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Berço De Lobos
Berço De Lobos
Berço De Lobos
E-book415 páginas4 horas

Berço De Lobos

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Sobre este e-book

Ricardo Mendonça era o tipo que todas queriam. Bonito, ambicioso e inteligente, não se interessava amorosamente por ninguém até conhecer Raquel, uma moça de origem humilde e de personalidade doce.Seu único defeito fora ter nascido pobre. Almejando algo na vida além de amar, Ricardo a abandona grávida e vestida de noiva, humilhando-a publicamente. Passa então a ter um romance com Melissa Azevedo, uma mulher rica, herdeira de uma grande fortuna, que o quer em suas mãos. Raquel acaba encontrando-se sem saída e, sem ter como sobreviver, envereda-se para o caminho da prostituição. Abandonando a filha em um orfanato,ela decide que fará com que a menina cresça em meio ao sofrimento e torne-se forte o suficiente para vingar-se do homem e da mulher que as fizeram sofrer, incutindo na filha a ideia de que ambos foram responsáveis por seu abandono. E Ricardo fica sem escapatória quando todas as mulheres com quem se envolveu decidem pelo caminho da vingança, incluindo Melissa Azevedo, com quem acaba se casando através de um contrato. Conquistando o tão sonhado poder, amando a mulher que abandonara grávida, se envolvendo com outras para conseguir poder e fama, e casando com outra que não ama, Ricardo pensa estar manipulando a todas, quando o grande manipulado é ele, que está deitado em um berço de lobos e que, ao descobrir, poderá ser tarde demais.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento5 de set. de 2013
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    Pré-visualização do livro

    Berço De Lobos - Jorge Germano

    Berço de Lobos

    Jorge Germano

    PRÓLOGO

    São Paulo, Morumbi, 4 de junho de

    1996

    O som ensurdecedor dos pássaros pela

    manhã abafava o barulho da terra que era jogada

    sobre o espetáculo trágico de dois corpos sendo

    sepultados. Dois caixões, de madeira de lei,

    braçadeiras em ouro maciço sustentando todo o peso

    do que seriam dois corpos enganados pela morte, que

    balançava sua foice, rindo. Dois corpos de duas

    almas fortes, duas almas que ainda estavam ao lado

    daqueles que carregavam os pesados caixões, os

    caríssimos caixões, que seriam sucumbidos pela terra.

    Duas almas que nem sabiam direito o que

    tinha acontecido.

    E um padre. Somente o padre.

    Duas almas que zombaram da bondade, e

    seguiram pelo caminho mais negro que poderiam

    encontrar.

    E assim que a terra vermelha escureceu seus

    corpos para sempre, as almas deram-se as mãos e

    caminharam.

    Caminharam, sorrindo, entendendo que

    tudo tinha acabado.

    Que o círculo havia sido fechado.

    Que nunca mais veriam a dor e a tristeza

    que foram suas vidas.

    E a primeira lápide começou a ser colocada.

    Os nomes?

    Um começava com a letra M.

    O LOCAL ERA CHAMADO DE "TORRE DE

    CONTROLE". A QUILÔMETROS DE DISTÂNCIA

    DAQUELE CEMITÉRIO, O LOCAL VIGIAVA TODOS OS

    PASSOS DOS LOBOS, COMO ERAM CHAMADOS OS QUE

    BUSCAVAM A TÃO SONHADA VINGANÇA.

    Vigiava todos os passos daqueles que eram

    alvo de toda a revanche, também.

    Logo após todo o pânico e agitação que

    antecederam e sucederam os eventos daquele dia, o

    local mais parecia um esconderijo daqueles que

    buscavam abrigo para recomeçar suas vidas.

    A atmosfera tecnológica do lugar, com

    computadores de última geração vigiando todos os

    passos dos moradores daquela mansão fora

    suprimida pelo medo e pela angústia.

    O que aconteceria em seguida?

    Ele olhava para o corpo estirado da mulher

    à sua frente, a respiração entrecortada, como se fosse

    ter uma síncope. Não sabia o que fazer, mas tinha um

    plano em mente. Precisava que ela acordasse e

    respirasse fundo, para que ele lhe contasse com

    riqueza de detalhes tudo o que tinha acontecido.

    Precisava que ela adquirisse confiança nele,

    para que assim pudessem planejar novamente seus

    destinos, que estavam mais interligados que nunca.

    A respiração entrecortada deixou de existir,

    e ele pode perceber que a mulher se mexia. Tentando

    parecer calmo, algo que nunca lhe fora difícil de

    fazer, ele se aproximou.

    E quando a mulher o viu, gritou.

    NO AEROPORTO CHARLES DE GAULLE, EM

    PARIS, A MORENA ALTA DE OLHOS CASTANHOS E

    CABELOS CORTADOS NA ALTURA DOS OMBROS, AO

    MELHOR ESTILO FRANCÊS, ESTAVA IMPACIENTE.

    Fora avisada que os principais algozes da

    alcateia já haviam partido, e exigiram sua presença

    para que todo o plano tivesse continuidade, afinal,

    seriam três presenças fortes lutando por um mesmo

    ideal. A mulher causadora de tudo continuava viva, e

    ela precisava pagar.

    Só que seus planos eram diferentes. Ela não

    queria se aliar a ninguém. Nunca tivera apoio para

    nenhuma de suas ambições, e não tinha a intenção de

    compartilhar todo o seu conhecimento com as outras

    duas mulheres.

    Elas que se virassem sozinhas, pensou.

    Melhor ainda, concluiu, as tiraria do

    caminho também, afinal, pela existência delas nunca

    pôde comer a carne. Então, elas que roessem os

    ossos. Precisava agir logo.

    Acordaria todos os lobos.

    LIVRO 1º- FIANDO

    Um destino só se inicia quando outro está para

    terminar.

    Tudo na vida exige um sacrifício.

    Até sua vida pode valer como um.

    CAPÍTULO 1

    Década de 70

    RICARDO MENDONÇA ESTAVA alegre,

    esbanjava sensualidade com seu jeito determinado, e

    não se importava, a intenção era exatamente essa.

    Ele amava o espelho, e o espelho o amava. Nunca

    estava desalinhado. Agora, caminhava a passos largos

    com a mesma determinação até a sala na qual

    assumiria seu tão desejado cargo da presidência.

    Estava casado com uma mulher rica, tinha

    dois filhos gêmeos aos quais dedicava todo o seu

    amor, tinha uma conta bancaria gorda, uma mansão,

    e nada poderia trazer-lhe problemas.

    Ledo engano.

    Casara-se por dinheiro, casara-se com um

    contrato, não amava sua mulher, e a mulher a quem

    amava havia desaparecido.

    TUDO COMEÇOU LOGO no colegial. Ricardo

    era famoso por suas conquistas, era o Don Juan da

    escola, e todas as meninas o queriam.

    Era filho de dois humildes operários,

    funcionários na empresa que seu tio Heitor

    Mendonça fundara, a tradicional Metalúrgica

    Mendonça .Ícone da capital paulista, grande potência

    dos anos 50 e 60, a Metalúrgica produzia rios de

    dinheiro líquido para seu tio, que sempre favorecia a

    filha Melânia esquecendo os demais parentes.

    Parentes esses constituídos apenas por dois

    irmãos de seu tio Heitor: seu pai e o pai de Julio, seu

    outro primo.

    Enquanto Melânia Mendonça vivia sua vida

    de princesa, Ricardo era o braço direito de seu tio

    Heitor Mendonça e Julio levava sua humilde vida

    sendo motorista de outro grande empresário,

    Antonio Azevedo.

    Ricardo queria mais.

    Através de sua prima Melânia, conheceu as

    amigas dela: Raquel, Greta, Melissa e Manuela.

    Todas

    muito

    bem

    encaminhadas

    financeiramente. Menos uma.

    E com essa, foi amor à primeira vista.

    Raquel e Ricardo se olharam. No mesmo

    instante, o destino de ambos foi selado.

    Só não contavam com a paixão que as

    outras três amigas nutririam e alimentariam por ele,

    dia após dia.

    ERA UMA PAIXÃO AVASSALADORA. Faziam

    planos para o futuro, caminhavam pela cidade, e

    Raquel sentia na pele a satisfação de ter todas as

    mulheres a invejando.

    Orfã de pais, Demétrio Souza Campos, que

    havia se matado, e Elvira Souza Campos, que havia

    morrido em decorrência da tuberculose, Raquel não

    tinha ninguém no mundo além do namorado Ricardo

    Mendonça.

    Divertiam-se muito. Compartilhavam os

    mesmos pensamentos, as mesmas loucuras, tudo.

    Menos a ambição.

    Raquel adorava o amor. Ricardo adorava o

    dinheiro e o poder.

    E como não tinha posses, maltratava Raquel

    a cada momento em que passavam por uma vitrine,

    pois a frustração de não poder comprar um presente

    para sua namorada o matava lentamente.

    -Não me importo, meu amor! Minha vida,

    minha alma, é toda sua! Só de estar com você, já me

    sinto a mulher mais presenteada do mundo! – disse

    Raquel, durante uma das brigas.

    -Mas eu me importo, Raquel, e muito, de

    não ter um gato pra puxar pelo rabo, enquanto sua

    amiguinha Melânia gasta tudo com aquelas futilidades

    estúpidas.

    -Ricardo, a Melânia tem porque o seu tio dá

    para ela. ELA é filha deles, não você!

    - Sou o braço direito, o braço esquerdo, sou

    tudo naquela empresa, Raquel. Se eu ainda fosse o

    estúpido do Julio que só sabe dirigir, tudo bem. Mas

    não. Sou eu quem sustenta os luxos daquela vadia.

    - Ricardo, pelo jeito que você fala parece

    que você queria estar no lugar dela.

    - Eu, no lugar dela? – Desdenhou Ricardo,

    cheio de amargura em sua voz – Nunca que eu queria

    estar no lugar dela. Você me conhece pouco, Raquel.

    -Não, eu te conheço muito bem.

    -Então não fale besteira. Nunca quis estar

    naquele lugar, pois ele não me pertence. O único

    lugar no qual eu queria estar é no lugar do pai dela.

    E assim prosseguiram a conversa,

    passando desses assuntos para as amenidades, e para

    o futuro que os aguardava.

    Raquel adorava costurar. Quando Ricardo

    a pediu em casamento, ela jurou para si que faria

    faxinas em dobro, só para fazer seu próprio enxoval.

    Não lhe importava passar horas e horas limpando

    latrinas, trocando fraldas dos bebês risonhos de suas

    patroas austeras, nada lhe incomodava. Vivia uma

    vida feliz, ao lado do homem que amava, planejando

    ter uma vida humilde e honesta.

    Sua mãe... Nossa, que falta sua mãe fazia.

    Ela sentia sua presença em todos os cômodos da casa

    – que não eram muitos por sinal. Era uma casa muito

    precária, chão batido e paredes de alvenaria. Mas

    Raquel aprendeu com sua mãe como ser limpa.

    Esfregava suas panelas com tijolos até que elas

    ficassem tão limpas que fosse possível ver o reflexo

    de seu rosto abatido nelas. Mas nada disso lhe

    importava. Aprendera com sua mãe o ofício. Sua mãe

    se dedicara a ensinar-lhe detalhe a detalhe, até que

    adoeceu. E como era fina e requintada Dona Elvira.

    Começou com um acesso de tosse, terrível.

    Dona Elvira arrumava sua própria cama, batia o

    lençol 400 fios de seda todos os dias à mão. Raquel

    sempre se perguntou como a mãe tinha jogos de

    cama tão requintados com tão pouco dinheiro,mas a

    mãe não permitia perguntas. E naquele dia, Raquel

    aprenderia a se virar.

    Dona Elvira adoeceu, e chamava por

    Demetrio, seu marido, incessantemente. Alternava

    momentos de lucidez e delírios. E em um desses

    momentos, escreveu uma carta que guardou até o dia

    de sua morte.

    - Raquel- Disse ela ofegante, lutando contra

    mais um acesso de tosse – Essa carta é o meu legado

    a você. Não a abra. Se você abri-la antes do tempo,

    sua vida será um verdadeiro terror, e eu não a criei

    para isso.

    - Shhhhhhhh – Raquel implorava, suplicava

    que sua mãe se calasse – Você não vai morrer, mãe,

    você é forte. Lembra-se de quando eu era

    pequenininha e você me ensinou a andar com meu

    triciclo.

    - Lembro, minha filha, mas, se você tem esse

    amor por mim, me escute. – Uma pausa para mais

    um acesso, e prosseguiu – Raquel, essa carta é para

    um momento de desespero. Quando você se sentir

    isolada do mundo, sozinha, e usada, a abra. Um novo

    destino só pode ser iniciado se um outro destino

    terminar. E esse destino que termina é o meu.

    No dia do enterro, Raquel guardou a carta a

    sete chaves. E agora, cosendo seu enxoval,Raquel

    teve a certeza de que nunca precisaria abrir aquela

    carta.

    Ela estava redondamente enganada.

    ERA UM DIA CHUVOSO, com trovoadas e

    muito frio. Talvez tenha sido o dia mais frio da vida

    de Raquel. Sonhara com a mãe a noite inteira, e nesse

    sonho, sua mãe tentava de todas as maneiras

    persuadi-la a abrir a carta.

    Quando ela acordou, tinha a sensação de

    que sua mãe estava ao seu lado, olhando-a,

    abraçando-a, preparando-a para algo que ia

    acontecer. E essa sensação a acompanharia pelo

    resto do dia.

    Já havia terminado seu vestido de noiva.

    Ganhara uma mão áspera, incontáveis calos

    faxinando, várias equimoses por se espetar nas

    agulhas nas provas do seu vestido de noiva. Era um

    vestido simples, de material nobre, a deixava esguia,

    com um corpo de sereia, e as mangas eram todas

    rendadas. Aplicara cristais no decote, e quando o

    colocava, sentia-se a mulher mais poderosa do

    mundo.

    E realmente estava deslumbrante.

    Naquele dia resolveu começar o véu, um

    véu simples, somente para cobrir seu rosto.

    Arrepiava-se constantemente ao lembrar do sonho

    que tivera com sua mãe. Seu coração estava apertado,

    uma angustia que dominava todos os seus

    pensamentos. Resolveu vestir-se novamente de

    noiva, para olhar-se no espelho e certificar-se que

    tudo estava bem.

    Foi nesse instante que ouviu alguém

    batendo à porta.

    - Ai, espera um pouco, to aqui, ai meu Deus,

    esse vestido não quer sair.

    Bateram novamente, dessa vez com mais

    estardalhaço.

    - Já vou! Já vou! – Gritava – Bom, seja o

    que Deus quiser, afinal, me casarei dentro de poucos

    dias. Todos verão o vestido mesmo!

    Foi até a porta. A abriu. Ricardo estava de

    chapéu e muito sombrio.

    - Ai meu Deus! O noivo não pode ver a

    noiva antes do casamento !

    - O que eu tenho pra te falar, Raquel,

    independe de vestido de noiva.

    - Ricardo, assim você me assusta. –

    Trancou a porta – Sente-se meu amor.

    - Raquel, o que eu tenho pra te falar pode

    ser em pé mesmo. – Ele estava frio e seco.

    - Amor, aconteceu alguma coisa? Alguma

    coisa com seu tio?

    - Rá! – Gargalhou, uma gargalhada

    amargurada – Se tivesse acontecido alguma coisa com

    aquele velho morfético, você acha que eu estaria

    triste? Eu estaria feliz!

    - Então me diga o que aconteceu! –

    Lágrimas já brotavam – Me diga, pelo amor de Deus,

    me diga!

    - Nós não iremos nos casar, Raquel.

    Foi uma facada. A dor que ela sentiu nesse

    instante foi a pior dor que ela viria sentir em sua vida

    inteira. O chão se abriu, e ela despencava, queda livre,

    para o abismo mais odioso do mundo.

    - Nós... – aturdida – nós... O quê?

    - Nós não iremos nos casar! – Foi o tom

    mais frio e incisivo que a deixou completamente

    arrasada.

    - Mas... – agora as lágrimas rolavam pelo

    seu rosto, castigando sua beleza – mas você disse que me

    amava!

    - E eu te amo, Raquel – Aquela

    sinceridade dele a matava. Ela queria ouvir que ele a

    odiava, isso tornaria tudo mais fácil.

    - Então... Então por quê?

    - É simples. Você é uma morta de fome,

    e eu também –foi a ferocidade em sua voz que a fez

    recuar um passo – Nós não podemos construir um

    futuro decente, um futuro que nós dois merecemos,

    em cima disso.

    - Mas eu te amo! EU TE AMO! Eu

    viveria até embaixo da ponte com você se fosse

    preciso Ricardo. – Uma crise de choro começou,

    violenta, um choro de dor – Eu preciso de você. Não

    faça isso comigo! Eu já preparei nosso enxoval, nós

    podemos viver aqui...

    - Aqui? – Desdenhou Ricardo – Aqui,

    Raquel? Você quer ter filhos nessa pocilga? Sinto

    muito, mas eu não posso.

    - Você tem outra, né? – Chacoalhando

    Ricardo, ela o pressionou a dizer – Você tem outra?

    ME diga seu desgraçado!

    -Tenho. -O tom foi seco.

    - Você a ama?

    -Não. – O tom foi amargo.

    - Então por qual motivo você está me

    trocando por ela?

    - Dinheiro.

    E nesse instante, Ricardo a deixou aos

    prantos e se encaminhou até a porta.

    - Adeus, Raquel. Espero que você seja

    feliz. E você fica linda vestida de noiva – suas

    palavras eram sinceras, cheias de pesar e ao mesmo

    tempo determinação.

    E nesse instante Raquel desabou. Precisava saber o

    que tinha acontecido, entender o que o levou a agir

    assim. No fundo, sabia que ele estava certo segundo

    as razões dele. Mas não aceitava. Não podia aceitar

    que tudo acabasse dessa maneira.

    Levantou-se e saiu para a chuva.

    -Ricardo! Ricardo! - Ela o via, mas o

    barulho da chuva não permitia que sua voz chegasse

    até ele.

    E foi assim, gritando, apavorada, que ela

    correu, entre os carros, vestida de noiva, com o véu

    nas mãos. Correu, seus cabelos desgrenhados, a

    chuva forte fustigando seu rosto, e ela correu.

    Quanto mais corria, maior seu desespero era. Até

    que ela caiu. Caiu em uma poça cheia de barro,

    manchando de vermelho-escuro, como sangue

    pisado, seu vestido.

    Mas ela se ergueu. Chegou em casa,

    despiu-se, olhou-se no espelho, e encarou a derrota.

    Ela venceria. E faria um por um pagar

    por seu sofrimento.

    Então, foi até seu baú, e abriu a carta.

    CAPÍTULO 2

    MELISSA ESTAVA RADIANTE. Mesmo

    com as reservas de seu pai, Antonio, ao namoro,

    Melissa continuava, firme e forte, sem pestanejar.

    Afinal, seu namorado era o homem mais lindo que

    ela já havia conhecido. Era charmoso, elegante,

    refinado.

    Ninguém que o conhecesse diria que era

    um pobretão.

    E isso a orgulhava. Seu pai, até mesmo

    seu pai, deixara-se levar pelas aparências e acreditava

    piamente que o genro ganhava rios de dinheiro.

    Antonio

    Azevedo,

    de

    família

    quatrocentona, que tinha Deus e a Palavra acima de

    tudo em sua vida – lógico, Deus permitia-lhe cultivar

    o dinheiro acima de todo o resto- acreditara

    cegamente no homem com quem sua filha única se

    envolvera. Estava completamente equivocado.

    Controlava a família com a rigidez de um

    exército. Obedecia a todos os caprichos da mulher e

    da filha, mas quando dava com uma mão, tirava com

    as duas. Todos ficavam impressionados com sua

    força e capacidade de opressão. Ninguém ousava

    desobedecê-lo.

    Melissa tinha traços finos, herdados da

    mãe. Era totalmente diferente de suas amigas, uma

    beleza delicada, européia, a pele pálida, olhos claros,

    cabelos louro-escuros. Frequentemente, fazia reflexos

    neles para que criassem mais luz ainda.

    Sua maquiagem era frequentemente leve

    e pálida como sua pele. Ousava no rímel e nos cílios

    postiços, de vez em quando. Os lábios, sempre

    opacos. Ela detestava brilho.

    Sua insegurança era algo que fazia todos

    quererem protegê-la. Era o alvo da escola, um alvo

    fácil, e sua ingenuidade sempre a fazia entrar nas

    maiores roubadas.

    E nas piores amizades.

    Até que conheceu Melânia. Logo depois,

    conheceu Manuela.

    Se tornaram as melhores amigas.

    E, no final, conheceram Raquel e Greta.

    E a rivalidade amistosa começou.

    No final veio Ricardo, de brinde. Foi

    amor à primeira vista. Tremia só de pensar no que

    poderia fazer com aquele corpo rijo, esguio que o

    amigo tinha. Morria por dentro de ódio e frustração

    cada vez que o via com alguma mulher. E só tinha

    olhos para ele.

    Julio até que insistiu, mas o primo de

    Ricardo nunca interessou à Melissa. Gargalhavam,

    Melânia e ela, das investidas que Julio dava. A cada

    investida, um novo boato na escola, e a cada boato,

    mais longe de sua paixão Melissa conseguia ficar.

    Até que no baile de formatura Ricardo

    aproximou-se dela.

    - Soube que você não tira os olhos de

    mim.

    - Eu? Nunca! – respondera Melissa,

    indignada com a investida.

    - Soube também que você é herdeira de

    uma grande fortuna.

    - Ah, então só por isso resolveu vir falar

    comigo?

    - Não, Melissa – Seu tom era austero –

    Mas saiba que sou um Zé ninguém que só tem o

    próprio emprego.

    - E quem disse que me importo com esse

    tipo de coisa?

    - Pois deveria se importar. Seu pai com

    certeza se importa.

    - E quem disse que preciso da

    autorização de meu pai para tomar alguma decisão? –

    Foi a erguida de queixo que o impressionou mais.

    - Ah, então não precisa?

    -Não, não senhor.

    -Oras, vejam só! Estou falando com uma

    moça adulta! – Zombou Ricardo, lançando seu olhar

    para uma moça insinuante.

    -Sim, senhor, sou bem adulta. Pena que o

    senhor comporta-se como um adolescente.

    - Pare de me chamar de senhor e fuja

    comigo, então!

    - Como? O que o senhor disse?

    -Disse-lhe que parasse de me chamar de

    senhor e fugisse comigo.

    E foi então que começaram a se

    encontrar, dia após dia. Melissa até sabia que Ricardo

    mantinha um relacionamento com outra mulher, mas

    ele lhe garantira quando ela o desmascarou que não

    tinha nada sério. Melissa o deixou livre e solto,

    esperando a primeira oportunidade de fisgá-lo de vez.

    Até que flagrou ele e Raquel na rua.

    Não fez nada. Esperou, friamente, que

    ele fosse buscá-la em casa. Quando foram se

    despedir, ela foi taxativa.

    - Não quero mais encontrá-lo, Ricardo.

    - O quê? Como assim?

    - Você é surdo por acaso? Disse-lhe que

    não quero mais encontrá-lo.

    - E por que isso?

    - Porque não vejo mais graça em você.

    -Ah, é? Dois dias atrás me fez juras de

    amor eterno.

    -Sim, mas ainda não sabia que você

    beijava a boca da favelada da Raquel.

    -Então é isso? Já lhe disse, Melissa, não é

    nada sério.

    -Não quero mais vê-lo.

    - O que posso fazer para que não me

    diga isso? -Livre-se dela.

    -Meu bem, não posso simplesmente...

    -Livre-se dela. – o tom agora o

    surpreendeu. -Se eu o fizer, promete deixar essa

    bobagem de separação de lado?

    -Se o fizer, pode pedir-me em casamento

    logo depois. Eu o aceito como meu marido, Ricardo.

    No outro dia, quando soube que Raquel

    ficara humilhada na rua, Melissa sentiu pena. Mas, ao

    olhar-se no espelho, viu que Raquel jamais poderia

    competir consigo. Era rica, poderosa, e linda. Coisa

    que Raquel, nem que cravejada de diamantes,

    alcançaria.

    E seu sentimento de culpa se desfez

    como algodão doce quando molhado.

    No outro dia, entregou-se para Ricardo,

    e esse pediu sua mão ao seu pai.

    Julio, que era seu motorista, ficou

    arrasado.

    E agora, Melissa contemplava-se no

    espelho, acariciando sua barriga.

    Daria um filho a Ricardo, e ele seria seu

    para sempre.

    MELÂNIA NÃO ACEITAVA NÃO COMO

    RESPOSTA. Tinha colocado na cabeça que queria

    passar uma temporada em Paris, mas o pai não a

    deixava.

    Iria assim mesmo.

    Desde o dia em que Mariano apareceu

    em sua vida, Melânia não teve mais sossego. O

    perseguia por todos os cantos, onde quer que ele

    fosse.

    Fez-se passar por prostituta quando

    soube que ele estava em um inferninho, e entrou

    somente para vigiá-lo. Dispensou todos os homens

    que a procuraram perguntando quanto ela cobrava,

    engoliu todos os elogios mais escabrosos, tudo para

    saber com quem e como Mariano estava.

    Lógico que Mariano sabia disso. No

    entanto, ele só tinha olhos para Greta.

    Greta o odiava.

    Melânia, sabendo disso, aproveitou-se da

    ocasião para comprá-lo. Comprou para ele os

    melhores livros de medicina, e mandou-os com um

    cartão e uma lingerie.

    No outro dia Mariano os devolveu para

    seu pai, e Melânia levou o maior sermão de sua vida.

    Mas isso não a deteve. Mesmo após

    todas as críticas de Ricardo ao amigo, Melânia

    continuou interessada por ele. E quanto mais

    Mariano a rejeitava e a humilhava, mais ele se tornava

    um desafio.

    E Melânia amava os desafios.

    -Por qual razão você não se interessa por

    mim?

    -Pela razão óbvia: você não me desperta

    interesse, Melânia. Vá fumar um baseado com suas

    amigas e os amigos hippies dela. Eu sou um

    universitário, serei médico, não tenho tempo para

    suas futilidades.

    -E médicos não fumam baseado?

    Depois disso, Mariano passou a rejeitá-la

    ainda mais. Ouvir sua voz o deixava completamente

    enojado.

    Um golpe de mestre mudou tudo isso.

    Mariano era funcionário da empresa do

    pai de Melissa. Com o dinheiro que ganhava,

    mantinha-se na capital. E comprava seus caríssimos

    livros.

    Melânia, sabendo da influência do pai,

    exigiu que ele falasse com Antônio e o obrigasse a

    despedir Mariano. Relutante, seu pai não aceitou.

    Melânia fez uma greve de fome de 7 dias.

    No sétimo dia, sabendo que a filha

    poderia morrer, atendeu seu pedido.

    Mariano ficou desolado. Teria que

    abandonar seus estudos, sua carreira, todos os seus

    sonhos. Um dia Melânia, após deixá-lo sofrer o

    necessário, o avistou no pátio do colégio.

    - O que está fazendo aqui, bonitão?

    -Menina, sai de perto, não estou de bom

    humor, e muito menos para você.

    - Nossa, que bronco! Talvez seja por isso

    que está desempregado. Que aconteceu? Seu patrão

    não suportou seus arroubos e por isso resolveu

    despedi-lo? Mariano a pegou pelo braço e a encostou

    em uma parede. No mesmo instante, o instinto de

    ambos foi acionado.

    -Só não dou um tapa em você porque é

    mulher e é mais fraca que eu.

    -Pois se atreva! Se atreva! – respondeu

    Melânia, ofegante, cheia de desejo.

    -Não, não vou me atrever. Você ainda

    usa fraldas.

    -Quer que eu erga minha saia para você

    ver as minhas fraldas?

    -Não seja ridícula.

    -Mariano, eu te chamei para conversar.

    Você é um ignorante.

    -Conversar? – desdenhando, ele se soltou

    dela – o que você teria para conversar comigo? Sobre

    os penteados da moda, sobre as telenovelas do mês,

    sobre Regina Duarte e Francisco Cuoco?

    -Vê-se que você não é um completo

    ignorante. Sabe do que nós, mulheres, gostamos.

    -Não, sei do que as mulheres gostam.

    -Então saberá valorizar uma menina que

    pode te ajudar.

    -Me ajudar como?

    -Eu arranjo um emprego para você.

    Mariano começou a trabalhar na empresa

    do pai dela. Mas Melânia queria sua recompensa. Não

    fizera tanto esforço em vão. Ia todos os dias ao

    trabalho do pretendente, enquanto Ricardo a

    observava da janela.

    -Eu aqui me matando de

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