O macaco bêbedo foi à ópera: da embriaguez à civilização
De Afonso Cruz
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Sobre este e-book
Afonso Cruz
Afonso Cruz nasceu em 1971, na Figueira da Foz. Os seus livros estão traduzidos em vários países e receberam vários prémios, entre eles, o Prémio da União Europeia para a Literatura, o Prémio Fernando Namora, o Prémio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil do Brasil e o Prémio Nacional de Ilustração. Além da escrita, dedica-se também à ilustração, à música e à fotografia.
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O macaco bêbedo foi à ópera - Afonso Cruz
O álcool cósmico
Existe álcool espalhado pelo espaço sideral. Esta frase, per se, deveria provocar alguma perplexidade e fazer-nos questionar o papel do álcool, que não pode ser apenas uma amenidade social ou um vício a erradicar. Estando o cosmo cheio dele, a dimensão da sua importância deverá talvez ter outro tipo de proporção: «Os astrónomos que exploram a nossa galáxia com poderosas ondas de rádio descobriram que o álcool não existe somente na Terra. Gigantescas nuvens de metanol, etanol e álcool vinílico — estendendo-se por milhares de milhões de quilómetros — foram localizadas no espaço interestelar e em sistemas estelares envolventes» (Patrick E. McGovern, Uncorking the Past — The Quest for Wine, Beer, and Other Alcoholic Beverages).
Não sei se Deus deixou a marca do seu copo de whisky no espaço, um pouco como quem deixa aquela auréola incómoda na mesinha da sala e ouvirá seguramente a repreensão da tia sobre a falta de uso daquele objecto incompreendido, chamado base para copos, e o sermão relativo à qualidade da madeira, nogueira, carvalho, cerejeira, cedro, e ao valor do móvel em questão, não apenas pecuniário, mas também sentimental. A Criação, podemos suspeitar, foi então um acto intemperado e talvez impulsivo, ou certamente louco, de um Deus devoto do hedonismo da ebriez, que compôs o cosmo, as estrelinhas e os planetas sob o efeito do álcool. A linguagem religiosa das frases anteriores é metafórica: não é de todo importante por ora discutir se o Universo foi planeado por uma entidade, Deus ou demiurgo (já lá iremos), deuses ou espírito, ou foi apenas uma arbitrariedade que a ciência tenta explicar racionalmente, apesar das óbvias estranhezas que, se não foram devaneios da embriaguez, seguramente o parecem, ao ponto de noventa e seis por cento do Universo serem matéria e energia escuras, coisas que nunca ninguém viu, mas cuja existência garante a solidez de algumas teorias. Citando Max Tegmark, em Our Mathematical Universe — My Quest for the Ultimate Nature of Reality, que apenas dá voz a uma perplexidade mais ou menos partilhada no meio científico: «Como se a matéria escura não fosse já loucura suficiente, introduziu-se uma segunda substância misteriosa, baptizada de energia escura, para fazer que as previsões teóricas correspondessem à observação da expansão [do Universo] e aglomeração [das galáxias].» De resto, a matéria escura e a energia escura lembram precisamente a ressaca do dia seguinte em que, efectivamente, a luz resplandecente se transforma num esquecimento, cuja memória se reduz a uns envergonhados quatro ou cinco por cento. O resto é escuridão, matéria ou