Berço De Lobos
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Berço De Lobos - Jorge Germano
Berço de Lobos
Jorge Germano
PRÓLOGO
São Paulo, Morumbi, 4 de junho de
1996
O som ensurdecedor dos pássaros pela
manhã abafava o barulho da terra que era jogada
sobre o espetáculo trágico de dois corpos sendo
sepultados. Dois caixões, de madeira de lei,
braçadeiras em ouro maciço sustentando todo o peso
do que seriam dois corpos enganados pela morte, que
balançava sua foice, rindo. Dois corpos de duas
almas fortes, duas almas que ainda estavam ao lado
daqueles que carregavam os pesados caixões, os
caríssimos caixões, que seriam sucumbidos pela terra.
Duas almas que nem sabiam direito o que
tinha acontecido.
E um padre. Somente o padre.
Duas almas que zombaram da bondade, e
seguiram pelo caminho mais negro que poderiam
encontrar.
E assim que a terra vermelha escureceu seus
corpos para sempre, as almas deram-se as mãos e
caminharam.
Caminharam, sorrindo, entendendo que
tudo tinha acabado.
Que o círculo havia sido fechado.
Que nunca mais veriam a dor e a tristeza
que foram suas vidas.
E a primeira lápide começou a ser colocada.
Os nomes?
Um começava com a letra M.
O LOCAL ERA CHAMADO DE "TORRE DE
CONTROLE". A QUILÔMETROS DE DISTÂNCIA
DAQUELE CEMITÉRIO, O LOCAL VIGIAVA TODOS OS
PASSOS DOS LOBOS, COMO ERAM CHAMADOS OS QUE
BUSCAVAM A TÃO SONHADA VINGANÇA.
Vigiava todos os passos daqueles que eram
alvo de toda a revanche, também.
Logo após todo o pânico e agitação que
antecederam e sucederam os eventos daquele dia, o
local mais parecia um esconderijo daqueles que
buscavam abrigo para recomeçar suas vidas.
A atmosfera tecnológica do lugar, com
computadores de última geração vigiando todos os
passos dos moradores daquela mansão fora
suprimida pelo medo e pela angústia.
O que aconteceria em seguida?
Ele olhava para o corpo estirado da mulher
à sua frente, a respiração entrecortada, como se fosse
ter uma síncope. Não sabia o que fazer, mas tinha um
plano em mente. Precisava que ela acordasse e
respirasse fundo, para que ele lhe contasse com
riqueza de detalhes tudo o que tinha acontecido.
Precisava que ela adquirisse confiança nele,
para que assim pudessem planejar novamente seus
destinos, que estavam mais interligados que nunca.
A respiração entrecortada deixou de existir,
e ele pode perceber que a mulher se mexia. Tentando
parecer calmo, algo que nunca lhe fora difícil de
fazer, ele se aproximou.
E quando a mulher o viu, gritou.
NO AEROPORTO CHARLES DE GAULLE, EM
PARIS, A MORENA ALTA DE OLHOS CASTANHOS E
CABELOS CORTADOS NA ALTURA DOS OMBROS, AO
MELHOR ESTILO FRANCÊS, ESTAVA IMPACIENTE.
Fora avisada que os principais algozes da
alcateia já haviam partido, e exigiram sua presença
para que todo o plano tivesse continuidade, afinal,
seriam três presenças fortes lutando por um mesmo
ideal. A mulher causadora de tudo continuava viva, e
ela precisava pagar.
Só que seus planos eram diferentes. Ela não
queria se aliar a ninguém. Nunca tivera apoio para
nenhuma de suas ambições, e não tinha a intenção de
compartilhar todo o seu conhecimento com as outras
duas mulheres.
Elas que se virassem sozinhas, pensou.
Melhor ainda, concluiu, as tiraria do
caminho também, afinal, pela existência delas nunca
pôde comer a carne. Então, elas que roessem os
ossos. Precisava agir logo.
Acordaria todos os lobos.
LIVRO 1º- FIANDO
Um destino só se inicia quando outro está para
terminar.
Tudo na vida exige um sacrifício.
Até sua vida pode valer como um.
CAPÍTULO 1
Década de 70
RICARDO MENDONÇA ESTAVA alegre,
esbanjava sensualidade com seu jeito determinado, e
não se importava, a intenção era exatamente essa.
Ele amava o espelho, e o espelho o amava. Nunca
estava desalinhado. Agora, caminhava a passos largos
com a mesma determinação até a sala na qual
assumiria seu tão desejado cargo da presidência.
Estava casado com uma mulher rica, tinha
dois filhos gêmeos aos quais dedicava todo o seu
amor, tinha uma conta bancaria gorda, uma mansão,
e nada poderia trazer-lhe problemas.
Ledo engano.
Casara-se por dinheiro, casara-se com um
contrato, não amava sua mulher, e a mulher a quem
amava havia desaparecido.
TUDO COMEÇOU LOGO no colegial. Ricardo
era famoso por suas conquistas, era o Don Juan
da
escola, e todas as meninas o queriam.
Era filho de dois humildes operários,
funcionários na empresa que seu tio Heitor
Mendonça fundara, a tradicional Metalúrgica
Mendonça .Ícone da capital paulista, grande potência
dos anos 50 e 60, a Metalúrgica produzia rios de
dinheiro líquido para seu tio, que sempre favorecia a
filha Melânia esquecendo os demais parentes.
Parentes esses constituídos apenas por dois
irmãos de seu tio Heitor: seu pai e o pai de Julio, seu
outro primo.
Enquanto Melânia Mendonça vivia sua vida
de princesa, Ricardo era o braço direito de seu tio
Heitor Mendonça e Julio levava sua humilde vida
sendo motorista de outro grande empresário,
Antonio Azevedo.
Ricardo queria mais.
Através de sua prima Melânia, conheceu as
amigas dela: Raquel, Greta, Melissa e Manuela.
Todas
muito
bem
encaminhadas
financeiramente. Menos uma.
E com essa, foi amor à primeira vista.
Raquel e Ricardo se olharam. No mesmo
instante, o destino de ambos foi selado.
Só não contavam com a paixão que as
outras três amigas nutririam e alimentariam por ele,
dia após dia.
ERA UMA PAIXÃO AVASSALADORA. Faziam
planos para o futuro, caminhavam pela cidade, e
Raquel sentia na pele a satisfação de ter todas as
mulheres a invejando.
Orfã de pais, Demétrio Souza Campos, que
havia se matado, e Elvira Souza Campos, que havia
morrido em decorrência da tuberculose, Raquel não
tinha ninguém no mundo além do namorado Ricardo
Mendonça.
Divertiam-se muito. Compartilhavam os
mesmos pensamentos, as mesmas loucuras, tudo.
Menos a ambição.
Raquel adorava o amor. Ricardo adorava o
dinheiro e o poder.
E como não tinha posses, maltratava Raquel
a cada momento em que passavam por uma vitrine,
pois a frustração de não poder comprar um presente
para sua namorada o matava lentamente.
-Não me importo, meu amor! Minha vida,
minha alma, é toda sua! Só de estar com você, já me
sinto a mulher mais presenteada do mundo! – disse
Raquel, durante uma das brigas.
-Mas eu me importo, Raquel, e muito, de
não ter um gato pra puxar pelo rabo, enquanto sua
amiguinha Melânia gasta tudo com aquelas futilidades
estúpidas.
-Ricardo, a Melânia tem porque o seu tio dá
para ela. ELA é filha deles, não você!
- Sou o braço direito, o braço esquerdo, sou
tudo naquela empresa, Raquel. Se eu ainda fosse o
estúpido do Julio que só sabe dirigir, tudo bem. Mas
não. Sou eu quem sustenta os luxos daquela vadia.
- Ricardo, pelo jeito que você fala parece
que você queria estar no lugar dela.
- Eu, no lugar dela? – Desdenhou Ricardo,
cheio de amargura em sua voz – Nunca que eu queria
estar no lugar dela. Você me conhece pouco, Raquel.
-Não, eu te conheço muito bem.
-Então não fale besteira. Nunca quis estar
naquele lugar, pois ele não me pertence. O único
lugar no qual eu queria estar é no lugar do pai dela.
E assim prosseguiram a conversa,
passando desses assuntos para as amenidades, e para
o futuro que os aguardava.
Raquel adorava costurar. Quando Ricardo
a pediu em casamento, ela jurou para si que faria
faxinas em dobro, só para fazer seu próprio enxoval.
Não lhe importava passar horas e horas limpando
latrinas, trocando fraldas dos bebês risonhos de suas
patroas austeras, nada lhe incomodava. Vivia uma
vida feliz, ao lado do homem que amava, planejando
ter uma vida humilde e honesta.
Sua mãe... Nossa, que falta sua mãe fazia.
Ela sentia sua presença em todos os cômodos da casa
– que não eram muitos por sinal. Era uma casa muito
precária, chão batido e paredes de alvenaria. Mas
Raquel aprendeu com sua mãe como ser limpa.
Esfregava suas panelas com tijolos até que elas
ficassem tão limpas que fosse possível ver o reflexo
de seu rosto abatido nelas. Mas nada disso lhe
importava. Aprendera com sua mãe o ofício. Sua mãe
se dedicara a ensinar-lhe detalhe a detalhe, até que
adoeceu. E como era fina e requintada Dona Elvira.
Começou com um acesso de tosse, terrível.
Dona Elvira arrumava sua própria cama, batia o
lençol 400 fios de seda todos os dias à mão. Raquel
sempre se perguntou como a mãe tinha jogos de
cama tão requintados com tão pouco dinheiro,mas a
mãe não permitia perguntas. E naquele dia, Raquel
aprenderia a se virar.
Dona Elvira adoeceu, e chamava por
Demetrio, seu marido, incessantemente. Alternava
momentos de lucidez e delírios. E em um desses
momentos, escreveu uma carta que guardou até o dia
de sua morte.
- Raquel- Disse ela ofegante, lutando contra
mais um acesso de tosse – Essa carta é o meu legado
a você. Não a abra. Se você abri-la antes do tempo,
sua vida será um verdadeiro terror, e eu não a criei
para isso.
- Shhhhhhhh – Raquel implorava, suplicava
que sua mãe se calasse – Você não vai morrer, mãe,
você é forte. Lembra-se de quando eu era
pequenininha e você me ensinou a andar com meu
triciclo.
- Lembro, minha filha, mas, se você tem esse
amor por mim, me escute. – Uma pausa para mais
um acesso, e prosseguiu – Raquel, essa carta é para
um momento de desespero. Quando você se sentir
isolada do mundo, sozinha, e usada, a abra. Um novo
destino só pode ser iniciado se um outro destino
terminar. E esse destino que termina é o meu.
No dia do enterro, Raquel guardou a carta a
sete chaves. E agora, cosendo seu enxoval,Raquel
teve a certeza de que nunca precisaria abrir aquela
carta.
Ela estava redondamente enganada.
ERA UM DIA CHUVOSO, com trovoadas e
muito frio. Talvez tenha sido o dia mais frio da vida
de Raquel. Sonhara com a mãe a noite inteira, e nesse
sonho, sua mãe tentava de todas as maneiras
persuadi-la a abrir a carta.
Quando ela acordou, tinha a sensação de
que sua mãe estava ao seu lado, olhando-a,
abraçando-a, preparando-a para algo que ia
acontecer. E essa sensação a acompanharia pelo
resto do dia.
Já havia terminado seu vestido de noiva.
Ganhara uma mão áspera, incontáveis calos
faxinando, várias equimoses por se espetar nas
agulhas nas provas do seu vestido de noiva. Era um
vestido simples, de material nobre, a deixava esguia,
com um corpo de sereia, e as mangas eram todas
rendadas. Aplicara cristais no decote, e quando o
colocava, sentia-se a mulher mais poderosa do
mundo.
E realmente estava deslumbrante.
Naquele dia resolveu começar o véu, um
véu simples, somente para cobrir seu rosto.
Arrepiava-se constantemente ao lembrar do sonho
que tivera com sua mãe. Seu coração estava apertado,
uma angustia que dominava todos os seus
pensamentos. Resolveu vestir-se novamente de
noiva, para olhar-se no espelho e certificar-se que
tudo estava bem.
Foi nesse instante que ouviu alguém
batendo à porta.
- Ai, espera um pouco, to aqui, ai meu Deus,
esse vestido não quer sair.
Bateram novamente, dessa vez com mais
estardalhaço.
- Já vou! Já vou! – Gritava – Bom, seja o
que Deus quiser, afinal, me casarei dentro de poucos
dias. Todos verão o vestido mesmo!
Foi até a porta. A abriu. Ricardo estava de
chapéu e muito sombrio.
- Ai meu Deus! O noivo não pode ver a
noiva antes do casamento !
- O que eu tenho pra te falar, Raquel,
independe de vestido de noiva.
- Ricardo, assim você me assusta. –
Trancou a porta – Sente-se meu amor.
- Raquel, o que eu tenho pra te falar pode
ser em pé mesmo. – Ele estava frio e seco.
- Amor, aconteceu alguma coisa? Alguma
coisa com seu tio?
- Rá! – Gargalhou, uma gargalhada
amargurada – Se tivesse acontecido alguma coisa com
aquele velho morfético, você acha que eu estaria
triste? Eu estaria feliz!
- Então me diga o que aconteceu! –
Lágrimas já brotavam – Me diga, pelo amor de Deus,
me diga!
- Nós não iremos nos casar, Raquel.
Foi uma facada. A dor que ela sentiu nesse
instante foi a pior dor que ela viria sentir em sua vida
inteira. O chão se abriu, e ela despencava, queda livre,
para o abismo mais odioso do mundo.
- Nós... – aturdida – nós... O quê?
- Nós não iremos nos casar! – Foi o tom
mais frio e incisivo que a deixou completamente
arrasada.
- Mas... – agora as lágrimas rolavam pelo
seu rosto, castigando sua beleza – mas você disse que me
amava!
- E eu te amo, Raquel – Aquela
sinceridade dele a matava. Ela queria ouvir que ele a
odiava, isso tornaria tudo mais fácil.
- Então... Então por quê?
- É simples. Você é uma morta de fome,
e eu também –foi a ferocidade em sua voz que a fez
recuar um passo – Nós não podemos construir um
futuro decente, um futuro que nós dois merecemos,
em cima disso.
- Mas eu te amo! EU TE AMO! Eu
viveria até embaixo da ponte com você se fosse
preciso Ricardo. – Uma crise de choro começou,
violenta, um choro de dor – Eu preciso de você. Não
faça isso comigo! Eu já preparei nosso enxoval, nós
podemos viver aqui...
- Aqui? – Desdenhou Ricardo – Aqui,
Raquel? Você quer ter filhos nessa pocilga? Sinto
muito, mas eu não posso.
- Você tem outra, né? – Chacoalhando
Ricardo, ela o pressionou a dizer – Você tem outra?
ME diga seu desgraçado!
-Tenho. -O tom foi seco.
- Você a ama?
-Não. – O tom foi amargo.
- Então por qual motivo você está me
trocando por ela?
- Dinheiro.
E nesse instante, Ricardo a deixou aos
prantos e se encaminhou até a porta.
- Adeus, Raquel. Espero que você seja
feliz. E você fica linda vestida de noiva – suas
palavras eram sinceras, cheias de pesar e ao mesmo
tempo determinação.
E nesse instante Raquel desabou. Precisava saber o
que tinha acontecido, entender o que o levou a agir
assim. No fundo, sabia que ele estava certo segundo
as razões dele. Mas não aceitava. Não podia aceitar
que tudo acabasse dessa maneira.
Levantou-se e saiu para a chuva.
-Ricardo! Ricardo! - Ela o via, mas o
barulho da chuva não permitia que sua voz chegasse
até ele.
E foi assim, gritando, apavorada, que ela
correu, entre os carros, vestida de noiva, com o véu
nas mãos. Correu, seus cabelos desgrenhados, a
chuva forte fustigando seu rosto, e ela correu.
Quanto mais corria, maior seu desespero era. Até
que ela caiu. Caiu em uma poça cheia de barro,
manchando de vermelho-escuro, como sangue
pisado, seu vestido.
Mas ela se ergueu. Chegou em casa,
despiu-se, olhou-se no espelho, e encarou a derrota.
Ela venceria. E faria um por um pagar
por seu sofrimento.
Então, foi até seu baú, e abriu a carta.
CAPÍTULO 2
MELISSA ESTAVA RADIANTE. Mesmo
com as reservas de seu pai, Antonio, ao namoro,
Melissa continuava, firme e forte, sem pestanejar.
Afinal, seu namorado era o homem mais lindo que
ela já havia conhecido. Era charmoso, elegante,
refinado.
Ninguém que o conhecesse diria que era
um pobretão.
E isso a orgulhava. Seu pai, até mesmo
seu pai, deixara-se levar pelas aparências e acreditava
piamente que o genro ganhava rios de dinheiro.
Antonio
Azevedo,
de
família
quatrocentona, que tinha Deus e a Palavra acima de
tudo em sua vida – lógico, Deus permitia-lhe cultivar
o dinheiro acima de todo o resto- acreditara
cegamente no homem com quem sua filha única se
envolvera. Estava completamente equivocado.
Controlava a família com a rigidez de um
exército. Obedecia a todos os caprichos da mulher e
da filha, mas quando dava com uma mão, tirava com
as duas. Todos ficavam impressionados com sua
força e capacidade de opressão. Ninguém ousava
desobedecê-lo.
Melissa tinha traços finos, herdados da
mãe. Era totalmente diferente de suas amigas, uma
beleza delicada, européia, a pele pálida, olhos claros,
cabelos louro-escuros. Frequentemente, fazia reflexos
neles para que criassem mais luz ainda.
Sua maquiagem era frequentemente leve
e pálida como sua pele. Ousava no rímel e nos cílios
postiços, de vez em quando. Os lábios, sempre
opacos. Ela detestava brilho.
Sua insegurança era algo que fazia todos
quererem protegê-la. Era o alvo da escola, um alvo
fácil, e sua ingenuidade sempre a fazia entrar nas
maiores roubadas.
E nas piores amizades.
Até que conheceu Melânia. Logo depois,
conheceu Manuela.
Se tornaram as melhores amigas.
E, no final, conheceram Raquel e Greta.
E a rivalidade amistosa começou.
No final veio Ricardo, de brinde. Foi
amor à primeira vista. Tremia só de pensar no que
poderia fazer com aquele corpo rijo, esguio que o
amigo tinha. Morria por dentro de ódio e frustração
cada vez que o via com alguma mulher. E só tinha
olhos para ele.
Julio até que insistiu, mas o primo de
Ricardo nunca interessou à Melissa. Gargalhavam,
Melânia e ela, das investidas que Julio dava. A cada
investida, um novo boato na escola, e a cada boato,
mais longe de sua paixão Melissa conseguia ficar.
Até que no baile de formatura Ricardo
aproximou-se dela.
- Soube que você não tira os olhos de
mim.
- Eu? Nunca! – respondera Melissa,
indignada com a investida.
- Soube também que você é herdeira de
uma grande fortuna.
- Ah, então só por isso resolveu vir falar
comigo?
- Não, Melissa – Seu tom era austero –
Mas saiba que sou um Zé ninguém que só tem o
próprio emprego.
- E quem disse que me importo com esse
tipo de coisa?
- Pois deveria se importar. Seu pai com
certeza se importa.
- E quem disse que preciso da
autorização de meu pai para tomar alguma decisão? –
Foi a erguida de queixo que o impressionou mais.
- Ah, então não precisa?
-Não, não senhor.
-Oras, vejam só! Estou falando com uma
moça adulta! – Zombou Ricardo, lançando seu olhar
para uma moça insinuante.
-Sim, senhor, sou bem adulta. Pena que o
senhor comporta-se como um adolescente.
- Pare de me chamar de senhor e fuja
comigo, então!
- Como? O que o senhor disse?
-Disse-lhe que parasse de me chamar de
senhor e fugisse comigo.
E foi então que começaram a se
encontrar, dia após dia. Melissa até sabia que Ricardo
mantinha um relacionamento com outra mulher, mas
ele lhe garantira quando ela o desmascarou que não
tinha nada sério. Melissa o deixou livre e solto,
esperando a primeira oportunidade de fisgá-lo de vez.
Até que flagrou ele e Raquel na rua.
Não fez nada. Esperou, friamente, que
ele fosse buscá-la em casa. Quando foram se
despedir, ela foi taxativa.
- Não quero mais encontrá-lo, Ricardo.
- O quê? Como assim?
- Você é surdo por acaso? Disse-lhe que
não quero mais encontrá-lo.
- E por que isso?
- Porque não vejo mais graça em você.
-Ah, é? Dois dias atrás me fez juras de
amor eterno.
-Sim, mas ainda não sabia que você
beijava a boca da favelada da Raquel.
-Então é isso? Já lhe disse, Melissa, não é
nada sério.
-Não quero mais vê-lo.
- O que posso fazer para que não me
diga isso? -Livre-se dela.
-Meu bem, não posso simplesmente...
-Livre-se dela. – o tom agora o
surpreendeu. -Se eu o fizer, promete deixar essa
bobagem de separação de lado?
-Se o fizer, pode pedir-me em casamento
logo depois. Eu o aceito como meu marido, Ricardo.
No outro dia, quando soube que Raquel
ficara humilhada na rua, Melissa sentiu pena. Mas, ao
olhar-se no espelho, viu que Raquel jamais poderia
competir consigo. Era rica, poderosa, e linda. Coisa
que Raquel, nem que cravejada de diamantes,
alcançaria.
E seu sentimento de culpa se desfez
como algodão doce quando molhado.
No outro dia, entregou-se para Ricardo,
e esse pediu sua mão ao seu pai.
Julio, que era seu motorista, ficou
arrasado.
E agora, Melissa contemplava-se no
espelho, acariciando sua barriga.
Daria um filho a Ricardo, e ele seria seu
para sempre.
MELÂNIA NÃO ACEITAVA NÃO COMO
RESPOSTA. Tinha colocado na cabeça que queria
passar uma temporada em Paris, mas o pai não a
deixava.
Iria assim mesmo.
Desde o dia em que Mariano apareceu
em sua vida, Melânia não teve mais sossego. O
perseguia por todos os cantos, onde quer que ele
fosse.
Fez-se passar por prostituta quando
soube que ele estava em um inferninho, e entrou
somente para vigiá-lo. Dispensou todos os homens
que a procuraram perguntando quanto ela cobrava,
engoliu todos os elogios mais escabrosos, tudo para
saber com quem e como Mariano estava.
Lógico que Mariano sabia disso. No
entanto, ele só tinha olhos para Greta.
Greta o odiava.
Melânia, sabendo disso, aproveitou-se da
ocasião para comprá-lo. Comprou para ele os
melhores livros de medicina, e mandou-os com um
cartão e uma lingerie.
No outro dia Mariano os devolveu para
seu pai, e Melânia levou o maior sermão de sua vida.
Mas isso não a deteve. Mesmo após
todas as críticas de Ricardo ao amigo, Melânia
continuou interessada por ele. E quanto mais
Mariano a rejeitava e a humilhava, mais ele se tornava
um desafio.
E Melânia amava os desafios.
-Por qual razão você não se interessa por
mim?
-Pela razão óbvia: você não me desperta
interesse, Melânia. Vá fumar um baseado com suas
amigas e os amigos hippies dela. Eu sou um
universitário, serei médico, não tenho tempo para
suas futilidades.
-E médicos não fumam baseado?
Depois disso, Mariano passou a rejeitá-la
ainda mais. Ouvir sua voz o deixava completamente
enojado.
Um golpe de mestre mudou tudo isso.
Mariano era funcionário da empresa do
pai de Melissa. Com o dinheiro que ganhava,
mantinha-se na capital. E comprava seus caríssimos
livros.
Melânia, sabendo da influência do pai,
exigiu que ele falasse com Antônio e o obrigasse a
despedir Mariano. Relutante, seu pai não aceitou.
Melânia fez uma greve de fome de 7 dias.
No sétimo dia, sabendo que a filha
poderia morrer, atendeu seu pedido.
Mariano ficou desolado. Teria que
abandonar seus estudos, sua carreira, todos os seus
sonhos. Um dia Melânia, após deixá-lo sofrer o
necessário, o avistou no pátio do colégio.
- O que está fazendo aqui, bonitão?
-Menina, sai de perto, não estou de bom
humor, e muito menos para você.
- Nossa, que bronco! Talvez seja por isso
que está desempregado. Que aconteceu? Seu patrão
não suportou seus arroubos e por isso resolveu
despedi-lo? Mariano a pegou pelo braço e a encostou
em uma parede. No mesmo instante, o instinto de
ambos foi acionado.
-Só não dou um tapa em você porque é
mulher e é mais fraca que eu.
-Pois se atreva! Se atreva! – respondeu
Melânia, ofegante, cheia de desejo.
-Não, não vou me atrever. Você ainda
usa fraldas.
-Quer que eu erga minha saia para você
ver as minhas fraldas?
-Não seja ridícula.
-Mariano, eu te chamei para conversar.
Você é um ignorante.
-Conversar? – desdenhando, ele se soltou
dela – o que você teria para conversar comigo? Sobre
os penteados da moda, sobre as telenovelas do mês,
sobre Regina Duarte e Francisco Cuoco?
-Vê-se que você não é um completo
ignorante. Sabe do que nós, mulheres, gostamos.
-Não, sei do que as mulheres gostam.
-Então saberá valorizar uma menina que
pode te ajudar.
-Me ajudar como?
-Eu arranjo um emprego para você.
Mariano começou a trabalhar na empresa
do pai dela. Mas Melânia queria sua recompensa. Não
fizera tanto esforço em vão. Ia todos os dias ao
trabalho do pretendente, enquanto Ricardo a
observava da janela.
-Eu aqui me matando de