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E-book303 páginas4 horas

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Sobre este e-book

Uma vida contada em um livro. Para que estou escrevendo? Caro leitor, preciso desabafar, mas já aviso que, em um desabafo, os pensamentos fluem de uma forma crua, sem tempo para enfeitar os acontecimentos, e sem filtro para os detalhes sórdidos. Preciso avisar que minha história começará inocente. Porém, não se engane: vai piorar a cada capítulo, e assim, certamente, existirão muitos detalhes sórdidos. Adianto que: 'Na controversa busca pelo sucesso, desenhei o meu fracasso alcançando vitórias'. Confuso, não é mesmo? Aceite me conhecer e me compreenderá!
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de mar. de 2023
ISBN9781526070630
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    Detalhes Sórdidos - Fernando H. De Marchi

    Eu

    Eu sou lerdo. Aprendo mais lentamente que a maioria das pessoas, e já sofri muito por ser assim, porém hoje agradeço por ser como sou. Deixo a você, caro leitor, uma belíssima frase de Clarice Lispector que me ajudou a compreender melhor minha forma de ser: Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.

    Com o tempo, descobri que essa tal Clarice estava certa. O meu maior defeito é, ao mesmo tempo, minha maior qualidade: ser lerdo faz com que eu demore para aprender, mas me permite aprender com profundidade, pois me possibilita prestar atenção em cada detalhe. Agora, com 38 anos de detalhes acumulados em minha mente, eu já tive tempo de moer e remoer meus erros. E como eu errei! O mais engraçado é que meus maiores tropeços na vida foram cometidos quando finalmente aprendi a ser bem mais esperto, assim sendo, não fui tão esperto quanto pensava. 

    Para que estou escrevendo? Caro leitor, preciso desabafar, mas já aviso que, em um desabafo, os pensamentos fluem de uma forma crua, sem tempo para enfeitar os acontecimentos, e sem filtro para os detalhes sórdidos. Preciso avisar que minha história começará inocente. Porém, não se engane: vai piorar a cada capítulo, e assim, certamente, existirão muitos detalhes sórdidos.

    Também preciso avisar que minha motivação para escrever é apenas uma: precisarei de sua ajuda. No entanto, não é necessário se preocupar. Eu bem sei que, em um mundo capitalista, quando um desconhecido se aproxima para contar algo, quase sempre é porque, no fim, de alguma forma, vai querer que gaste ou doe dinheiro. Este não é meu caso. Só não lhe conto agora qual é o meu desejo porque é somente após me conhecer que compreenderá o meu pedido.

    No intuito de que me conheça, é imprescindível te fazer compreender a minha personalidade. Então, vou apresentar as características e qualidades mais marcantes que desenvolvi desde a infância, as quais certamente ajudaram a moldar o meu caráter.

    Nada melhor para moldar uma preciosidade como eu do que um bom colégio. Já nos primeiros anos de estudos, ficou nítido que eu era agraciado com uma grande dificuldade de aprendizado. Em termos mais grosseiros, podemos dizer que eu era bem burrinho: enquanto meus colegas aprendiam a ler fluentemente, eu só gaguejava nas sílabas; enquanto todos aprendiam a escrever, eu só fazia garranchos. Enfrentando essa realidade, desenvolvi uma profunda timidez e acostumei-me a ter medo de novidades, pois situações inusitadas correspondiam a possibilidades de ser humilhado.

    Apesar de ser lerdo, tenho uma ótima memória de longo prazo. Recordo-me de detalhes até mesmo da minha infância. Lembro-me de que, quando eu tinha apenas nove anos, uma pessoa, provavelmente a diretora, entrou em minha sala de aula dizendo possuir uma surpresa para todos. Como nessa idade eu já tinha tido motivos para temer novidades, imediatamente senti aquele friozinho na barriga de quem está correndo o risco de ser humilhado publicamente. A mulher sorridente avisou que trazia premiações, mas eu não me animei nem um pouco, pois bem sabia que o único prêmio o qual eu poderia ganhar era o de pior aluno. 

    Foi exatamente isso que aconteceu! Minha professora e essa tal mulher começaram a distribuir diplomas de primeiro, segundo e terceiro lugar em aprendizagem. O esquema foi o seguinte: um terço da sala ganhou certificados de primeiro lugar em aprendizagem, significando que eram os melhores alunos; o segundo terço, correspondente aos alunos medianos, ganharam certificados de segundo lugar; e o terceiro terço, os burrinhos, ganharam os certificados de terceiro lugar em aprendizagem. Obviamente, ganhei o terceiro lugar, estando assim entre os piores.

    Uma das coisas que me marcou naquele dia foi eu olhar para o lado e ver outro aluno comemorando, dizendo algo do tipo "Yes! Ganhei o terceiro lugar!. E os olhos daquela pequena criatura brilhavam de felicidade! Depois disso, notei que a sala toda estava comemorando, inclusive todos os demais ganhadores do terceiro lugar. Fiquei feliz, pois considerei que eu possuía um mínimo de discernimento para saber que os ganhadores" da terceira colocação não tinham nenhum motivo para comemorar, e isso me fez considerar que, pelo menos, eu tinha um pouco mais de consciência em comparação a esses outros desafortunados.

    A professora pediu para mostrarmos o certificado a nossos pais; porém, eu pretendia rasgá-lo em mil pedaços e jogar no lixo logo após sair da sala de aula. No entanto, além de lerdo, outra das minhas primorosas qualidades era a de ser desatento, e assim eu simplesmente me esqueci de jogá-lo fora. O certificado ficou perdido na minha bolsa por um bom tempo e um dia minha mãe o encontrou. O resultado foi muito traumatizante e doloroso.  Eu me lembro de minha mãe ter ficado muito feliz e se lançado a correr, toda orgulhosa, para mostrar o certificado de burrice para meu pai, que também ficou muito contente com minha grande conquista.

    Eu queria contar a verdade para meus pais. Mas, como contar? Como explicar para um pai orgulhoso, o qual estava acostumado a só receber reclamações, que, quando finalmente parecia que eu tinha conquistado algo bom, na verdade, isso era um atestado de inferioridade entregue aos piores alunos da turma?

    Eu tinha exatamente nove anos quando isso aconteceu. Sei disto, pois até hoje tenho o certificado. Nele, está escrito: Certificamos que o aluno Gabriel Bianchi obteve o 3º lugar em aprendizagem, desenvolvimento geral, participação, atitudes e respeito, no decorrer deste ano letivo. Magnífico, não é mesmo? Pode imaginar o quanto meus pais ficaram felizes? Eu fiquei em silêncio, recebendo os carinhos e elogios. Aquele foi o carinho mais doloroso que ganhei em toda a minha vida. O meu único alívio provinha da consciência de que meus pais deveriam ter suspeitado que havia algo de errado, pois eu era um aluno ruim. Continuei indo de mal a pior, e, no ano subsequente, fui reprovado. Só então meus pais resolveram tomar uma atitude e me mandaram para uma psicóloga, que, lamentavelmente, não ajudou em nada.

    Acho prudente lembrar que existem profissionais bons e maus em todas as profissões. Eu tive contatos com grandes profissionais da psicologia em minha vida adulta; porém, infelizmente, quando criança, a psicóloga que me atendeu simplesmente enrolava o tempo, não fazendo nada de útil ou produtivo em suas terapias. Em compensação, ela soube muito bem como utilizar a psicologia com os meus pais. Já no primeiro encontro, aquela senhora explicou para minha mãe que fazia parte de seu trabalho me fazer não contar sobre os acontecimentos de nossos encontros. Como resultado, quando minha mãe me buscava, ela sempre perguntava o que eu tinha feito, e eu respondia que não tinha feito nada além de ficar jogando o mesmo jogo com o qual já tinha brincado na semana anterior.  Ao ouvir essa resposta, minha mãe ficava feliz, achando que eu estava guardando segredo, conforme a doutora explicou antecipadamente. Minha mãe também adorava perguntar sobre as terapias na frente de suas amigas, e quando eu dizia que não tinha feito nada, ela ficava toda contente e dizia, na minha presença:

    — Tá vendo como a psicóloga é boa! Ela me disse que ele não contaria nada, e ele não conta, não tem jeito de fazê-lo falar.

    Ao escutar isso, eu ficava bravo e tentava explicar que, realmente, não tinha feito nada, porém quanto mais esforço eu despendia em explicar, mais minha mãe ficava eufórica afirmando o quanto a psicóloga era realmente magnífica, e mais propaganda eu próprio fazia da grande terapeuta. Obviamente, continuei um péssimo aluno, sempre disputando com os três ou quatro piores da turma, e então meus pais finalmente perceberam que as terapias não estavam surtindo nenhum efeito. A nova tentativa, então, foi a de contratar uma professora para me dar aulas particulares.

    Não sei dizer o quanto as aulas podem ter auxiliado em minha aprendizagem, mas o que jamais esqueci foi outra situação bastante inusitada. Eu ia às aulas juntamente com um vizinho que conseguia a incrível façanha de tirar notas piores do que as minhas no colégio. E então, no final de uma das aulas, o marido de minha educadora apareceu com um aparelho estranho, dizendo-nos ser capaz de fazer, com ele, um exame de aprendizagem através da orelha. Como eu já descrevi, aprendi a ter medo de novidades, desse modo me recusei a ser o primeiro a fazer o exame.  No entanto meu vizinho, que era bem mais corajoso, ou talvez menos ajuizado, prontificou-se a ir primeiro. Todo o procedimento foi bem tranquilo. A maquininha foi colocada no ouvido dele e, após um clique, uma fitinha foi gerada contendo o resultado, que deu normal.

    Como o procedimento era simples e indolor, resolvi encarar o tal exame, mas meu resultado foi diferente: o homem disse que eu tinha uma listra branca na cabeça e por isso tinha dificuldade de aprendizado. Com o devastador diagnóstico, eu acho que a reação natural de uma criança deveria ser ficar apavorada, no entanto eu não fiquei. Levei um susto, porém após ter tempo para raciocinar, senti muita alegria. Quando voltei para casa, tranquei-me em meu quarto e chorei de alívio e felicidade. Eu não via a hora de meu pai chegar para contar que minhas notas baixas e toda a reclamação do colégio não eram culpa minha: afinal, eu tinha uma listra branca na cabeça, e isso tirava um grande peso de minhas costas, tendo em vista que explicava o porquê de eu ser tão ruim.

    Conforme planejado, meu pai chegou e eu corri para contar-lhe sobre o exame. Ele ficou furioso ao me ouvir, pois sabia que nenhuma máquina simplista seria capaz de fazer um exame como esse. Meu pai disse que isso era besteira e o assunto terminou ali. Logo depois, fui tirado das aulas particulares. Nunca perguntei, mas, provavelmente, parei de ir às aulas por conta desse tal exame. Fiquei triste quando vi que o assunto estava realmente encerrado, pois, se eu não tinha nenhum problema, a culpa por ser ruim voltava a ser apenas minha.

    Lendo esses acontecimentos, deve parecer que tive uma infância triste. Não se engane. Eu não estudava nada, porém brincava simplesmente o dia todo. Era uma criança muito ativa, com três irmãos com quem brincar, brigar, sorrir e chorar, e também em quem bater e de quem apanhar. Era uma família cheia de defeitos, mas que me proporcionou uma infância muito feliz e divertida.

    Meu maior dom é a imaginação, e eu utilizava isso muito bem vivendo em um maravilhoso mundo particular. Infelizmente, perdi isso em algum momento da vida, e agora estou em processo de reaver o que perdi. É claro que hoje já não posso viver em um mundo de sonhos infantis, no entanto posso viver em um mundo repleto de sonhos de um adulto que a cada dia está reaprendendo a ter a alma de uma eterna criança. Faço isso porque, finalmente, aprendi a essência do que, em resumo, é sabiamente ensinado na seguinte frase de Oscar Wilde: "A vida é muito importante para ser levada a sério".

    Capítulo 2

    Adolescência e mulheres

    Aos doze anos de idade, eu ainda continuava sendo uma feliz criança lerda, bobinha, tímida, desconfiada, distraída e — uma das características que me esqueci de mencionar anteriormente — extremamente desastrado. Eu não gostava muito de ir à escola, mas foi com essa idade que participei da melhor turma de minha vida. Naquele ano letivo, conheci Ricardo, um garoto que era exatamente o oposto de mim: esperto, extrovertido e cheio de personalidade. Era o tipo de menino que tende a chamar a atenção das menininhas desde muito jovem. Só o que tínhamos em comum era o fato de sermos maus alunos, e se ele podia ser altivo mesmo assim, comecei a me perguntar por que eu também não poderia ser. Meu maior desejo era ser como Ricardo: eu andava com ele, tentava agir como ele, porém continuava sendo simplesmente eu.

    Foi nesse ano que tive minha primeira decepção amorosa. Eu estudava junto com a bela Taynara, de quem fiquei muito amigo. Logo passei a gostar dela, e hoje sei que ela também gostava de mim. Muita gente diz que as mulheres preferem os cafajestes, mas não é verdade: acontece que os lerdos, desde jovens, ficam vendo as oportunidades passarem, então os mais ligeiros, que normalmente são os mais cafajestes, aproveitam todas as brechas. E foi o que aconteceu. Um dia, Taynara participou de uma brincadeira na qual, se perdesse, teria de aceitar um castigo da amiga vencedora. Ela perdeu, e essa amiga apontou para Ricardo e falou:

    — Seu castigo é dar um beijo nele.

    Meu coração se partiu ao vê-lo, bem esperto, indo imediatamente para cima dela, não dando tempo para que raciocinasse muito. Ela era loirinha e branquinha, porém ficou mais vermelha do que uma pimenta e recusou, no entanto, Ricardo continuou insistindo, e, aos poucos, Taynara recobrou sua cor normal, ao mesmo tempo em que era visível estar ficando predisposta a ceder.

    Nesse momento me entristeci, pois eu vi que Ricardo tinha a atitude necessária para conseguir seu intento. E conseguiu. O beijo foi rápido, não passou de um selinho com duração de um segundo, mas foi o suficiente para arrebentar meu coração em infinitos cacos. Eu sentia como se nada mais fosse igual a antes e me afastei de Taynara. Continuei sendo amigo dela, porém me distanciei bastante.

    Foi aí que comecei a descobrir o quanto é besteira ser orgulhoso. Aquele provavelmente foi o primeiro beijo dela, mas o segundo, o terceiro e os outros que viriam ainda poderiam ter sido meus se eu escolhesse ser corajoso em vez de orgulhoso. Essa foi uma lição que demorei a aprender, se é que realmente a aprendi, pois falar é sempre mais fácil do que agir.

    ***

    Minha oportunidade de ter o primeiro beijo só surgiu aos treze anos, quando um parque de diversões se instalou perto de minha casa. Todos os anos o parque permanecia naquele mesmo local durante uma semana. Naquele ano, passei a aproveitar todos os dias, e logo fiz muitos amigos. Brinquei e me diverti muito, porém o que realmente me marcou foi um brinquedo no qual eu tinha muita vontade de ir, mas não tinha coragem o suficiente para fazê-lo. Todos os dias, eu passava horas olhando para ele. Tratava-se de uma máquina cuja cabine, onde as pessoas ficavam, rodava, enquanto dois braços metálicos acoplados nas laterais da cabine também rodavam em alta velocidade. Devido ao duplo giro que a todo o momento trocava de direção, sem dúvidas essa era a atração mais emocionante do parque. O nome do brinquedo era Space Loop.

    Em uma bela tarde, fiquei parado diante do brinquedo por mais de uma hora, tentando ganhar coragem para entrar. Ter coragem se tornou uma questão de honra pessoal. Depois de muita luta contra o medo, finalmente fui para a fila, porém quando chegou a minha vez, desisti. Acabei me conformando de que eu era medroso demais. Essa era mais uma de minhas nobres características.

    No sábado, penúltimo dia de festa, muitas crianças do bairro, que não tinham participado do evento no meio de semana, apareceram. Entre elas, estava Clara, uma belíssima menina, que, por algum motivo inexplicável, gostou de mim. Clara era um pouco mais velha, já tinha completado catorze anos. Praticamente todos os meninos de quinze e até mesmo os de dezesseis anos estavam interessados nela, no entanto ela simplesmente me escolheu e passou a me levar para todo o lugar onde ia.

    Meu dia estava simplesmente maravilhoso, e eu me sentia flutuando. Porém, todo esse conforto acabou quando Clara resolveu ir ao Space Loop. Não teve jeito: eu tive de contar sobre o meu medo, e então ela me disse que, se eu fosse, ganharia um beijo. Eu não sei se o beijo seria no rosto ou na boca, mas só pela possibilidade de ganhá-lo, independentemente de como fosse, enchi-me de coragem e imediatamente aceitei. Entramos na fila, que estava bem grande, e Clara pegou em minha mão enquanto esperávamos. O simples fato de estarmos de mãos dadas me fazia desejar que aquele tempo de espera durasse pela eternidade.

    Para estragar a perfeição daquele momento, um dos valentões da rua entrou na fila logo atrás de nós. Não me recordo do nome dele, só me lembro do apelido: Bronquinha. Era um alemãozinho, cheio de sardas no rosto e mal humorado. Arranjava briga com todo mundo por qualquer motivo, o que explicava seu apelido. Ele era bem maior do que eu, pois já tinha quinze anos, e, ainda por cima, era gordinho, o que aumentava ainda mais a diferença física entre nós.   

    Quando já estava perto de nossa vez de subir no Space Loop, Bronquinha deu um arroto, e Clara imediatamente fez uma expressão de nojo. Aproveitei, então, para cogitar a hipótese de sairmos da fila e depois entrarmos de novo, com o intuito de ficar bem longe dele. A verdade é que eu já estava ficando com medo e queria ganhar tempo, mas Clara já tinha feito a conta e descoberto que nós dois seríamos exatamente os últimos na próxima rodada, e Bronquinha então não iria junto. Quando vi que minha desculpa falhou e o brinquedo já estava começando a parar, comecei a ficar muito nervoso, no entanto, dessa vez, não dava para fugir. 

    Ao subir no Space Loop, minhas pernas começaram a tremer. Ainda assim, continuei em frente e me sentei, mesmo sentindo um formigamento no corpo todo, de tanto nervosismo. Só o que me segurava ali era o fato de eu ainda estar de mãos dadas com Clara, porém, nesse momento, já não estava mais sentido prazer com isso. Logo, o controlador do brinquedo começou a travar os assentos, e quando chegou a minha vez, pedi para ele esperar. Não teve jeito, respirei fundo, larguei a mão da Clara, levantei-me e simplesmente saí correndo. Eu era mesmo o que popularmente chamam de cagão. Lembro-me de ter olhado para trás e visto a expressão de decepção de Clara, ainda mais quando Bronquinha foi chamado para me substituir e se sentou bem ao lado dela.

    Envergonhado, pensei em ir embora, mas resolvi que eu deveria, no mínimo, ter coragem para pedir desculpas. Fiquei esperando e quase perdi a cabeça, literalmente. Quando o brinquedo principiou a rodar com força, começaram a cair muitas moedas de alguém que as tinha deixado soltas no bolso. Então, eu e vários outros meninos começamos a pegar todas elas. Como sempre, muito distraído, esqueci-me do mundo enquanto juntava as moedas, até que olhei para o lado e vi o operador da máquina gritando desesperado. Só então me dei conta de estar muito perto do brinquedo. Olhei para frente e vi a gigante máquina passar a uma distância bem pequena de mim. Deu até para sentir o vento gerado por ela. 

    Passado o susto, continuei esperando comportadamente por Clara, e quando o brinquedo finalmente parou, vi que ela estava chorando. O motivo: Bronquinha tinha comido demais e vomitou durante o passeio no brinquedo, sendo que boa parte da golfada espirrou nela. Quando Clara desceu chorando, eu fui tentar conversar, no entanto ela me empurrou com tanta força que caí de bunda no chão. Ela foi embora e eu virei a piada da festa. Nada mais me restou a não ser ir para casa também. 

    No dia seguinte, o último dia da festa, eu estava tão triste que pensei em não ir ao parque, mas cogitei que Clara pudesse aparecer, e, quem sabe, por um milagre, ela me perdoasse. Fui ao parque e, para minha decepção, não a encontrei, porém Bronquinha me encontrou. As moedas que caíram do Space Loop eram dele, e alguém lhe tinha contado que eu fui um dos que as pegaram. Ele veio tirar satisfações, e, como não era muito bom com as palavras, preferiu se comunicar com os punhos. Concluindo: não beijei Clara, no entanto a mão do Bronquinha me deu um belo beijo no olho direito, e não foi nada romântico!

    Em nenhum momento pensei que estava roubando aquelas moedas. Na minha consciência, tudo não passava de uma brincadeira. Depois do soco, tratei de dar a Broquinha todo o meu dinheiro para ele me deixar em paz. Ele aceitou, mas não antes de me dar um chute forte o suficiente para me deixar manco por alguns dias.

    ***

    Minha próxima chance de beijar só aconteceu aos quinze anos. Um dia, no intervalo das aulas, vi um amigo, Anderson, conversando com uma moça que estudava em outra turma do mesmo ano que o meu. Fiquei encantado pela menina e, quando Anderson voltou para a sala, corri perguntar-lhe qual era o nome de sua amiga. Anastácia, disse ele, e imediatamente começou a caçoar de mim, pois estava óbvio que eu tinha ficado a fim dela.

    No dia seguinte, Anderson contou a Anastácia que eu estava interessado nela, e a garota começou a me olhar e a sorrir todas as vezes que passávamos um pelo outro nos corredores, então passei a cumprimentá-la. Após vários dias, Anastácia perguntou a Anderson por que eu não ia conversar com ela, de modo que me obriguei a tomar coragem e abordá-la. No dia em que tomei a iniciativa, conversamos durante o intervalo inteiro, mas

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