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Diário de um Adolescente Suburbano: Minhas Lutas, #1
Diário de um Adolescente Suburbano: Minhas Lutas, #1
Diário de um Adolescente Suburbano: Minhas Lutas, #1
E-book169 páginas2 horas

Diário de um Adolescente Suburbano: Minhas Lutas, #1

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Sobre este e-book

Sinopse:

No início dos anos 90, a Internet ainda não existia, e as interações sociais ocorriam nas ruas: brincávamos, jogávamos bola, tínhamos nossos primeiros namoros e, às vezes, resolvíamos nossas diferenças na base da briga. A música era ouvida em cassetes, e a televisão oferecia apenas de dois a quatro canais. Os celulares não faziam parte de nossas vidas, e para nos comunicarmos com amigos ou namoradas, era necessário ligar para o telefone de casa ou enviar cartas.

 

Neste diário, relato a minha vida como adolescente, lidando com complexos relacionados às espinhas, com o objetivo de perder a virgindade e ser aceito pelo grupo de amigos. Vivi as primeiras experiências com álcool, enfrentei desilusões amorosas, participei de sessões de espiritismo e passei as férias de verão em uma aldeia remota. Naquela época, tudo parecia brilhante e profundo.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento10 de jul. de 2021
ISBN9798215620342
Diário de um Adolescente Suburbano: Minhas Lutas, #1
Autor

Gonçalo JN Dias

Gonçalo J. N. Dias nasceu em Lisboa no ano de 1977, licenciou-se em Engenharia do Ambiente e Recursos Naturais no Politécnico de Castelo Branco. Vive atualmente no País Basco, Espanha. É um autor independente, os seus livros têm sido traduzidos a vários idiomas.

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    Diário de um Adolescente Suburbano - Gonçalo JN Dias

    Oi ano de 1993 – sábado, 9 de janeiro de 1993

    Tenho a sensação que este ano será um ano inesquecível. Espero passar o 2.º ano do ensino médio, ter aventuras com os meus amigos e arranjar uma namorada ou, pelo menos, perder a virgindade.

    O final de 1992 acabou em grande. A Prefeitura organizou um concerto gratuito, mesmo no centro do Cacém, com o grupo Ena Pá 2000, para comemorar a quadra natalícia. O concerto foi realizado numa tenda de circo. Nós, os Moinho Boys – éramos uns quinze gandulos –, fomos dos primeiros a chegar e escolhemos ficar na parte de cima de umas arquibancadas de madeira, que os seguranças avisaram, uma e outra vez, que eram frágeis e nas quais não podíamos saltar.

    O concerto foi uma loucura. Eu conheço bem o trabalho deles e tenho um cassete que ouvi centenas de vezes. Quando eles tocaram a música Hon-Hin-Hom o público perdeu a cabeça, pois eles dizem no refrão:

    "Sinto-me tão bem quando te vejo,

    os teus olhos merecem um beijo.

    Sinto-me tão bem quando vou ao Cacém,

    sinto-me tão mal quando vou ao Funchal"

    Eu fiquei em êxtase! Ali estava eu, rodeado pelos meus amigos, a ver uma das minhas bandas preferidas e, ainda por cima, a cantarem aquela música que fala do Cacém. Mas a barraca, ou melhor dito, o circo foi abaixo quando tocaram o êxito: És Cruel. Toda a gente saltava e tanto os seguranças como a própria organização tinham dito aos que estavam nas arquibancadas que não podíamos saltar, mas era impossível e o inevitável aconteceu: ao meu lado, o Mota, o Aloísio e o Matias saltaram tanto que a tábua de madeira onde estavam caiu e eles foram parar ao chão. Eu não caí por um triz. Não houve danos físicos, os três não se machucaram. Porém, o concerto parou. O vocalista, Manuel João Vieira, perguntou se estava tudo bem, nós dissemos que sim e a música continuou. Ao final do concerto, estavam cerca de dez vigilantes à nossa volta, com medo que a gente fizesse mais merda.

    Saímos do concerto como lobos, uivando e correndo para todos os lados, mas sem nenhum destino. Partimos retrovisores de carros, prendemos fogo a contêineres, ofendemos o simples transeunte que passava e gritámos uma e outra vez: Moinho Boys.

    Eu gosto sempre de andar com sprays e marcadores e escrevi em vários sítios o nome da nossa gangue. Devo confessar que, quando estou em grupo, perco por completo as estribeiras, torno-me mais agressivo, incentivo os rapazes a romper tudo, não me consigo controlar, nem me reconhecer, por vezes.

    Quando fomos pegar o ônibus para voltar a Mira-Sintra, fizemos uma algazarra tão grande que as pessoas que estavam na fila ficaram com medo de nós. Algumas até diziam que iam chamar a polícia, mas, no final, apareceu o ônibus e os quinze marmanjos entraram. Eu decidi usar um bilhete já usado e ver se o motorista não dizia nada, e não disse. Mais que nada, ele ao ver aquela escumalha entrando, ficou com receio que destruíssemos o seu veículo. A balbúrdia continuou na parte detrás do ônibus: gritos, pontapés, alvoroço e eu escrevia em todos os lados - Moinho Boys. Até que o motorista parou o veículo numa parada e disse alto e em bom som: ou vocês param com a barulheira, ou descem já aqui e chamo a polícia. Os restantes utentes aplaudiram a coragem do chofer e olharam para nós com desdém. Nós acalmámo-nos. No entanto, eu achei que o atrevimento do motorista foi demasiado; mas com quem é que ele pensava que estava a lidar? Esperámos como meninos bem-comportados até chegar a Mira-Sintra e, quando saímos, começámos a gritar, a pontapear qualquer coisa e houve até quem foi cuspir ao motorista, que fechou as portas rapidamente e ficou olhando para nós com repúdio. Eu juntei-me aos insultos, lhe chamei todos os nomes e pontapeei as portas do ônibus.

    Uns quantos amigos queriam ir buscar pedras e jogá-las ao ônibus, quando ele tivesse de passar pela rua, mas eu tentei apaziguar a situação, dizendo que, se calhar, ele ia chamar a polícia e teríamos problemas. Na verdade, já não gosto de jogar pedras nem a ônibus nem a trens. Acho que já cresci neste aspeto, já tenho quase dezesseis anos. Além disso, a minha mãe trabalha limpando trens e tenho medo de andar jogando pedras aos trens e ela, por coincidência, esteja lá dentro limpando. Há cerca de um ano, andávamos jogando pedras aos ônibus que passavam pela nossa rua e a Prefeitura decidiu cancelar os ônibus até Mira-Sintra. Ora, se Mira-Sintra já estava afastado de tudo, sem ônibus ficávamos ainda mais isolados, por essa razão, decidi convencer o pessoal a tentar não mandar mais pedras. O meu pai, que trabalha em Lisboa, queixava-se que tinha de acordar uma hora mais cedo para ir a pé até à estação ferroviária. Ainda disse:

    - Eu gostava de saber quem são os vândalos que andam por aí danificando o ônibus. Não serás tu e os teus amigos, pois não, Gonçalo?

    - Claro que não! – disse a minha mãe. – Devem ser esses ciganos que andam por aí.

    No dia seguinte ao concerto, à hora do almoço, a minha irmã – que também foi ao concerto – perguntou:

    - Vocês caíram das arquibancadas?

    - Ya, foram só três, mas não aconteceu nada. Viste-me?

    - Não, mas ouvi uns anormais gritando Moinho Boys e imaginei que eram vocês a destroçar alguma coisa.

    - Ya, sim, éramos nós – disse eu com orgulho.

    Mira-Sintra é um bairro que está separado do Cacém por um bosque, este bosque, o qual chamamos a mata, é o lugar onde passo grande parte do tempo com os meus amigos. Recentemente, construímos uma barraca com ramos de eucalipto, para podermos passar as tardes ali de bate-papo, mas vimos que, quando chove, entra água em algumas partes, então, colocámos alcatifas e tapetes no teto - encontrámo-las nos contêineres do lixo que há no bairro. Além disso, trouxemos também dos contêineres cadeiras, sofás e mesas que as pessoas já não queriam e jogaram ao lixo. A barraca está excelente!

    Há muitos garotos que vêm do Cacém e cruzam a mata para irem à escola que há em Mira-Sintra. Em algumas tardes fazemos esperas a esses garotos para roubar-lhes as carteiras. O dinheiro que fazemos desses assaltos serve para comprar tabaco e jogar pebolim no café do Oliveira. Porém, devo confessar que já estou farto desses assaltos e tenho pena dos garotos que roubamos; aliás eu próprio fui assaltado várias vezes, inclusive naquela mata e sei a humilhação que os garotos passam.

    No outro dia, após um assalto a um par de garotos, fomos gastar o dinheiro em pebolim, mas nisto, o Pelé disse que a parte debaixo da associação O Moinho estava aberta. Ora, a associação é um edifício que está na nossa rua, é gerida pelos sócios e apoiada financeiramente pela Prefeitura, e tem como objetivo incentivar o esporte e o convívio dos moradores. São eles que gerem o campo de futebol e o parque infantil que há no local. O edifício da associação tem dois andares. A parte de cima é o café, enquanto o piso térreo é onde estão o pebolim e uma mesa de sinuca. Alguém da associação se tinha esquecido de fechar corretamente o cadeado e aquilo estava aberto. Mal soubemos que estava aberto, fomos aproveitar-nos da situação. Entrámos, virámos ao contrário o pebolim e ficámos com as bolas, depois tapámos as balizas com cartões para que as bolas não caíssem e ficámos a jogar toda a tarde. Outros aproveitaram para jogar sinuca. Tudo correu bem, exceto um pequeno detalhe: eu levava marcadores no bolso e pintei na parede Moinho Boys, outros quiseram fazer o mesmo e até aí não houve problema. No entanto, o pior foi quando o Cigano escreveu na mesa da sinuca a sua alcunha, ou seja, não é preciso ser muito esperto para saber que o homem que está a gerir o local, ao ver aquelas pinturas, chegaria tranquilamente à conclusão que o Cigano tinha estado ali. Certamente iria contar ao pai do Cigano, que digamos não é uma pessoa pacifista, e quase de certeza que o meu amigo apanharia uma sova. E assim aconteceu.

    Para piorar a situação, o dono do café quis chamar a polícia, para apresentar uma queixa formal, mas os sócios, onde estava o meu pai, convenceram o homem a tratar daquele vandalismo sem chamar os tiras. Chegaram a um acordo e estamos agora proibidos de entrar no edifício ou jogar à bola no campo. Eu ainda tentei demonstrar ao meu pai que era inocente, que nem estava no lugar dos acontecimentos, mas houve uma vizinha coscuvilheira que estava à janela e identificou-me como um dos delinquentes.

    Houve um dia, num fim de semana, que íamos à barraca quando vimos que ela estava ocupada. Quem lá estava eram os drogados da nossa rua, como o Teixeira e o Quim. Ficámos em tensão, olhando para eles.

    - O que é que vocês fazem aqui? – perguntou o Mota, com cara de poucos amigos.

    - Isto é vosso? – disse o Quim. – Pá, tá muita legal.

    - Sim, mas já tem dono – voltou a dizer o Mota, sem demonstrar medo.

    - Sim, mas podemos partilhar, não? – voltou a falar o Quim, encarando-nos.

    Houve um silêncio, até que o Pelé disse:

    - Na boa, podemos partilhar, mas aqui não há heroína nem outras drogas.

    - Na boa, pretinho, aqui ninguém é drogado, pois não? – e riu-se, esperando que o Teixeira e companhia fizessem o mesmo e todos riram, exceto nós.

    A partir daí houve um silêncio incómodo, nos dois bandos no grupo, nós que temos entre quinze a dezoito anos e eles que já passaram todos os vinte. Pouco a pouco, o ambiente foi desanuviando, com algumas piadas aqui e acolá, até que eles decidiram sair, sem antes ameaçarem que podiam pegar fogo à barraca, mas não queriam, só desejavam partilhá-la.

    Carnaval e espiritismo – domingo, 25 de abril de 1993

    Não estava com muita vontade de ir à terra dos meus pais, aos Lentiscais, pois cada vez mais me aborreço ali, mas eles não me deram outra alternativa e tive de ir. No entanto, há que dizer que foi o melhor Carnaval da minha vida. Conheci os meus primos Dani e Zeca e passaram a estar no meu top 20 de melhores amigos.

    Tudo começou quando eu e o meu primo Tó-Zé decidimos ir dar uma volta pelos campos dos Lentiscais, até que ele disse:

    - Vamos dar uma olhada àquela casa?

    Era uma casa que estava um pouco afastada da povoação, junto a uma das entradas da aldeia. Eu disse que sim. Quando íamos em direção à casa, o Tó-Zé decidiu subir um muro, daqueles muros típicos da zona, feitos com pedra, e caminhou pelo muro. Passados uns metros, escorregou, caiu e bateu com a barriga do muro. Eu fiz um esforço para não me rir, mas o meu primo é mesmo azarado! Sempre lhe acontece alguma coisa deste estilo. Ajudei-o a recompor-se e seguimos em direção à casa.

    Aquela vivenda era enorme, tinha um jardim ainda espaçoso e estava tudo fechado.

    - Tó-Zé, será que não há cá ninguém?

    - Não, eles vivem em França. Bora ver se há alguma coisa aberta.

    - Ya, bora – disse eu.

    Havia muitas janelas, mas estavam todas fechadas cuidadosamente, eu e o Tó-Zé ainda tentámos abrir à força, mas era impossível. Demos várias voltas à casa a ver se havia alguma abertura, sempre com cuidado que ninguém nos visse a rondar a vivenda. Até que o Tó-Zé decidiu subir ao primeiro andar, a uma varanda enorme que se prologava pela fachada da parte de trás da casa. Eu fiquei no solo a vigiar se alguém aparecia. Tinha uma mistura de medo e adrenalina. E se conseguíssemos entrar? O que podia haver naquela casa? Dinheiro? Joias?

    - Gonga – disse ele, chamando-me pela minha alcunha. – Isto está difícil, se ao menos tivesse uma chave de fendas... sobe tu, que tens mais força.

    - Ok, já vou.

    Subi o muro e cheguei facilmente à varanda. Aquilo era enorme e tinha umas pedras grandes num dos cantos da varanda. Tentámos abrir a porta e janelas com a ajuda das pedras, mas aquilo era intransponível.

    - Tó-Zé, voltamos cá depois de almoçar e trazemos ferramentas.

    E assim foi, depois do almoço, levámos uma chave de fendas do nosso avô, uma garrafa de água e uma bola para passar ali a tarde. Pelo caminho roubámos algumas laranjas numa horta para lanchar. Já na varanda, voltámos a tentar forçar a porta; perdemos muito tempo nessa tarefa e eu, já cansado, comi as laranjas e deixei por ali as cascas e os caroços. Por fim, disse:

    - Pá, Tó-Zé, vamos embora, não vale a pena tentar mais, isto está bem fechado. Bora jogar à bola lá em baixo, no jardim.

    Ele concordou e estivemos a dar uns toques na bola no jardim, à sombra. No entanto, vindo no nada, apareceu uma velha no jardim, com um machado na mão.

    - O que é que vocês estão aqui a fazer?!

    O Tó-Zé olhou para mim com uma cara assustada e com um sorriso amarelo. Eu pensei que estávamos fodidos, ponderei em fugir, mas decidi enfrentar o touro pelos cornos, ou seja, a velha com o machado. O Tó-Zé esperava uma reação minha e

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