Noções Práticas de Prevenção e Tratamento do Superendividamento
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Noções Práticas de Prevenção e Tratamento do Superendividamento - Laís Bergstein; Renata pozzi Kretzmann
Prefácio
É um prazer fazer o prefácio desta importante e útil obra. As brilhantes pesquisadoras Laís Bergstein e Renata Kretzmann, ambas egressas da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, presenteiam a comunidade jurídica com uma obra inovadora que destaca aspectos práticos relevantes para a aplicação da Lei nº 14.181/2021.
Com estágio de pesquisa em Giessen e bolsa do CDEA (Centro de Estudos Europeus e Alemães UFRGS-PUCRS-DAAD), Laís Bergstein foi minha orientanda durante o doutorado na UFRGS, cuja premiada tese rendeu, além de nota máxima e voto de louvor, a menção honrosa no Prêmio CAPES de Teses 2019, a mais importante premiação conferida aos programas de pós-graduação stricto sensu no Brasil. Renata Kretzmann, por sua vez, foi destacada orientanda do Prof. Dr. Bruno Miragem, autora de uma das mais completas obras sobre o direito à informação no Brasil, publicada em 2019.
Parabenize-se as jovens e competentes autoras pela escolha do tema e a maneira pedagógica, prática e talentosa com que expõem a matéria.
A prevenção e tratamento do superendividamento é matéria nova no direito brasileiro e de fundamental importância para a proteção dos consumidores, agentes vulneráveis, e para assegurar o equilíbrio no mercado de consumo e crédito. Como já escrevi, sabemos que o superendividamento é problema social que afeta o consumidor endividado e sua família e a sociedade como um todo. O superendividamento dos consumidores é um risco sistêmico para uma sociedade (se todos os consumidores pessoas naturais vão à ‘falência’/ruína ao mesmo tempo, a sociedade de consumo para e uma crise financeira e econômica inicia, semelhante a que aconteceu nos EUA em 2018 e gerou a crise financeira mundial). Não é mais apenas um problema individual de inadimplência, é um problema para toda a sociedade, para o mercado, um problema coletivo e assim deve ser tratado, como de interesse social! O consumidor superendividado é excluído da sociedade de consumo, ficando com o nome sujo
nos bancos de dados e se torna um pária do mercado. A roda do mercado não funciona sem os consumidores, o que torna o endividamento das massas de consumidores um freio à retomada da economia.
A Lei nº 14.181 foi aprovada em 1º de julho de 2021 com o objetivo de atualizar o Código de Defesa do Consumidor por meio da prevenção do superendividamento e da promoção do acesso ao crédito responsável e à educação financeira do consumidor. Reforça a dimensão constitucional do CDC, e ao assegurar o crédito responsável e a preservação do mínimo existencial, concretiza o objetivo fundamental da República de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais
(art. 3º, III da CF/1988) e também realiza a finalidade da ordem constitucional econômica de assegurar a todos existência digna
(art. 170 da CF/1988). Essa dimensão constitucional, oriunda das menções constitucionais na lista de direitos fundamentais do art. 5, XXXII, art. 170, V e art. 48 ADCT da Constituição Federal foi consolidada na vitória na ADIn 2591, a conhecida ADIN dos bancos, reforçou a aplicação do CDC e a possibilidade do CDC de estabelecer regras de conduta leal para guiar as relações bancárias, de crédito e securitárias.
(parágrafo segundo do art. 3° do CDC, declarado plenamente constitucional). A consequência é um reforço do art. 1° do CDC que esclarece a natureza de ordem pública e interesse social de todas as regras do CDC, incluindo assim as novas regras incluídas pela Lei nº 14.181/2021. Especialmente as regras do capítulo novo de prevenção do superendividamento e de garantia de práticas de crédito responsável e de preservação do mínimo existencial (art. 6º, XI e XII) são indisponíveis.
O superendividamento é também problema jurídico que estava à espera de tratamento
ou solução pelo Direito do Consumidor. O superendividamento como problema jurídico deve ser tratado como qualquer outro mal da sociedade de consumo, com boa-fé e responsabilidade compartilhada pela concessão irresponsável de crédito! Sim, com informação e esclarecimentos específicos que o crédito e a compra a prazo exigem, com restrições para o marketing agressivo e assédio de consumo. Com cooperação e com cuidado para com os leigos-consumidores, com normas que combatam as práticas comerciais abusivas e as fraudes, o aproveitamento da fraqueza e da vulnerabilidade do consumidor (veja o art. 39, IV do abuso de fraqueza ou abus de faiblesse, agora chamado de assédio de consumo pelo art. 54-D, III), possibilitando identificar erros e fraudes, possibilitando anular ‘contratos de escravidão’, cooperando para o bom fim dos contratos - que são seus pagamentos e não ter a dívida não paga, tendo que esperar 5 anos para prescrever e ficar com o nome sujo na praça-. Enfim, boa-fé e responsabilidade e lealdade na concessão do crédito, reforçando a prevenção do superendividamento do consumidor pessoa natural.
Essas saídas
, como sempre destaquei, são frutos dos deveres de informação, cuidado, cooperação e lealdade, oriundos da boa-fé para evitar a ruína do parceiro, isto é, sua exclusão total do mercado (art. 4, X do CDC). Boa-fé é um pensar ‘refletido’, um pensar no outro, no alter, no leigo e consumidor e suas expectativas legítimas com os contratos de consumo e de crédito. Logo, não pode estar de boa-fé aquele fornecedor que sabe que o consumidor está na ruína e não coopera, renegociando ou repactuando o seu pagamento, aquele fornecedor que sabe que o contrato que oferece levará o consumidor e sua família à ruína, pois como vimos a ruína de um leva à ruína de toda a família! A boa-fé sempre conheceu o dever de cooperar, o dever de cuidado com o outro, o cocontratante. No superendividamento, nasce aqui um dever de renegociar, de repactuar, de cooperar vivamente para ajudar o leigo a sair da ruína. E, na concessão de crédito e na venda a prazo (que também pode levar ao superendividamento), nasce um dever de cuidado, de concessão ‘avaliada’, cuidado, responsável de crédito para não levar com este contrato, o consumidor à ruína.
A novidade aqui é que a chamada ‘exceção da ruína’ do boa-fé objetiva sai do âmbito individual de cada um dos contratos (entre consumidor e um fornecedor) e coletiviza-se no fenômeno do superendividamento, que se aproxima de uma recuperação extrajudicial, pois todos devem cooperar para o consumidor sair da ruína’ em bloco’ e reincluir-se na sociedade de consumo (art. 4°, X), pagando as dívidas, mas preservando o mínimo existencial (art. 6°, XII). Laís Bergstein e Renata Kretzmann baseiam-se nesses deveres básicos ao apresentarem as explicações e orientações para os operadores do Direito que buscam reflexões, estudos e orientações para a atuação nesse âmbito
Além de facilitar alguns dos caminhos ao profissional que busca atuar na área, as autoras antecipam questões doutrinárias relevantes sobre a nova legislação e as mudanças relevantes trazidas para o microssistema de defesa dos consumidores no Brasil. Exemplo disso é a estipulação do prazo de cinco anos para a liquidação do valor principal devido, corrigido monetariamente (CDC, art. 104-B, § 4º), que deve ser interpretado sempre a favor do consumidor e, como apontam as autoras, em uma "perspectiva do dever de efetiva prevenção do superendividamento imputável ao fornecedor pelo CDC, concluímos que os prejuízos devem ser suportados pela parte concedente do crédito pela impossibilidade de pagamento no prazo de cinco anos."
A presente obra também tem o grande mérito de apresentar em cada tópico os fundamentos dogmáticos das relações de consumo, da defesa dos consumidores e antecipar a elucidação de aspectos práticos relevantes da aplicação da nova legislação. Destaco também as vantagens do formato eletrônico, que possibilita leitura e consulta em diversos aplicativos e possibilidade de rápida atualização do texto. Meus cumprimentos também à Editora Saraiva pela iniciativa de desenvolver esta obra que certamente será de grande utilidade para todos os envolvidos em demandas de repactuação de dívidas e processos por superendividamento dos consumidores. É uma nova fase do direito do consumidor que se inicia no Brasil e a obra de Laís Bergstein e Renata Kretzmann acompanhará e guiará esta evolução da boa-fé em nosso mercado de crédito.
A todos, boa leitura!
Claudia Lima Marques, Doutora em Direito (Heidelberg), Professora Titular da UFRGS e Professora Permanente do PPGD UFRGS e da UNINOVE, Diretora do Centro de Estudos Europeus e Alemães (UFRGS-PUCRS-DAAD), Ex-Presidente do BRASILCON, Relatora Geral da Comissão de Juristas do Senado Federal de Atualização do CDC. Pesquisadora BP 1 A do CNPq. E-mail: dirinter@ufrgs.br
Apresentação
A presente obra foi pensada e elaborada para atender a uma especial demanda identificada pela Editora Saraiva, que acertadamente identificou a falta de publicações voltadas à prática forense de prevenção e tratamento do superendividamento.
Buscamos elucidar, com uma perspectiva eminentemente prática, os principais aspectos da Lei n° 14.181/2021, que aperfeiçoa o Código de Defesa do Consumidor, atendendo uma demanda social muito relevante.
É preciso resgatar o consumidor superendividado que, por um acidente da vida e fatores alheios à sua vontade, foi excluído do mercado de consumo brasileiro. O superendividamento, que corresponde à morte civil do cidadão, é um problema social a ser superado por meio de esforços conjuntos e de uma rede de atendimento.
Preocupa-nos que o sistema de defesa dos consumidores deseje aguardar a regulamentação do mínimo existencial para dar concretude aos direitos e deveres previstos na nova legislação. Da mesma forma, a momentânea carência de núcleos de conciliação e mediação de conflitos de superendividamento, não é impeditivo para que o consumidor encontre uma resposta jurídica adequada de renegociação das suas dívidas. A lei do superendividamento, que passou a ser referida pelo movimento de defesa dos consumidores como lei Claudia Lima Marques, em homenagem à relatora