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Vale a pena? Conversas com escritores
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E-book112 páginas1 hora

Vale a pena? Conversas com escritores

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Sobre este e-book

Dos escritores, esperamos tudo: universos desconhecidos, personagens surpreendentes, finais inesperados. São eles que olham o mundo, transformam a realidade e transformam-nos a nós. Mas que trabalho é este, feito de palavras? Como nascem os livros? Que é isso da inspiração? Escrever será assim tão diferente de plantar sementes, esculpir pedra ou desenhar estradas? Entrámos em casa de 11 escritores portugueses e não saímos sem saber como acontece essa coisa que nos faz sonhar, ter medo, questionar e mudar de vida: os livros e a literatura.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento1 de mai. de 2017
ISBN9789898863065
Vale a pena? Conversas com escritores
Autor

Inês Fonseca Santos

Jornalista e escritora. É autora dos livros As Coisas, A Habitação de Jonas, Regressar a Casa com Manuel António Pina (ed. Abysmo); Produções Fictícias – 13 Anos de Insucessos (ed. Oficina do Livro); Antologia do Humor Português (co-org.; ed. Texto); A Palavra Perdida (il. Marta Madureira; ed. Arranha-Céus), José Saramago — Homem-Rio (il. João Maio Pinto; ed. Pato Lógico/INCM) e Vincos (il. Nicolau; ed. APCC).

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    Vale a pena? Conversas com escritores - Inês Fonseca Santos

    Nota prévia

    Este livro é o resultado de uma série de conversas que tive com escritores sobre os seus modos de olhar o mundo, de o imaginar, sobre os seus modos de criar e sobre as condições em que criam. Não é, por isso, um estudo sobre o funcionamento do mercado editorial, nem um esboço sobre o panorama da situação actual portuguesa no que à publicação de livros diz respeito.

    Não há um critério unívoco nem objectivo no que diz respeito à selecção dos escritores que cito: quis ouvir poetas e ficcionistas, de diferentes gerações, premiados e não premiados, publicados numa só casa ou em várias, autores com experiência editorial e outros sem interesse nenhum por essa actividade, sendo certo que me interessou conversar com aqueles que distinguem os conceitos de Literatura e de Livro.

    Além do agradecimento devido ao António Araújo e à Fundação Francisco Manuel dos Santos, à minha mãe e ao meu pai, leitores atentos, agradeço a todos os que, entre as muitas tarefas com que ocupam os dias, dedicaram o seu tempo a responder às minhas perguntas, ajudando-me a reflectir sobre as questões que aqui se equacionam e a acumular dúvidas sobre as mesmas. Se um escritor serve para alguma coisa, quando não está a escrever, é para isso: para nos conduzir rumo a novas questões, para nos revelar o espaço infinito de uma dúvida.

    Agradeço ainda aos escritores que, tendo sido por mim contactados, me deram respostas vagas ou nem sequer me responderam. Também eles contribuíram para muito do que neste livro se sustenta e que, em síntese, se prende com a ideia de que esperamos sempre demasiado de um escritor, esperamos que, na sua tripla ou quádrupla existência, arranje tempo para tudo e mais alguma coisa, esperamos sempre que fale e, como bem notou Marguerite Duras, «[e]screver também é não falar. É calar.»

    IFS

    Somos muito conhecidos na nossa rua

    Como jornalista, entrei várias vezes em casas de pessoas que mal conhecia. Criadores de diversas áreas e disciplinas abriram-me a porta de casa para que os pudesse entrevistar. Era-lhes mais prático assim: que fôssemos nós, jornalistas, a deslocar-nos. Regra geral, as entrevistas destinavam-se aos programas de televisão que fui fazendo ao longo do meu percurso profissional e, enquanto aguardava que o operador de câmara montasse o equipamento para que pudéssemos filmar, ia conversando sobre o tempo e o trânsito, sobre política e futebol, sobre o que me levava ali e o que gostaria de perguntar. Ao mesmo tempo, observava a casa. A partir do momento em que entramos em casa de alguém ficamos com uma quantidade enorme de informações sobre aquela pessoa. No fundo, passamos a conhecê-la no instante em que a porta se abre. Mesmo que troquemos apenas meia dúzia de palavras, descobrimos-lhe hábitos e manias, percebemos se vive ou não sozinha, se tem ou não filhos, do que gosta, como se organiza…

    A primeira vez que entrei em casa de Manuel António Pina, um dos escritores portugueses que mais vezes entrevistei e visitei, e apesar de já ter então lido e relido toda a sua obra, fiquei a conhecer não apenas o poeta mas também o homem: o amante de gatos, o acumulador de papéis, o fumador de cigarrilhas, o leitor que preferia poesia e ensaio a ficção... Guardo uma fotografia que testemunha parte desta descrição, mostrando a cigarrilha de Pina empoleirada no cinzeiro sobre alguns papéis com contas e palavras soltas, onde pode ser vislumbrada a caligrafia do poeta.

    Mesmo nunca tendo espreitado a caligrafia do poeta, as pessoas do bairro do Porto onde Manuel António Pina viveu durante mais tempo conheciam-no, cumprimentavam-no, tratavam-no por Senhor Doutor. Mas, para eles, o homem afável que circulava pelo bairro e passava as noites a escrever era o jornalista, o cronista do Jornal de Notícias, não o poeta que citava, na mesma frase, o Ursinho Puff e T. S. Eliot. E que assim evocava Wisława Szymborska, a poeta polaca a quem foi atribuído, em 1996, o Prémio Nobel da Literatura e que sublinhou que «[a]lguns gostam de poesia / Alguns – / ou seja nem todos. / Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria. / Sem contar a escola onde é obrigatório / e os próprios poetas / seriam talvez uns dois em mil.» Escreveu Szymborska:

    A mão

    Vinte e sete ossos,

    trinta e cinco músculos,

    cerca de duas mil células nervosas

    em cada um das pontas dos cinco dedos.

    É quanto basta

    para escrever Mein Kampf

    ou a Casinha do Ursinho Puff.

    Ciente de tudo isto, Manuel António Pina tinha um plano secreto: reunir, num jantar, os leitores portugueses de poesia. Todos os leitores portugueses de poesia. Achava que facilmente encontraria um restaurante onde coubessem 200 ou 300 pessoas. Num país com cerca de dez milhões habitantes, num país que se diz de poetas, as tiragens dos livros de poesia oscilam entre os 100 e os 1000 exemplares. Proliferam as pequenas editoras, é certo, mas essas não publicam seguindo a lógica do mercado; publicam, sim, para satisfazer a vontade de ler desses 200 ou 300 portugueses que se interessam por poesia. E, no entanto, como bem nota Luís Quintais, «a literatura é uma província da poesia».

    Antropólogo e poeta, Quintais nasceu em 1968 e começou a escrever cedo, mas só percebeu que a escrita era aquilo que lhe recomendava a sensibilidade e a timidez já adolescente, com 17 ou 18 anos. O seu primeiro livro, A Imprecisa Melancolia, data de 1995; antes disso, saíram poemas seus em suplementos literários de jornais, quando tal ainda era possível, e é justo recordar o papel do DN Jovem na publicação de textos de jovens autores que hoje são valores seguros da literatura portuguesa. Houve ainda uma aventura editorial partilhada com o irmão e o pai: «Publicávamos plaquettes a 50 exemplares cada…», conta Luís Quintais.

    No início de Abril de 2016, Quintais enviou-me por correio uma plaquette, um exercício poético em torno da mesa, escrito a meias com Francisco José Craveiro de Carvalho e que inclui um desenho de Bárbara Assis Pacheco. Avisou-me: «O nosso caderninho já seguiu. Coisa simples. Devia fazer sempre assim.» Apesar de considerar preciosas estas edições não comerciais, com tiragem limitada, numerada e assinada, por nos lembrarem, tal como afirmam os autores na nota introdutória de Um Rimbaud em Cada Esquina, que «a poesia se pratica em todos os lugares» e que «a profundidade aguarda em todas as superfícies, como uma fera que aguarda o momento letal», respondi a Quintais, que publicou a maior parte dos seus livros com a chancela da Cotovia e é agora editado pela Assírio & Alvim: «Não devias fazer sempre assim. De maneira nenhuma. Se fizesses sempre assim, algumas pessoas não leriam os teus poemas. E privá-las dos teus versos seria crime.» Referia-me, como é evidente, àquelas 150 pessoas a quem escaparia a plaquette por não conhecerem pessoalmente nenhum dos poetas que a assinam. Daí ter escrito, na mensagem enviada a Luís Quintais, «algumas pessoas» e não «as pessoas». Quando o caso é poético, faz toda a diferença: «Alguns gostam de poesia. Alguns (…)», note-se de novo, com Szymborska. Porque, numa sociedade que, como sustentou Alberto Manguel em entrevista a Sara Figueiredo Costa (Blimunda, nº 41, Outubro de 2015), «trabalha intensamente para prevenir a curiosidade» e em que «o acto intelectual não tem qualquer prestígio», se perguntamos o que é feito dos intelectuais, por maioria de razão temos que nos questionar sobre o lugar que pode hoje ocupar o poeta, o escritor, «aquele que se dedica à vida do espírito», definição de que se socorreu, «por facilidade de expressão», António Mega

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