/07/2021
Terapia intensiva. Sanarmed, 2020. Disponível em: https://www.sanarmed.com/terapia-intensiva-o-que-voce-precisa-saber. Acesso em: 11/07/2021
CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (CFM). Resolução CFM no 1.995/2012 Dispõe sobre as diretivas antecipadas de vontade dos pacientes. Diario Oficial da União, [s. l.], v. Seção I, n. 170, p. 269–270, 2012. Disponível em: https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2012/1995
DADALTO, Luciana; TUPINAMBÁS, Unai; GRECO, Dirceu Bartolomeu. Diretivas antecipadas de vontade: um modelo brasileiro. Revista Bioética, [s. l.], v. 21, n. 3, p. 463–476, 2013. Disponível em: https://doi.org/10.1590/s1983-80422013000300011
DE MEDICINA, Conselho Federal. Código de ética médica. ConScientiae Saúde, [s. l.], v. 3, p. 153–163, 2008. Disponível em: https://doi.org/10.5585/conssaude.v3i0.336
Abordagem inicial ao paciente crítico
Ana Luiza Savi
André Busato da Costa
Introdução
O estado crítico de saúde faz com que o paciente encontre-se na iminência de um pior desfecho. Esta condição clínica costumeiramente não é favorável e sua deterioração é frequente caso as condutas e cuidados requeridos sejam postergados ou ineficientemente realizados.
Dado este cenário, o reconhecimento do paciente em risco de instabilidade é essencial e sua aplicabilidade não é de onerosa execução. Todavia, a análise da gravidade do paciente depende além de seus dados vitais e variáveis fisiológicas, haja vista a necessidade de uma investigação ampla que permeia sua história mórbida pregressa, condição fisiológica atual e o processo de sua doença.
É indiscutível a importância de uma avaliação inicial adequada, capaz de identificar sinais de gravidade e possibilitar, muitas vezes, o manejo imediato dos mesmos, propiciando até a não ocorrência de complicações. Na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), os cuidados do paciente são fornecidos mediante o monitoramento contínuo, associado ao uso de escores/escalas que auxiliam na tomada de decisões para otimizar a eficácia das mesmas. Estas, por sua vez, podem ser terapêuticas ou preventivas e, juntamente com equipes profissionais multidisciplinares e qualificadas, proporcionam ao paciente da UTI a perspectiva de um melhor prognóstico.
Avaliação inicial
A avaliação inicial do paciente que se encontrará em uma UTI começa anteriormente a sua chegada nesse ambiente. É importante salientar que o paciente crítico pode ter diversas procedências (salas de pós-operatório, salas de traumas, leitos de emergências clínicas e cirúrgicas), e o entendimento sobre o atendimento prévio, incluindo a relevância do atendimento pré-hospitalar nos casos pertinentes, repercute em sua avaliação e seguimento.
Primeiramente, faz-se necessário o entendimento do contexto e procedência do paciente. Uma vítima de trauma será abordada conforme os passos propostos pelo Advanced Trauma Life Support (ATLS), que a partir do ABCDE do trauma
prioriza no exame físico a manutenção das vias aéreas e imobilização cervical, seguido da manutenção da respiração e ventilação, circulação e controle de hemorragia, avaliação do estado neurológico e exposição do paciente com controle do ambiente.
Em relação ao paciente crítico presente na UTI, a avaliação inicial mantém a base sequencial da conduta adotada pelas equipes voltadas ao trauma, com ênfase em garantir rapidamente a via aérea, respiração e ventilação, estabilidade hemodinâmica e identificação precoce de disfunções neurológicas:
A ("airway maintenance"): assegurar uma via aérea pérvia é a primeira conduta a ser tomada. Deve-se afastar uma possível obstrução, por sangue ou corpo estranho, por exemplo, a partir da identificação de frequência e padrão respiratório alterados, uso de musculatura acessória, cianose e alteração do nível de consciência, assim como respiração ruidosa, com estridor e sibilos, ou ausência de ruído respiratório.
B ("breathing and ventilation"): alterações na respiração e ventilação podem ser causadas por rebaixamento do drive respiratório a nível de sistema nervoso central, diminuição do esforço respiratório ou distúrbios pulmonares. Alterações na frequência e padrão respiratório, em especial a taquipneia, saturação de oxigênio diminuída, cianose, dispneia, rebaixamento do nível de consciência, respiração ruidosa, ausculta pulmonar anormal, expansão torácica assimétrica, desvio de traquéia e distensão abdominal podem ser indicativos de uma falha nesse sistema.
C ("circulation with hemorrhage control"): o distúrbio pode ser primário, envolvendo diretamente o coração, ou secundário a distúrbios metabólicos, sepse, hipóxia ou drogas. Deve-se observar a diminuição da perfusão periférica acarretando em extremidades frias e dificuldade de obtenção da onda pletismográfica na oximetria de pulso. Ademais, hemorragias, rebaixamento do nível de consciência, dispneia, distensão jugular, oligúria, alteração na ausculta cardíaca e nos pulsos centrais e periféricos podem ser indicativos de distúrbios cardiovasculares, já que a hipotensão é uma alteração tardia e sinaliza falha em seus mecanismos compensatórios.
D ("disability"): a Escala de Coma de Glasgow é uma escala amplamente utilizada para identificar o rebaixamento de nível de consciência, assim como uma avaliação neurológica rápida é capaz de identificar lesões e, se presentes, determinar seu nível medular.
É de suma importância ressaltar a necessidade da realização de um exame físico completo e cuidadoso a fim de procurar anormalidades após a estabilização do paciente, sempre dentro das limitações do ambiente da terapia intensiva e das condições clínicas do doente crítico. Além disso, o conhecimento da história médica pregressa faz-se fundamental para o entendimento de doenças de base, assim como o prosseguimento de seus cuidados. Dessa forma, assegurar-se-ão condições imprescindíveis para uma avaliação inicial adequada e eficaz.
Disfunção neurológica
A avaliação neurológica ocorre após o manejo adequado das vias aéreas, ventilação e estabilização hemodinâmica do paciente. Sua prioridade consiste em distinguir lesões isquêmicas, estruturais, metabólicas e infecciosas, e repercute em condutas distintas. Dessa forma, é possível proceder com o diagnóstico e tratamento precoce da injúria ou com intervenção cirúrgica imediata, a fim de prevenir sua expansão, complicação e até mesmo o óbito.
As disfunções neurológicas decorrem de injúrias primárias ou secundárias. As primeiras incluem eventos isquêmicos, traumáticos, hemorrágicos e anóxicos, isolados ou em conjunto, os quais também podem ser decorrentes de mecanismos compressivos, metabólicos ou inflamatórios, como a meningite. Já os mecanismos mais frequentes de lesão secundária incluem hipoperfusão global ou local, hipóxia, distúrbios eletrolíticos e acidobásicos e formação de radicais livres em função da reperfusão cerebral.
Na Unidade de Terapia Intensiva, o objetivo essencial é prevenir as lesões neurológicas secundárias, cujas principais causas incluem hipertensão intracraniana, edema cerebral, crises epilépticas, distúrbios do fluxo sanguíneo cerebral, hipóxia, hipotensão e distúrbios metabólicos. A monitorização neurológica na UTI, a partir da avaliação clínica decorrente do exame físico, métodos invasivos e escalas validadas, proporciona um feedback imediato e possibilita a prevenção, diagnóstico e tratamento dessas lesões, assim como a avaliação da resposta à terapêutica adotada.
É salutar a otimização do aporte de oxigênio encefálico para prevenção e tratamento precoce de qualquer disfunção neurológica. Dessa forma, a hipóxia e hipotensão devem ser evitadas a partir da monitorização da saturação de oxigênio, concentração de hemoglobina, débito cardíaco e pressão arterial sistêmica (preferencialmente de modo invasivo), além da prevenção de eventos que aumentem a demanda de oxigênio, como estados febris, dor e crises convulsivas.
Uma recomendação que favorece o desfecho dessas medidas é a avaliação neurológica seriada por meio de escalas validadas, como a Escala de Coma de Glasgow, amplamente utilizada na avaliação inicial e sequencial de disfunções neurológicas. Recentemente, a avaliação pupilar também passou a ser recomendada como dado adicional a ser monitorizado em paciente neurocríticos, sendo a sua resposta também passível de pontuação na escala de Glasgow, aqui expostas na tabela abaixo. Isso porque as alterações nos parâmetros dos monitores invasivos, como a monitorização da pressão intracraniana, podem ser tardias, e o exame clínico é examinador-dependente, não contínuo e pode ser mascarado por sedativos. Desse modo, é evidente a necessidade de uma avaliação neurológica inicial e seriada completa e adequada, especialmente em unidades de terapia intensiva, possibilitando condutas e terapêuticas efetivas, a fim de evitar a ocorrência e expansão de lesões neurológicas secundárias e possivelmente fatais.
Tabela 1 – Escala de Coma de Glasgow
Avaliação de gravidade
É primordial que os pacientes internados em UTI sejam avaliados quanto as suas funções orgânicas. Também existindo escores que auxiliam na quantificação das disfunções fisiológicas e, consequentemente, na decisão de conduta. O escore SOFA (Sequential Organ Failure Assesment) é uma importante ferramenta cujo objetivo é antever a mortalidade a partir de informações clínicas e laboratoriais, além de possuir benefício adicional na avaliação de pacientes sépticos. Dados referentes aos sistemas respiratório, renal, hepático, cardiovascular, sistema nervoso central e de coagulação compõem este escore, de modo que pontuações de 0 a 4 são atribuídas conforme os indicadores obtidos. Seu uso deve ser diário na terapia intensiva devido ao seu valor dinâmico e o sistema de cálculo pode ser observado na tabela abaixo.
Tabela 2 – Escore SOFA.