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O olhar da ética
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O olhar da ética

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Sobre este e-book

Diante da amplitude e da diversidade dos atuais problemas coletivos, pensadores têm invariavelmente concluído que suas soluções dependem de os cidadãos serem mais responsáveis, solidários, justos etc., em suma, mais éticos. O que nos conduz a procurar saber em que consiste a ética e de que maneira ela, na vida, aponta bons caminhos. Este ensaio percorre a ética filosófica clássica (Aristóteles e Tomás de Aquino), também dita ética das virtudes, e depois a neoaristotélica de Ricoeur. Ambas expõem com clareza o caminho para que o comportamento do ser humano seja, antes de tudo, bom para si mesmo e reafirmam existir uma fundamental e notável conexão entre felicidade pessoal e vida com ética. Em seguida, coerente com tais bases filosóficas e com a evolução histórica do mundo ocidental, o texto explica os seis princípios da ética social, estruturados no início do século XX. Seu guia prático mais importante é o conceito do Bem Comum, que se aplica a todas as sociedades, desde a família até a comunidade das nações. A fim de mostrar o poder destas teorias da ética no enfrentamento de problemas sociais, desenvolvemos alguma crítica aos sistemas econômicos, ao comportamento das empresas e às obrigações dos Estados. Para encerrar, apontamos muitas deficiências dos capitalismos e das democracias existentes, as quais temos esperança de corrigir por meio do olhar da ética.
IdiomaPortuguês
EditoraViseu
Data de lançamento13 de fev. de 2023
ISBN9786525439792
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    O olhar da ética - Plínio Castrucci

    Prefácio

    Encontramo-nos perplexos perante a magnitude dos problemas existenciais da atualidade. O progresso das ciências, a facilidade das comunicações, o aumento da produção de bens materiais, as transformações da política e das instituições de Estado, todos surpreendem positivamente, mas criam problemas.

    A imensa literatura que os descreve e lhes aponta soluções exibe uma característica comum: os próprios cidadãos precisam mudar de comportamento, neste ou naquele aspecto. Devem consumir melhor, votar melhor, devem ser mais disciplinados, mais justos, mais solidários e atentos à política. É preciso que os próprios cidadãos sejam mais éticos.

    Neste texto pretendemos percorrer um ambicioso caminho, indo dos fundamentos da clássica ética das virtudes, de Aristóteles e Aquino, até o neoaristotelismo de Ricoeur e os seis princípios da ética social do século XX, para finalmente lançar um olhar ético sobre a economia e a política atuais.

    A ética das virtudes clássica é um pensamento filosófico que começa com Sócrates no século IV a.C., é estruturado por Aristóteles, aperfeiçoa-se com Tomás de Aquino no século IV d.C., e tem resistido bem ao embate com as várias correntes éticas modernas. Em essência, afirma que: a) os valores de bem e de mal e o primeiro princípio prático (faça o bem) estão inscritos na natureza do ser humano; b) a vida feliz decorre da sua compatibilidade com esses valores, intermediada pela razão em sentido amplo; c) a busca da felicidade requer o desenvolvimento das virtudes morais.

    Mas também há na natureza do ser humano a atração pela vida em comunidade, a amizade e a amorosidade, o que nos conduz a uma ética dita neoaristotélica. Por outro lado, no capítulo 3 verifica-se que os pensadores do Ocidente têm evoluído gradualmente da ética das virtudes clássica, que enfatiza a felicidade pessoal, para a ética social, que busca o bem-estar das comunidades — família, empresa, nação.

    Os capítulos 4.1 e 4.2 expõem o importante conceito do Bem Comum das sociedades e os consagrados seis princípios da ética social: dignidade da pessoa, direito de propriedade, primazia do trabalho, primazia do Bem Comum, dever de solidariedade e respeito à subsidiariedade. Seguem-se exercícios de crítica ética dos sistemas econômicos clássicos, da atuação das empresas e do dever dos Estados.

    Finalmente, nos capítulos 5.1 a 5.3, o autor visita deficiências do capitalismo liberal e do sistema democrático ligadas à crise atual para mostrar que de fato a sua correção depende de as pessoas serem elas mesmas educadas nas virtudes éticas.

    O autor deseja registrar seu agradecimento aos amigos Dra. Laura Menegon Zaccarelli e Vinicius Gomes Melo pela atenciosa crítica do texto.

    Este livro deve alguns de seus capítulos fundamentais ao Curso de Ética em Administração, Atlas, 2006, dos autores Felix Ruiz Alonso, Francisco Granizo López e Plinio de Lauro Castrucci. No entanto a obra atual é de exclusiva responsabilidade do último, que aproveita o ensejo para prestar homenagem aos outros autores, falecidos.

    PC – São Paulo, 2022.

    1

    Introdução

    1.1 Introdução

    Crise

    Crescentes dificuldades econômicas, inseguranças sociais e incertezas políticas constituem a visão predominante do estado da nossa civilização.

    Aumentam as desigualdades econômicas entre periferias e centros das metrópoles, entre trabalhadores e dirigentes, assalariados e rentistas, entre os mais e os menos instruídos. Teorias de macroeconomia, aceitas durante quase três séculos, são desafiadas por ideias opostas e mais condizentes com os fatos após a crise financeira mundial de 2008. A migração rápida do trabalho industrial para alguns países asiáticos, no contexto de uma globalização desregulada, deixa desequilíbrios graves em outros países. O capitalismo, triunfante na produção de bens e riquezas, leva 76% dos trabalhadores norte-americanos a crerem que a vida de seus filhos será pior que a deles. O Brasil não consegue reduzir as inaceitáveis taxas de cinquenta mil homicídios por ano, quinze por dia, nem os mais de dez milhões de desempregados! O número de autolesões e tentativas de suicídio aumentou 536% nos últimos oito anos, 45% entre jovens de 15 a 29 anos. ¹

    Na política, processos democráticos falham em sua essência, porque paradoxalmente não reduzem a pobreza nem melhoram a saúde e a educação da maioria e porque perdem terreno para sistemas capitalistas não democráticos como o da China. Processos eleitorais não sabem como lidar com o poder das novas comunicações e das fake news. Guerras locais estão sempre presentes, sem que se construa uma governança suficiente para cuidar do Bem Comum da humanidade.

    No clima, há décadas, as advertências dos cientistas tentam convencer os governos da urgência das ações conjuntas para enfrentar o aterrorizante aquecimento global. Cinco séculos após Descartes, surpreende a existência ainda hoje de tantos descrentes na ciência como foram vistos ao aguçar-se em nível global a pandemia de covid-19.

    Prova indiscutível da total insatisfação com as instituições é que o mundo está cada vez mais indo para as ruas, em grandes manifestações de protesto, pelos mais variados motivos. Pesquisadores da Universidade Columbia apontam que os protestos de grande porte no mundo evoluíram de 73, em 2006, para 251, em 2020, 37% motivados por representação política e 37% por justiça econômica!²

    Mas também há que ponderar, contra essa visão, aquela realista e esperançosa que começa por enfatizar os acertos dos últimos tempos, os caminhos benéficos à humanidade. Nos últimos séculos, o progresso material do ocidente tem sido extraordinário, seja em renda, mortalidade infantil e longevidade, seja em conforto, mobilidade e comunicação. Olhando apenas dois desses temas, desde o século XVIII a renda média per capita no ocidente multiplicou-se por cem e a expectativa de vida por dois! Apesar das desigualdades, é indiscutível que o mais pobre de hoje goza de mais conforto e vive muito mais que o rico de 250 anos atrás. Estudo da OCDE mostra que o emprego industrial reduziu em 20% nos últimos 20 anos, mas que o emprego em serviços cresceu 30%; empregos são destruídos, mas também são criados. O desafio é de adaptação, de aperfeiçoamento da economia e das leis. Na política, a plena democracia, assim como a igualdade de direitos humanos, são utopias que valem a pena perseguir. No clima, o perigo está bem identificado e espera-se que os países se unam na luta contra a catástrofe.

    O autor tende a ver a crise como um novo desafio para a humanidade. Porém, devido aos processos democráticos e às comunicações instantâneas e em rede, os responsáveis por vencer ou perder nesse desafio são os próprios indivíduos. Governos são escolhas das pessoas. Escolher bem é agir bem, com firmeza. Orientar o ser humano para que saiba agir bem é a finalidade ampla da ética.

    Mas o que é a ética? É um conceito complexo no qual vale a pena uma, talvez, longa imersão antes de lançar um novo olhar sobre duas das instituições fundamentais da vida moderna: o capitalismo liberal e a democracia.

    Sócrates

    A primeira argumentação no campo da ética bem documentada é a longa defesa que Sócrates desenvolve como réu em seu famoso julgamento (400 a.C.). Pode-se dizer que esse discurso de defesa dá partida à ética filosófica. O discípulo Platão foi quem registrou os discursos do mestre e as razões de sua decisão final de não fugir³; expôs um modelo perfeito de raciocínio ético.

    Após uma vida dedicada a ensinar, a fazer o bem e a cumprir com seus deveres cívicos, Sócrates vê-se acusado de ser um perigo para a educação da juventude e para a sociedade. A condenação à morte, sem provas e por um júri composto por desafetos é, de fato, totalmente injusta. À espera da execução, amigos oferecem a possibilidade da fuga e de um exílio junto à família; garantem ainda não correrem qualquer risco por facilitarem a fuga.

    Sócrates começa fixando premissas para sua defesa: não se deixar levar pelas emoções; esclarecer os fatos; raciocinar com independência; que a única pergunta a ser respondida é se a acusação é justa ou não.

    Condenado à morte, pondera sobre a proposta de fugir: a) a fuga desprezaria a lei e danificaria o Estado, e não devemos fazer o mal; b) tendo vivido até então naquele Estado, tacitamente ele aceitara obedecer a suas leis; este pacto, como qualquer um, nunca deveria ser desfeito; c) a sociedade de qualquer um é seu pai e mestre, e todos devem obediência a seus pais e mestres. E, prudentemente, afirma que a) tornar-se um fora da lei, no exílio, não faria bem nem a ele, nem a seus amigos, nem a sua família; b) a morte de um velho que sempre fez o bem não é um mal, haja ou não uma vida após a morte.

    Em todos os seus argumentos, Sócrates apela com clareza aos princípios gerais do bom comportamento do ser humano: desejo de justiça, não fazer o mal, cumprir contratos, buscar o bem de si mesmo e também dos amigos. A escolha da boa conduta exige meditar e raciocinar.

    A vida, declarou uma vez, só vale a pena ser vivida quando pensamos no que estamos fazendo. Uma existência sem análise é adequada para o gado, mas não para os seres humanos.

    É a questões de bem e de mal, de querer e de dever, de amizade e de obediência, de vida feliz, todas tão frequentes na vida dos seres humanos, que a ética se dedica.

    Viver com ética

    O leitor sabe, por experiência, que em muitos momentos do dia sente necessidade de agir, considera alternativas, pondera e decide por atos que sabe terem consequências para si e para outros. Muitas decisões são simples, algumas são angustiantes. Mesmo que o homem saiba, intimamente, a distinção entre bem e mal, a decisão no aqui e agora da vida real é complexa; exige esforços de apreensão de dados reais, de ponderação e de decisão. O desejo de agir bem não isenta a pessoa de ter dúvidas íntimas, de enfrentar dilemas de decisão. As leis e as normas morais prevalecentes na comunidade, geralmente insatisfatórias, imprecisas ou contraditórias, variáveis conforme a cultura local, não oferecem solução. A teoria da ética não pretende resolver questões para o leitor, ela visa, sim, ajudar o leitor a bem decidir.

    Viver com ética é uma arte, uma habilidade não redutível a regras fixas. Não se esperam da teoria da ética as regras que determinem exatamente o que fazer em cada situação; espere-se apenas a compreensão do nosso processo de decisão, segundo os princípios gerais de ética, perante situações, circunstâncias e emoções.

    Por que viver com ética?

    Em Ética a Nicômaco, a grande matriz dos estudos de ética no Ocidente, Aristóteles (século IV a.C.) associa agir bem com felicidade. À pergunta Qual é o bem supremo que podemos conseguir em todos os atos de nossa vida? responde: "A palavra que designa o bem supremo, aceita por todos, é felicidade e, segundo a opinião comum, viver bem, agir bem, é sinônimo de ser feliz".

    Em todas as artes, a prática e a disciplina são fundamentais. O mesmo acontece na ética: o bom comportamento habitual e o esforço para melhorar são os caminhos para o aperfeiçoamento da pessoa e para sua prontidão para agir bem. Eles são as virtudes éticas, disciplinas comportamentais que cumpre cultivar.

    Não é trivial essa relação entre comportamento ético, bem, mal, virtudes morais e felicidade. Por essa razão, o capítulo 2 conduzirá o leitor à

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