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Câncer de Mama: Interlocuções e Práticas Interdisciplinares
Câncer de Mama: Interlocuções e Práticas Interdisciplinares
Câncer de Mama: Interlocuções e Práticas Interdisciplinares
E-book326 páginas4 horas

Câncer de Mama: Interlocuções e Práticas Interdisciplinares

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Sobre este e-book

Esta obra tem como desafio promover o diálogo entre as diferentes áreas da saúde que se dedicam ao cuidado das mulheres com câncer de mama ou em risco de adoecerem com essa patologia. Por meio das produções aqui reunidas, busca-se romper com os saberes encastelados e isolados de cada especialidade, ampliando a compreensão do processo saúde-doença para além dos limites do biológico considerando-se as implicações da subjetividade e da cultura.

Espera-se levar o leitor à reflexão de questões atuais sobre o câncer mamário, tais como: novos métodos de diagnóstico e tratamento, fatores de risco e prevenção, aspectos culturais e subjetivos do adoecimento. Pretende-se alcançar um olhar mais abrangente, crítico e contextualizado não apenas sobre a doença, mas sobre aquelas que adoecem.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de abr. de 2018
ISBN9788547310738
Câncer de Mama: Interlocuções e Práticas Interdisciplinares

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    Câncer de Mama - Hila Martins Campos Faria

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2018 do autor

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE

    Aos que se lançam na difícil tarefa de acolher o outro em seu momento

    de maior fragilidade e se permitem envolver-se na busca por oferecer

    uma assistência de qualidade em saúde.

    AGRADECIMENTOS

    À Neoclínica, renomada clínica oncológica de Juiz de Fora, pela colaboração e o apoio financeiro à publicação desta obra, e, sobretudo, pela abertura aos profissionais que se dedicam à assistência e ao estudo interdisciplinar do câncer de mama.

    À Clínica Solus, que em sua atuação destacada no campo da oncologia em Juiz de Fora colocou-se igualmente parceira deste projeto, dando apoio financeiro para sua realização.

    Às instituições que nos deram acolhida para a realização das pesquisas e dos atendimentos às pacientes e, em especial, à Universidade Federal de Juiz de Fora, instituição formadora e campo de trabalho da maioria dos autores que compõem esta compilação; e ao Hospital Universitário da UFJF-MG, por propiciar oportunidades enriquecedoras de trocas interdisciplinares e investigações científicas.

    Às mulheres que vivenciaram a experiência do adoecer de câncer de mama e que possibilitaram a produção de conhecimento reunida nos artigos desta coletânea, seja por meio da assistência a elas prestada ou da participação nas pesquisas desenvolvidas.

    APRESENTAÇÃO

    Organizar esta coletânea de artigos sobre o adoecer de câncer de mama foi para nós um desafio e um grande prazer. Um desafio por pretendermos reunir profissionais de diferentes áreas e formações com o objetivo de dialogarem, por meio de seus escritos, acerca de interrogações que surgem no cotidiano de suas práticas. O prazer adveio do fato de termos conseguido vencer a inércia que tende a nos paralisar face à carência de recursos da assistência à saúde em geral e à saúde da mulher, em nosso país, nos dias de hoje. Não é fácil encontrar tempo e disposição para escrever quando se está envolvido por urgências e pela falta de condições mínimas para tratar uma doença tão disseminada e tão séria quanto o câncer de mama. É preciso muita força e idealismo para não ceder ao desânimo e à imobilidade.

    Um ponto central em nossa proposta de elaboração desta obra era que não falássemos de um lugar de saber encastelado, distante de nossos autores vizinhos, mas do lugar angustiado do questionamento e da dúvida que instiga o debate e desmonta o estabelecido, o já sabido desvitalizado. Queríamos propiciar um diálogo verdadeiramente interdisciplinar, que favorecesse um confronto harmonioso de ideias que, ao final, desembocasse em uma mesa-redonda, no sentido mais pleno que essa imagem evoca. Nela não há níveis hierárquicos (de quem senta na cabeceira, de quem dá a última palavra), mas é onde o saber de cada um vem complementar o saber do outro.

    Talvez estivéssemos buscando algo utópico, fora da realidade complexa que essa proposta envolve. As dificuldades de comunicação são inúmeras e se forjam, tanto nos obstáculos decorrentes de metodologias e linguagens diferentes utilizadas pelos profissionais de cada área quanto nos entraves diários gerados pela rotina institucional aos encontros e reuniões tão necessários ao entendimento e à busca de soluções conjuntas. As pesquisas e os programas interdisciplinares encontram raras oportunidades de efetivação, embora alguns deles consigam se desenvolver e buscar soluções para os impasses que vão ocorrendo ao longo de sua realização.

    Talvez, em nosso sonho, estejamos desejando minimizar os efeitos daquilo que os psicanalistas Claude Smadja e Gerárd Szwec, do Instituto de Psicossomática de Paris, apontam como a dificuldade metodológica de conciliar o par psiquismo-soma, que se aparenta à mistura insolúvel do óleo com a água. Imaginamos, então, convocar nossos colegas a pensarem o processo saúde-doença como um fato psicossomático, no qual esse é tomado de outro modo que não o de todo psíquico ou de todo biológico. Essa concepção nos remete a um esforço conjunto, no sentido de tornar possível novas elucidações e articulações que permitam uma maior aproximação do complexo tecido humano e de seus padecimentos, os quais se montam, invariavelmente, na trama do biológico, do psíquico e do social.

    Em resposta à nossa convocação, o resultado está nos textos a seguir que reunimos para compor esta coletânea.

    Abrindo este diálogo interdisciplinar, o texto "Efeito da iniquidade em saúde na sobrevida de mulheres com câncer de mama", escrito por uma equipe de autores composta pelos médicos Maximiliano Ribeiro Guerra, Maria Teresa Bustamante-Teixeira, Mário Círio Nogueira, Gulnar Azevedo e Silva, Jane Rocha Duarte Cintra, a cirurgiã-dentista Isabel Cristina Gonçalves Leite e a profissional de Estatística Raquel de Vasconcellos Carvalhaes de Oliveira, apresenta a pesquisa realizada para investigar uma temática ainda pouco explorada nos estudos de câncer mamário no Brasil, os efeitos das desigualdades sociais na incidência e na sobrevida das mulheres acometidas pela patologia. Em um país de tantos contrastes, cabe discutir o impacto que o acesso a uma saúde de qualidade pode acarretar sobre o prognóstico do câncer de mama.

    O acesso à saúde também é tema de destaque no capítulo seguinte, intitulado "Detecção precoce do câncer de mama: percurso de mulheres". As autoras Eloíza Augusta Gomes e Estela Márcia Saraiva Campos pautam-se na noção de itinerários terapêuticos (IT) para descrever a trajetória que as mulheres acima de 60 anos fazem na busca por um diagnóstico precoce de câncer de mama. Embora a mamografia, oferecida bienalmente para mulheres entre 50 e 69 anos seja garantida por lei, as autoras apontam as dificuldades encontradas no acesso ao exame dentro do contexto da saúde pública.

    No texto "Diagnóstico e tratamento do câncer de mama: como foi, como é e (talvez) como será", João Carlos Arantes Júnior trata da postura do médico para lidar e transmitir informações sobre os novos conceitos diagnósticos e terapêuticos da doença. Esse capítulo apresenta os importantes avanços na ciência que impactam o diagnóstico e o tratamento do câncer de mama, o que permitirá, em um futuro não muito remoto, uma assistência médica personalizada, ou seja, um cuidado realizado a partir da identificação de pacientes capazes de responder ou não a determinados esquemas terapêuticos. Nesse contexto, tem-se a expectativa de que a intervenção cirúrgica seja cada vez menos utilizada, sendo substituída por outras opções terapêuticas, inclusive de caráter interdisciplinar.

    Instigada pelas questões atuais da genética sobre a aleatoriedade no surgimento do câncer e, mais particularmente, do câncer mamário, Maria Stella Tavares Filgueiras traz para o debate com seus pares "Sobre risco, prevenção e acaso no adoecimento de câncer de mama". A autora passeia por essas noções, mostrando as diferentes visões e abordagens metodológicas entre os campos das ciências médicas, da epidemiologia e da psicossomática psicanalítica. Com base em um artigo científico recente da revista Science, cujos achados bordejam os temas do acaso e da repetição na genética, a psicanalista aponta como a busca por garantias matemáticas pode deixar sem a devida consideração questões relevantes relacionadas à subjetividade e à história familiar, afetando de modo significativo a compreensão da paciente e a sua assistência integral no adoecer de câncer de mama.

    Em "Ressonâncias da transgeracionalidade e o câncer de mama, a psicanalista Marcia Maria dos Anjos Azevedo aprofunda o conceito de transmissão psíquica" e destaca o modo como a constituição da subjetividade encontra-se visceralmente vinculada ao funcionamento do grupo familiar, ao mesmo tempo em que se amolda na continuidade das gerações. A noção de hereditariedade ganha, assim, outras dimensões que se fundam nas ligações afetivas, conscientes e inconscientes, estabelecidas entre os membros de uma família. Desse modo, o vínculo entre mãe e filha encontra um referencial identificatório que passa primordialmente pelo corpo, e no qual o seio tem lugar de destaque. Histórias de adoecimentos semelhantes entre avós, mães, tias, netas e irmãs encontram respaldo na clínica psicanalítica, na qual uma trama familiar as coloca silenciosamente em um lugar de vulnerabilidade para o adoecimento por câncer de mama.

    Os discursos sobre o corpo e seus efeitos na subjetividade serviam também de inspiração para o capítulo "Cultura, modos de subjetivação e culpabilização feminina: quando a cultura exacerba o sofrimento psíquico". A partir de uma leitura foucaultiana, as autoras, Daniele Antunes Rangel e Maria Elisa Caputo Ferreira, traçam uma importante reflexão sobre o corpo na contemporaneidade. O corpo se torna objeto de controle da ciência e da mídia e o adoecimento é tomado como uma falha individual. Esse processo de culpabilização do paciente é reforçado pelos profissionais de saúde, que prescrevem um ideal de vida saudável, desconsiderando, muitas vezes, que eles próprios estão também submetidos a essas imposições.

    No capítulo "O que Narciso acha feio: corpo ideal e imagem corporal no câncer da mama", Tatiana Rodrigues de Almeida e Maria Stella Tavares Filgueiras discutem os impactos de uma sociedade que enaltece (e exige) padrões ideais de corpo sobre a imagem corporal das mulheres submetidas à cirurgia mamária devido a um câncer de mama. Para tanto, as autoras discorrem sobre o lugar ocupado pelo corpo na cultura sob a ótica psicanalítica, trazendo também fragmentos de entrevistas realizadas com mulheres que fizeram mastectomia, total ou parcial, em decorrência da patologia.

    Em "Corpo, funcionalidade, espiritualidade e câncer de mama", as autoras Simone Meira Carvalho, Amanda Lopes Gusmão, Fabiana Andrea Tolomelli e Fabiane Rossi dos Santos Grincenkov apresentam uma discussão acerca de alguns aspectos que envolvem o tratamento do câncer de mama, em especial a funcionalidade, que se refere às limitações físicas; à imagem corporal que se relaciona à percepção do próprio corpo; e à espiritualidade que surge como um recurso de enfrentamento da doença. O texto destaca a necessidade de um olhar mais amplo sobre as diversas questões que envolvem o adoecimento, considerando a individualidade e a complexidade das mulheres acometidas pelo câncer de mama. Considera, desse modo, uma assistência integral a partir das ações de uma equipe multiprofissional que facilite a readaptação ao novo corpo e a reinserção na sociedade, a fim de minimizar e superar os obstáculos decorrentes do câncer.

    O texto "A mulher submetida à mastectomia e as fontes de apoio que estabelece com a sua rede social primária", de Jaqueline Ferreira Ventura Bittencourt, descreve e analisa os tipos de apoio social recebidos pela mulher frente ao diagnóstico de câncer de mama, com ênfase naqueles advindos da família, parentes, vizinhos e amigos, buscando ainda compreender o significado desse apoio após o tratamento cirúrgico. A autora aponta que o conhecimento dos condicionantes relacionais e/ou sociais pode constituir-se em formas inovadoras para o profissional de saúde, no sentido de (re)pensar um cuidar que valorize os integrantes da rede social primária como elemento coadjuvante na recuperação da condição de saúde da mulher submetida à mastectomia.

    No capítulo intitulado "Vozes acolhidas: o grupo de suporte como continente dos afetos difusos das mulheres com câncer de mama", as autoras Hila Martins Campos Faria e Maria Stella Tavares Filgueiras buscam compreender as questões subjetivas das mulheres no processo de lidar com o câncer de mama, com os tratamentos e suas consequências por meio da intervenção de um Grupo de Suporte. A análise de algumas sessões de grupo permitiu detalhar certos benefícios da experiência grupal que possibilitaram mudanças nas vivências subjetivas relacionadas ao medo da doença, da recidiva, da metástase e da morte; além de propiciar a elaboração da angústia e dos sentimentos depressivos decorrentes da alteração da imagem corporal.

    Esperamos que leitura desses textos instigue novas questões e incentive novos sonhos, e que nossa escuta se torne cada vez mais refinada e cuidadosa às vozes e às dores de nossas pacientes.

    Juiz de Fora e Rio de Janeiro, 30 de julho de 2017.

    Maria Stella Tavares Filgueiras

    Hila Martins Campos Faria

    Tatiana Rodrigues de Almeida

    PREFÁCIO

    É com grande satisfação que nos juntamos a este projeto. Uma iniciativa que merece ser aplaudida, não apenas pela relevância do assunto, mas principalmente pelo caráter interdisciplinar da proposta – pilar importante no tratamento do câncer de mama. A assistência integral só é possível por meio do diálogo entre as diversas especialidades envolvidas no cuidado destas pacientes com câncer de mama. Seja no âmbito de prevenção, diagnóstico, tratamento ou cuidados paliativos, somente mediante a atuação interdisciplinar se é capaz de compreender as necessidades dessas mulheres e, assim, reduzir o impacto da doença em seu cotidiano. Este livro ilustra como tais práticas integrativas resultam não somente em ganho de qualidade de vida para as pacientes, mas também em melhor desfecho terapêutico.

    Como exceção do câncer de pele não melanoma, o câncer de mama é hoje a neoplasia maligna mais comum entre as mulheres no mundo. Sua taxa de mortalidade, ajustada pela população mundial, apresenta uma curva ascendente e é uma das principais causas de morte da população feminina brasileira. Essa taxa encontra-se especialmente elevada em grupos de níveis socioeconômicos mais baixos. Isso acontece principalmente devido a inúmeros casos de diagnóstico tardio, passíveis de detecção em estágios iniciais por meio de rastreamento, muitas vezes falho no sistema público de saúde. É notório o reflexo da disparidade social nos diagnósticos em fases avançadas da doença, sendo prenúncio de pior prognóstico e, consequentemente, maior mortalidade. Além da dificuldade de acesso aos exames de rastreio e do atraso dos procedimentos diagnósticos, há também falha na universalização dos tratamentos adequados. Tais questões enfatizam a necessidade de implementação imediata de ações em saúde pública direcionadas à diminuição das iniquidades sociais, promovendo o acesso à prevenção primária, ao diagnóstico precoce, e ao tratamento correto, no intuito de possibilitar à população maiores taxas de cura e sobrevida.

    Dos muitos aspectos a serem aperfeiçoados no âmbito de saúde pública, destacamos o papel central da detecção precoce do câncer de mama. Devido à multiplicidade de fatores relacionados ao surgimento da doença, prevenção do câncer de mama apresenta dificuldades, uma vez que nem todos os fatores causais podem ser modificados, o que torna o diagnóstico em estágio inicial, bem como a atuação interdisciplinar, parte crucial no êxito do tratamento.

    Ao relatar a trajetória de mulheres na detecção do câncer de mama por mamografia, observou-se inúmeras falhas no processo do diagnóstico. Nesse contexto, vale ressaltar a descaracterização da prevenção na saúde básica. Os exemplos ilustram a distorção do atendimento primário, centralizado na terapêutica de doenças crônicas, marginalizando o papel tão relevante da prevenção e do rastreio em saúde pública em todas as áreas, não apenas em oncologia. Cabe apontar a parcela de responsabilidade dos médicos no atendimento primário, por vezes limitando-se na prescrição de medicamentos para combater a doença quando os esforços deveriam também se concentrar em prevenção e diagnóstico precoce. Para tentar corrigir tais falhas, é necessário repensar a formação dos profissionais de saúde.

    Embora alguns fatores de risco sejam conhecidos, a influência dos fatores genéticos juntamente aos fatores ambientais ainda não identificados impossibilita que mulheres, mesmo aquelas com hábitos saudáveis, estejam completamente imunes ao câncer de mama. A suscetibilidade genética tem papel relevante, bem descrito no caso das mutações BRCA1 e BRCA2, porém não completamente elucidadas. Esse pluralismo na causalidade do câncer de mama contribui para o surgimento de um sentimento equivocado de culpa por parte da mulher, face ao diagnóstico da neoplasia.

    Alguns dos fatores de risco associados ao câncer de mama, como obesidade, sedentarismo, dieta rica em gorduras, são também fatores de impacto negativo no prognóstico, sendo contraindicados pelo profissional de saúde. Essas orientações muitas vezes corroboram, mesmo que não intencionalmente, para o sentimento de culpa da paciente. Soma-se a esse contexto o fato da revolução digital ter intensificado a supervalorização da estética, já tão difundida pela mídia tradicional. Afinal, se por um lado há ganho com acesso às informações relevantes, por outro há uma exigência descabida capaz de aniquilar a autoestima das mulheres. A frustração gerada pela cultura do culto ao corpo perfeito tem um impacto ainda maior sobre a mulher com câncer de mama, pois os seios são símbolos importantes na construção da feminilidade.

    A heterogenicidade do câncer de mama não se restringe apenas à causalidade, trata-se de um grupo de doenças com comportamentos distintos. Há algumas décadas, a hormonioterapia se estabeleceu como parte importante do tratamento, e desde então os tumores passaram a serem divididos em dois grandes grupos: receptores hormonais positivos e negativos. Já no começo dos anos 2000, por meio da análise do DNA de diversos tumores de mama, cientistas identificaram subtipos com perfis diferentes de doença, com características moleculares peculiares, comportamento biológico e prognóstico distintos, além de alvos terapêuticos específicos.

    Com tantas particularidades, além de sua relevância em termos de saúde pública global, não só pela prevalência, mas também pelo dano físico e psicológico, o câncer de mama hoje concentra mais investimentos em pesquisa do que qualquer outro tipo de tumor. Entretanto vale mencionar a carência de investigações que levem em conta os fatores de risco psicossomáticos, o que se pretende integrar em uma visão interdisciplinar, tanto no diagnóstico e na prevenção quanto no tratamento do câncer de mama, na direção que esta coletânea propõe.

    Embora existam atualmente inúmeras dificuldades para integrar as visões médica, psicológica e sociocultural do câncer de mama, progressos vêm sendo feitos no sentido dessa integração. À medida que evoluímos em conhecimento genômico, as peculiaridades moleculares das neoplasias vão sendo compreendidas, permitindo tratamentos individualizados, menos agressivos e mais efetivos. O mesmo ocorre com a compreensão da dinâmica psíquica das pacientes.

    Ao longo dos anos foram feitos grandes avanços no tratamento do câncer de mama, especialmente visando à diminuição das sequelas do tratamento. Entre eles, podemos citar a redução das cirurgias mutilantes, não só pela preservação da mama, como na reconstrução com prótese em casos de mastectomia radical; assim como a pesquisa de linfonodo sentinela, reduzindo a taxa de esvaziamento axilar e, consequentemente, o linfedema do membro superior. Também no campo da radioterapia novas tecnologias permitem melhor planejamento, reduzindo em muito a toxicidade. Com o advento dos estudos genéticos, muitas pacientes hoje podem ser poupadas da quimioterapia sem prejuízo. Para aquelas pacientes cuja quimioterapia é parte indispensável do tratamento, aparelhos que causam o resfriamento do couro cabeludo durante a administração da medicação podem reduzir ou evitar a perda de cabelo, efeito colateral tão temido. Mesmo a gravidez pós-tratamento de câncer de mama, durante muito tempo desencorajada devido ao receio do aumento do risco de recidiva, atualmente, não só é permitida como há consideráveis taxas de sucesso graças a técnicas de preservação da fertilidade.

    Embora muitos dos recursos ainda estejam restritos a uma pequena parcela da população, é importante destacar esses avanços a fim de pressionar a implementação de novas tecnologias por parte do sistema público de saúde. E a referência não se restringe a recursos tecnológicos, mas também a recursos humanos, destacando o papel crucial da equipe interdisciplinar no sucesso do tratamento do câncer de mama.

    Esta coletânea é a prova de que esses avanços não estão restritos ao campo médico somente, mas a um contexto interdisciplinar mais amplo, que abrange aspectos físicos e emocionais. A iniciativa de aprimorar, debater e difundir esse tipo de conhecimento visa não apenas atenuar o dano psicológico do diagnóstico do câncer de mama, mas também tratá-lo, tendo impacto importante no sucesso do tratamento e na qualidade de vida da paciente.

    Juiz de Fora, 16 de outubro de 2017.

    Claudia Cardoso

    Médica. Oncologista clínica no Instituto Oncológico, Juiz de Fora/MG.

    Milton Prudente

    Médico. Diretor clínico da Neoclínica Oncologia de Juiz de Fora/MG.

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